IVANILDO FERREIRA ALVES[1]
(orientador)
RESUMO: Apresentado à Faculdade Uninassau. A prova testemunhal, regulamentada no Código de Processo Penal dos artigos 202 ao 225. É um dos meios utilizados para prover o convencimento do delegado na confecção do inquérito policial e do juízo no momento de proferir a pronúncia e sentença. O próprio Código de Processo penal em seu artigo 202 conceitua o que é testemunha. Testemunha é a pessoa que declara, sob o compromisso de dizer a verdade, de maneira imparcial, ter tomado conhecimento de algo interessante ao processo penal. Toda pessoa pode ser testemunha. As pessoas que prestam declarações, sem o compromisso, são meros informantes, muito embora possam colaborar, igualmente, para a apuração da verdade real. Nesse ponto quando, qualquer pessoa pode ser testemunha é que se busca analisar a ineficiência de uma testemunha que esteve envolvida no acontecimento, ou não, uma vez que, seu psicológico está abalado e até onde o que a testemunha diz pode ser levado em consideração no processo penal. Tem credibilidade o testemunho de alguém abalado psicologicamente? E em casos de estupro, como dar credibilidade a veracidade da informação, haja vista que a pessoa do possível estupro pode ser inimiga do “estuprador” e ter feito uma montagem dos fatos? E o que dizer da testemunhabilidade? Isto é, o interesse despertado na comunidade diante da declaração da ocorrência de um fato. As pesquisas demonstram que esse interesse termina gerando fenômenos correlatos e consequenciais, tais como a memoriabilidade (capacidade que o fato possui de se fazer recordar com precisão), a fidelidade (situação subjetiva gerada no espírito da testemunha, consistente na capacidade de reproduzir com exatidão o que soube) e a sinceridade (situação subjetiva da testemunha, que se expressa sem a intenção de enganar). Sob tais analises, por vezes, observa-se que um depoimento sem lógica, contraditório, é considerado pouco fiel, porque se julga que a testemunha não se recorda bem, ou então insincero. Por outro lado, os testemunhos correntes dão uma impressão de fidelidade e de veracidade; e pode ser o contrário, provindo o primeiro de uma dificuldade em se exprimir, ou de um fenômeno de timidez, ao passo que a naturalidade do segundo pode derivar de uma hábil preparação. Sendo assim, tem se visto por muitas vezes a condenação de inocentes, tendo como principal fundamento a prova testemunhal, como se houvesse uma valoração a esse meio de prova, como no caso de prisão em flagrante por roubo e em casos de acusação de estupro. Porém, em muitos casos, partindo de uma mais profunda análise em busca da verdade real, tem se mostrado que eram inocentes sendo enclausurados com a única ou principal prova sendo a testemunhal. Assim, esta pesquisa busca demonstrar que existe uma valoração dada a prova testemunhal em detrimento de outras, como no caso de estupro e na aplicação da Lei Maria da Penha. O item macro do artigo envolve a valoração da prova testemunhal em caso de estupro, porém o objetivo aqui é demonstrar como se buscar meios para restringir erros do judiciário por valorar a prova testemunhal em detrimento de outras.
Palavras chave: Prova, testemunhal, código, penal, valoração.
ABSTRACT: Presented to Faculdade Uninassau. The testimonial evidence, regulated in the Code of Criminal Procedure of articles 202 to 225. It is one of the means used to provide the delegate's persuasion in the preparation of the police inquiry and the judgment at the time of pronouncing the pronouncement and sentence. The Criminal Procedure Code itself, in Article 202, conceptualizes what is a witness. A witness is a person who declares, under a commitment to tell the truth, impartially, that he or she has become aware of something interesting in the criminal proceedings. Everyone can be a witness. People who make statements, without compromise, are mere informants, although they can also collaborate to ascertain the real truth. At this point, when any person can be a witness, it is necessary to analyze the inefficiency of a witness who was involved in the event, or not, since, his psychological condition is shaken and as far as what the witness says can be taken into account in the criminal proceedings. Does the witness of someone who is psychologically shaken have credibility? And in cases of rape, how to give credibility to the veracity of the information, given that the person of the possible rape can be the enemy of the “rapist” and have made a montage of the facts? And what about testimony? That is, the interest aroused in the community in the face of the declaration of the occurrence of a fact. Research shows that this interest ends up generating correlated and consequential phenomena, such as memorability (ability that the fact has to remember with precision), fidelity (subjective situation generated in the witness's spirit, consistent with the ability to accurately reproduce the who knew) and sincerity (subjective situation of the witness, which is expressed without the intention of deceiving). Under such analyzes, it is sometimes observed that a testimony without logic, contradictory, is considered unreliable, because it is believed that the witness does not remember well, or else insincere. On the other hand, current testimonies give an impression of fidelity and truthfulness; and it may be the other way around, the former stemming from a difficulty in expressing itself, or from a phenomenon of shyness, whereas the naturalness of the latter may derive from skillful preparation. Thus, the condemnation of innocents has been seen on many occasions, based on testimonial evidence, as if there was a valuation of this evidence, as in the case of arrest in a fragrant state for theft and in cases of rape accusation. However, in many cases, starting from a deeper analysis in search of the real truth, it has been shown that they were innocent, being locked up with the only or main evidence being the testimonial. Thus, this research seeks to demonstrate that there is a valuation given to testimonial evidence to the detriment of others, such as in the case of rape and in the application of the Maria da Penha Law. The macro item of the article involves the assessment of testimonial evidence in the case of rape, but the objective here is to demonstrate how to seek ways to restrict errors of the judiciary by valuing testimonial evidence at the expense of other.
Keywords: Compliance Evidence, testimonial, code, penal, valuation.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Os Tipos de Provas: 2.1. A Prova Pericial; 2.2. A Prova do Exame de Corpo de Delito; 2.3. A prova do Interrogatório; 2.4. A Confissão; 2.5. Declaração do Ofendido/Vítima. 3. A Prova Testemunhal. 4. Conclusão. 5. Bibliografia.
A prova pode ser compreendida como tudo aquilo que contribui para a formação do convencimento do juiz, ou seja, é tudo aquilo que é levado ao conhecimento do magistrado na expectativa de convencê-lo da realidade dos fatos ou de um ato do processo. Ela é inerente ao desempenho do direito de defesa e de ação.
