RESUMO: A pesquisa objetiva analisar a constitucionalização do direito de Família e seus reflexos jurídicos. Como metodologia, utilizou-se a pesquisa bibliográfica, a qual foi possível reunir livros e monografias com seus respectivos autores, permitindo fazer um debate sobre a temática ora em destaque. A pesquisa se justifica por discutir sobre o Direito de Família e sua constitucionalização, atravessando novos conceitos e novas características de laços familiares como sujeitos de direito. Dividiu-se o estudo em 04 itens chaves, quais sejam, origem e evolução da família; a constitucionalidade do direito de famílias; as novas configurações familiares e; o afeto como elemento para a constituição familiar.
Palavras-chave: Constitucionalização; Família; Reflexos jurídicos.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO - 2. ORIGEM E EVOLUÇÃO DA FAMÍLIA - 3. A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA - 4. AS NOVAS CONFIGURAÇÕES FAMILIARES - 4.1 FAMÍLIA HETEROSSEXUAL FORMADA PELO CASAMENTO - 4.2 FAMÍLIAS DE UNIÕES ESTÁVEIS - 4.3 FAMÍLIAS DE UNIÕES ESTÁVEIS HOMOAFETIVAS - 5. O AFETO COMO ELEMENTO DETERMINANTE DAS RELAÇÕES FAMILIARES. - 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS - 7. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS
1. INTRODUÇÃO
Toda a sociedade encontra ou deveria encontrar na família natural seu ponto de partida. A família é, sem sobra de dúvidas, a célula-mãe da sociedade; é o espelho sem o qual a sociedade não poderá prosseguir seu caminho rumo ao bem comum. A família é à base da sociedade, como prescreve o artigo 226 da Constituição Federal Brasileira
Tem-se em mente o seguinte: uma família constituída à luz de princípio morais sólidos fará de seus membros cidadãos de primeira categoria, ao passo que uma família destituída desses princípios legará aos seus integrantes vícios de toda a natureza.
Já se disse que o homem é produto do meio onde vive. Pois bem, nascendo e se criando em uma família solidamente constituída, dotada de invejáveis princípios morais, esse homem, provavelmente, será um elemento útil à sociedade e, graças ao aprendizado recebido, poderá repassá-lo aos seus filhos, netos e, quiçá, bisnetos
Por tudo isso é que o núcleo familiar é de significativa importância para o ser humano. É claro que, às vezes, um indivíduo mesmo recebendo toda essa carga de bons conceitos acaba se perdendo e seguindo caminhos tortuosos, perigosos, imorais e ilícitos, mas essa é a exceção à regra geral.
Ressalta-se que a constitucionalização da família se contrapõe exatamente contra a discriminação e a inflexibilidade que antes era imposta pela lei civilista. Denotando-se, portanto, que há um tratamento jurídico interpretado à luz da Constituição Federal.
2. ORIGEM E EVOLUÇÃO DA FAMÍLIA
A família, historicamente, desempenhou um papel fundamental na sociedade, como célula básica na composição de um corpo.
Entretanto, a evolução jurídica da família, vem ocorrendo desde os tempos de Roma. A família romana assentava no poder incontrastável do pater famílias, senhor máximo que detinha “tudo e todos”: os filhos, que deveriam submeter-se as suas escolhas profissionais e amorosas; a mulher, destinada ao lar, aos muros da casa, e os escravos; enfim, ele podia dispor livremente das pessoas e dos seus bens.
Posteriormente, a organização jurídica da família sofre a influência do Direito Canônico, onde , para o Cristianismo, a família deve fundar-se no matrimônio. A forma solene, o princípio do consensualismo, a forma mais favorável da mulher na sociedade conjugal, a indissolubilidade do vínculo do casamento, conservada em algumas legislações contemporâneas são marcas deixadas pela força da igreja católica.
