RESUMO: O presente trabalho tem por finalidade abordar o poder que as organizações criminosas exercem de maneira convincente dentro do sistema prisional do Estado do Amazonas, nitidamente um ambiente de rebeliões, corrupção, execução de presos, brigas entre facções criminosas, violência e de presos vivendo em condições sub-humanas, sendo estes alguns dos muitos problemas que a população carcerária enfrenta. Esse viés é mais bem compreendido fazendo se um paralelo entre o capitalismo e a desigualdade social como pano de fundo da atual crise, pois se entende que a prisão reflete aquilo que está posto socialmente. Aferir se o Crime Organizado está tomando conta dos presídios. O trabalho destaca os principais aspectos das organizações criminosas como a origem do crime organizado no Amazonas, seu conceito, aspectos criminológicos, abordando ainda a sua forma de atuação, as características da sua estrutura organizacional bem como o “modus operandi” em um conjunto geral. Sendo observada a importância do combate ao crime organizado assim como o combate à impunidade e procura pela paz social. Esse tema é importante para que a sociedade reflita sobre as organizações criminosas e poder público promova ações para coibir essa prática criminosa.
Palavras-chaves: Sistema Carcerários; Organização Criminosa; Violência.
ABSTRACT: This paper aims to address the power that criminal organizations wield convincingly within the Amazonas state prison system, clearly an environment of rebellion, corruption, execution of prisoners, fights between criminal gangs, violence and prisoners living in conditions sub-humans, these being some of the many problems that the prison population faces. This bias is better understood by drawing a parallel between capitalism and social inequality as a background to the current crisis, as it is understood that prison reflects what is socially established. Assess whether Organized Crime is taking over prisons. The work highlights the main aspects of criminal organizations such as the origin of organized crime in Amazonas, its concept, criminological aspects, also addressing its form of action, the characteristics of its organizational structure as well as the “modus operandi” in general. The importance of fighting organized crime is observed, as well as fighting impunity and seeking social peace. This theme is important for society to reflect on criminal organizations and for public authorities to promote actions to curb this criminal practice.
Keywords: Prison System; Criminal Organization; Violence.
1.INTRODUÇÃO
A violência é um fenômeno social, complexo e sócio humano que se configura como um dos maiores desafios enfrentados na sociedade contemporânea, e a pesar de ser uma característica que acompanha toda a história da sociedade humana, muito se tem avança do no que refere se aos dispositivos legais para sua coibição e punição, tanto na esfera internacional quanto na nacional, porém é perceptível que trata se de uma problemática social que está longe de ser controlada.
As notícias sobre atos de violência são noticiadas diariamente na mídia televisiva, escrita e digital. Suas vítimas são oriundas de todas as classes, etnias, idades e segmentos sociais, ou seja, idosos, crianças, mulheres e homens. Em suma é um fenômeno universal, e em alguns lugares do mundo, é aceita como forma de punição, até mesmo por algumas religiões. Possui suas raízes fincadas em questões econômicas, sociais e políticas, e mesmo assim é uma temática de difícil compreensão e sobretudo de difícil convivência, tendo em vista que atenta contra a integridade física e a principalmente contra a vida das pessoas que vivem em coletividade. Quando nos remetemos ao Contrato Social de Rousseau em 1762, especificamente ao Pacto Social, onde ele expõe a transição do homem de seu estado natural para seu estado civil, e a necessidade de viver em sociedade em prol de segurança, percebe-se que na atual conjuntura ainda há muito o que se fazer.
A crise estrutural que aumentou o desemprego, trouxe como consequência o aumento da desigualdade e exclusão social, por isso leis não são suficientes para sua contenção, tão pouco a criação de mais penitenciárias e prisões, mas sim faz-se necessário fortalecer as políticas sociais e garantir direitos, entretanto o cenário vigente no país, está indo na contramão desse processo.
A violência aumentou de maneira significativa em todo território brasileiro, ao passo de que muitas das capitais brasileiras estão nas listas das que possuem altos índices de periculosidade. Segundo dados apresentados por Barbosa (2016), oriundos da Organização Não-Governamental mexicana Conselho Cidadão para Segurança Pública e Justiça Penal, das 50 cidades mais perigosas do mundo, 16 são brasileiras.
Nesse ínterim de violência, a população carcerária cresceu de maneira exponencial, ao passo de que as prisões enfrentam problemas como superlotações, e com isso, são constantes as denúncias de violações de direitos nos ambientes prisionais, apesar de que deveriam ser instituições nas quais o indivíduo que cometeu algum delito deveria ser preparado para ser reinserido na sociedade.
No entanto, o que tem ocorrido é o crescimento das organizações criminosas, cujo surgimento no Brasil remete-se ao cangaço, e no último decênio ganhou muita força, o que os fez diversificar suas atividades. A situação do crime organizado no Brasil é grave, sobretudo no que diz respeito ao narcotráfico, à indústria dos sequestros, à exploração de menores, com evidentes conexões internacionais, que também envolve a lavagem de dinheiro e vitimam milhares de pessoas em todo território nacional.
No Amazonas, a atuação dessas organizações tem atingindo a população de modo certeiro, que sofrem com suas intempéries, inclusive nos últimos acontecimentos que chocaram a sociedade como um todo, como foi a rebelião no início do ano de 2017, onde 56 detentos foram assassinados pela Organização autointitulada Família do Norte, popularmente conhecida pela sigla FDN.
