MARCO ANTÔNIO COMALTI LALO
(orientador)
RESUMO: O presente trabalho tem por finalidade tratar acerca da sucessão do patrimônio cibernético de um indivíduo. No cenário atual, notadamente em tempo de ascensão do mundo digital e da constante presença das redes sociais em nossas vidas surge à necessidade e a importância de se tratar de um tema altamente relevante: herança digital. O planejamento sucessório alcançou as redes sociais e a internet, tendo em vista que milhares de pessoas se utilizam de redes sociais diariamente e postam conteúdos nessas redes. Questão a ser esclarecida: quem é a pessoa indicada para assumir essas contas de perfis de pessoas falecidas. Os herdeiros? O cônjuge? Aquelas pessoas indicadas pelo juiz? Isso posto, o artigo pretende analisar a forma em que o direito civil pátrio vem se posicionando sobre as necessidades ocasionadas pela novas tecnologias e a digitalização das relações sociais, frente ao patrimônio digital e consequentemente, o direito da sucessão do acervo digital.
Palavras-chave: Mundo digital. Planejamento sucessório. Internet. Redes sociais.
SUMÁRIO: 1.INTRODUÇÃO; 2.DIREITO SUCESSÓRIO; 3.HERANÇA DIGITAL; 4.VALOR PATRIMONIAL; 5.LEGISLAÇÃO BRASILEIRA; 6.LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS; 7. LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS NO ÂMBITO EUROPEU; 8. REDES SOCIAIS, 8.1. Conta do Facebook, 8.2. Do Acesso às Redes Sociais; 9. CONTEÚDO PRODUZIDO EM VIDA; 10. ENTENDIMENTO DAS CORRENTES; 11. CASO CONCRETO; 12. BENS MATERIAIS; 13. POTÊNCIA DA MONETIZAÇÃO DE ATIVOS VIRTUAIS; 14. CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS.
1.INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo geral abordar o tema da herança digital com enfoque na sucessão do patrimônio cibernético. À vista disso, como objetivos específicos, analisa-se a herança digital como compatível com o direito fundamental constitucional à herança, passível de sucessão e suas implicações jurídicas.
Justifica-se o debate sobre o tema em questão tendo em vista que a transmissão patrimonial dos bens do falecido após a morte é tratada pela legislação civilista, porém, levando em consideração os acelerados avanços tecnológicos propiciados pelo mundo globalizado, o direito nacional se vê forçado à enfrentar demandas práticas que recaem sobre o patrimônio digital do de cujus, quando ocorre a morte deste sem o planejamento sucessório relacionado à herança do mundo digital.
Desse modo, surge a problemática de que o ordenamento jurídico pátrio não consegue acompanhar tais alterações constantes, buscando alternativas para solucionar lides atuais com conteúdo que não possuem previsão legislativa específica.
De início, a pesquisa recai sobre as normas de direito sucessório vigente, analisando a transmissão do patrimônio do de cujus aos seus herdeiros.
Por conseguinte, o trabalho esclarece o conceito de herança digital, abordando a aplicabilidade das regras do direito sucessório em relação aos bens armazenados em ambiente virtual, debatendo-se sobre a questão dos herdeiros quanto à sucessão de bens e conteúdos digitais deixados pelo falecido.
Posteriormente, o estudo incide sobre a Lei Geral de Proteção de Dados e suas peculiaridades. O trabalho também dá enfoque às redes sociais, especialmente ao Facebook, discorrendo sobre as alternativas que tal rede proporciona aos herdeiros quando do falecimento de um ente querido.
O capítulo seguinte se debruça sobre o posicionamento das correntes jurisprudenciais em relação ao tema, e posteriormente será abordado a questão da potência da monetização dos ativos virtuais.
Por fim, a pesquisa expõe de forma conclusiva acerca da relevância de uma eficaz previsão normativa que propicie maior segurança jurídica aos direitos dos sucessores, preservando a honra, intimidade e privacidade falecido.
A metodologia baseia-se em pesquisa bibliográfica, compreendendo entendimentos doutrinários, jurisprudenciais sobre o estudo do Direito Sucessório e herança digital.
2.DIREITO SUCESSÓRIO
O direito das sucessões, é tão importante no nosso país, consagrado como direito fundamental, conforme disposto expressamente pelo artigo 5º, inciso XXX, da Constituição Federal de 1988, cuida da transmissão de bens por ocasião da morte, estando devidamente capitulado o nosso direito à herança.