Mais tarde, a influência da Escola do Direito Natural, altera, profundamente, a estrutura tradicional da família. A característica patriarcal e sua finalidade política são combatidas, e surge a organização igualitária na família.
Perrot (2005), historiadora francesa, argumenta que no lugar dos princípios familiares que herdamos do séc. XIX, uma nova forma de família está a caminho: “a que tenta conciliar a liberdade individual com os laços afetivos do velho lar.”
O casamento atual requer constantes negociações, uma vez que a mulher conquistou espaço junto à sociedade, ela não mais se submete a cozinhar, passar, lavar e cuidar da educação dos filhos, como antigamente. Ela quer estudar e trabalhar. Nesse aspecto, vale ressaltar a importância da Lei do Divórcio.
A hierarquia familiar que apontava o homem como chefe da sociedade conjugal não mais existe, graças à promulgação da Carta Magna em 1988.
As mudanças comportamentais que vem se operando nas uniões conjugais, revelam um convívio mais harmonioso, em detrimento da relação de poder de mando,unilateral que havia.
A legitimação da União Estável através do art. 226, parágrafo 3. da Constituição Federal foi uma das inovações introduzidas no Direito de Família: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento” (BRASIL, 1988).
Nas camadas mais jovens a primeira opção de vida conjugal passou a ser o companheirismo. Segundo Dias (1998) estas uniões se firmaram nos valorosos sentimentos mútuos de cada um em relação ao outro: no amor, no respeito, na afeição, na compreensão, na solidariedade, na confiança, no auxílio maternal e moral, na fidelidade, enfim sentimentos que vinculam duas pessoas para a vida em comum.
Observa-se que não é a família que está sendo banida da sociedade, mas sim, a forma rígida e engessada como ela se apresentava no séc. XIX. O calor de uma casa, de um lar, um abrigo seguro, uma proteção todos desejam. O que as pessoas desejam é conciliar as vantagens da solidariedade familiar com as liberdades individuais. Essas novas famílias estão sendo construídas no dia a dia, buscando mais igualdade de idade, sexos, mais flexibilidade, menos regras
O ideal para a família do terceiro milênio seria conservar os aspectos positivos: a solidariedade, a fraternidade, a ajuda mútua, os laços de afeto e amor.
3. A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA
O Direito de Família enquadra-se em um dos ramos do Direito Civil no qual disciplina a formação, organização e extinção das relações familiares e seguindo a sistemática do nosso código tem seu assento no Direito Privado, segundo Oliveira e Muniz.
Entretanto, existe outra corrente de doutrinadores que entende de forma diversa, aduzindo que o Direito de Família deveria se enquadrar em um ramo autônomo, próximo ao Direito Público.
Esta corrente é minoritária, pois no Direito de Família existe o interesse individual a ser regulado e este possui maior importância, já que tudo ocorre no seio familiar, sem ter uma dependência com um ente superior, o Estado.
Compreender a evolução do Direito de Família deve ter como premissa a construção e a aplicação de uma nova cultura jurídica, que nos conduz a conhecer a proposta de proteção às entidades familiais, estabelecendo um processo de repersonalização destas relações e, devendo centrar-se na manutenção do afeto, sua maior preocupação.
O desafio lançado consiste em aceitar o princípio democrático do pluralismo na formação de entidades familiais e, respeitando as diferenças intrínsecas de cada uma delas, efetivar a proteção e prover os meios para resguardar o interesse das partes, conciliando o respeito à dignidade humana, o direito à intimidade e à liberdade com os interesses sociais e, somente quando indispensável, recorrer à intervenção estatal para coibir abusos.
A busca de respostas aos conflitos nas famílias leva-nos a perceber a realidade e a diversidade social brasileira, predominando as disparidades intensas entre os aspectos culturais, econômicos e sociais. O policulturalismo, característico de nossa sociedade, representa um grande desafio para os intelectuais por representar um verdadeiro laboratório da pós-modernidade.