Diante desse contexto, o objetivo geral desse estudo é abordar as ações do crime organizado no sistema prisional do Estado do Amazonas, que tem como objetivos específicos: caracterizar o sistema prisional do Amazonas; identificar as facções criminosas existentes no Estado do Amazonas; desvelar as consequências do crime organizado dentro do Sistema Prisional no Amazonas.
Para atribuir ao presente trabalho o status de cientificidade requerido, estabeleceu-se que o estudo possui abordagem dedutiva, com procedimento descritivo e comparativo, utilizando a técnica bibliográfica como documentação indireta.
Foram utilizados como fontes de pesquisa livros, como os dos seguintes autores: Cunha e Pinto (2014), Santos (2002) e SMWJ (2017) oriundos dos acervos das bibliotecas setoriais de direito da Universidade Nilton Lins, Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Além disso, pesquisas foram realizadas em revistas eletrônicas nacionais e jornais locais que abordam a violência no Brasil e no Estado do Amazonas, salientado a questão do crime organizado e os últimos acontecimentos sobre essa temática, onde encontrou-se os autores Conceição (2013), Silva (2011), Campos (2010), entre outros.
2. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA
Se no início da história humana, a violência funcionou como força motriz para garantir a sobrevivência da espécie humana, no que se refere a caça e para a defesa de seus territórios (CONCEIÇÃO, 2013), nas sociedades hodiernas a situação não funciona dessa maneira. Em nome da segurança, o homem a liberdade, pela vida em coletividade, e hoje, a sociedade dispõe de outros mecanismos que objetivam defender esse modo de vida.
E o Estado é o responsável pela manutenção da sociedade, bem como sua mediação, por meio das leis, estatutos e normativas, porém as relações sociais são permeadas por complexidades que fogem ao controle do poder do público. Nesse sentido, Gomes (2004) apud Araújo e Fonseca (2015, p.97) citam Rousseau:
[...] o inimigo, ao infringir o contrato social, deixa de ser membro do Estado, está em guerra contra ele, logo, deve morrer como tal”. Enquanto Hobbes: compreende que: “em casos de alta traição contra o Estado, o criminoso não deve ser castigado como súdito, senão como inimigo.
Essas ideias foram propostas no século XVII, Rousseau e Hobbes são filósofos e teóricos políticos, responsáveis por teorias que visam compreender a vida em coletividade. É claro que não se pode trazer para os dias atuais a ideia de que a punição deva ser a pena capital, mas a citação é importante para ilustrar a forma como o tratamento dessa questão evoluiu ao longo dos anos.
Não se pode pensar na sociedade como sendo uma dicotomia entre ordem e caos, pois existem fatores econômicos, políticos e sociais que formam uma conjuntura que interfere de maneira direta na calmaria ou desordem promovida por um determinado contingente populacional. A criminalidade tem evoluído, e atingiu ápices inconcebíveis, reforçados pelo próprio tratamento dispensado pelo Estado aqueles que cometem delitos. Acerca dessa questão, Santos (2002, p.24) aborda que no que respeita à promessa de liberdade, as violações dos direitos humanos em países vivendo formalmente em paz e democracia assumem proporções avassaladoras. Quinze milhões de crianças trabalham em regime de cativeiro na Índia e a violência policial e prisional atinge o paroxismo no Brasil e na Venezuela.
Entretanto, o contrário é o que prevalece. Santos menciona o termo paroxismo, e pode ser entendido como algo que é agudo ou que está sofrendo intensa dor, ou seja, a violência dentro do sistema prisional brasileiro foi agudizada, o que fomentou o crescimento do crime organizado no país.
2.1 Conceito de Organização Criminosa
A imprensa tende a denominar diversas atividades criminosas como crime organizado, sobretudo aquelas que se referem ao tráfico de entorpecentes. Porém essa confusão acontece porque, em geral, o mercado de drogas possui o seu nível de organização, mesmo que seu controle ou gestão não seja realizada por uma determinada facção criminosa.
Entretanto, nem todos os indivíduos que cometem esse tipo de delito são organizados, existem os desorganizados, que geralmente são os que atuam no varejo. Sendo assim, é válido ressaltar que a lei nº 12.850/13, em seu artigo 1º, parágrafo 1º, aborda que:
Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.
Esse conceito é importante para se compreender o que pode ser denominado como crime organizado, tendo em vista que, conforme Araújo e Fonseca (2015), “nota-se a dificuldade de encontrarmos uma definição capaz de sintetizar com precisão o que seja crime organizado”.
O autor considera que o direito penal deve levar em consideração as questões que dão origem a esse fenômeno criminológico, cujas raízes são sociais, sendo assim, a categoria “organização criminosa” não pode ser analisada isoladamente de todos os fatores que a permeiam.
Nesse contexto, Araújo e Fonseca (2015, p.99), defendem que “a criminalidade organizada é um fenômeno cambiante, constituído em uma gama de infrações penais sem vítimas imediatas ou com vítimas difusas”. Ou seja, as vítimas não sofrem os danos imediatamente e não pertencem a um grupo específico de pessoas. Além disso, o autor afirma que essa atividade criminosa tem campos férteis para sua proliferação, e vários meios de disfarce e simulação.
Quanto a caracterização do crime organizado, Mingardi (2007, p.56) cita as seguintes características: “1. Hierarquia. 2. Previsão de lucros. 3. Divisão do trabalho. 4. Planejamento empresarial. 5. Simbiose com o Estado”. Essas características são inerentes das atividades empresariais, e foram aplicadas por facções criminosas afim de aumentar seus domínios e lucratividade.
