RESUMO: Este artigo pretende discutir e levantar questionamentos sobre os alcances e conquista da Teoria do Garantismo Penal e Processual Penal na premissa de um Estado Democrático de Direito proposto pelo jurista italiano Luige Ferrjolli e, sua influência na prática do sistema jurídico penal brasileiro. Inicialmente será abordado um breve estudo sobre o Garantismo no Brasil, para conhecimento do modelo e sua efetividade na esfera judiciária brasileira, o que resultou no paradigma do denominado Garantismo Penal, identificaremos os dez princípios, ou axiomas que são base angular neste processo. Dai a necessidade de estudar como esses princípios ou axiomas são aplicados. Pois, é na aplicação desses que surge a maior distorção da lógica do Direito Processual Penal em nosso país. Ferrajolli expõem esses princípios no modelo garantista para a defesa e proposta de um sistema processual penal integralmente garantista e, por conseguinte, equilibrado, justo e proporcional, na visão minimalista, pois a aplicação do direito penal brasileiro no geral, não garantem as garantias outorgadas ao acusado em detrimento dos Direitos Fundamentais, ferindo, assim, o Estado Democrático de Direito instituído pela Constituição da República de 1988.
Palavras-chave: Garantismo Penal, Estado Democrático de Direito, Direitos Fundamentais e Poder Punitivo Estatal.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO - 2. UM BREVE ESTUDO SOBRE O GARANTISMO PENAL NO BRASIL. - 3. PRINCÍPIOS QUE NORTEIAM O GARANTISMO PENAL. - 4. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DO GARANTISMO PENAL EM LEI. - 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS - 6. REFERÊNCIAS
1. INTRODUÇÃO
Acerca do pensamento jurídico e do direito penal no Brasil observamos que estes estão em constante questionamento, e muito vem sendo discutido, percebe-se que esta em constante evolução. Neste entendimento entende-se que houve uma mudança frenética na processualística penal e o modo de se tratar o acusado, no entanto, este ainda é visto como um objeto e ainda não passando a ser visto como um sujeito de direito na relação processual.
No Brasil, o pensamento jurídico a cerca dos princípios do garantismo passam a guiar o direito penal. Nota-se constantemente no mundo jurídico a alusão ao garantismo considerando como o pilar da aplicação do direito penal.
Pois, a evolução histórica da proteção dos direitos fundamentais é conquista no sentido de limitar, e controlar os abusos cometidos pelo Estado e de suas autoridades constituídas em favor da pessoa humana.
Delimitamos o assunto em torno da ideia do garantismo penal e a aplicação dos princípios dentro de um Estado democrático de direito. Numa abordagem qualitativa, onde o objetivo crucial da pesquisa está voltado para a reflexão sobre os princípios inerentes aos garantismo penal.
O termo garantismo esta ligado a seu criador Luigi Ferrajoli na obra intitulada “Direito e Razão: Teoria do Garantismos Penal” nesta obra o autor difere três significados dado ao termo: o garantismo como modelo normativo de direito como efetivação dos direitos fundamentais e, por ultimo visto num aspecto meta-jurídico.
Nesse sentindo, compreendemos que o garantismo é um modelo normativo de direito que deve efetivar os direitos fundamentais dentro de um procedimento jurídico processual.
O estudo em questão pretende levar aos acadêmicos de direito, bem como, a sociedade em geral à reflexão e à compreensão da pluralidade desses conhecimentos a serem discutidos, possibilitando-lhes ampliar conceitos específicos sobre essa problemática.
Dentro de uma metodologia de estudo de pesquisa bibliográfica qualitativa onde se buscou artigos científicos para um estudo sistemático em torno do tema. As ferramentas utilizadas para a pesquisa bibliográfica abrange um leque de entendimento para alcançar maior aprofundamento da problemática a ser pensada.
O artigo abordará os seguintes tópicos: um breve histórico sobre o garantismo penal no Brasil, uma reflexão sobre os princípios que norteiam o garantismo penal, e por ultimo, como os princípios são aplicados dentro do garantismo penal em lei.
2. UM BREVE ESTUDO SOBRE O GARANTISMO PENAL NO BRASIL.
A princípio devemos entender o que é Garantismo, Garantismo é uma teoria que deriva do Garantismo Penal desenvolvida por Luigi Ferrajoli na obra Diritto i Ragione, publicada em 1989 na Itália e traduzida para o espanhol em 1995. Ferrajoli (2006, pág.55) “orienta que o termo Garantismo nasceu no campo penal como uma replica ao crescente desenvolvimento da divergência da normatividade do modelo em nível constitucional e sua ausência de efetividade nos níveis inferiores.”