A organização familiar está sempre vinculada à mudança, entretanto, o tratamento auferido pelo Direito brasileiro às relações familiares ficou, durante muito tempo, alheio ao processo de transformação das relações de família e de suas necessidades. Foi preciso criar um novo paradigma, instituído pelo modelo constitucional, que operou uma substituição ao modelo consagrado pelo Código civil de 1916. Este último, centrado no individualismo, caracterizou-se pelo predomínio do patriarcado e da proteção às relações patrimoniais oriundas da relação conjugal matrimonializada. A proposta constitucional revolucionou o tratamento jurídico das relações familiares.
Na sociedade brasileira dos últimos anos, em virtude de diversos fatores, especialmente, o ingresso massivo da mulher no mercado de trabalho resultou na redefinição dos papéis feminino e masculino na gestão da vida familiar. Houve preocupação com o diálogo e a divisão de tarefas, fato que estimulou transformações importantes, tanto nas relações entre os cônjuges ou companheiros quanto nas relações entre pais e filhos. Esta nova realidade deu origem a um processo de democratização das relações interindividuais, fruto da transformação de valores e princípios relativos à vida afetiva e familiar.
O modelo de família nuclear permanece dominante, mas já não há um único modelo ocidental de família, posto que o plural se impõe e essa pluralidade enseja, paradoxalmente, o exercício de igualar e diferenciar, em diversos momentos, o homem e a mulher, levando em conta as peculiaridades dos conflitos de família ora judicializados. A reinvidicação e o reconhecimento dos direitos de igualdade, respeito à liberdade e à intimidade de homens e mulheres, assegura a toda pessoa o direito de constituir vínculos familiares e de manter relações afetivas, sem qualquer discriminação.
A pluralidade de formas de constituição de família representa uma grande ruptura com o modelo único de família, instituído pelo casamento. Aceitar que outras formas de relação merecem, igualmente, a proteção jurídica implica reconhecer o princípio do pluralismo e da liberdade que vem personificar a sociedade pós-moderna.
Fachin (2012) descreve este novo Direito de Família como sendo:
“...o Direito não imune à família como refúgio afetivo, centro de intercâmbio pessoal e emanador da felicidade possível, família como sendo o mosaico da diversidade, ninho da comunhão no espaço plural da tolerância, valoriza o afeto, afeição que recoloca novo sangue para correr nas veias de um renovado parentesco, informado pela substância de sua própria razão de ser e não apenas pelos vínculos formais ou consangüíneos. Tolerância que compreende o convívio de identidades, espectro plural, sem supremacia desmedida, sem diferenças discriminatórias, sem aniquilamentos. Tolerância que supõe possibilidade e limites. Um tripé que, feito desenho, pode-se mostrar apto a abrir portas e escancarar novas questões. Eis então o direito ao refúgio afetivo”.
A noção de afeto pode parecer vaga e imprecisa, mas suas manifestações podem revestir diversas realidades envolvendo cônjuges, companheiros, amantes, pais e filhos e, essas relações envolvendo ainda, outros indivíduos. Mesmo sendo difícil penetrar na esfera subjetiva do ser, é possível que o Direito venha a demonstrar sensibilidade às questões afetivas, suas irrupções, seus excessos, buscando reparar situações, proteger aqueles que foram maltratados em suas relações de afeto.
4. AS NOVAS CONFIGURAÇÕES FAMILIARES
4.1 FAMÍLIA HETEROSSEXUAL FORMADA PELO CASAMENTO
A Constituição Federal de 1988, quando buscou contemplar uma nova concepção familiar tratando da diversidade das entidades familiais, da união estável, da família monoparental e da família adotiva, não deixou de dar ênfase ao casamento civil, principalmente quando estabeleceu a controvertida possibilidade de conversão de união estável em casamento, prevista no § 3ºdo artigo 226 do texto constitucional
Paradoxalmente, percebe-se que na medida em que o texto reconhece a união estável como entidade familiar, ordena ao Estado que facilite sua conversão em casamento, na intenção de normalizar as uniões lastreadas na informalidade. Aqui reside uma evidência que comprova a dicotomia entre duas correntes: uma que reconhece e tutela a pluralidade de formas de constituir família; e outra que pretende transformar em casamento as uniões livres e estáveis.