Como exemplo da “confusão” em relação ao conceito de organização criminosa, o mercado de entorpecentes paulista, que até pouco tempo, possuía “pequenas bocas de fumo”, nome popular do ponto onde são realizadas vendas de drogas ilícitas, administradas por pessoas que não eram ligadas a nenhuma organização criminosa, por isso não podia assim ser designada, mas recentemente passaram a ser gerenciadas pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), uma facção criminosa conhecida no Sudeste do Brasil, que atua em várias regiões do país (MINGARDI, 2007).
Outro ponto importante, levantado por Araújo e Fonseca (2015), acerca das organizações criminosas, é o seu nível de estruturação extremamente organizado que se configuram como uma espécie de “força paralela ao Estado”, tendo como exemplo a comunidade da Rocinha no Rio de Janeiro, onde os comerciantes pagam uma espécie de “imposto” para o traficante que comanda a área.
E em muitos casos, esses criminosos conseguem cooptar agentes públicos nos mais diversos níveis hierárquicos do governo, ferindo gravemente o estado democrático de direito. É claro, que as organizações criminosas não surgiram com toda essa força e influência, foram crescendo de maneira paulatina, suas origens remetem-se a uma história não tão recente do Brasil, conforme será abordado no tópico a seguir.
2.2 Contexto Histórico das Organizações Criminosas no Brasil
Em relação a gênese do crime organizado no Brasil, os autores divergem. Uns acreditam que suas origens estão fincadas no Cangaço, que segundo Francisco (2017), foi um movimento social que surgiu no sertão do Nordeste, no fim do século XIX. O grupo era formado por empregados, capangas e jagunços dos donos de extensas áreas de terras.
Suas motivações pautavam-se na disputa de terras, coronelismo, e sobretudo na revolta contra a miséria que assolava o Nordeste, e o descaso por parte do Estado em resolver a situação da extrema pobreza, falta de água, insegurança e aos demandes dos donos de terras, que impunham suas regras contra seus funcionários e a população pobre dos municípios. Esse grupo cometia crimes como roubos, furtos, sequestro e até mesmo assassinatos, sendo temidos em toda a região.
Santos e Campos (2010) corroboram que o Cangaço se encaixa na categoria de crime organizado porque, se organizavam de forma hierárquica, e mantinham relações com fazendeiros, políticos e policiais corruptos, com os quais conseguiam obter as armas e munições para cometerem seus crimes.
No entanto, Santos e Campos (2010), afirmam que para outros autores, o crime organizado teve início no país com a proibição do “jogo do bicho”, pois mesmo sendo contravenção, continuou sendo realizado, contando com o apoio de políticos e policiais corruptos. Porém, as autoras salientam que não pode ser considerado crime, porque trata-se de uma contravenção, porém configura-se como um importante mecanismo de lavagem de dinheiro, que é um tipo de crime.
Santos e Campos (2010) levantam a hipótese que a origem está nas prisões de presos políticos, em decorrência da Lei de Segurança Nacional, que se opuseram ao regime militar imposto no Brasil a partir de 1964, que ao dividirem o mesmo espaço que presos comuns, passaram seus conhecimentos acerca de hierarquia, organização e táticas de guerrilhas. O que conforme a autoras fez surgir “uma nova mentalidade criminosa que foi posteriormente reforçada pelos modelos estrangeiros de atuação delituosa” (Santos e Campos, 2010, p.08).
Acerca da passagem de conhecimentos, não existe um consenso, se estes foram passados de forma voluntária ou involuntária, mas é fato que as consequências foram desastrosas para a sociedade. Sobre essa questão, SMW, J[1] (2017, p11) salienta que:
Os efeitos negativos que esses grupos de criminosos provocam no país são imensamente nefastos, e se constituem em um dos maiores problemas para a segurança geral de todos, bem como, para a construção de uma estrutura social e institucional, que seja suficiente para garantir o fortalecimento da nação, através das regras definidas e conhecidas de condutas, e criando uma cultura fundamentada no esforço e no mérito.
Desde então, os crimes passaram a ser planejados e obtiveram sucesso em suas realizações, e o conhecimento foi repassado para outros criminosos e assim de maneira sucessiva. Conforme os anos foram se passando, os métodos de organização foram sendo modernizados, atendendo inclusive as características preconizadas pela teoria da Administração, conforme fora abordado no tópico anterior.
Nesse processo, entre as décadas de 70 e 90, nasceram as organizações criminosas mais violentas do Brasil, cuja principal similaridade é que todos surgiram nas prisões, locais onde esse tipo de comportamento devia ser coibido, no entanto tornaram-se campo propício para o surgimento desse tipo de atividade ilícita.
Dentre as principais Organizações Criminosas existentes no Brasil, destacam- se a Falange Vermelha, cujo local de origem é o presídio de Ilha Grande, formada por quadrilhas especializadas em roubos a banco; Comando Vermelho, surgiu no presídio de Bangu I, formada por traficantes de entorpecentes. Possui uma peculiaridade em sua gênese, pois se pautava em ideias socialistas, e assim realizavam crimes e faziam mutirões nas comunidades fluminenses. Porém, atualmente é gerenciada por uma geração violenta, cujas crenças atrelam violência social a liberdade, paz e justiça (CAMPOS e SANTOS: 2010).
O Terceiro Comando foi criado também no Presídio de Bangu I, é oriunda do Comando Vermelho, formada pelos integrantes que não concordavam com os crimes praticados pelo Comando Vermelho; O Primeiro Comando da Capital (PCC), por sua vez, surgiu em 1993 no interior do presídio de Segurança Máxima em Taubaté, tendo como principais atividades criminosas: patrocínio de rebeliões e resgates de detentos, roubos a bancos e a carros fortes, extorsões de familiares de presos, sequestro e tráfico de entorpecentes com conexões internacionais, sendo umas das mais violentas e famosas organizações criminosas do país (CAMPOS e SANTOS: 2010).