Este mesmo autor acima compreende que a expressão garantismo pode ser utilizada em três acepções: como doutrina de filosofia politica, como modelo de direito e de politica, e como teoria jurídica.
Ferrajolli (1989, p.851) assim descreve:
Como uma filosofia politica, o Garantismo, impõe ao Direito e ao Estado a carga de sua justificação externa, isto é um discurso normativo e uma prática coerente com a tutela e garantia dos valores bens e interesses que justificam sua existência. É o que ferrajolli chama de ponto de vista externo (o ponto de vista ex parte Populi) como qual se permite a valoração do ordenamento a partir da separação entre ser e dever ser do direito.
Como modelo normativo de Direito, o Garantismo, quer significar um tipo ideal próprio do Estado de Direito. Este modelo normativo no caso do Direito Penal é entendido segundo três planos: plano epistemológico (como um sistema cognoscitivo), plano politico (como uma tutela de capaz de minimizar a violência e maximizar a liberdade), e plano jurídico (como um sistema de vínculo imposto ao sistema punitivo do Estado).
Como teoria jurídica, o Garantismo pode ser definido como o positivismo jurídico por defender a forma estatal do Direito e a forma jurídica do Estado à primeira sobre o principio da autoridade e a segunda sob o principio da legalidade.
Abordaremos aqui, o Garantismo no prelúdio do Garantismo Penal, onde se vincula, portanto, a filosofia política de um direito penal mínimo, e dessa maneira se apresenta como uma justificação racional do Direito Penal, pois não se apresenta somente como modelo de legitimação ou justificação, mas também de deslegistimação ou critica das instituições e práticas jurídicas vigentes. Assim, “enquanto sistema de proteção de bens e direitos, o garantismo se estende a todo o âmbito de direito da pessoa e não aquele afetado diretamente pelo estado”. OLIVEIRA (1997, p.235).
O Garantismo parte da ideia já presente em Locke e em Montesquieu, de que do poder há sempre que se esperar um potencial abuso, que é preciso neutralizar com um estabelecimento de garantias, limites e vínculos ao poder para a tutela dos direitos subjetivos.
Reiteramos neste sentido que, a filosófica politica do garantismo deriva de um modelo contratualista burguês lokeano e não roussuniano, da onipotência da vontade geral, que tem sido o fundamento da democracia formal ou politica e que, em alguns casos, resolve só o problema daquele que decide.
Sobre as consequências da filosofia politica Fernandez (1984, pág.148) informa:
A consequência da filosofia politica é certo modelo normativo de direito com base na submissão á lei de todos os poderes estatais: o direito como sistema de garantias. Assim, o conceito garantista de ordem jurídica, portanto, coincide com a ideologia do Estado Constitucional de Direito: o direito é um sistema de limites, vínculos e determinações ao poder politico (as garantias) para a proteção de bens, interesses respaldados pelo direito subjetivo individual, coletivo ou mesmo difuso quando está em jogo a necessidade fundamental do ser humano.
Nesta filosofia politica o constitucionalismo garantista consiste em uma teoria da democracia. Não apenas uma abstrata teoria do bom governo, mais sim uma teoria da democracia substancial, além de formal, ancorada no paradigma por ele apresentado.
No Brasil, os ramos do direito em que o garantismo obteve maior aceitação são, sem dúvida, o Direito Penal e o direito Processual Penal. As garantias dadas ao réu no processo penal são fruto de uma longa evolução histórica, na qual se percebeu que a violência perpetrada pelo Estado, apesar de ser única e legitima é provavelmente a mais injusta, dada a desigualdade de forças entre as parte.
Nestes pais em desenvolvimento, Canotilho (1996, p.23) “a polícia judicial possui escassos meios de investigação e o Ministério Público apesar de muito melhor aparelhado tem que lidar com um número infindável de processo”. Eis aqui nosso questionamento para a reflexão: será que as instituições encarregadas de promover a acusação têm mesmo condições de obter meios de prova em cada investigação do que qualquer cidadão?