O direito sucessório é entendido por tanto, como conjunto de princípios, que regulara acerca da transmissão do patrimônio para outro após seu falecimento, ora, essa transmissão patrimonial englobará obviamente a herança, todo esse complexo de relações jurídicas de créditos, débitos, bens materiais, bens imateriais, e tudo isso vai ser então devidamente transmitido aos herdeiros daquele cidadão que faleceu.
Com as palavras de Clóvis Beviláqua, segue-se:
A sucessão mortis causa ou hereditária é aquela em que há transmissão de direitos e obrigações de uma pessoa morta a outra sobreviva em virtude da lei ou da vontade do transmissor (BEVILÁQUA, 1932, p. 15).
Carlos Roberto Gonçalves diz:
A palavra ‘herança’ tem maior amplitude, abrangendo o patrimônio do de cujus, que não é constituído apenas de bens materiais e corpóreos, como um imóvel ou um veículo, mas representa uma universalidade de direito, o complexo de relações jurídicas dotadas de valor econômico (GONÇALVES, 2012, p. 32).
Sobre o tema, Sílvio de Salvo Venosa ensina:
Destarte, a herança entra no conceito de patrimônio. Deve ser vista como o patrimônio do de cujus. Definimos o patrimônio como o conjunto de direitos reais e obrigacionais, ativos e passivos, pertencentes a uma pessoa. Portanto, a herança é o patrimônio da pessoa falecida, ou seja, do autor da herança (VENOSA, 2013, p. 7).
Assim, por meio da sucessão hereditária, objeto do presente trabalho, é transmitida a universalidade de direito do de cujus aos seus herdeiros.
O Código Civil de 2002 reconhece duas modalidades de sucessão causa mortis: a sucessão legítima e a sucessão testamentária. A sucessão legítima, como o próprio nome insinua, decorre da lei, isto é, da ordem de vocação hereditária prevista no art. 1.829 do Código Civil de 2002. A sucessão testamentária, por sua vez, decorre da chamada disposição de última vontade do falecido, que, em vida, confecciona testamento ou codicilo elencando aqueles que devem, por sua vontade, sucedê-lo, o que ocorrerá a partir do respeito aos limites legais.
O nosso direito sucessório no Brasil é abraçado a um sistema que é denominado de divisão necessária, pautado na proximidade, qual é a noção de todo o patrimônio que nós temos, o direito passa a régua e nos diz que 50% é legitima e seguirá, portanto a ordem da nossa vocação hereditária, sendo eles, descendentes, ascendentes, cônjuge, e segundo decisões do STJ e do STF o companheiro também adentrando ao rol de herdeiros legítimos e necessários, sendo assim, os outros 50% estaria na nossa cota disponível, podendo dessa forma, fazer quase tudo que a pessoa quisesse.
A lei traz algumas exceções, mas na média geral é possível que a pessoa transfira esses outros 50% via testamento ou até mesmo um percentual deles via codicilo a quem lhe aprouver.
Nesse cenário então que nós passamos a debater se dentro da herança, dentro desse patrimônio sucessivo, estaria a herança digital.
O artigo 1.784 do Código Civil traz, pelo princípio da saisine a transmissão automática dos bens do falecido aos seus herdeiros, sejam legítimos ou testamentários, para garantir o que está constitucionalmente protegido no artigo 5º, inciso XXX, da Constituição Federal, que é o direito de herança. Nesse sentido, o entendimento doutrinário a seguir esclarece:
A morte é o antecedente lógico, é o pressuposto e a causa; a transmissão é a consequência, é o efeito da morte. Por força de ficção legal, então, em que se fazem coincidir os fatos – causa e efeito- em termos cronológicos, essa é a fórmula do que se convenciona chamar saisine (HIRONAKA, 2003).
Esse direito de herança está intrinsecamente ligado com o direito de propriedade, pois de nada adiantaria o cidadão ter o direito de propriedade, sem ter esse direito de transferência, todavia, o direito sempre se preocupou com essa transmissão patrimonial, sendo um bem imóvel, móvel, valores de investimento em conta corrente ou semoventes, e hoje a realidade do mundo contemporâneo importa em novos pensamentos, sendo eles os bens digitais.