Segundo Guilherme de Souza Nucci[1], o termo prova origina-se do latim – probatio –, que significa ensaio, verificação, inspeção, exame, argumento, razão, aprovação ou confirmação, assim vejamos:
"O termo prova origina-se do latim – probatio –, que significa ensaio, verificação, inspeção, exame, argumento, razão, aprovação ou confirmação. Dele deriva o verbo provar – probare –, significando ensaiar, verificar, examinar, reconhecer por experiência, aprovar, estar satisfeito com algo, persuadir alguém a alguma coisa ou demonstrar" (NUCCI; Guilherme de Souza, 2014, p.338)
Sendo assim, segundo o professor Guilherme de Souza Nucci (2014), o termo prova possui três sentidos, quais sejam: o ato de provar, que é o processo em que se verifica a verdade do fato alegado, como exemplo, tem a instrução probatória onde as partes utilizam os elementos disponíveis para desvendar a "verdade" do que se alega; o meio para provar, que é o instrumento pelo qual se demonstra a verdade de algo, nesse ponto entra a prova testemunhal; o resultado da ação de provar, que trata do produto extraído da análise dos instrumentos de prova oferecidos.
Nesse sentido e contexto conceitual, podemos verificar a importância fundamental da prova, seja ela acusatória ou de defesa, para que o magistrado possa ter seu convencimento no momento da pronúncia ou impronúncia e no momento da sentença condenatória ou absolvitória.
Já para Lima[2], a prova corresponde ao conjunto de atos que são praticados tanto pelas partes, como pelo juiz e, também, por terceiros visando proporcionar ao magistrado subsídios suficientes para formar a sua convicção sobre a existência ou não de determinado fato, ou, ainda, sobre a veracidade ou falsidade de dada afirmação.
Tal conceito de prova, segundo o autor, é possível de ser extraído da leitura conjunta dos artigos 156, incisos I e II, 209 e 234, todos do Código de Processo Penal, infra transcritos:
Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:
I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;
II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.
[...]
Art. 209 O juiz, quando julgar necessário, poderá ouvir outras testemunhas, além das indicadas pelas partes.
§ 1º Se ao juiz parecer conveniente, serão ouvidas as pessoas a que as testemunhas se referirem.
§ 2º Não será computada como testemunha a pessoa que nada souber que interesse à decisão da causa.
[...]
Art. 234. Se o juiz tiver notícia da existência de documento relativo a ponto relevante da acusação ou da defesa, providenciará, independentemente de requerimento de qualquer das partes, para sua juntada aos autos, se possível (BRASIL, 1941).
Nesse ínterim, dentre as provas utilizadas no processo penal temos: a Prova Pericial, tratada nos arts. 158-184, do Código de Processo Penal – CPP; a Prova de Exame de Corpo de Delito; a prova de interrogatório, tratada nos artigos arts. 185-196, CPP; a prova de Confissão, tratada nos arts. 197-200, CPP; a prova fundada através das Declarações do ofendido, tratada no art. 201, CPP; a prova Testemunhal, normatizada nos arts. 202-225, CPP; a prova de Reconhecimento de Pessoas e Coisas, normatizada nos arts. 226-228, CPP; a Prova formada da Acareação, normatizada nos arts. 229-230, CPP; a prova Documental, normatizada nos arts. 231-238, CPP; a prova formada dos Indícios, normatizada no art. 239, CPP e a prova fundamentada em Busca e Apreensão, normatizada nos arts. 240 a 250, CPP.
Em uma primeira analise o objetivo é demonstrar erros judiciais, ocasionados por valoração a prova testemunhal em detrimento de outras.
2. OS TIPOS DE PROVA
2.1. A PROVA PERICIAL
A prova pericial é normatizada no Código de Processo Penal – CPP, nos arts. 158 à 184 e trata-se do exame realizado por profissional com conhecimentos técnicos, a fim de instruir o julgador. O laudo pericial é o documento elaborado pelos peritos, sobre o que foi observado.
Não deve conter valoração dos fatos, mas apenas as conclusões técnicas a respeito do elemento submetido à apreciação.
Esse tipo de prova, a pericial, pode ser realizada na fase de inquérito policial ou do processo, a qualquer dia e horário segundo art. 161, do CPP.
Vale ressaltar que o perito é um auxiliar do juiz, da justiça. A autoridade que determinar a perícia e as partes poderão oferecer quesitos até o ato. Esse tipo de prova deve ser realizada por dois peritos oficiais. Se não houver, será elaborada por duas pessoas portadoras de diploma e com habilitação na área em que for realizado o exame, normatizado no art. 159, CPP.
Torna-se nula se realizada por apenas um perito, conforme Súmula 361 do Supremo Tribunal Federal.
Vale ressaltar aqui, que o magistrado não está vinculado ao laudo elaborado pelos peritos, podendo julgar contrariamente às suas conclusões, desde que o faça fundamentadamente, conforme normatizado no art. 182, CPP. Trata-se de um sistema conhecido como sistema liberatório.
Observa-se que por ser uma prova técnica exigem-se certas formalidades que não serão observadas em outros tipos de prova, conforme se verá no decorrer do artigo.
2.2. A PROVA DE EXAME DE CORPO DE DELITO
Dentre as provas possíveis o exame de corpo de delito tem grande relevância quando se fala em prova forense. O Título VII do Código de Processo Penal (CPP), capítulo II os institutos do exame de corpo de delito, dentre os quais pode-se destacar:
Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.
Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior.
O art 158 deixa clara a importância do exame de corpo e delito, não permitindo nem mesmo a discricionariedade do Juiz para decidir sobre a realização, sendo completamente vinculada a decisão do magistrado de que seja realizado o exame de corpo de delito quando a infração deixar vestígios:
Com o intuito de seguir alguns dos princípios basilares da administração pública (legalidade, impessoalidade, moralidade, eficiência) o CPP prevê em seu art 159 a figura do perito oficial. A preocupação do legislador na busca por uma prova de produção imparcial para auxiliar o juiz em sua tomada de decisão, e a relevância do trabalho dos peritos, também pode ser vista no art 169 do CPP, quando se mostra a necessidade da conservação do local da infração, evitando ao máximo que qualquer alteração possa prejudicar a tentativa de elucidar o fato ocorrido.
Art. 169. Para o efeito de exame do local onde houver sido praticada a infração, a autoridade providenciará imediatamente para que não se altere o estado das coisas até a chegada dos peritos, que poderão instruir seus laudos com fotografias, desenhos ou esquemas elucidativos.