Será que, há igualdade ou desigualdades no plano processual? A o pensamento racional que dai transparece é a de que o Estado teria muito mais condições de obter meios de prova do que qualquer cidadão e, considerando que o Direito Penal lida com os bens jurídicos mais importantes, não somente com relação a vitima, mais também no que concerne aos acusados. Ferraz (1994, p.44) nos diz “que é neste momento que o poder estatal deve demonstrar com mais clareza se sua atuação é legitima”. Dai a importância em se pensar na presunção da inocência do individuo e o consequente deslocamento de toda a carga processual para a acusação.
Recordemos aqui, que, uma das marcas da nossa sociedade durante toda a história do Brasil pós – descobrimento foi a grande desigualdade social, a qual mantém uma relação com o precário acesso de uma boa parte da população, á justiça, bem como, a outros direitos sociais. Em uma sociedade fortemente estratificada, em que o acesso à cultura, à educação e os bens de consumo sempre estiveram amplamente disponível apenas para uma pequena parte dos cidadãos, o acesso ao Judiciário também reflete a desigualdade e a tradição autoritária da nossa nação. Neder (2012, p.80) nos lembra que: o “autoritarismo sempre esteve presente nas relações sociais basilares na formação histórica brasileira”.
Essa mesma autora nos informa que num quadro de valores de um país profundamente marcado pela mentalidade e pelas estruturas sociais erigidas durante o período da escravidão, a noção de ordem ganha mais ênfase que a de justiça, com a expectativa de uma obediência passiva. Ou seja, o sistema penal estruturado no Brasil tem servido como um instrumento para a manutenção do estatus quo. Para a sustentação das estruturas de uma sociedade extremamente desigual, neste cenário o Garantismo Penal encontrou-se dentro dessa lógica.
Sobre o sistema penal, cabe ressaltar que este não esta ligado apenas ao controle da criminalidade. Mais existem vários outros interesses que podem influenciar diretamente as práticas penais. Como exemplo, temos a escassez ou abundância de mão de obra. Pois, as instituições de controle social visam dissuadir os desempregados que, perante a fome e as necessidades se mostram mais propensos a cometer delitos por meio de penas severas.
Por outro lado, em uma sociedade em que os trabalhadores são escassos, a execução penal terá uma função diversa, pois não se trata apenas de impedir que as massas sufocadas pela fome satisfaça sua necessidade mais elementar.
Assim, a execução penal pode se limitar a obrigar ao trabalho os mais resistentes e a ensinar aos delinquentes que eles devem se contentar com um salário que recebem por ser um trabalho honrado.
Sendo assim, o sistema prisional favorece a internação dos indivíduos de uma determinada classe social nas prisões, este grupo ou classe social terá maiores dificuldades em alcançar uma condição econômica mais favorável. Gera-se, desse modo, um círculo vicioso em que aqueles que não possuem recursos financeiros tendem a serem os criminalizados, os selecionados pelo sistema prisional, e a marca gerada por essa seleção colabora de forma decisiva para que continuem socialmente excluídos.
Todavia, esse breve estudo realizado a respeito da existência do Garantismo Penal no Brasil, que propõem a descriminalização de condutas que não produzam concretas lesões á pessoa física pelo Estado Democrático de Direito. Onde a democracia “aparece como um dos modelos que mais se aproximaram daquilo que o homem sempre buscou como fórmula para tutela e suas liberdades” CAGGIANO, (2011, p.7-8). Enquanto o Estado de Direito em sentido formal pode se mostrar autoritário e até mesmo totalitário, eis que, a não admissão de direitos fundamentais influi no caráter positivo e vigente do direito principalmente no direito civil em especial os de liberdade e propriedade.
O Direito Penal é o responsável por tutelar os bens mais caros á sociedade, bem como a gravidade de suas ações, que restringe o que há de mais valioso ao ser humano: a liberdade. E o Garantismo vem neste sentido trazendo em seu bojo limitar o poder punitivo estatal. Defendendo garantias liberais e sociais que expressam: efeitos dos direitos fundamentais do cidadão frente aos poderes do Estado, os interesses dos mais fracos aos dos mais fortes, a tutela da grande maioria marginalizada.
Oliveira (2001, p.103) frisa: “o Direito penal esta voltado, pois a combater a permanente tensão entre o poder e o direito, entre a lei do mais fraco e a lei do mais forte, entre a classe dominante e a classe dominada”. Neste sentindo, é importante lambararmos que: para viver em sociedade, é fundamental que o cidadão tome conhecimento e esteja consciente de seus direitos, pois, só se pode cumprir o que conhecemos como cidadania e ter uma sociedade mais justa a partir do momento em que cada pessoa conhece seus direitos e deveres (grifos meus). Tomando conhecimento disso, o indivíduo pode compreender melhor seu papel no mundo e, ainda, levar a informação às pessoas de seu convívio e a quem mais precisa, tornando-se um agente multiplicador. Dai a importância de se registrar quais princípios norteiam o Garantismo Penal no Brasil.