A seita satânica surgiu em 1994, e tem como local de origem a Casa de Detenção de São Paulo. Suas atividades tinham objetivo promover a cura de viciados em entorpecentes, ajudar com problemas financeiros, processuais e com a família, além de fornecer apoio ao detento em casos de doença. Entretanto os auxílios possuem um preço: quando o indivíduo estiver em liberdade deve libertar “seu pai espiritual” da prisão; (CAMPOS e SANTOS: 2010).
O Comando Democrático pela Liberdade – CDL foi criado em 1996 na Penitenciária Estadual Dr. Luciano de Campos no município de Avaré em São Paulo, cujo objetivo é promover assessoramento jurídico, além de levar empresas para utilizar o trabalho dos detentos nos presídios; e por fim, o Comando Revolucionário Brasileiro da Criminalidade (CRBC) a facção surgiu em 1999, em Guarulhos, formada por integrantes oriundos do PCC, cuja atividade centra-se em financiar o resgate de seus integrantes das penitenciárias (CAMPOS e SANTOS: 2010).
A criação dessas organizações criminosas no sistema prisional deixa clara a ausência do Estado, no que se refere a políticas penitenciárias que promovam de fato a reinserção dos indivíduos, por meio de trabalho, estudo e outras atividades. Na verdade, o sistema penitenciário brasileiro possui condições favoráveis para a criação dessas organizações, além de receber apoio de políticos e policiais corruptos que tem fornecido apoio fundamentais para suas atividades criminosas.
3 MARCO LEGAL PARA ENFRENTAMENTO DO CRIME ORGANIZADO NO BRASIL
Diante dessa realidade, e com o sofrimento imposto a sociedade brasileira, por meio de intensas ações por parte do crime organizado, tornou-se perceptível a necessidade da criação de novos dispositivos legais que abordassem esse tipo de crime. E nesse aspecto, em 1995, foi criada a lei nº 9.034/95, com o objetivo de, segundo seu artigo 1º:
Art. 1o Esta Lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo. (Redação dada pela Lei nº 10.217, de 11.4.2001).
Inovou ao reconhecer o crime organizado, dispor sobre a utilização de meios operacionais para prevenir e reprimir os atos realizados pelas organizações criminosas, mas os legisladores falharam quando não o conceituaram. Por isso, houve a necessidade dos legisladores preencherem o vácuo deixado pela lei, e assim convencionou-se utilizar o conceito estabelecido pela Convenção de Palermo, que de acordo com Silva (2012, p.139):
A Convenção de Palermo adotada em Nova York em 15 de novembro de 2000, em seu art. 2º, alínea “a”, apresentou linhas gerais conceituais das Organizações Criminosas. Referida Convenção foi introduzida em nosso ordenamento jurídico pelo Decreto nº 5.015/2004, com base no Decreto Legislativo nº 231/2003, tendo assim a mesma paridade de uma lei ordinária, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, e constitui uma norma penal interpretativa, cuja finalidade é reforçar o combate contra as Organizações Criminosas no âmbito nacional e internacional.
Essa solução encontrada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sofreu duras críticas, porque por mais que o Brasil seja signatário da Convenção de Palermo, não se trata de uma lei regulamentada no território brasileiro. Acerca dessa situação, Gomes (2009) apud Cunha e Pinto (2014, p.12), apontam três vícios no citado acordão:
1º a definição de crime organizado contida na Convenção de Palermo é muito ampla, genérica e viola e garantia da taxatividade [...], que é uma das garantias emanadas do estado da legalidade; 2º a definição dada vale para nossas relações com o direito internacional, não com o direito interno; 3º definições dadas pelas convenções ou tratados internacionais jamais valem para reger nossas relações com o Direito penal interno em razão da exigência do princípio da democracia [...] permanecendo atípica a conduta.
Com isso o autor quis dizer que o crime deve estar definido na própria norma incriminadora, porque os tratados e convenções são fontes diretas do direito internacional penal, mas não serve como base normativa acerca do direito penal interno. O argumento foi acolhido pelo Ministro Marco Aurélio.
Diante desse quadro, e da necessidade de conceituar a organização criminosa, tendo em vista o aumento crescente dessas atividades no território brasileiro, em 2012, foi publicada a Lei 12.694, que ao estabelecer um conceito, fez cessar qualquer discussão a esse respeito. Para comparar as diferenças entre a Convenção e a lei nº 12.694/12, segue tabela 01:
TABELA 01: DIFERENÇAS E SIMILARIDADES ENTRE A CONVENÇÃO E A LEI Nº 12.694/12 |
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CONVENÇÃO DE PALERMO |
LEI Nº 12.694/12 |
Grupo estruturado de no mínimo três pessoas |
Associação de três ou mais pessoas |
Existência há um tempo e atuação concertadamente. |
Estruturalmente ordenada e caraterizada pela divisão de tarefas, mesmo que de maneira informal. |
Intenção de obter, de maneira direta ou indireta, benefício econômico ou benefício material. |
Objetivo de obter, de maneira direta ou indireta, qualquer tipo de vantagem. |
Propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na Convenção. |
Prática de crimes cujas penas máximas seja igual ou superior a quatro anos ou que sejam de caráter transnacional. |
Fonte: Cunha e Pinto: 2017, p.13.