Observa-se assim, em uma rápida comparação entre a prova pericial e o exame de corpo de delito, que este vincula o Juiz ao exame afastando sua discricionariedade.
2.3. A PROVA DO INTERROGATÓRIO
Esta prova pode ser conceituada como ato personalíssimo do acusado de infração penal, em denúncia ou queixa-crime, que se realiza perante o juiz competente para apreciar a ação penal.
É ato personalíssimo, porque o acusado, quando do interrogatório, não pode ser substituído nesse ato por ninguém, nem por procurador com poderes especiais conferidos para desempenhar esse mister.
Segundo Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar[3] “O interrogatório é a fase da persecução penal que permite ao suposto autor da infração esboçar a sua versão dos fatos, exercendo, se desejar, a autodefesa.”
Vale ressaltar que é conferido ao acusado direito de não exercer a autodefesa, sem que isso lhe traga prejuízo (art. 5º, LXIII, CF[4] e art. 186, parágrafo único, CPP).
O interrogatório, na obtenção de prova possui características próprias como: é ato personalíssimo: só o acusado pode ser interrogado; é ato oral: não pode ser oferecido por escrito, salvo na hipótese de pessoa muda; é ato bifásico, ou seja, pergunta-se sobre a vida pessoal e sobre os fatos; é ato não preclusivo, ou seja, pode ser realizado a qualquer tempo, antes do trânsito em julgado da decisão, podendo inclusive ser repetido.
Trata-se de um dos momentos mais relevantes do processo, na obtenção da verdade real. Pois é por meio dele que o juiz toma contato com o acusado.
É neste ato, ou seja, no interrogatório que é permitido que o magistrado conheça mais de perto, fisicamente, trejeitos, família, comportamentos, aquele a quem o Ministério Público ou o querelante atribui a prática de uma infração penal.
É por meio do interrogatório que o juiz pode melhor avaliar a pretensão penal deduzida em juízo. Permite ainda que o julgador possa melhor sopesar as declarações do interrogando com o restante contexto probatório, extraindo, a final, o seu convencimento mais exato quanto possível do fato atribuído ao réu em sua plenitude.
Em se tratando da natureza jurídica do mesmo a doutrina possui divergências. Para uma corrente o interrogatório constitui meio de defesa, já para outra, meio de prova, e ainda, para uma terceira, tem-se que esse ato possui característica híbrida, sendo ao mesmo tempo, meio de prova e meio de defesa e, por fim, uma quarta corrente, defende que o interrogatório é considerado meio de defesa, primordialmente, e como meio de prova, de forma subsidiária.
Fernando Capez[5] sustenta, depois de dizer que o Código de Processo Penal fez opção por considerá-lo meio de prova, que, não obstante isso, o considera meio de defesa do acusado. Para isso, salienta que:
“[...] sendo o interrogatório o momento processual no qual, por excelência, o sujeito da defesa, i. e., o acusado, tem a possibilidade de materializar o seu direito de audiência, influenciando na formação da convicção do órgão jurisdicional através da narração dos fatos consoante a sua versão, torna-se evidente a natureza de meio de defesa do interrogatório”.
Já Aury Lopes Jr.[6] considera estéril a discussão sobre a natureza jurídica do interrogatório:
“[...] pois as alternativas ‘meio de prova’ e ‘meio de defesa’ não são excludentes, senão que coexistem de forma inevitável. Assim, se de um lado potencializamos o caráter de meio de defesa, não negamos que ele também acaba servindo como meio de prova, até porque, ingressa na complexidade do conjunto de fatores psicológicos que norteiam o ‘sentire’ judicial materializado na sentença.”
Sendo assim, podemos ponderar. Até onde o interrogatório é válido para a formação probatória do magistrado?
2.4. A CONFISSÃO
Trata-se do reconhecimento da veracidade de um fato, onde o acusado, declara em seu desfavor. No Direito Processual Penal, é a admissão da prática de uma infração penal.
Vale ressaltar que o sistema Penal brasileiro baseia-se no princípio "nemo tenetur se detegere", ou seja, o direito que o acusado tem de não produzir prova contra si mesmo.
Tal princípio está consagrado pela Constituição Federal no inciso LXIII, artigo 5º, assim como pela legislação internacional, como um direito mínimo do acusado, sendo de fundamental importância seu cumprimento, pois este é um direito fundamental do cidadão.
Neste ângulo importante analisar até onde a confissão é válida pelo ponto de vista do que é confessado e pelo ponto de vista legal.
Devido a este princípio é sobre o Estado que recaem, no sistema acusatório, o ônus da prova e a missão de desfazer a presunção de inocência em favor do acusado, sem esperar qualquer colaboração de sua parte.
Em relação ao valor probante, no atual sistema acusatório penal a confissão não é mais a “rainha das provas”, como foi por muito tempo chamada. Atualmente, devido o princípio "nemo tenetur se detegere" a confissão não constitui prova plena da culpabilidade do réu. Desse modo, deve ser ela apreciada em conjunto com os demais elementos probatórios.
2.5. DECLARAÇÕES DO OFENDIDO/VÍTIMA
Sempre que possível o juiz deverá proceder à oitiva do ofendido, por ser ele pessoa apta, em muitos casos, a fornecer informações essenciais em relação ao fato criminoso.
O ofendido será indagado sobre as circunstâncias da infração, se sabe quem é o autor e quais as provas que pode indicar. Importante frisar que não se pode denominar o ofendido de testemunha, porque não o é tecnicamente. Não se toma do ofendido o compromisso de dizer a verdade, o que faz com que não possa ser processado pelo crime de falso testemunho.
É justamente a esse sujeito, ou melhor, a essa fonte de informação, que não tem compromisso com a verdade, pois não se trata de testemunha, que a autoridade policial vai recorrer, na maior parte dos casos, como uma de suas primeiras providências investigativas criminais.
Em se tratando de crime praticado contra pessoa jurídica, caberá ao seu representante legal essa declaração. Por óbvio, naquelas hipóteses em que o sujeito passivo é coletivo (crimes vagos) ou, embora individualizado, a pessoa física (específica) não tenha sido localizada ou já se encontre falecida, a sua oitiva resta prejudicada.