3. PRINCÍPIOS QUE NORTEIAM O GARANTISMO PENAL.
Antes de descrevermos quais são os princípios que norteiam o Garantismo Penal, iremos abordar rapidamente sobre um dos principio essenciais que é o principio da dignidade da pessoa humana.
Barcellos (2019, p.43) informa que, “a dignidade humana pode ser descrita como um fenômeno, cuja existência é anterior e externa à ordem jurídica, havendo sido por ela incorporado”. Esta mesma autora, afirma que, trata-se “de uma ideia que reconhece os seres humanos um status diferenciado na natureza, um valor intrínseco e a titularidade de direitos independentemente de atribuição por qualquer ordem jurídica”.
Piovesan infere que:
O princípio da dignidade da pessoa humana se refere á garantia das necessidades vitais de cada individuo, ou seja, um valor intrínseco como um todo. É um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, nos termos do artigo 1º, III da Constituição Federal, sendo fundamento basilar da República. (PIOVESAN ,2018, pág.11)
Camargo auxilia nesta informação, nos apontando que:
O condenado, enquanto detentor de direitos fundamentais e garantias individuais estão submetidos aos cuidados do poder estatal e dessa forma deve receber tratamento digno, mesmo tendo violado as normas de convivência social, a integridade humana de outrem, assim merece cuidados do poder público competente de forma a preservar sua dignidade e assegurar o seu retorno ao convívio social, ou seja, o principio da dignidade da pessoa humana exige que o Estado transforme os infratores em cidadãos aptos a conviver socialmente, sem o cometimento de novos delitos. (CAMARGO, 2007, p.113)
Porém, na relação entre Estado acusador e individuo acusado, enquanto o Estado dedica apenas uma parte irrisória de sua força, buscando a condenação do individuo. O individuo tende a empregar a maior parte de seus recursos, ou até mesmo sua totalidade em busca de sua absolvição.
O Garantismo Penal como expressão de direito penal mínimo, apresenta se estruturado, por Ferrajoli, a partir de dez axiomas ou princípios, não deriváveis entre si, porém conectados, uns aos outros, de forma sistemática, permitindo assim condicionar e vincular ao máximo a intervenção punitiva estatal, ás normas matérias, substancias de direitos fundamentais, a saber:
Ferrajoli, nos informa sobre os princípios ou axiomas:
(1) Principio da retroatividade ou da consequência da pena em razão do delito; 2)Principio da legalidade, no sentido lato ou no sentido estrito; 3) Principio da Necessidade ou da Economia do direito penal; 4) Principio da Lesividade ou Ofensividade do evento; 5) Principio da Materialidade ou da Exterioridade da ação; 6) Principio da Culpabilidade ou da Responsabilidade pessoal, 7) Principio da Jurisdicionariedade, também no sentido lato ou no sentido estrito; 8) Principio Acusatório ou da separação entre juiz e acusado; 9) Principio do Ônus da Prova ou da verificação; 10) Principio Contraditório ou da Ampla defesa ou da falseabilidade, ( FERRAJOLI, 2010, p. 91)
Esses são os princípios que norteiam as garantias do Direito Penal. Tais garantias foram elaboradas, principalmente, pelo pensamento jusnaturalista, que são considerados como princípios políticos, morais ou naturais de limitação do poder penal. Onde condiciona a garantia de um acusado. Abaixo, faremos uma breve explicação no que concerne cada principio.
Neste primeiro, o principio da retroatividade ou da consequência da pena em razão do delito; refere-se ao princípio que está definido no artigo 1º do Código Penal, que estabelece que não há crime sem lei anterior que o defina e não há pena sem prévia cominação legal. Na Constituição brasileira, sua descrição está no artigo 5º, inciso II, e prevê que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; e, ainda, no inciso XXXIX, do mesmo artigo, que estabelece: não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.
No segundo, o principio da legalidade, no sentido lato ou no sentido estrito; consiste no fato de fazer ou deixar de fazer alguma coisa em virtude expressa em lei.