Conquistado o reconhecimento constitucional das relações afetivas de fato, percebe-se que não houve a intenção de se manter uma hierarquia ou estabelecer discriminações a uma ou outra forma de manifestação de vida familiar. Houve, sim, o reconhecimento de outras formas de conjugalidade, quebrando-se a supremacia da família matrimonializada.
Uma redefinição nítida dos papéis conjugais nos últimos anos estimulou a busca da divisão das responsabilidades entre marido e mulher, além de um maior equilíbrio na relação. A família matrimonializada de hoje apresenta-se e desenvolve-se a partir de uma modalidade de co-gestão, onde os interesses comuns e individuais dos cônjuges e dos filhos devem ser buscados e conquistados conjuntamente.
A igualdade entre os cônjuges, inscrita no § 5º do artigo 226 do texto constitucional, bem como a isonomia entre todos os filhos, afirmada no § 6º do artigo 227, devem ser consideradas como marcos fundamentais da reforma do Direito de Família, ficando demonstrada a superação do modelo patriarcal clássico, concebido na codificação civil.
O casamento tem em sua base o ato de vontade que se exprime por meio do consentimento livre pelo qual cada um dos cônjuges se compromete publicamente com o outro, daquele dia em diante. A solenidade que compõe o rito nupcial tem simbolismo e adquire caráter público, pelo fato de que o compromisso dos cônjuges se define pelo estabelecimento de uma comunidade de vida e pelo respeito aos direitos e deveres recíprocos, que vinculam os cônjuges, a partir do casamento.
A relação conjugal encontra seu fundamento na manutenção da vontade dos cônjuges em permanecerem juntos e dar continuidade ao projeto de vida comum. A existência de filhos do casal deixou de ser função essencial do casamento, podendo ser uma consequência natural, não mais o motivo primeiro do casamento.
A eventual quebra do afeto mútuo retira o significado da união que, muitas vezes, é acompanhada de um sentimento de perda ou fracasso. Depreende-se dos novos princípios que o casamento não está em decadência, mas simplesmente transformou-se e fortaleceu-se como uma comunidade afetiva vocacionada ao crescimento individual e do grupo familiar. As relações na família matrimonializada tornaram-se mais autênticas, embora possam apresentar a tendência de serem mais efêmeras, haja vista o incremento das separações e dos divórcios.
O respeito à autonomia dos indivíduos passa a ter papel preponderante na escolha da solução aos conflitos familiais, no respeito à liberdade e intimidade dos envolvidos. No processo de resolução dos conflitos, reconhece-se o direito ao descasamento, restabelecendose maior liberdade aos cônjuges para pôr fim ao contrato de casamento, segundo suas conveniências e interesses.
Nesse sentido, o papel inovador que vem sendo atribuído à mediação nos conflitos de família, a fim de possibilitar aos cônjuges a oportunidade de restabelecer o diálogo e construir a solução mais apropriada a seus problemas e evitar os longos e desgastantes litígios judiciais. Entretanto, se um certo formalismo para os desenlances ainda parece necessário, a permeabilidade para o diálogo e acordo dos envolvidos parece mais conveniente à dinâmica das relações conjugais.
O afeto passa a ter relevância para o Direito e transforma-se em um elemento importante tanto para a continuação, quanto para o desfazimento das relações conjugais, quando fraturado o vínculo afetivo. Separações, divórcios, dissoluções de uniões estáveis também fazem parte da dinâmica incessante das relações entre os indivíduos, tendo em vista que envolvem os mais complexos e instáveis sentimentos. Igualmente, em virtude da valorização do afeto e a busca da realização individual, as rupturas das uniões formais ou informais devem ser desdramatizadas, não mais fundadas na noção de culpa, mas, ao contrário, incorporando a noção de ruptura do vínculo afetivo.