Há uma tendência com os falecimentos ou acidentes envolvendo grandes personalidades, há um aumento de seguidores. Outra situação é quanto aos bens que estão nos arquivos digitais, ou seja, na nuvem, por exemplo, uma pessoa que faz um acervo de uma biblioteca, sabendo do valor que isso importa, como ficaria os seus arquivos quando o seu falecimento? De que forma isso poderia ser tratado no direito das sucessões?
3.HERANÇA DIGITAL
Graças à contínua evolução da sociedade, desenvolve-se o direito vivo, assim denominado tendo em vista o conjunto de regras mutáveis, em razão do direito dinâmico, assim como é o tema da temática do direito digital. Em verdade, o ritmo de evolução tecnológica será sempre mais veloz que o da atividade legislativa (PINHEIRO, 2016, p. 78).
Herança digital é um tema que não existe em nosso ordenamento jurídico, desta forma, se algum familiar tem necessidade de ter acesso às redes sociais, e- mail, youtube, enfim, do usuário falecido, só irá conseguir o acesso digital, por meio de um alvará judicial ou não, o familiar precisa motivar, para que o juiz autorize esse acesso nas redes sociais.
A Herança Digital não inclui apenas as redes sociais, e sim tudo aquilo que está na web, assim como e-mail, conta de lojas, bitcoins, moedas digitais, milhas aéreas, canal no youtube, blog, artigo publicado, loja virtual, e dentro disso tudo, existem as coisas sentimentais e as coisas patrimoniais, e tudo aquilo que é patrimonial, é passado aos herdeiros.
Versando sobre a matéria, Augusto e Oliveira (2015, p. 25) entendem:
No ordenamento jurídico pátrio não há óbice para se permitir a transferência de arquivos digitais como patrimônio, sobretudo quando advindos de relações jurídicas com valor econômico. A possibilidade de se incluir esse conteúdo no acervo hereditário viabiliza, inclusive, que seja transmitido o acervo cultural do falecido aos seus herdeiros, como forma de materializar a continuidade do saber e preservar a identidade de um determinado sujeito dentro do seu contexto social (AUGUSTO; OLIVEIRA, 2015, p. 25).
Por fim, Tartuce (2020) aduz que no âmbito da herança digital, fala-se em testamento em sentido amplo, sendo certo que a atribuição de destino de tais bens digitais podem ser feitos por legado, por codicilo – se envolver bens de pequena monta, como é a regra –, ou até por manifestação feita perante a empresa que administra os dados.
4.VALOR PATRIMONIAL
Tudo que tem valor patrimonial, diz a respeito de um bem, desta forma, quando é feito o inventário do usuário falecido, são incluídos seus bens digitais, onde o juiz vai deferir para que esses bens sejam transferidos para os herdeiros. Nesse sentido:
Os arquivos digitais, que cada vez mais fazem parte do cotidiano das pessoas, independem de maior regulamentação específica para serem admitidos no direito brasileiro, eis que encontram guarida como subespécies dos bens incorpóreos, e como tal devem receber a exata proteção que estes recebem, podendo ser objeto de negociação entre as pessoas e de defesa do Estado, quanto a ataques internos [...] (AUGUSTO; OLIVEIRA, 2015, p. 8)
5.LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
O direito brasileiro é lacunoso em relação a um diploma específico sobre o tema, tendo em andamento alguns projetos, porém longe de serem concretizados. No final de novembro do ano de 2019, esses projetos voltaram a ganhar notoriedade por conta do falecimento do apresentador de televisão Antônio Augusto Moraes Liberato, conhecido como Gugu Liberato. Após o seu falecimento, houve uma alavancada em suas redes sociais, aumentando a visibilidade, número de seguidores e comentários agradecendo ao apresentador pelo período que ele esteve conosco. Com esse acontecimento, reascendeu o debate: quem iria tomar conta das redes sociais do falecido e todo material digital criado por ele em vida.
Aqui no Brasil a nossa lei é omissa, desta forma, não fica claro o que fazer do ponto de vista da herança digital, ficando dependente ainda de futuras interpretações.
No Brasil, a proteção dos direitos da personalidade é muito ampla. O fato acabou ganhando muita relevância, principalmente com relação a monetização, pois atualmente há muitos influenciadores ou celebridades ganhando milhões de reais com postagens e engajamento em suas mídias digitais, desta forma, surge a questão se deveria haver um tratamento diferenciado do ponto de vista da exploração de uma rede social, no que se diz a respeito de ser onerosa ou não, se haveria um regime que distinguiria as duas situações.