Segundo BADARÔ[7], embora não haja qualquer elemento de informação que mereça crédito absoluto ou valoração privilegiada, inegável que as palavras da vítima “devem ser recebidas com grande reserva” Afinal de contas, se o injusto penal realmente tiver ocorrido, trata-se de sujeito diretamente afetado pela conduta criminosa e, portanto, com marcas importantes no âmbito da subjetividade. Há, por óbvio, uma expressão do relato da vítima a partir de seus próprios desejos, muitas vezes inconscientes, aflorados pela experiência conflitiva (o fato criminoso) e a necessidade de reprodução histórica sob a forma de declaração no contexto da justiça criminal.
Segundo Aury Lopes Jr.[8], não se pode ignorar a relação da vítima com o caso penal, do qual faz parte, o que gera interesses (diretos) na persecução criminal, os quais podem se manifestar em diferentes sentidos, tanto para beneficiar o imputado (ex.: por medo) como também para prejudicar um inocente (ex.: vingança pelos mais diversos motivos).
Além desse comprometimento material, existe, ainda, a disciplina processual, que desobriga a vítima/ofendido de prestar compromisso de dizer a verdade, abrindo-se a porta para eventuais mentiras impunes. Nesse viés, há quem fale em "uma suspeita objetiva de parcialidade" quanto às declarações da vítima.
A doutrina especializada aponta que a oitiva do ofendido é muito similar à do imputado, uma vez que está em jogo o mesmo interesse que o investigado/acusado, porém em sentido contrário. O mais comum de se imaginar é que, se alguém formaliza uma notícia crime ou apresenta uma acusação em juízo com imputação delitiva a terceira pessoa, manifestando interesse na persecução penal, justo porque busca a condenação do imputado. Logo não pode figurar como testemunha. Ademais, tem-se na vítima um protagonista dos fatos em questão. Por consequência, flagrante interesse na reconstrução narrativa do evento, o que já enseja por si só consideráveis riscos à instrução do caso penal, bastante semelhantes aos existentes por ocasião do interrogatório do investigado/acusado.
Assim tem-se de um lado o acusado que não tem compromisso com a verdade, pois não é testemunha, e de outra banda o ofendido/vítima que também sem ter compromisso com a verdade pode ser influenciado em seu depoimento por medo, vingança ou qualquer outro impulso, o que de pronto deve gerar dúvida tanto o depoimento do acusado como o da vítima.
3. A PROVA TESTEMUNHAL
A testemunha, é pessoa diversa dos sujeitos principais do processo, que é chamado em juízo para declarar, sob juramento, a respeito de circunstâncias referentes ao fato delituoso objeto da ação penal, a partir da percepção sensorial que sobre eles obteve no passado.
Porém, em casos onde o ofendido é a única testemunha do fato, como em casos de acusação de estupro, como deve ser valorado o relatado por esse tipo de testemunha? É aqui que chegamos ao cerne desse trabalho.
MITTERMAIER define a testemunha como sendo “o indivíduo chamado a depor segundo sua experiência pessoal, sobre a existência e a natureza de um fato”.
Já segundo Malatesta[9], o fundamento da prova testemunhal reside:
“na presunção de que os homens percebam e narrem a verdade, presunção fundada, por sua vez, na experiência geral da humanidade, a qual mostra como na realidade, e no maior número de casos, o homem é verídico”.
O testemunho é um meio de prova disciplinado nos arts. 202 a 225 do CPP. O Juiz, tendo em vista o sistema do livre convencimento, pode valorá-lo livremente à luz das demais provas produzidas. No antigo sistema da certeza legal ou da prova legal prevalecia o brocardo testis unus, testis nullus (voix d’un, voix de nul, para os franceses), onde uma só testemunha não valia como prova.
Atualmente se admite até uma condenação com base em um único testemunho, desde que corroborado com os demais meios probatórios colacionados aos autos. Por outro lado, muitas vezes vários testemunhos não são suficientes para uma sentença condenatória. Portanto, o que importa não é o número de testemunhas, mas a credibilidade do respectivo depoimento e o critério com que o julgador o aferirá.
Para Aury Lopes Jr. E Cristina Carla Di Gesu[10]
“o delito, sem dúvida, gera uma emoção para aquele que o testemunha ou que dele é vítima. Contudo, pelo que se pode observar, a tendência da mente humana é guardar apenas a emoção do acontecimento, deixando no esquecimento justamente o que seria mais importante a ser relatado no processo, ou seja, a memória cognitiva, provida de detalhes técnicos e despida de contaminação (emoção, subjetivismo ou juízo de valor).”
Observa-se assim, que a prova testemunhal não é um meio confiante de prova, por não ser técnico-científico, e que ainda pode ser valorado subjetivamente pelo juiz. Neste sentido como o Juiz poderia valorar ou analisar a verdade real da testemunha?
Para Manzini, seriam cinco os requisitos da prova testemunhal em sentido próprio:
a) Judicialidade: só pode ser considerada testemunha a pessoa que depõe em juízo; se o faz perante outra autoridade que não seja um Juiz de Direito “non mantiene carattere di testimonianza“. Tornaghi acompanha o entendimento do seu mestre ao dizer que “tecnicamente só é prova testemunhal o depoimento prestado em juízo (...), pois “a prova testemunhal de que a lei fala é aquela produzida perante o juiz”. Tourinho Filho, no entanto, adverte não ser possível admitir esta característica em nosso País, pois, entre nós, o testemunho pode ser colhido também na fase policial, perante um Delegado de Polícia.
b) Oralidade: o testemunho será sempre prestado na forma oral, não sendo permitido à testemunha fazê-lo por escrito, salvo breve consulta a apontamentos. O artigo 204 do CPP estabelece regra neste sentido, havendo, porém, exceções quanto ao testemunho do surdo-mudo e do mudo (arts. 192, II e III e 223, parágrafo único), na Lei n. º 4.898/65 – Abuso de Autoridade (art. 14, § 1º.) e no art. 221, § 1º do CPP.
A regra da oralidade se justifica plenamente, no sentido que o testemunho tem que expressar fisicamente as impressões sensoriais do depoente, o que só é verdadeiramente possível se realizado oralmente. Malatesta, aliás, inclui esta característica como o caráter fundamental do testemunho, “aquele que o especifica como uma das formas particulares da afirmação de pessoa, diferenciando-o da outra forma particular chamada documento”.
c) Imediação: para Manzini só seria testemunha aquele que presenciou os fatos diretamente, percebendo-os sensorialmente, tendo-os visto, ouvido ou sentido imediatamente, pois “la testimonianza deve esprimere percezioni sensorie ricevute immediatamente dal dichiarante relativamente ad un fatto da provare”. Porém, o nosso Direito admite, como vimos acima, que a testemunha também deponha sobre fatos dos quais apenas ouviu dizer (de auditu), razão pela qual, entre nós, não se pode indicar a imediação como uma característica do testemunho, até porque não se coaduna com o sistema do livre convencimento.