Esses dois primeiros princípios estão dispostos no art. 5º da Constituição Federal, onde se lê: “Não há crime sem lei anterior que o defina nem pena sem prévia cominação legal”, a disposição constitucional é ainda mais abrangente, pois inclui também o princípio da anterioridade penal”.
No terceiro, o principio da necessidade ou da economia do direito penal; sua aplicabilidade se da como base orientadora ao legislador no cunho das leis, e, pode se entender ainda, a desobediência a tal princípio não pode nem deve ensejar a invalidação ou não aplicabilidade do dispositivo legal cunhado (a não ser que viole norma constitucional, ou que tal norma esteja por outra revogada, bem como nos demais casos de antinomia aparente).
No quarto principio sobre lesividade ou ofensividade do evento, que trata da necessidade, diz se que, não há necessidade sem injúria, ou seja, esta correlacionado, como uma faceta do princípio da lesividade ou ofensividade, cujo oposto (princípio da insignificância) é largamente utilizado nos tribunais atualmente.
No quinto, sobre o principio da Materialidade ou da Exterioridade da ação; trata da ação como fundamental à configuração do delito, também chamado de princípio da materialidade se mostra defeituoso, pois, como já visto no item anterior, o delito não é perpetrado somente por meio de ações, mas também por omissões, sendo que na maior parte dos países ocidentais (principalmente os com forte herança anglo-germânica) segue essa linha de raciocínio, sem falar que o uso da palavra “materialidade” nesse caso gera confusões, pois que se confunde com as noções de materialidade delitiva, de cunho processual penal, e a de crime material, de cunho penal. É fato que, neste sentindo não se pode falar, portanto, em nulla injuria sine actione (não pelo menos no direito brasileiro) quando há previsões, por exemplo, no art. 135 do Código Penal (crime de omissão de socorro, classificado como omissivo próprio pela doutrina) e o art. 13, § 2º, do mesmo código, ao proclamar que “a omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado”.
No sexto, o principio da Culpabilidade ou da Responsabilidade pessoal, este faz referência à necessidade de averiguação da culpabilidade do agente quando da prática de fato típico e ilícito (já que não há de se falar em crime quando, sendo a conduta culpável, onde por parte do sujeito havia a potencial consciência de ilicitude, exigibilidade de conduta diversa e imputabilidade não seja típica ou ilícita), requisito basilar para que se configure o crime, conforme indica o próprio direito penal.
No sétimo, o principio da Jurisdicionariedade, também no sentido lato ou no sentido estrito; visa à norma processual penal, albergada na Constituição da República, no sentido de que, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (art. 5º, LVII), representada pelo brocado nulla culpa sine judicio.
No oitavo, o principio Acusatório ou da separação entre acusador e acusado; refere-se ao princípio acusatório, no sentido de que não há julgamento sem acusação, do qual decorre o princípio da imparcialidade do juiz.
No nono, o principio do Ônus da Prova ou da verificação; refere-se à regra processual de que aquele que afirma deve apresentar provas da veracidade de sua afirmação (CPP, art 156), ou brocado nulla accusatio sine probatione. Por outro lado, existem aqueles defensores que afirmam que este principio pode ser defeituoso, pois perfeitamente factível que haja acusação sem provas: é o caso, por exemplo, de uma ação penal oferecida, que, sendo a acusação na sua mais clássica forma, pode vir a ser rejeitada por falta de justa causa, ou seja, por falta de provas da materialidade e da autoria delitivas (art. 395, III, do CPP).
No décimo, o principio Contraditório ou da Ampla defesa ou da falseabilidade; neste último, trata do contraditório e da ampla defesa, norma de caráter processual prevista na Constituição (art. 5, LV).
Colocamos, dessa forma, outra reflexão, num país como o Brasil onde os recursos da policia judicial são escassos e, apesar de estarmos entre as maiores economias do mundo, sabemos que a desigualdade na distribuição de renda é enorme. Aqueles indivíduos que estão no topo da pirâmide social, ou seja, que possuam condições financeiras, acabam ficando em uma posição de superioridade em relação á acusação, não por serem mais fortes que o Estado, mais por possuírem mais recursos do que aquele empregado pelo Estado, na condenação, de um único individuo. Então, que princípios, e que garantias são inferidas aqueles que não possuem condições financeiras?
É neste sentido que buscamos discutir a contraditoriedade dos indivíduos economicamente menos favorecidos que veem muitas vezes suas garantias constitucionais negadas. Isto é, exatamente aqueles que na sua prática, são mais necessitados, e esses não conseguem ver seus direitos constitucionais assegurados.