No que se refere às lacunas jurídicas, a falta de concordância de decisões pode terminar por desmoralizar o Poder Judiciário, impedindo a criação de entendimentos consolidados e disseminando a insegurança jurídica, o que resulta em uma ameaça ao próprio Estado Democrático de Direito (FRANÇA, 1973).
Oportuno destacar o esclarecimento de Silva (2005, p. 121):
É precisamente no Estado Democrático de Direito que se ressalta a relevância da lei, pois ele não pode ficar limitado a um conceito de lei, como o que imperou no Estado de Direito Clássico. [...] Significa dizer: a lei não deve ficar numa esfera puramente normativa, não pode ser apenas lei de arbitragem, pois precisa influir na realidade social. E se a Constituição se abre para as transformações políticas, econômicas e sociais que a sociedade brasileira requer, a lei se elevará de importância, na medida em que, sendo fundamental expressão do direito positivo, caracteriza-se como desdobramento necessário do conteúdo da Constituição e aí exerce função transformadora da sociedade, impondo mudanças sociais democráticas (SILVA, 2005, p. 121).
Do ponto de vista da proteção de dados, não há nenhuma distinção, pois o realmente importa não é a monetização propriamente dita, isso olhando sob a lógica da proteção de dados, pois o realmente importa é o conceito legal do tratamento de dados, ou seja, terceiros utilizando dados de uma pessoa já falecida, seja um herdeiro ou alguém que ele potencialmente tenha instituído dentro de um testamento. A questão que fica é a seguinte: seria necessário que o próprio falecido outorgasse essa autorização, no caso um testamento, não deixando de existir o consentimento para o tratamento de dados pessoais, pois quando fosse ser realizado o gerenciamento da imagem e de outras informações relativas a uma pessoa física estaria falando de um tratamento.
A nossa lei ainda não está em vigor, não temos ainda a nossa autoridade constituída, então a única coisa que os brasileiros podem fazer no momento é ter consciência dessa dificuldade, até porque hoje o mundo migra do ambiente analógico para o digital.
Existe um conjunto normativo bem rigoroso com relação a transferência internacional, a transferência do ponto de vista da Lei Geral de Proteção de Dados é a saída dos dados, deslocamento dos dados a partir do território nacional para outras jurisdições internacionais, então existem regras muito similares ao regulamento europeu, mas elas precisarão ser esmiuçadas, pois o regulamento europeu é super extenso e praticamente tudo está ali devidamente delineado.
A nossa lei acabou utilizando de uma metodologia legislativa muito diferente, ou seja, a nossa lei é muito enxuta e um grande número de dispositivos acabou sendo relegado a autoridade do ponto de vista de como aplicá-los e de como compreender. Desta forma, já há a previsão de quais são os instrumentos que regem a transferência internacional, por exemplo, o primeiro deles é o seguinte: só podem sair os dados do território nacional a partir do momento que se reconheça que o país receptor é considerado adequado. A nossa autoridade nesse particular vai ter que definir quais são os países que são efetivamente adequados sobre seus critérios.
Quando o país não é adequado, existem cláusulas padrão e alguns protocolos que devem ser seguidos. Essas plataformas transitando e transferindo dados, o fato é que, o tratamento propriamente dito, é que está embaso em uma das dez bases legais, que são chamados de requisitos, então se não estiver presente uma das dez hipóteses, não poderá haver o tratamento, e a transferência é uma das modalidades de tratamento (tratamento é tudo aquilo que a pessoa faz com os seus dados pessoais).
Em suma, diante desse novo fenômeno jurídico, faz-se necessário a previsão normativa a afim de suprir as lacunas existentes:
O Direito Civil precisa ajustar-se às novas realidades geradas pela tecnologia digital, que agora já é presente em grande parte dos lares [...] Têm sido levadas aos Tribunais situações em que as famílias de pessoas falecidas desejam obter acesso a arquivos ou contas armazenadas em serviços de internet e as soluções tem sido muito díspares, gerando tratamento diferenciado e muitas vezes injustos em situações assemelhadas. É preciso que a lei civil trate do tema, como medida de prevenção e pacificação de conflitos sociais. O melhor é fazer com que o direito sucessório atinja essas situações, regularizando e uniformizando o tratamento, deixando claro que os herdeiros receberão na herança o acesso e total controle dessas contas e arquivos digitais (MELLO, 2012, p. 1).