Além disso, estabeleceu também as disposições referentes ao processo e julgamento colegiado em primeiro grau de jurisdição de crimes praticados pelas organizações criminosas, porém deixou um vácuo quando não estabeleceu um tipo penal para os integrantes da organização, fato posteriormente superado com a criação da lei 12.850/13.
TABELA 02: DIFERENÇAS E SIMILARIDADE ENTRE AS LEGISLAÇÕES DE 2012 E 2013 SOBRE CRIME ORGANIZADO NO BRASIL |
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LEI Nº 12.694/12 |
LEI Nº12.850/13 |
Associação de três ou mais pessoas |
Associação de quatro ou mais pessoas |
Estruturalmente ordenada e caraterizada pela divisão de tarefas, mesmo que de maneira informal. |
Estruturalmente ordenada e caraterizada pela divisão de tarefas, mesmo que de maneira informal. |
Objetivo de obter, de maneira direta ou indireta, vantagem de qualquer natureza |
Objetivo de obter, de maneira direta ou indireta, vantagem de qualquer natureza |
Prática de crimes cujas penas máximas seja igual ou superior a quatro anos ou que sejam de caráter transnacional. |
Prática de crimes cujas penas máximas seja igual ou superior a quatro anos ou que sejam de caráter transnacional. |
Em suma, a lei passou a exigir a participação de no mínimo quatro pessoas para que o grupo seja considerado como organização criminosa, sendo que a lei anterior previa o quantitativo de três pessoas, além disso a organização segue o mesmo objetivo, porém mediante a prática de infrações penais, abrangendo as contravenções, com penas máximas iguais ou superiores a 4 anos. Entretanto, somente a lei 9.034/95 foi revogada.
4 SISTEMA PRISIONAL E AS FACÇÕES CRIMINOSAS
A existência do sistema penitenciário está ligada a pena imposta, após o julgamento, a qualquer indivíduo que tenha cometido algum tipo de transgressão das normas sociais, que por sua vez, são juridicamente constituídas, onde é estabelecido o castigo (penalidade) e a reparação do dano praticado a pessoa ou a coletividade (GARUTTI e OLIVEIRA, 2012).
O sistema penitenciário é formado pelos estabelecimentos prisionais, onde os indivíduos que são condenados ou, devido à natureza do delito cometido, que estão aguardando julgamento. No Brasil, a Lei de Execução Penal, n º 7.210/84 estabeleceu cinco espécies de estabelecimentos prisionais, conforme explica Garutti e Oliveira (2012).
[...] Art.87, a) penitenciária – destinada aos condenados à pena de reclusão, em regime fechado; b) Colônia Agrícola, Industrial ou Similar - são estabelecimentos construídos para abrigar os presos de justiça cujo cumprimento da pena seja em regime semiaberto (Art. 91); c) Casa do Albergado - destina-se aos presos de justiça cujo cumprimento de pena privativa de liberdade seja em regime aberto e a pena de limitação de final de semana. Nesses estabelecimentos os presos trabalham normalmente durante o dia e recolhem-se à noite (Art. 93); d) Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico – são estabelecimentos destinados aos inimputáveis e semi-inimputáveis (Art., 99), ou seja, as pessoas portadoras de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, desde que comprovado que o agente era portador dessa doença quando da prática da transgressão criminal e que era inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato. (Art.26); e) Cadeia Pública - são estabelecimentos prisionais construídos próximos de centro urbano destinado a presos provisórios, ou seja, antes da sentença condenatória definitiva (Art.102).
Em tese, nesse período de reclusão, o sistema deveria trabalhar para que o indivíduo seja ressocializado na comunidade depois do cumprimento de sua pena, tendo acesso à educação, exercendo atividades laborais e com isso garantindo a progressão de sua pena, e podendo trabalhar para que não se torne reincidente na criminalidade. Kirst (2008, p.02) apud Kuhnen et al. (2013, p.03) apontam que:
De acordo com vários dispositivos presentes na Lei de Execução Penal, bem como em disposições constitucionais, são fundamentos os quais tem por objetivo garantir os direitos e tratamento digno aos delinquentes. No entanto, não é o que acontece. “As garantias estão legalizadas, consolidando a ideia de serem respeitadas e estendidas a todos, mas não há apreço por parte da sociedade e do Estado, encontrando-se a massa carcerária totalmente desprovida de atenção e consideração.
No entanto, efetivamente, o que ocorre com os detentos no sistema penitenciário, sobretudo nas penitenciárias, onde ficam os detentos que estão em regime fechado, quando são colocados nessas instituições se deparam com um ambiente permeado por tratamentos desumanos, onde seus direitos básicos são negligenciados, e o mais agravante é a exposição constante a situações de violência, como tortura, agressões, entre outras situações.
O presente sistema carcerário brasileiro está cada vez mais crítico. Quando mandado para um presídio, o indivíduo está exposto, devido às circunstâncias precárias em que o presídio se encontra, a inúmeros problemas, sendo alguns deles: celas lotadas, rebeliões em massa, falta de assistência básica à saúde, fugas, dentre outros. Neste contexto, convém ressaltar que a transmissão de doenças, como a tuberculose, a hepatite e a AIDS, é um fato muito comum, uma vez que em um ambiente sem circulação de ar, sem condições básicas de higiene o detento fica mais vulnerável a contrair tais enfermidades. Dessa forma, como o indivíduo não tem assistência para estes empecilhos de saúde, na maioria dos casos, ele acaba falecendo antes mesmo de ter cumprido sua pena. (KUHNEN et al, 2013, p.02).