Desta feita, pode-se ter um testemunho contaminado, uma vez que, nosso sistema admite o testemunho baseado no “ouvi dizer”.
d) Objetividade: a testemunha não pode ser subjetiva sobre os fatos a respeito dos quais depõe. Não pode emitir opiniões pessoais sobre os mesmos ”salvo quando inseparáveis da narrativa do fato”, assim está estabelecido no art. 213 do CPP.
Por sua vez, não pode o Juiz fazer-lhe perguntas de modo subjetivo que venham a ensejar este tipo de resposta; deve também o Magistrado indeferir as perguntas assim formuladas pelas partes: “testis non est iudicare”: não cabe à testemunha julgar, emitir opinião, dar parecer, dizer se o réu é inocente ou culpado e nem fazer qualquer conjectura. Opiniões idiossincráticas comprometem a credibilidade e a imparcialidade da testemunha.
e) Retrospectividade: a testemunha deve depor sempre sobre o que ocorreu e não fazer presunção sobre fatos futuros. Tornaghi[11], exemplificando, afirma que:
“se um engenheiro depõe sobre um incêndio a que assistiu, não lhe toca pronunciar-se sobre a iminência de desmoronamento das paredes que restam” ou “se um médico é chamado a depor sobre uma agressão, não lhe compete dizer se a lesão produzida na vítima vai inabilitá-la para o trabalho por mais de 30 dias“, pois, ainda que possuam capacidade técnica para prever acontecimento futuro, por estarem depondo apenas como testemunhas (e não como peritos), não poderiam fazer tais apreciações.
Como aduz Manzini, “ciò appunto distingue la testimonianza dalla perizia” (Ob. Cit., p. 103).
Neste aspecto, importante a observação de Aury Lopes Jr. E Cristina Carla Di Gesu[12]:
“A reconstrução de um fato histórico será sempre minimalista e imperfeita, justamente porque se reconstruirá no presente algo ocorrido no passado”, mesmo porque “diferentemente do que se poderia pensar, as imagens não são permanentemente retidas na memória sob a forma de miniaturas ou microfilmes, na medida em que qualquer tipo de ´cópia` geraria problemas de capacidade de armazenamento, devido à imensa gama de conhecimentos adquiridos ao longo da vida.” (...) Logo que o fato acontece, as pessoas lembram do acontecimento com riqueza de detalhes (mas sempre será uma ´parte`, o fragmento do todo, que é inapreensível para nós). Contudo, com o passar do tempo, estes são esquecidos, mas fica a lembrança do momento dramático.”
Toda pessoa física tem capacidade para ser testemunha, segundo aduz o art. 202 do CPP. Mesmo os menores, os insanos e os amorais podem ser arrolados para testemunhar, cabendo ao Juiz, com critério, avaliar a prova colhida de acordo com a sua convicção e fundamentando sempre a sua decisão. Sendo assim, o que pode variar, é o critério de avaliação de cada depoimento, não a sua admissibilidade.
Para Manzini[13], podem testemunhar, por exemplo, os doentes mentais, as crianças, o surdo-mudo, os cegos, os ébrios, os condenados, etc., desde que tenham presenciado o fato e possam relatá-lo, “libero poi il giudice di valutare la credibilitá del teste e della sua deposizione” (p. 106). Vale ressaltar, porém, que os menores de 14 anos e os doentes mentais, entre nós, não prestarão compromisso.
Em relação ao depoimento de crianças é evidente que deve-se ter uma certa precaução, mas nunca a ponto de torná-las incapazes para depor, apenas não se lhes deferirá o compromisso. Vale aqui, observar a advertência do Desembargador Camargo Aranha: “O testemunho infantil merece ressalvas; é deficiente e perigoso. Por conter defeitos psicológicos e morais não pode ser recebido como um juízo de plena certeza”. O próprio aponta três fatores psicológicos que tornam deficientes tais testemunhos: a imaturidade, a imaginação e a sugestibilidade. Nada obstante tal consideração entendemos que não se pode desprezar absolutamente o testemunho infantil, mesmo porque pode ser uma prova nos autos que, quando corroborada por outras, mostre-se crível.
Para fortalecer tal entendimento, em recente julgado, o Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo assim decidiu vejamos:
“O testemunho de criança, que deve ser cercado de todo cuidado, não pode, de per si, ser execrado, ignorado ou tido como suspeito; na espécie, não procedem as críticas apresentadas, que se fundam em teses anciãs e sovadas doutrinas, insuficientes à desqualificação da prova apresentada”.
A respeito, vejamos outros julgados:
“Atentado violento ao pudor – Ocorrência. Atos consistentes em deitar, despir, beijar a boca e o corpo, chegando a ejaculação, em criança do sexo feminino, com oito anos, enteada dos autos. Prova. Palavras da vítima, corroboradas pelas declarações de sua mãe e uma vizinha. Em delitos contra os costumes, ocorridos às escondidas, a palavra da ofendida merece especial relevo, se em consonância com o restante da prova. Apelo improvido” (Apelação crime nº 70005340609, 8ª Ccrim TJRS, Rel. Des. MARCO ANTÔNIO RIBEIRO DE OLIVEIRA, j. 02/04/03).