As palavras de Pereira (2020) são reveladoras do despropósito de verificação de culpados pelo fim do casamento:
“É exatamente por procurarmos um culpado pelo fracasso de nossa relação que nos impedimos de pensar as outras possibilidades de vida, as quais não estão exatamente no campo da objetividade. O Direito de Família não pode mais ignorar que a subjetividade permeia praticamente todas as suas questões, com as quais lidamos no dia a dia.”
A pluralidade de formas de constituir família impulsiona de certo modo a revalorização do casamento atribuindo um novo sentido à relação baseada na igualdade conjugal e na relevância dos laços afetivos, no compromisso assumido e pactuado pelos cônjuges, quando da solenidade que os uniu.
O casamento, mantendo seu espaço e interesse no cenário familiar, deverá, entretanto, existir sem se confundir com a relação informal, ou seja, a união estável.
4.2 FAMÍLIAS DE UNIÕES ESTÁVEIS
A abertura de horizontes no novo Direito de Família surgiu a partir do enfrentamento de realidades que foram habilmente enclausuradas no sótão do esquecimento e da negação. A inclusão das uniões de fato no ordenamento jurídico brasileiro vem a comprovar a aceitação de outras realidades e a necessidade de reavivar e dar novas cores ao campo jurídico.
A mudança na forma de perceber a união estável, lastreada na informalidade, serviu para concebê-la enquanto uma entidade familiar, um modo alternativo ao casamento, como manifestação da liberdade dos companheiros em viver juntos. Essa ruptura para o plural é descrita por Fachin (2012):
“Espaços de não-direito geram fatos que, em certos casos, acabam se impondo ao jurídico, o que gera transformação naquilo que foi refinado pela ordem jurídica. Desta certa mudança sem ruptura vem a nova ordem, e o ciclo produtivo das passagens se mantém. Lacunas convertem-se em regras. Foi o que ocorreu com o concubinato. No contexto da família, a concepção matrimonializada forma um espaço de não-direito, mas a produção de relações sociais nesse espaço acabou gerando uma certa imposição, e o que está na “dobra” do Direito passou, gradativamente, a ocupar parte do núcleo no modelo plural de família”.
A expressão “união estável” foi escolhida pela Constituição Federal de 1988, substituindo o sentido preconceituoso e moralizador da expressão concubinato. A denominação concubinato, imbuída de um sentido pejorativo, de relação hors la loi ou clandestina estigmatizava, especialmente, a mulher designada concubina
A união estável passou a receber status de família no Direito brasileiro em 1988, mas esse fato foi antecedido por uma vasta construção jurisprudencial que teve o efeito de preparar e fixar as bases para o reconhecimento jurídico.
Mesmo com o reconhecimento constitucional, a promoção de união estável enquanto relação familiar sofre resistências e gera divergências marcantes e presentes tanto na formulação doutrinária quanto jurisprudencial.
As maiores dificuldades se encontram na análise dos fundamentos dessa união, no tempo de sua duração, na existência de impedimentos matrimoniais entre os companheiros, na possibilidade de conversão em casamento, nos direitos sucessórios do companheiro sobrevivente, entre outras questões que dividem e criam uma sensação de fluidez de conceitos. A contradição está, justamente, em querer aprisionar ou apreender uma realidade que se afirma pelos fatos e manifestações externas, não necessariamente comprováveis ou revestidos de aspectos formais, como seria o caso, de formalização de contrato entre os companheiros.