Dentro das penitenciárias ocorrem situações que violam os direitos humanos, dentre as quais destacam-se a superlotação das celas, precariedade, ambiente insalubre propício para proliferação de doenças, além do sedentarismo, facilidade para o uso de substâncias psicoativas, propiciando que o detendo seja acometido por alguma doença ou sofra algum tipo de violência por parte de outros presos. Assis (2007), aponta que:
[...] entre os próprios presos a prática de atos violentos e a impunidade ocorrem de forma ainda mais exacerbada. A ocorrência de homicídios, abusos sexuais, espancamentos e extorsões são uma prática comum por parte dos presos que já estão mais “criminalizados” dentro do ambiente da prisão e que, em razão disso, exercem um domínio sobre os demais presos, que acabam subordinados a essa hierarquia paralela. Contribui para esse quadro o fato de não serem separados os marginais contumazes e sentenciados a longas penas dos condenados primários.
Os presos que sofrem com qualquer tipo de violência dentro das penitenciárias não denunciam as agressões sofridas por medo de represália, e assim fomenta-se um ciclo de impunidade, onde prevalece a lei do mais forte e o silêncio é um imperativo a ser seguido por todos no âmbito prisional.
E essa realidade é conhecida pela população, por meio da mídia, que além de passar uma visão equivocada acerca dos detentos também fomenta, que estar preso não é suficiente como forma de punição para esses indivíduos, é necessário, segundo o ideário do senso comum, que também estejam sofrendo, sem pensar nas consequências que isso pode gerar para a própria sociedade. Salienta-se que o detento, está sob a tutela do Estado, e sendo assim deveria ser resguardo por ele, e não poderia ter sua integridade física sequer ameaçada (KUHNEN et al., 2013).
Esse contexto, é favorável para o surgimento das organizações criminosas, porque os detentos acabam se “filiando” as facções criminosas em busca de proteção contra a opressão, violência, além da falta de assistência constante dentro das prisões brasileiras. Com isso, essas facções tendem a tornarem cada vez maiores, e assim a forma como as penitenciárias funcionam, ao invés de amenizar a criminalidade, tendem a fortalecer, sobretudo as organizações criminosas, que utilizam esse espaço estatal para crias suas estratégias para executarem seus crimes (PELEGRINO, 2017).
O Estado acaba favorecendo o crescimento das organizações criminosas ao negligenciar seus deveres com esse segmento, conforme previsto na Lei de Execução Penal que preconiza o tripé composto por: estudo, trabalho e progressão. Além disso, deve-se assegurar a integridade física do detento, inclusive separando os por nível de periculosidade. E principalmente, estabelecer ações que recuperem o indivíduo, para que este não tenha a necessidade de filiar-se a qualquer tipo de organização criminosa, em busca de uma proteção, que na prática não existe.
5 PANORAMA DA ATUAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO AMAZONAS
A população amazonense vem sendo duramente golpeada, sofrendo com problemas estruturais, cujas soluções são propostas há décadas, mas sem nenhum resultado prático e objetivo. Pessoas sem trabalho, desemprego estrutural, e o desejo de consumir fomentado pela ideologia dominante configuram como um cenário favorável para atos criminosos. Acerca disso, SMW, J (2017, p10), aborda que:
[...] essa situação, que conjuga no mesmo tempo e lugar, um sistema criminoso de corrupção, política persistente e um sistema monstruoso de organizações criminosas que traficam drogas, parece ser inédita na história dos Estados modernos, e carece de uma ampla investigação sobre quais seriam suas principais causas, que certamente deve estar relacionada com a ata desigualdade social do país, pela ausência de punição efetiva para quem comete esses crimes e na ineficiência do poder público para criar mecanismos que limitem ou anulem o poder que essas organizações dispõem.
A taxa de criminalidade aumentou de maneira significativa no Amazonas, sobretudo em sua capital. Manaus, umas das maiores capitais do Brasil, cujo contingente populacional ultrapassa o quantitativo de 2 milhões de habitantes, uma das ricas do país, contribuindo de maneira significativa com o Produto Interno Bruto (PIB).
O Estado tem sofrido duras perdas para as organizações criminosas, principalmente para a Família do Norte, vulgo “FDN”, que conforme SMW, J (2017, p.15):
[...] é apenas uma das muitas organizações que mantém uma superestrutura logística no Estado, voltada para o tráfico de drogas e para outros crimes, que passou a monopolizar as notícias nacionais pelo fato de ter planejado o assassinato cruel e impiedoso de membros de uma facção rival.
O mais alarmante de toda essa questão consiste no fato de que ocorreu dentro de uma penitenciária, e todos estavam sob a tutela do Estado, ou seja, cabia ao poder público manter a integridade física e sobretudo a vida dos detentos que forma assassinados no episódio fatídico ocorrido no início de 2017 na cidade de Manaus.
Diante desse cenário, faz-se necessário identificar quais são as organizações criminosas que atuam no Estado, a sua forma de cooptação e atividades, pois suas ações têm interferido na vida de milhares de habitantes do Estado, que a cada dia ficam estarrecidos ao ler os jornais e constatarem a quantidade de pessoas assassinadas em decorrência do tráfico de drogas. No entanto, SWM, J (2017) aborda o processo de naturalização da violência, ou seja, as pessoas veem a violência como um fator inerente a sociedade.
O fato é que os altos índices de violência resultam num aumento significativo da população carcerária no Amazonas, e as penitenciárias tem se tornado o lugar de “filiação” dos detentos as facções criminosas que predominam no Estado do Amazonas.