6.LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS
O que as pessoas normalmente não pensam é justamente os tópicos colocados acima, que é a questão específica da privacidade, existe essa primeira problemática que é na realidade o seguinte, até que ponto o herdeiro poderia ter acesso, essa é a pergunta intuitiva, as reservas do usuário falecido, aquilo que está em suas redes socais. Suponhamos que se determine que uma rede social libere uma senha para que alguém continue tendo acesso ou ainda que possibilite a criação de uma nova senha, mas ainda assim que libere o acesso, certamente essa pessoa vai conseguir chegar a uma série de informações que não são exteriorizadas de uma maneira voluntária pelo usuário falecido, porém o problema não se restringe a isso, pois especificamente, na realidade existe uma questão antecedente que é as Leis de Proteção de Dados, que protegem ou não as pessoas falecidas?
A Lei Geral de Proteção de Dados é a lei nº 13.709, aprovada em agosto de 2018 e que entrou em vigor a partir de agosto de 2020. A LGPD regulamenta o tratamento de informações relacionadas às pessoas físicas apenas. Ou seja, não se aplica aos dados de pessoas falecidas e de pessoas jurídicas.
7.LEI DE PROTEÇÃO DE DADOS NO ÂMBITO EUROPEU
A nossa lei é muito similar ao Regulamento Geral de Proteção de Dados da União Europeia, que abrange os vinte e oitos países da União Europeia e mais três países na composição geral da EEA (Espaço Econômico Europeu), esses outros três países são Liechtenstein, Noruega e Islândia e mais os vinte e oito que compõe a União Europeia. É definido que as pessoas falecidas não estão no escopo do regulamento europeu, que é uma lei que vale de uma maneira uniforme para todos os países.
No entanto, muito embora o regulamento europeu traga uma homogeneidade de regramento em proteção de dados para todos esses países, há alguns dispositivos, que o legislador para que cada um dos países fizesse a própria regulamentação e esse aspecto é especialmente um deles, existem outros aspectos, ou seja, embora o texto da lei diga no sentido geral, que as únicas pessoas protegidas pela Lei Geral Europeia são as pessoas naturais vivas, que as pessoas corporativas jurídicas estão fora, ainda assim é possível que os países legislem de uma maneira diferente, desta forma, se tentará buscar uma adequação da legislação local a um aspecto muito sensível que se diz respeito justamente ao direito da personalidade, a proteção do falecido com relação a alguns direitos.
8.LEI DE PROTEÇÃO DE DADOS NO ÂMBITO EUROPEU
O brasileiro é muito afeto às redes sociais, estando no ranking de usuários de redes sociais no mundo todo, dentre os tops daqueles que se utilizam. Desta forma, é fato que nos últimos anos vem surgindo a figura do blogueiro, aquele que passa a se utilizar das redes sociais e se torna uma espécie de personalidade nas redes, e a partir da sua persuasão, com um grande número de seguidores passa se tornar um influenciador, desta forma, persuadindo as pessoas a comprarem bens ou fazerem propagandas de determinados segmentos e assim por diante, e obviamente reúne na respectiva rede social um grande número de seguidores, que comentam suas postagens, que o seguem e o acompanham.
As ferramentas de redes sociais no Brasil são extremamente difundidas, apenas para citar algumas delas, desde o Orkut passando pelo Facebook, hoje o Instagram, Linkedin e tantas outras ferramentas. Ferramentas de nicho, como Linkedin que é voltado mais para questões profissionais, o Instagram voltado para questões gerais.
O uso das redes sociais no Brasil tem aumentado a cada ano, em consequência do aumento dos usuários com acesso à internet. O Brasil é o país que mais está conectado nas redes sociais em toda a América Latina. Cerca de 88% da população brasileira acessa o YouTube, Facebook, Twitter, Instagram, Snapchat, Pinterest e Linkedin. Desta forma, os brasileiros seguem outras pessoas em suas redes sociais, admirando-as e eventualmente sendo influenciados pela opinião dessas pessoas, ainda que indiretamente.
Há uma clara influência digital e isso já é percebido há bastante tempo, as próprias redes sociais oportunizam o usuário a ter um perfil profissional em sua rede social.
Por mais que ainda as redes sociais não autorizem o acesso após a morte do usuário, cada um tem sua política, desta forma, o interessado poderá judicializar a questão.