“PROVA. CRIME CONTRA OS COSTUMES. PALAVRA DA VÍTIMA. CRIANÇA. VALOR. Como se tem decidido, nos crimes contra os costumes, cometidos às escondidas, a palavra da vítima assume especial relevo, pois, via de regra, é a única. O fato de ser ela uma criança não impede o reconhecimento do valor de seu depoimento. Se suas palavras se mostram consistentes, despidas de senões, servem elas como prova bastante para a condenação do agente. É o que ocorre no caso em tela, onde os seguros depoimentos da ofendida informam sobre o estupro e seu autor, o apelante. Condenação mantida.” (Apelação crime nº 70005252325, 6ª CCrim TJRS, Rel. Des. SYLVIO BAPTISTA NETO, j. 19/12/02)
“ABSOLVIÇÃO. NEGATIVA DE AUTORIA. PALAVRA DA VÍTIMA. VALOR PROBANTE. Em crimes contra os costumes, cometidos sem a presença de testemunhas, em especial os domésticos, a palavra da vítima possui alta potencialidade probante, sobretudo em se tratando de criança de doze anos, cuja ausência de experiência de vida não permitiria a narrativa coerente do fato só com base na imaginação, versão reforçada, ainda, pelo contexto da prova testemunhal que trouxe outros elementos de convicção” (Apelação crime nº 70004906301,8ª CCrim TJRS, Rel. Dês. ROQUE MIGUEL FANK, j. 06/11/02)
Como visto, não resta dúvida que a palavra da vítima, ainda que menor impúbere é elemento hábil para, em consonância com o acervo probatório, fundamentar um decreto condenatório, desde que colhida na fase judicial, sob o contraditório e a ampla defesa.
Já em relação ao testemunho infantil, veja a lição de Guilherme de Souza Nucci[14]:
“Outro aspecto extremamente importante é a declaração prestada por criança (sempre informante) e adolescente (informante ou testemunha, conforme o caso, já que podem prestar o compromisso a partir dos 14 anos, segundo o art. 208, CPP). Relatos nos mostram que muitos erros judiciários originam-se da credibilidade exagerada que magistrados concedem a essas informações. Justifica-se essa situação pela fragilidade tanto da criança quanto do adolescente para elaborar uma narrativa fiel dos fatos porventura assistidos, sem lançar qualquer fantasia ou mentira, frutos da inexperiência e da instabilidade psicológica e emocional dos seres em desenvolvimento. Observa-se que a criança, por ficar sempre na superfície das coisas, quer por preguiça de espírito, quer por ignorância ou falta de hábito, termina guardando na memória poucos dados interessantes sobre determinado fato. O que é velho na sua memória sempre prejudica o novo. Assim, seu processo de associação de ideias é sensivelmente diminuído. Quando colocada para reconhecer algum suspeito, pode trazer à sua memória a imagem de pessoas conhecidas e não exatamente do agente do crime, prejudicando o reconhecimento ou terminando por reconhecer quem efetivamente não cometeu a infração penal. Tendo em vista que a memória da criança é frágil, muitas são as situações em que, forçada a se lembrar de algo importante, termina completando a sua falta de informação com dados extraídos da fantasia e da imaginação. O infante tem dificuldade de lidar com a noção de espaço e tempo, razão pela qual, desejando o juiz captar, exatamente, o que lhe significou determinado período, deve lançar mão de comparações. Assim, em lugar de falar em horário de adulto (19:00 horas, 23:00 horas etc.), precisa fazer referência ao horário da própria criança, como o momento em que almoça, janta, brinca, vai para a cama etc. Lembremos, ainda, que, por ser altamente sugestionável, jamais deve o magistrado completar-lhe frases, pedindo que confirme com um “sim” ou um “não”. A criança, para agradar quem a ouve, certamente terminará concordando com o almejado pelo interrogante. Sob outro aspecto, a turbulência da adolescência apresenta apenas algumas diferenças com a fase infantil. Deve-se continuar a ter cautela com determinados depoimentos, agora, especialmente, no contexto sexual, pois o desenvolvimento do ser humano, nessa fase, é marcado pelo descobrimento da sua sexualidade. Tal situação pode acarretar perturbações sensoriais, emotivas e psicológicas, razão pela qual a fantasia ingressa nas suas narrativas, também como forma de suprir determinadas frustrações e incompreensões. Segundo estudos realizados, somente a partir dos 14 anos começa a pessoa a se tornar mais confiável nos seus relatos, o que, aliás, redundou no já mencionado art. 208 do Código de Processo Penal.”
É, portanto, notório que vários fatores podem contaminar o que é relatado por uma testemunha, principalmente se menor impúbere ou sofrendo de qualquer faculdade. Porém, mesmo assim, será um testemunho válido e valorado pelo magistrado.
Neste sentido, para Stein[15], ainda que haja essa “certeza”, deve-se repensar a confiabilidade dos testemunhos, a partir do momento em que se crê na possibilidade das falsas memórias, pois, nas palavras de Stein (2010, p. 37) “[...] o ser humano é capaz de lembrar, de forma espontânea ou sugerida, eventos que nunca aconteceram [...] e é possível sim apresentar erros de memória”.
Sendo assim, é plausível que pode haver contaminação no relato da testemunha, ainda que esteja sobre juízo, pois a memória é volátil e “contaminável”, no sentido de que, no momento do crime “visto” muitas imperfeições são armazenadas na memória devido ao trauma do momento e ainda se tem a permissão do CPP da testemunha depor pelo ouvir dizer.
Segundo Aury Lopes Jr. E Cristina Carla Di Gesu:
“Contudo, as crianças foram historicamente avaliadas como mais vulneráveis à sugestão, pois a tendência infantil é justamente de corresponder às expectativas do que deveria acontecer, bem como às expectativas do adulto entrevistador. (...) Além disso, a tendência infantil é de se adaptar à expectativa do entrevistador, a fim de demonstrar cooperação com o adulto, razão pela qual raramente se responde que não se sabe. (...) De outra banda, a criança tende a ser desafiada pelo entrevistador quando o seu relato for incongruente com a convicção inicial dele. O fato é que se o entrevistador estiver previamente convicto acerca da ocorrência do delito, certamente vai dirigir todos os questionamentos de modo a confirmá-lo, contaminando o ato.”
Por seu turno, existe ainda o depoimento e/ou testemunho de policiais que participaram da investigação que originou o processo criminal. O que dizer desses testemunhos? Longe de ser incomum, está hipótese, encontra-se presente em grande número de feitos criminais, até porque, muitas vezes, são os agentes as únicas testemunhas do fato delituoso, mormente quando se trata de prisão em flagrante de delito clandestino.
Existe a corrente jurisprudencial que afasta por completo a admissibilidade desta prova por entender, em suma, que estas pessoas seriam suspeitas e estariam, portanto, impedidas de depor. Corrente majoritária, porém, caminha em sentido oposto, admitindo-a, pois não enxergam suspeição pelo simples fato da atuação funcional. Cabe assim ao Juiz, à luz do nosso sistema de apreciação de provas, com critério, dar o devido valor à prova colhida. Se os depoimentos dos policiais não forem, por exemplo, objeto de qualquer contestação por parte do réu, como os desqualificar? E, mesmo que o sejam, como não os admitir se provada estiver a materialidade do fato e os outros testemunhos corroborá-los?