Como modo alternativo ao casamento, a família formada pela união estável ocupa, igualmente, um grande espaço no palco da vida familiar brasileira. Portanto, esta relação não rivaliza com o casamento e nem sempre é fruto de uma opção livre do casal. Ela pode vir a ser uma contingência que atinge muitas pessoas economicamente desfavorecidas, tendo em vista que a gratuidade dos casamentos civis, embora prevista constitucionalmente e incluída em disposição do novo Código Civil, na prática, não só continua onerando os contraentes em virtude da necessidade de publicação de editais, e ainda, lamentavelmente, submete o indivíduo à declaração de pobreza, situação humilhante e discriminatória.
Contrariamente, nas camadas mais abastadas da sociedade brasileira, a escolha pela união informal parece representar a expressão livre de um ato refletido e pleno da afirmação de liberdade, de modo que o “velho” modelo previsto pelo casamento não se imponha.
A escolha pelas uniões informais tende a aumentar, não constituindo mais uma ofensa aos costumes e valores de uma sociedade que observa a tolerância e o respeito à intimidade das pessoas. Viver juntos, sob um mesmo teto, passa a significar viver em família.
4.3 FAMÍLIAS DE UNIÕES ESTÁVEIS HOMOAFETIVAS
A aceitação recente das uniões afetivas entre iguais no âmbito do Direito de Família representa uma nova face do conceito de cidadania, transpondo a barreira do interdito, buscando a afirmação da diferença a partir da manifestação da liberdade de expressão e do direito ao livre desenvolvimento da personalidade. A eliminação das discriminações inscritas nas normas jurídicas leva à universalidade do Direito.
A homossexualidade, não sendo mais considerada uma doença e não constituindo um crime, progressivamente vem sendo aceita e reconhecida em lei, nos países democráticos. As relações afetivas entre duas pessoas do mesmo sexo constituem uma realidade vista e reconhecida em muitos lugares. A visibilidade abriu o caminho para a aceitação.
Sobre as uniões estáveis homossexuais, também denominada relação homoeróticas ou homoafetivas, sabe-se que a possibilidade de reconhecimento jurídico destas relações emerge nos anos noventa, com maior expressão e visibilidade a partir dos movimentos mundiais defensores da causa homossexual
De certo modo, o impulso a essa reivindicação se deu em decorrência da propagação da AIDS, que abriu espaço para pensar em proteger essas relações consideradas, “fora da lei e contra a natureza”, evitando-se, deste modo, a precariedade das uniões e a situação frágil daqueles que se viam abandonados ou isolados, após a morte do(a) companheiro(a).
A inserção recente das uniões entre iguais teve maior expressão em alguns países europeus. Entre aqueles que editaram lei especial para as referidas uniões, destacam-se: Dinamarca, Lei nº 372, de 27 de junho de 1989; Noruega, Lei nº 32, de abril de 1993; Suécia, Lei nº 1994.1117, de 23 de junho de 1994; Islândia, Lei nº 87/1996 de 1996; Bélgica, Lei de 23 de novembro de 1998; França, Lei nº 99-944, de 15 de novembro de 1999; e Holanda, Lei nº26.672, de 21 de dezembro de2000.
Nos tempos atuais, a elaboração de leis protegendo as uniões homoafetivas constitui o resultado de reivindicações relacionadas diretamente com os movimentos emancipatórios que envolveram a discussão pela igualdade, a não discriminação em função de sexo, idade e orientação sexual, a partir da ruptura com os dogmas religiosos sobre casamento e sexualidade. A gradual aceitação dessas relações por parte da sociedade demonstra a observância do princípio da tolerância, do respeito ao direito de liberdade e à intimidade dos indivíduos.
No Brasil, essa reivindicação é muito recente e gera grande controvérsia no que se refere ao seu tratamento no âmbito do Direito de Família. Mesmo havendo grande resistência ao reconhecimento destas uniões no meio jurídico, alguns juízes têm tratado de maneira inovadora essa questão e vêm atribuindo efeitos jurídicos a tais relações. Nesse sentido, podemos citar Maria Berenice Dias (2011), que argumenta:
“O Estado, para opor-se ao reconhecimento das relações não vincadas pela diversidade de gênero dos parceiros, alega que a família heterossexual é a base da sociedade moderna. Nega sua proteção à união homossexual sob o fundamento de que desvalorizaria o sentido social do sexo, tido como o fim da vida familiar”.