8.1 Conta do Facebook
Como dito, o direito brasileiro é lacunoso sobre o tema, e diante da lacuna, temos debates judiciais acerca do assunto e regramentos contratuais das próprias redes sociais, muitas delas permitem que haja a opção de um perfil chamado em memória, no qual o usuário não tem o uso do perfil, obviamente, mas mantém os comentários anteriores e é permitido o acesso ao perfil pelos amigos e entes queridos do falecido, podendo eventualmente fazer algum tipo de postagem.
No Facebook há duas opções, o usuário pode escolher que a sua conta seja automaticamente desativada, após a sua morte ou que ela seja transferida a uma terceira pessoa que ele pode escolher em vida, não necessariamente um herdeiro. Após o falecimento de um ente querido, a família, ou até mesmo os amigos podem indicar o falecimento pela própria internet e a conta do usuário falecido será transformada em um memorial. A transformação deste perfil em memorial impede que outras pessoas entrem na rede com a senha do falecido e facilita a administração desse perfil do falecido pelo herdeiro, de modo que ele pode aceitar solicitações realizadas, por exemplo.
As redes sociais são grandes grupos econômicos e acabam fazendo contratos que transitam no globo terrestre, por exemplo, o Facebook, está no Brasil, Estados Unidos, Europa. Eles têm um contrato padrão, contrato este que transita. Cada micro racionalidade vai precisar fazer as suas respectivas adequações a tempo e modo, para se verificar dentro do ponto de vista jurisprudencial de como proceder, se vai ser dar a proteção de dados ou se irá transmitir.
8.2 Do Acesso às Redes Sociais
Quando um usuário falece, a sua família não tem acesso automático as suas redes sociais, a não ser que ele tenha deixado sua senha ou o acesso. Para a família do falecido ter acesso, é necessário entrar com pedido de alvará para que o juiz determine o acesso, após o juiz notificar a rede social para que libere o acesso aos familiares.
9.CONTEÚDO PRODUZIDO EM VIDA
Outra questão a ser debatida é quanto ao conteúdo que os usuários produzem em vida, como vídeos, conteúdos em redes sociais e blogs, por exemplo, e ainda, como ficam aqueles arquivos, fotografias e tudo mais que está em nuvem, afinal, a quem pertence esse conteúdo após a morte do usuário?
Atualmente, não existe legislação específica sobre essas questões, o recomendável é que o usuário entre em cada rede social, em cada site e leia as políticas daquele site para ter ciência de como pode prosseguir e sobre a questão da legislação existe atualmente um projeto de lei de 2012 tramitando na câmara dos deputados que pretende inserir legislação específica, o projeto menciona que serão transmitidos aos herdeiros todo o conteúdo produzido em vida, o projeto insere a seguinte regra na legislação, que serão transmitidos todos os conteúdos de contas ou arquivos digitais de titularidade do autor da herança de forma que o direito precisa se ajustar as tecnologias digitais, pois elas já são realidade na vida das pessoas.
Sobre a relação das empresas com a questão da herança digital, aduz Silva (2014, p. 38):
Algumas empresas oferecem serviços de gerenciamento de contas online e conteúdos digitais, onde em vida o seu usuário pode fazer uso de seus serviços de guarda e gerenciamento, e após sua morte encaminhar a seus herdeiros digitais o conteúdo que deseja que eles tenham acesso. Principalmente nos EUA o serviço não é tão inovador assim, já existem empresas que realizam o serviço de guarda de informações, e que após o falecimento enviarão um e-mail contendo as informações que o falecido queria que fossem entregues (SILVA, 2014, p. 38).
10.ENTENDIMENTO DAS CORRENTES
Existem duas correntes, uma protege os direitos particulares, o direito individual do usuário falecido e diz que os meus familiares não tem que acessar as redes sociais, pois se o falecido não deixou sua senha enquanto estava vivo, é porque ele não queria permitir esse acesso. Já outra corrente diz que sim, que é uma herança e o cônjuge ou os herdeiros do falecido tem direito de ter o acesso às redes sociais.
Alguns juristas entendem-se que não pode ser passado automaticamente todo um acervo digital para os herdeiros, pois existem bens em vida ou após a morte que projetam a privacidade e intimidade do usuário. Desta forma, surge a seguinte questão: quando o usuário morre, os seus direitos da personalidade, que são aqueles direitos pela condição que ele é um ser humano, sendo eles, nome, imagem, identidade, intimidade, privacidade, entre outros, que são direitos da personalidade, que são direitos existenciais, eles fazem parte do usuário da sua existência como ser humano.