5.1 O Sistema prisional do Amazonas
O Sistema Penitenciário do Amazonas é composto por 21 unidades prisionais, sendo que o maior quantitativo de unidades se situam na cidade de Manaus, que são responsabilidade da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (SEAP), conforme tabela abaixo:
TABELA 03: UNIDADES PRISIONAIS DO AMAZONAS |
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Casa do Albergado de Manaus |
É um estabelecimento de segurança mínima, destina-se ao cumprimento de penas em regime aberto e da pena de limitação de fim de semana |
Central de Recebimento e Triagem – CRT |
É responsável pela triagem e cadastro dos internos que chegam no sistema. |
Centro de Detenção Provisória Masculino – CDPM |
Abriga os detentos à espera de julgamento |
Complexo Penitenciário Anísio Jobim – Compaj |
Abriga os detentos que cumprem sua pena em regime fechado. |
Complexo Penitenciário Anísio Jobim Semiaberto – Compaj Semiaberto |
Abriga os detentos que cumprem sua pena em regime semiaberto. |
Instituto Penal Antônio Trindade – Ipat |
Estrutura de segurança máxima que abriga presos provisórios |
Unidade Prisional do Puraquequara – UPP |
Estrutura de segurança que abriga presos provisórios |
Centro de Detenção Provisória Feminino – CDPF |
Estrutura que abriga presas provisórias |
Fonte: SEAP, 2017
Ao total, são 10 unidades prisionais voltadas para o segmento masculino. Um dos maiores problemas apresentados nessas unidades é a superlotação. De acordo com os registros da SEAP, o Centro de Detenção Provisória de Manaus (CDPM), cuja capacidade é de 568 detentos, está abrigando um quantitativo de 1.568 presos. A Unidade Prisional do Puraquequara (UPP), com capacidade para abrigar 626 detentos, está abrigando 1.546 detentos (SEAP, 2017; G1, 2017).
No Complexo Penitenciário Anísio Jobim – Compaj, do Regime Fechado, que tem capacidade de 454 vagas, abriga 1.224, e o Instituto Penal Antônio Trindade (IPAT) com capacidade para 496, abriga 1.202 detentos. A Casa do Albergado possui um quantitativo de 900 presos, não tem como mensurar sua superlotação, porque a SEAP não informou a quantidade de vagas dessa unidade prisional. E o Compaj Semiaberto tem capacidade de 138 presos, mas está abrigando 602 detentos (SEAP, 2017; G1, 2017).
Não é objetivo do autor desmerecer as universidades, tão pouco as titulações duramente conquistadas pelos acadêmicos, mas sim mostrar como as organizações criminosas tem trabalhado para se tornarem cada vez mais eficazes no mundo do crime.
Diante do exposto, fica claro que as unidades prisionais, principalmente a unidade voltada para abrigar detentos que estão cumprindo pena em regime fechado, são terrenos férteis para as organizações criminosas, devido as suas más condições, que ferem a dignidade humana, e assim, as facções são vistas como único viés para os detentos que estão sendo negligenciados pelo poder público, e isso gera consequências que afetam toda a sociedade.
6 CONSEQUÊNCIAS DO CRIME ORGANIZADO DENTRO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO AMAZONENSE
As organizações criminosas ganham força dentro das penitenciárias, que acabam funcionando como forma de captação de novos membros, e para afirmar seu poder dentro das unidades prisionais, muitas vezes, mostram sua força por meio de ações violentas contra membros de facções rivais.
Para ilustrar esse processo, explana-se acerca do massacre promovido no início de 2017 no Complexo Penitenciário Anísio Jobim – Compaj Regime Fechado, que sofre problemas sérios com a superlotação, conforme exposto no primeiro item deste capítulo. Ocorreu uma ruptura entre as facções Comando Vermelho (CV) do Rio de Janeiro e Primeiro Comando da Capital (PCC) de São Paulo, atuantes em vários Estados, o que deu início a uma guerra pelo controle nacional do tráfico de drogas do país (STOCHERO, 2017).
A Família do Norte (FDN) que trabalha em parceria com o Comando Vermelho (CV), em represaria a facção rival, matou 56 supostos membros do Primeiro Comando da Capital, promovendo uma verdadeira barbárie, chocando o país inteiro, devido aos requintes de crueldade com o quais os assassinatos foram executados: como decapitações e esquartejamentos, e depois corpos empilhados e queimados (STOCHERO, 2017).
Essas ações foram filmadas por membros da Família do Norte, por meio de celulares e amplamente compartilhados por meio das redes sociais, como forma de afirmarem seu poder e mostrarem sua capacidade de violência. A rebelião durou 17 horas, além das mortes, resultou também na fuga de diversos detentos (STOCHERO, 2017).
Não se tem a exata certeza de que todos os detentos que foram mortos nessa rebelião eram membros do Primeiro Comando da Capital (PCC), facção rival da FDN. Durante a rebelião foi invadida uma ala onde ficavam detentos que tendem a ser hostilizados por outros detentos devido à natureza do delito que eles cometeram, como é o caso dos estupradores.
Todos esses indivíduos foram executados estando sob a tutela do Estado, que mesmo sem ter a pena capital como penalidade prevista na Lei de Execução Penal, encontraram seus algozes entre os próprios presos, e o poder público não conseguiu sequer assegurar a integridade física desses detentos que foram mortos com extrema crueldade e violência. SMW,J (2017) aborda que:
Nessa situação gritante, o Estado não tem conseguido diminuir o índice de cometimento de vários crimes, principalmente os relacionados aos tráficos de drogas e homicídios. Não tem evitado o aparecimento do sistema de vingança, principalmente dentro de seus próprios órgãos policiais, tem sido um desastre na tentativa de ressocialização dos presos, considerados recuperáveis e com alguma qualificação profissional.