Schmidt mostra que :
É necessário lembrar que a maioria dos teóricos garantistas nacionais afirmam, que comumente se atribui ao Direito Penal a capacidade de lidar com o fenômeno da criminalidade, capacidade além, muito superior á que o direito penal tem, já que o problema da criminalidade tem, como principais fatores, questões econômicas e sociais.(SCHMIDT, 2004,pág.114).
Neste sentido, o autor reconhece que a criminalidade no Brasil é um problema complexo, com profundas implicações sociológicas. Porém, todavia o tratamento dela fica limitado ao âmbito jurídico, já que apenas é criticado o tratamento jurídico penal dado aos acusados. Talvez defender o enrijecimento do sistema penal brasileiro não irá contribuir para a diminuição da violência, pois está necessariamente deve passar pela justiça social.
O que se deve ressaltar é que, a forma como os princípios do garantismo penal ajudam a legitimar a própria desigualdade de tratamento entre os réus, pois no geral é dentro dessas concepções que são fundamentadas as decisões tomadas. Por outro lado, aqueles que têm uma defesa realmente consistente fazem valer seus direitos constitucionais previstos, ou seja, quando analisadas as referidas decisões individualmente verifica-se, que estão em perfeita sintonia com o Garantismo Penal.
Sobre o Garantismo Penal, Ferrajolli explica;
O garantismo Penal tem como principal objetivo limitar o poder punitivo estatal, negando assim os pressupostos basilares do positivismo jurídico. Defende garantias liberais e sociais que expressam: efeitos dos direitos fundamentais dos cidadãos frente aos poderes do Estado, os interesses dos mais fracos ao dos mais fortes, a tutela da grande maioria marginalizada frente às maiorias integradas, pois se há dois seres humanos, consequentemente existirá dois direitos iguais e com isso um não poderá se sobrepor ao outro. (FERRAJOLLI, 2015, pág.25).
Com efeito, estas desigualdades que são inferidas no tratamento dos réus devem ser dadas como obsoleta, pois já saímos do processo de colonização, é obrigatório que a “mente” daqueles que julgam devem ser voltados para os princípios que regem o Garantismo Penal em si (grifos meu). Pois o garantismo apresenta-se como uma importante base teórica para uma nova sistemática penal, e por consequência, a fundação de um outro modelo jurídico de investigação preliminar, mais alinhado a um víeis de redução dos danos e de dores. (FERRAJOLLI, 2015, pág.25).
Carvalho informa que a teoria garantista propõe uma releitura na busca de tutela dos direitos fundamentais.
...na busca por novos mecanismos de tutela dos direitos fundamentais e da democracia, a teoria garantista propõe uma releitura de três dimensões da esfera jurídico-política que subordinam a prática penal: (I) a revisão crítica da teoria da validade das normas e do papel do operador jurídico (plano da teoria do direito); (II) a redefinição da legitimidade democrática e dos vínculos do governo à lei (plano da teoria do Estado); e (III) a reavaliação conceitual do papel do Estado (plano da teoria política). (CARVALHO, 2008, pág.96).
Neste sentido, o garantismo vincula-se, portanto, ao conceito de Estado de Direito, modelo jurídico destinado a limitar e evitar arbitrariedade do poder estatal. Por ser o poder do Estado, o que mais restringe ou ameaça a liberdade pessoal, o garantismo é uma segurança no Garantismo Penal.
O modelo de Estado de direito que Ferrajoli identifica ao garantismo, é aquele em que: formalmente, o poder esta ligado ao princípio da legalidade. Isto é, onde os poderes públicos estão disciplinados por leis que determinam as formas, os procedimentos e as competências, e para os casos de inobservância as previsões legais, neste caso haverá o controle judicial. Materialmente, todo o poder político encontra-se vinculado pelos direitos fundamentais. Os direitos fundamentais são elevados às referenciais de conteúdo para aferir a legitimidade do exercício do poder em suas formas, procedimentos e competências.
Canotilho fala que :
O Garantismo Penal é uma das bases da filosofia liberal que retira do saber jurídico comprometido com a defesa da liberdade à necessidade de minimizar a violência exercida pelo poder punitivo do Estado: as garantias penais e processuais são as técnicas para tornar efetiva essa exigência de redução de violência e domínio punitivo. (CANOTILHO, 1996, p.17).