Desta forma, quando a pessoa se torna pessoa humana, o direito lhe atribui personalidade e essa personalidade vai trazer um conjunto de direitos e deveres, para a pessoa viver em sociedade.
Nessa perspectiva, existe uma corrente que diz que quando a pessoa morre, ela não tem mais personalidade, então os direitos da personalidade terminariam no momento em que o usuário faleceu. Só que existe uma outra corrente, que afirma que alguns direitos da personalidade se projetam após a morte.
De forma conclusiva, percebe-se que há dificuldades em solucionar as lides relacionadas à questão da sucessão do patrimônio digital:
O desafio trazido por essa digitalização das relações sociais é garantir a aplicabilidade das normas do direito sucessório ao patrimônio digital, desde que os direitos individuais (intimidade e privacidade, por exemplo) não sejam afetados, ou seja, o direito deve acompanhar essa evolução para que não haja carência de proteção (SANZI, 2018).
11.CASO CONCRETO
No estado de Minas Gerais, um juiz negou o acesso da mãe ao facebook da filha que tinha cometido suicídio, não deixando a mãe entrar nas redes sociais e nem que tivesse acesso. A mãe na verdade queria entender o porquê de a filha ter cometido aquele ato, mas não lhe foi permitido.
Já em outro estado, o juiz permitiu o acesso da mãe as redes sociais, não só da mãe, como também da polícia para realizar uma investigação do usuário que tinha sido assassinado.
Atualmente, nota-se que algumas empresas têm se posicionado quanto à negativa de desbloqueio do acesso da conta ou aparelho do falecido, não permitindo a transferência de dados e senhas aos herdeiros, ou até mesmo serviços e arquivos adquiridos, sob alegação de proteção à intimidade e privacidade do usuário, adotando uma política de segurança e privacidade rígida e bem estruturada. Por conseguinte, o argumento dessas empresas recai no âmbito da segurança e privacidade, defendendo que não armazenam nenhum tipo de dado, mesmo que essa decisão acabe por inviabilizar a utilização do aparelho ou o serviço. Diante dessa recusa, não resta alternativa aos herdeiros senão buscar a via judicial para tanto (SANZI, 2018).
12.BENS MATERIAIS
Herança é o complexo de relação jurídica de uma pessoa que é formada após o seu falecimento, onde há a transmissão dos seus bens materiais, bens imateriais, créditos e débitos aos seus sucessores legais.
Os bens imateriais podem ser as marcas, propriedades intelectuais, e esses bens imateriais estão cada vez mais valorizando, na nossa dinâmica capitalista, essa ideia de mercado de consumo amplificado nos traz uma noção de precificação desses bens imateriais extremamente larga
Assevera-se a conceituação de bens digitais:
São aqueles que podem ser processados e armazenados em dispositivos eletrônicos. Ademais, no testamento de bens digitais podemos deixar instruções claras sobre o destino de nossos bens digitais: nossas senhas de acesso aos sites, e-mails e redes sociais; um inventário prévio de nosso patrimônio digital; e até mesmo os contatos que os sucessores devam realizar para acessar a esse patrimônio, tais como os endereços eletrônicos, telefones de contato de alguma empresa contratada previamente para inventariar todo o nosso acervo digital (LARA, 2016, p. 32).
Até o ano 2000 praticamente quase 100% dos bens eram físicos, tirando direitos autorais, alguns bens materiais, mas tinha uma quantidade muito maior de bens físicos, e com a evolução da computação e após a revolução da cibernética, surge um conjunto de bens digitais.
13.POTÊNCIA DA MONETIZAÇÃO DE ATIVOS VIRTUAIS
Em fato trágico, como citado acima, o apresentador de televisão de enorme sucesso, Gugu Liberato, veio a falecer repentinamente, deixando, dentre outros ativos digitais, uma conta junto à plataforma Instagram contando com 1.908.277 seguidores. Nos dias que se sucederam ao trágico evento, a conta obteve um crescimento de mais de 55%.
O potencial de monetização da conta havido post mortem traz questões ainda mais complexas, principalmente sobre a sucessão da titularidade do ativo digital e a remuneração de postagens que, em casos como este, podem chegar à 50 mil reais cada.