Esse episódio, além de outros que resultaram em morte de detentos em dias posteriores ao massacre no Compaj Regime Fechado deixaram explicita a falha do poder público no trato dessa questão, mostrando a ineficiência do Estado em promover a ressocialização dos detentos. Além disso, criou-se na sociedade uma cultura de medo da facção FDN, que por sua vez, tem intensificado suas ações violentas em todo o Estado, sobretudo em Manaus.
7. CONCLUSÃO
O Estado é o primeiro a falhar nesse processo. De maneira macroestrutural, quando não assegura o acesso da população aos direitos sociais, pois é, fidedignas a relação entre a desigualdade social e a violência. A segunda falha ocorre quando um indivíduo é preso, independente do crime que tenha cometido, se depara com uma realidade na qual existe desassistência, opressão e desproteção.
A legislação assegura que os detentos sejam separados de acordo com o seu grau de periculosidade, para que tenham a chance de se recuperarem e possam ser reinseridos na sociedade, após o cumprimento de sua pena, entretanto não existe essa chance, pois a violência impera nos presídios, e o detento é compelido a se filiar numa organização criminosa quando entra numa penitenciária. Assim, esses detentos são manipulados pelos líderes das facções, que mesmo estando sob custódia, comandam a rede de tráfico de dentro das penitenciárias, garantindo seu poder e o constante recrutamento de novos membros dentro das prisões. A negligência do Estado dentro das prisões, tende a colaborar com o fortalecimento das organizações criminosas. Diante desse quadro, fica claro que o combate as organizações criminosas, deve ter como ponto de partida melhoras nas condições estruturais e sobretudo a segurança nos presídios, promovendo o acesso dos detentos à educação e ao trabalho, para que estes não se sintam pressionados a fazerem parte dessas organizações, tendo a certeza que serão protegidos pelo Estado. Esse seria o primeiro passo para solucionar esse problema.
O segundo seria a criação de uma política de segurança, cujo foco seja a desarticulação da estrutura organizacional e financeira das facções criminosas, com ações dentro e fora dos presídios, e para tanto seria necessário o fortalecimento da polícia, bem como seu setor de inteligência e investigação, que deveriam trabalhar em conjunto com os gestores das unidades prisionais, o Ministério Público e sistema judiciário. Os resultados não seriam imediatos, mas a longo prazo essas organizações perderiam sua força.
REFERÊNCIAS
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ARAÚJO, Jacques Nogueira. FONSECA, Vicente. Crime Organizado no Brasil: Relatos de um Policial Militar. Hegemonia – Revista Eletrônica de Relações Internacionais do Centro Universitário Unieuro. ISSN: 1809-1261. UNIEURO, Brasília, número 15, 2015, pp. 93-116. Disponível em: < http://www.unieuro.edu.br/sitenovo/revistas/Jacques%20Ara%C3%BAjo%20e%20Vic ente%20Fonseca%20(5).pdf > Acesso em: 27/05/2021.
BARBOSA, Vanessa. As 50 cidades mais violentas do mundo em 2016. Publicado em 28/01/2016. Revista Exame. Disponível em: < https://exame.abril.com.br/mundo/as-50-cidades-mais-violentas-do-mundo-21-delas- no-brasil/ > Acesso em: 30/05/2021.
BRASIL. Lei nº 9.034, de 3 de maio de 1995. Dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9034.htm > Acesso em: 02/06/2021.
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CAMPOS, Lidiany Mendes. SANTOS, Nivaldo dos. O Crime Organizado e as prisões no Brasil. Programa de Pós-graduação em Ciência Penais. UFG. 2010. Disponível em:https://www2.mppa.mp.br/sistemas/gcsubsites/upload/60/O%20Crime%20Organi zado%20e%20as%20prisões%20no%20Brasil(1).pdf > Acesso em: 30/05/2021.
CUNHA, Rogério Sanches. PINTO, Ronaldo Batista. Crime Organizado: Comentários à nova lei sobre o Crime Organizado. 3. Ed. Salvador: Editora JusPodivm, 201
SILVA, Louise Rejane de Araújo. O Conceito Jurídico do Crime Organizado após a Convenção de Palermo. Revista Ministério Público do Estado do Pará. PA, Belém, n. 6, p. 1-300, 2011. Disponível em: < http://biblioteca.mppa.mp.br/phl82/capas/Con139.pdf > Acesso em: 02/05/2021.
STOCHERO, Tahiane. Entenda: o que a disputa nacional entre facções tem a ver com a barbárie no presídio do Amazonas. Portal G1. 03/01/2017. Disponível em: < https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/entenda-o-que-a-disputa-nacional-entre- faccoes-tem-a-ver-com-a-barbarie-no-presidio-do-amazonas.ghtml>Acessoem: 25/05/2021.
[1] O nome do autor foi suprimido por questões de segurança e os dados bibliográficos foram simplificados, conforme consta na ficha catalográfica da obra.
Graduando do Curso de Direito pelo Centro Universitário Luterano de Manaus - ULBRA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Fabrício Pinheiro de. A gravidade da situação carcerária nos presídios e cadeias públicas no estado do Amazonas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 jul 2021, 04:42. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56972/a-gravidade-da-situao-carcerria-nos-presdios-e-cadeias-pblicas-no-estado-do-amazonas. Acesso em: 23 dez 2024.
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