Assim sendo, proporcionando o individuo mais segurança, nesse procedimento, e conduzindo mais chances de um procedimento mais justo. A pesquisa vem mostrar que, no Garantismo Penal existem dez princípios que regem o Código Penal e Processual Penal como citado anteriormente.
Relembra-nos Ferrajoli, a saber:
(1) Principio da retroatividade ou da consequência da pena em razão do delito; 2)Principio da legalidade, no sentido lato ou no sentido estrito; 3) Principio da Necessidade ou da Economia do direito penal; 4) Principio da Lesividade ou Ofensividade do evento; 5) Principio da Materialidade ou da Exterioridade da ação; 6) Principio da Culpabilidade ou da Responsabilidade pessoal, 7) Principio da Jurisdicionariedade, também no sentido lato ou no sentido estrito; 8) Principio Acusatório ou da separação entre juiz e acusado; 9) Principio do Ônus da Prova ou da verificação; 10) Principio Contraditório ou da Ampla defesa ou da falseabilidade, ( FERRAJOLI, 2010, p 91)
Não se pode esquecer que é necessária a criação de normas que regulamentem o convívio social, caso contrário seria impossível manter a ordem e a coesão. Podemos evidenciar no garantismo um dos seguintes problemas: o desconhecimento do direito, e agilidade nos processos, em muitos casos alguns apenados já cumpriram suas penas e ainda estão presos. Necessariamente, deve se fazer uma reforma no sistema penal, e através dessas reformas, mudanças ocorram para a efetivação dessas garantias, caso contrário, essas garantias sempre irão ser violadas pelo Estado.
O grande jurista Norberto, expõe que a liberdade do ser humano foi um direito conquistado na Declaração dos Direitos Humanos onde podemos mencionar o Garantismo no âmbito penal, demonstra a indiscutível inserção histórica que pauta a aplicação das regras extraídas de um movimento que postula a atuação legitima do Direito.
A natureza politica dos direitos Penal e Processual Penal, assim como de todos os ramos do direito, deve regular a vida social, cooperar no funcionamento do ordenamento jurídico em geral, como instrumento de transformação positiva da sociedade.
São consideradas “conquistas históricas, resultado das revoluções, enfatizando a separação entre direito e moral como limite ao arbítrio moral dos juízes e legisladores no exercício do seu poder, separando o direito válido, do direito arbitrariamente justo”. (FERRAJOLI, 2006, p.555). Neste sentido entendemos e concordamos que o Garantismo Penal deve ser posto como uma expressão do direito penal mínimo dentro dos dez princípios ou axiomas existentes no garantismo que não estão deriváveis entre si.
Na sequência, faremos uma explanação a respeito da aplicação dos princípios do garantismo penal em lei. Pois, como vimos o Garantismo Penal baseia-se na efetivação dos direitos fundamentais para alcançar o que já se denominou o Estado convencionalista de direito.
4. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DO GARANTISMO PENAL EM LEI.
Os argumentos que serão aqui apresentados a respeito da aplicação dos princípios do garantimos penal em lei pode ter conotação no primeiro momento negativo.
Pois, é na aplicação desses princípios que surge a maior distorção da lógica do Direito Processual Penal em nosso país. As garantias, especialmente as de cunho processual, têm pouca valia para aqueles que não têm recursos suficientes para custear os honorários de profissionais bem qualificados. A maioria dos réus é atendido por profissionais mal preparados ou pela defensoria pública, que se, comparada a grandes escritórios de advocacia ou ao Ministério Público, possui estrutura precária.
Logo, do ponto de vista conceitual quando as garantias não são aplicadas igualmente para todos os cidadãos elas perdem seu caráter de garantias, justamente porque muitos indivíduos não terão acesso a elas, o que tira dele o caráter de certeza, necessário a sua configuração.
Além disso, o fato de existir, na prática, uma significativa diferença no tratamento recebido por cada indivíduo ao se deparar com o aparato punitivo estatal, de acordo com a classe social a que o individuo pertence é um fator que colabora com a manutenção, ou até com o agravamento da desigualdade social existente em nosso país.
A desigualdade é fator relevante que pode marca ferozmente a vida de um individuo, pois como retrata Neder:
Neste sentido, destacamos aqui o fato de uma simples passagem do indivíduo pelo sistema carcerário marca sua vida para sempre, diminuindo sobre maneira qualquer possibilidade de ascensão social. Ou seja, uma pessoa pobre, que ordinariamente já teria menos oportunidades, ao passar pelo sistema prisional vê serem praticamente eliminadas suas possibilidades de crescimento profissional, além de outras dificuldades criadas pelo estigma do cárcere. (NEDER, 2012, p.66).