Nesse caso, aduz a autora que a diversidade de sexos não constitui requisito que exclua o reconhecimento da entidade familiar formada por pessoas do mesmo sexo, desde que a convivência seja duradoura, estável, pública e baseada nas relações de afeto. Toda a formulação feita à união estável heterossexual se aplicaria, então, à união entre pessoas do mesmo sexo.
Noutro sentido, Roger Raupp Rios (2001) destaca:
“A atualização do Direito de Família hoje exigida pela realidade social requer, além da superação do paradigma da família institucional, o reconhecimento dos novos valores e das novas formas de convívio constituintes das concretas formações familiares contemporâneas, que alcançam não só a citada “família fusional” mas também, a família pós-moderna”.
Se a escolha legislativa fosse a de reconhecer o status familiar das uniões homoafetivas, portanto, como consectário, estaria diretamente compreendido o direito de constituir vínculos de filiação, seja através da adoção, ou por meio de recurso às modernas tecnologias reprodutivas, denominadas técnicas heterólogas, quando necessária participação de uma terceira pessoa para geração do filho.
5. O AFETO COMO ELEMENTO DETERMINANTE DAS RELAÇÕES FAMILIARES.
A Constituição Federal Brasileira implantou o sistema unificado de filiação, reestruturando a família até então disciplinada pelo Código Civil e algumas leis esparsas, a verdade estabelecida pela presunção pater is est.
O verdadeiro sentido das relações pai-mãe-filho transcende a lei e ao sangue, não podendo ser determinada de forma escrita, nem comprovada cientificamente, pois tais vínculos são mais sólidos e mais profundos, são “invisíveis” aos olhos científicos, mas são visíveis para aqueles que não têm os olhos limitados, que podem enxergar os verdadeiros laços que fazem alguém um “pai”: os laços afetivos, de tal forma que os verdadeiros pais são os que amam e dedicam sua vida a uma criança, pois o amor depende de tê-lo e se dispor a dálo.
A família sociológica é a família onde predominam os laços de afeto e solidariedade entre pais e filhos, e essa situação passa a ter, enfim, para o mundo jurídico, uma significação. Com isso, a vida impõe avanços na estrutura das leis, fazendo com que o mundo de fato as supere e se distancie. A norma fria precisa perceber que é necessária uma transformação geral, visando as necessidades do ser humano. Mesmo que de forma lenta, tal noção vem a ser concebida, num primeiro momento, um pouco intuitivamente, para, num segundo momento, reivindicar-se uma posição clara da doutrina e da jurisprudência sobre o seu papel no sistema de estabelecimento da filiação.
O conceito de paternidade não se restringe mais ao ato da procriação; há a necessidade de outro elemento, caracterizado pelos laços de afeto.
A paternidade passa a ser não só ato físico, mas principalmente, ato de opção, entendida como uma intensa relação amorosa, de autodoação e de gratuidade. Bottura (1994): “salienta a importância dos pais demonstrarem afeto e ternura, que são características humanas. O afeto é muito importante, na formação da personalidade, porque é à base da segurança, da auto-estima.”
A primeira necessidade do ser humano é sentir-se aceito e protegido. A criança, quando nasce, necessita sentir calor humano para que perca o medo e a insegurança que seu nascimento gerou, pois saímos de uma situação protetora, o útero materno, e entramos num mundo novo e desconhecido, cheio de ruídos, cheiros e luz.
A criança precisa sentir que pertence à sua família, e somente consegue ter essa sensação se dos pais vier a proteção, manifestada através do afeto e de outros cuidados inerentes entre pais e filhos.