As pessoas normalmente tem tratado já nos últimos anos das questões efetivamente sucessórias, toda essa problemática citada a cima e parece bastante intuitivo que o patrimônio imaterial das redes sociais, muitas delas também nem são tão imateriais assim ao ponto de vista do resultado, uma vez que, imaterial do ponto de vista de não ser corpóreo, mas elas são muito das vezes monetizadas e tem até quem questione essa própria conceituação de imaterialidade do ponto de vista de abranger não só a parte corpórea especificamente dentro de uma doutrina tradicional que se distingue o que é um bem corpóreo, físico, palpável, mas também daquele bem que seria materialmente, vamos dizer assim, aferível por questões clássicas do ponto de vista financeiro propriamente dito, por incrível que pareça existe também essa novidade interpretativa, assim como se dar também com relação a todas as questões de propriedade intelectual.
Alguns influenciadores digitais, já tem uma preocupação com aquele acervo digital, desta forma, é importante que eles se preocupem em exteriorizar isso do ponto de vista de um testamento, ou algum documento, que possa vir a ser validado pela autoridade judicial, do ponto de vista de externar o consentimento para que haja o tratamento dos seus dados pós morte, principalmente no campo específico das redes socais. Necessário elucidar a questão da seguinte forma:
Considerando que determinados bens digitais podem envolver a privacidade do falecido (i.e., mensagens eletrônicas, protegidas por senha antes de sua morte, passam a ser acessíveis aos herdeiros, após o seu falecimento) e que nem sempre é intenção deste que os herdeiros tenham acesso a tais conteúdos digitais, é importante que o titular determine por escrito sua vontade com relação ao acesso e utilização de tais bens, se possível por meio de um testamento (STACCHINI, 2013).
A ausência de planejamento obviamente diante de tamanha lacuna legislativa e polêmica acaba gerando dificuldades na solução do tema.
14. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A existência da pessoa natural termina com a morte, entretanto, os direitos da personalidade não necessariamente terminam com a morte do indivíduo. O direito civil pátrio atribui grande proteção à sua tutela, resguardando direitos subjetivos do de cujus, como seu direito a imagem, privacidade e honra.
Quanto à sucessão do patrimônio digital do de cujus, o cenário legislativo brasileiro não possui norma específica para a questão da herança digital. Por consequência, faz emergir um conflito jurídico não solucionado.
Nota-se por meio desta pesquisa a grande importância do valor econômico do acervo digital como nova forma de patrimônio.
Não havendo disposição de última vontade, a decisão do magistrado deve pautar-se na jurisprudência, adotando-se a decisão mais razoável e proporcional ao caso concreto, respeitado os mandamentos constitucionais e os direitos da personalidade, inclusive o direito à privacidade.
O ordenamento jurídico pátrio possui muitas lacunas, sendo necessário a devida regulamentação quanto à sucessão de ativos digitais, garantindo maior segurança aos seus jurisdicionados.
Tendo em vista o cenário atual sobre o tema em comento, sem vinculação legislativa específica e jurisprudência divergente correlata regulamentando a herança digital, vê-se que parte considerável do patrimônio digital, inclusive redes sociais, podem até ser perdidas e ficarem sem efeito com a morte do titular em detrimento de seus sucessores.
REFERÊNCIAS
AUGUSTO, N. C.; OLIVEIRA, R. N. M. A possibilidade jurídica da transmissão de bens digitais “causa mortis” em relação aos direitos personalíssimos do “de cujus. In: Congresso Internacional de Direito e contemporaneidade: mídias e direitos da sociedade em rede. 2015, Santa Maria. Anais, Santa Maria, 2015. Disponível em: <http://coral.ufsm.br/congressodireito/anais/2015/6-16.pdf>. Acesso em: 13 set. 2020.
BEVILACQUA, Clóvis. Direito das Sucessões. 2. ed. Rio de Janeiro: Livraria e Editora Freitas Bastos, 1932.
FRANÇA, Rubens Limongi. Manual de direito civil. São Paulo: RT, 1973.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito das sucessões. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
HIRONAKA, Giselda Maria. Direito das Sucessões brasileiro: disposições gerais e sucessão legítima. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 65, 1 de maio 2003. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/4093>. Acesso em: 13 set. 2020.
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bacharelanda em Direito pela Universidade Brasil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Natielli Indalécio de. Herança digital: sucessão do patrimônio cibernético Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 jul 2021, 04:05. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56983/herana-digital-sucesso-do-patrimnio-ciberntico. Acesso em: 23 dez 2024.
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