Essa mesma autora nos faz refletir sobre as marcas deixadas pelo cárcere no individuo “é algo tão profundo, com tantas implicações, especialmente em seu relacionamento social, que é comum que ex-detentos tentam ocultar esse aspecto do seu passado”. (NEDER, 2012, p.67-68).
É sabido por todos que, são raras as situações em que o fato de já ter estado internado no sistema prisional pode beneficiar uma pessoa ou, mesmo, ser admitido por outras pessoas sem que haja maiores implicações para ex- presidiários. Por outro lado, o encobrimento do fato quase sempre trará consequências positivas, haja vista o preconceito generalizado que existe contra os ex-detentos, não só no Brasil, mas na maior parte das sociedades.
Por mais paradoxal que possa parecer, já que, o garantistas defende que muitos dos problemas combatidos por meio do Direito Penal só podem ser resolvidos através de uma justiça social. Dessa forma, o Direito Penal não tem condições de resolver tudo só existe a necessidade de formar uma operação conjunta com outros órgãos.
Oliveira afirma:
O Código do Processo Penal é regido por uma série de princípios e regras que apresenta postulados fundamentais da política processual criminal de um determinado Estado, e que informam o conteúdo das normas que regem o processo em seu conjunto, dizendo respeito, pois, ao seu conteúdo material, aos poderes jurídicos de seus sujeitos e à sua finalidade imediata. (OLIVEIRA, 1997, p.56)
Portanto em se tratando das garantias que estão explicitas na constituição essas garantias e os princípios do cidadão são usurpados ou negligenciados por quem aplica as penalidades.
Cademartori, assim informa:
Todos os direitos e garantias são reconhecidos, porém nem sempre são usados a favor daquele que necessita. Os tratados e as convenções internacionais sobre direitos humanos que o Brasil firmou sobre os direitos e garantias processuais penais, inclusive com a possibilidade de ter a eficácia de verdadeiras emendas constitucionais que podem reger princípios adotados pela Constituição Federal. (CADEMARTORI, 1999, p.75).
Em se tratando de aplicabilidade de tais princípios que estão explicitas em lei vemos a necessidade de se refletir, se estas estão de fato garantindo ao cidadão os direitos. Observamos que na maioria dos casos o Estado vem usurpando ou negligenciados tais direitos por quem aplica as penalidades.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Grande parte das teorias trazidas ao Brasil serviu não só como fonte de transformação da nossa mentalidade, como para melhorar a relação de convivência entre as pessoas na sociedade.
Dai a necessidade de falarmos sobre a estratificação social no Brasil que é de grande importância para diversas áreas do conhecimento, com diversas maneiras de se estratificar a população. A estratificação social e econômica é importante na tentativa de capturar o comportamento heterogêneo dos agentes através de uma visão mais homogeneizada. E, em se tratando do Brasil a Constituição da República de 1988 dispõe a todos os brasileiros, direitos e garantias fundamentais, aos quais garante a responsabilidade do Estado de assegurá-los com efetividade, de acordo com os limites impostos à sua atuação, mediante o devido processo legal e especialmente dentro do parâmetro de um Estado Democrático de Direito.
Portanto, estudar sobre a teoria do garantismo penal, estudada por Luigi Ferrajoli, que nos assegura claramente o adequado desenvolvimento de um estado de direito equilibrado, proporcional e integral, correlato às garantias jurisdicionais presentes em uma relação processual penal.
Em síntese, espera que se cumpram os preceitos do Estado Democrático de Direito significa assumir responsabilidade por sua preservação, sendo esta a essência pura da Teoria do Garantismo Penal Integral, que vela pela proteção dos direitos e garantias fundamentais individuais e, ao mesmo tempo, revela à sociedade o direito de ter instrumentos processuais que lhe tragam estabilidade e segurança no meio coletivo, de forma que haja entre os interesses individuais e sociais, verdadeira harmonia e ponderação dos valores constitucionais independente da classe social do individuo.
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Graduando em Direito pelo Centro Universitário Luterano de Manaus- CEULM/ULBRA
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RAMOS, NIZOMAR ANDRADE. Garantismo penal e a premissa de um estado democrático de direito Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 jun 2021, 04:23. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56919/garantismo-penal-e-a-premissa-de-um-estado-democrtico-de-direito. Acesso em: 23 dez 2024.
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