Segundo Alexandre Bizzotto e Andreia de Brito Rodrigues[16]:
“o testemunho dos policiais é válido; contudo, não se nega a guerra que se trava entre a polícia e a criminalidade. Quando possível, a indicação de testemunhas que não tinham vínculo com o Estado é importante para se evitar a descaracterização dos abusos que são cometidos.”
“(...) o Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento no sentido de que não há irregularidade no fato de o policial que participou das diligências ser ouvido como testemunha. Ademais, o só fato de a testemunha ser policial não revela suspeição ou impedimento."(HC nº 76557/RJ, 2ª Turma, Relator para acórdão: Min. Carlos Velloso, DJ 02.02.2001).
Neste sentido, vejamos algumas decisões do Supremo Tribunal Federal, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e de outros Tribunais:
“VALIDADE DO DEPOIMENTO TESTEMUNHAL DE AGENTES POLICIAIS. O valor do depoimento testemunhal de servidores policiais – especialmente quando prestado em juízo, sob a garantia do contraditório – reveste-se de inquestionável eficácia probatória, não se podendo desqualificá-lo pelo só fato de emanar de agentes estatais incumbidos, por dever de ofício, da repressão penal. O depoimento testemunhal do agente policial somente não terá valor, quando se evidenciar que esse servidor do Estado, por revelar interesse particular na investigação penal, age facciosamente ou quando se demonstrar – tal como ocorre com as demais testemunhas – que as suas declarações não encontram suporte e nem se harmonizam com outros elementos probatórios idôneos. Doutrina e jurisprudência.” (HC 73.518-5/SP, 1.ª T STF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ 18.10.1996).
“O depoimento testemunhal de agente policial somente não terá valor quando se evidenciar que esse servidor do Estado, por revelar interesse particular na investigação penal, age facciosamente ou quando se demonstrar - tal como ocorre com as demais testemunhas - que as suas declarações não encontram suporte e nem se harmonizam com outros elementos probatórios idôneos." (STF - HC 73.518-5, Rel. Celso de Mello - DJU - 18.10.96, p. 39.846).
“TRF3 - ACR 2004.60.05.001066-2 – (22547) – 5ª TURMA – REL. DES. FED. SUZANA CAMARGO - EMENTA: RSE. PRONÚNCIA. ART. 408, CAPUT, DO CPP. EXISTÊNCIA DO CRIME E INDÍCIOS DA AUTORIA. ART. 409, CPP. ANIMUS NECANDI. PROVA TESTEMUNHAL. DECLARAÇÕES PRESTADAS POR POLICIAIS. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DA ACUSAÇÃO. TRIBUNAL DO JÚRI. JULGAMENTO. RECURSO IMPROVIDO. (...) O fato da prova testemunhal estar consubstanciada, também, em declarações prestadas por policiais, por si só, não descaracteriza a sua verossimilhança, tendo em vista que não foram esses depoimentos analisados isoladamente, mas sim em consonância com todo o conjunto probatório colhido sob o crivo do contraditório.” Vejamos este trecho do voto: “(...) Ademais, o simples fato daquela prova testemunhal estar consubstanciada, também, em declarações prestadas por policiais, por si só, não descaracteriza a sua verossimilhança, tendo em vista que não foram esses depoimentos analisados isoladamente, mas sim em consonância com todo o conjunto probatório colhido sob o crivo do contraditório. É que neste particular, não é dado olvidar que os policiais não se encontram legalmente impedidos de depor sobre atos de ofício nos processos de cuja fase investigatória tenham participado, no exercício de suas funções. Em sendo assim, tais depoimentos revestem-se de inquestionável eficácia probatória, sobretudo quando prestados em juízo, sob a garantia do contraditório, sendo que nesse sentido já decidiu o colendo Superior Tribunal de Justiça (REsp 604815/BA, Ministra Laurita Vaz, 5ª Turma, DJ 26.09.2005 p. 438 LEXSTJ vol. 194 p. 332).”
Noutro sentido:
“Apelação criminal. Condenação pelo crime de tráfico ilícito de entorpecentes. Pretendida absolvição. Procedência. Condenação lastreada tão somente na palavra isolada dos policiais. Insuficiência. Ausência de provas sólidas e convincentes acerca da conduta do réu. A dúvida, em direito penal, não opera contra o acusado. Absolvição que se impõe. Inteligência do artigo 386, inciso VII, do Processo Penal. Sentença reformada. Recurso provido” (TJPR – 4ª C. – AP 0500539-6 – rel. Luiz Zarpelon – j. 29.1.2009 – DOE 13.2.2009).
Pelo exposto, é notório que existem vários elementos e variáveis que podem contaminar e/ou influenciar a prova testemunhal. Entre eles a testemunhar ser autorizada por nosso sistema processual penal a testemunhar pelo ouvir dizer, o fato de impúberes poderem testemunhar, o fato de o juiz poder valorar uma prova, além de outras variáveis.
Tem-se ainda o fato de que a própria memória de uma testemunha ou vítima de um crime não ser totalmente real sendo contaminada por falsas memórias e pelo trauma do acontecimento, o que se pretende falar adiante.
Somando-se esses fatores a outros como condição econômica, cor da pele, talvez se chegue ao número de mais de 40% dos encarcerados no Brasil não terem sido julgados e já estão aprisionados[17].
4. CONCLUSÃO
O que consta de todo o trabalho é que a Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 5º, Inciso LVII, declara que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;”. É princípio da inocência, onde todos são inocentes até que se prove o contrário.
O Estado para derrubar esse princípio, na função persecutória, faz uso, dentre outros meios comprobatórios da testemunha.
A testemunha, por sua vez, declara seu testemunho que é um meio de prova disciplinado nos arts. 202 a 225 do CPP. O Juiz, tendo em vista o sistema do livre convencimento, pode valorá-lo livremente à luz das demais provas produzidas. No antigo sistema da certeza legal ou da prova legal prevalecia o brocardo “testis unus, testis nullus” (voix d’un, voix de nul, para os franceses), onde uma só testemunha não valia como prova.
Hoje se admite até uma condenação com base em um único testemunho, desde que corroborado com os demais meios probatórios colacionados aos autos. Por outro lado, muitas vezes vários testemunhos não são suficientes para uma sentença condenatória. Portanto, o que importa não é o número de testemunhas, mas a credibilidade do respectivo depoimento e o critério com que o julgador o aferirá.