A criança que tiver suas necessidades adequadamente supridas nos momentos certos viverá melhor seu presente e caminhará para um futuro com grandes possibilidades de ser saudável e feliz.
O “direito à filiação” deveria ser dado aos filhos e não aos pais que, muitas vezes apenas assumem o “dever da filiação”, ou seja, por imposição legal, e não por opção própria, se obrigam a prestar alimentos e a visitá-los, sem que haja a menor relação de carinho entre ambos. Tais situações podem trazer prejuízos ao desenvolvimento dos filhos. Alguns encontram nas drogas um excelente elemento de protesto, não percebendo que esta atitude é tão destrutiva ou até pior para si quanto a falta de afeto e ausência de um dos pais.
Para entendermos o universo complexo das relações familiares, Wimer Bottura Junior (1994) afirma que:
“Os pais precisam dos filhos. Não para satisfazer as expectativas sociais, mas sim, para tê-los como objeto de seu afeto e responsabilidade. Na verdade, pai e filho precisam um do outro e é maravilhoso quando ambos percebem e sentem que um complementa a existência do outro. Complementar é se confirmar como ser humano ao gerar uma vida. Eu só vou tocar, ficar e brincar com meu filho porque é bom pra mim e para ele. Esta é a verdadeira troca na relação pai-filho.”
Pode-se indagar a respeito de qual argumento que, sendo legítimo, poderia justificar não se considerar como pai aquele homem que ama, que educa, alimenta e protege uma criança, fazendo transparecer a todos que é o pai, tendo em vista que assume pacificamente a função do genitor. E, além do mais, acrescenta-se que a situação de segurança e de paz que a criança usufrui não deveria ser, voluntária e abruptamente quebrada, através de uma contestatória de paternidade ou reivindicatória de uma outra relação de paternidade, a não ser que a criança tivesse sido, arbitrariamente, privada da convivência com os pais de sangue.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa atendeu rigorosamente seus objetivos. No primeiro item desmitificou-se historicamente o conceito de família, atravessando desde os primórdios até os dias atuais, denotando-se uma mudança pragmática de entendimento.
No segundo item a qual dispôs sobre a constitucionalização do direito de Família, elucidou-se que com o advento da Carta Magna, a família passou a ser visto por outro olhar, não ensejando tão somente o aspecto biológico, mas atravessando para o entendimento de que o afeto deve ser relevantemente analisado como um valor jurídico preponderante.
Delineou-se sistematicamente sobre as configurações de relações familiares, destacando-se o casamento, a união estável e a união homossexual. Por fim, debruçou-se sobre o afeto como elemento determinante para a constituição familiar, mudando-se o entendimento da filiação, que antes era vista tão somente decorrente apenas de uma relação sexual (reprodução humana natural) ou assexuada (reprodução humana medicamente assistida, inseminação), passando-se a ser vista também através de uma relação eminentemente carinhosa, afetiva ou fraterna.
7. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS
PERROT, Michele. As mulheres ou os silêncios da história. Tradução de Viviane Ribeiro. São Paulo: Edusc, 2005.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 33ª Ed.. Rio de Janeiro: Forense, 2020.
DIAS, Maria Berenice (coordenação). Manual do Direito de Família. 14ª Ed. Salvador: Juspodivim, 2020.
FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica do Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2012.
DIAS, Maria Berenice. União Homossexual. O Preconceito e a Justiça. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.
RIOS, Roger Raupp. A homossexualidade no Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 105.
BOTTURA JUNIOR, Wimer. A Paternidade Faz a Diferença. São Paulo: Gente, 1994
Graduando em Direito pelo Centro Universitário Luterano de Manaus- CEULM/ULBRA
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MORAIS, RALPH PEREIRA DE. A constitucionalização do direito de família e seus reflexos jurídicos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 jun 2021, 04:13. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56915/a-constitucionalizao-do-direito-de-famlia-e-seus-reflexos-jurdicos. Acesso em: 23 dez 2024.
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