Assim, observa-se que o processo mnemônico não é tão objetivo como se almeja num interrogatório. Diversas situações podem alterar o teor dos relatos, inclusive situações relativas aos estados psicológicos normais. Apesar disso, indagações acerca de qual verdade habita o processo penal são recorrentes na doutrina. Se se trata de verdade real ou formal, se verdade real é o mesmo que material, se verdade formal é o mesmo que processual. Na realidade o problema reside não na qualificação (formal, material, real, processual), mas nos usos e crenças em torno da verdade no processo penal de forma alienada das reais condições da produção do que chamam de verdade. Uma prova oral que pode ser influenciada por tantos fatores para reconstituir um fato e formar os autos de um processo para então condenar ou absolver uma pessoa, pode carecer severamente de qualquer coisa digna de ser considerada uma verdade.
Elas são semelhantes às memórias verdadeiras, por terem as duas, a mesma base cognitiva e neurológica.
Didaticamente, com base em estudos desenvolvidos por neurologistas, pode-se dividir as memórias em memória de trabalho, declarativas e procedurais. Assim iremos nos ater as memórias declarativas, pois são elas que englobam o que comumente se chama de Memória, registram fatos, eventos ou acontecimentos e assim são chamadas porque os seres humanos podem declarar que elas existem e relatar como adquiriram. As memórias declarativas são divididas em episódicas ou autobiográficas (eventos aos quais assistimos ou dos quais participamos) e semânticas (conhecimentos gerais).
Desta “memória declarativa” é comum se afirmar “certeza absoluta”, o que poderia indicar credibilidade total para quem escuta. Nos depoimentos, vítimas reconhecem de pronto agentes do delito e testemunhas oculares afirmam com “toda a certeza do mundo” ser ou não aquele o sujeito quem praticou o crime, embasando-se decisões, condenando-se ou absolvendo-se acusados.
Sendo assim, levando-se em consideração as “dúvidas” da memória, deve ser aplicado o princípio do “in dubio pro reo”.
Para haver condenação, portanto, exige-se do magistrado o estado de certeza, não valendo a mera probabilidade (juízo que enumera motivos convergentes e divergentes acerca da ocorrência de um fato, prevalecendo os primeiros). Não fosse isso, deve o juiz valer-se de prova idôneas, seguras e concretas para dar cabo a uma condenação.
Nesse contexto, impõe-se a análise da possibilidade de consideração da isolada palavra da vítima como prova plena.
Neste sentido, em que pesem as declarações da vítima sejam colhidas sem o dever de dizer a verdade (não é considerada testemunha no processo penal, conforme referido alhures), podendo, eventualmente, ser parciais, espelhando uma visão particular dos fatos narrados na peça acusatória, o certo é que não devem suas palavras serem vistas como necessariamente parciais e distorcidas, podendo, sim, ensejar, por si só, nos autos (forma isolada, ou seja, sem corroboração por testemunhas), um édito condenatório no processo penal, desde que se apresentem resistentes e firmes, sem razões de suspeição de isenção, sobretudo quando ressonantes com demais circunstâncias coligidas no curso da instrução.
E isso porque, em se tratando a vítima de pessoa desconhecida do réu, sem qualquer vínculo anterior ou interesse em prejudicá-lo, a sua narrativa deve ser considerada com especial valor, especialmente nos chamados delitos clandestinos, praticados às escondidas, sem a presença de testemunhas, como é o caso, em regra, dos crimes contra o patrimônio, em que o ofendido desconhece o acusado e termina por contar os fatos exatamente como se deram.
Neste Interim, para evitar que se possam prejudicar o processo penal brasileiro em decorrências dessas falsas memórias, devem ser tomadas medidas que visem cada vez mais filtrar e buscar fontes alternativas para a certificação da veracidade dessas informações. Pois é recorrente o número de condenações injustas que são posteriores revogadas por erro no ato da condução da investigação e julgamento, por se basear apenas em dados da vítima e testemunhas. Ficando o condenado com o grave prejuízo irreparável, uma vez que não há maneira de compensar integridade moral e psicológica de alguém que é condenado sendo inocente.
Desta feita vê-se a necessidade de um questionamento e analise valorativa da prova testemunha na persecução penal, principalmente em casos onde a única prova é a da vítima, como em abuso sexual ou violência doméstica.
5. BIBLIOGRAFIA
[1] Ms. em Direito, especialista em Direito Penal, e doutorando em Direito Penal.
[1] NUCCI, Guilherme de Souza. Provas no Processo Penal. 4ª edição, revista, atualizada e ampliada. Rio de Janeiro: Forense. 2015.
[2] LIMA, R. B. de. Manual de processo penal. Vol. único. 5. ed. Salvador: JusPODVM, 2017.
[3] TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 4ª ed. Salvador: Editora JusPODIVM, 2010, p.386-388.
[4] ______. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.
[5] CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p.396-397.
[6] LOPES JR., Aury. Direito Processual e sua conformidade constitucional. Vol. I. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 598.
[7] BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo Penal. Rio de Janeiro: Campus: Elsevier, 2012, p. 317.
[8] LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 09 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 649.
[9] MALATESTA, Nicola Framarino dei. A Lógica das Provas em Matéria Criminal, São Paulo: Saraiva, vol. II, 1960, p. 16, tradução de Alexandre Augusto Correia
[10] ________; DI GESU, Cristina Carla. Prova penal e falsas memórias: em busca da redução de danos. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 15, n. 175, jun. 2007, p. 2.
[11] TORNAGHI, Hélio. Curso de Processo Penal, 8ª. ed., São Paulo: Saraiva, vol. I, 1991, p. 393.
[12] DI GESU, Cristina. Prova Penal e Falsas Memórias. 2. ed. ampl. e rev. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2018.
[13] TORNAGHI, Hélio. Curso de direito penal, São Paulo: saraiva, 1997, p. 400.
[14] NUCCI, Guilherme de Souza. Provas no Processo Penal. 4ª edição, revista, atualizada e ampliada. Rio de Janeiro: Forense. 2015, p. 100.
[15] STEIN, L.M. e Colaboradores. Falsas Memórias – Fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas. Porto Alegre: ARTMED, 2010.
[16] BIZZOTTO, Alexandre; RODRIGUES, Andreia de Brito. Julgamento antecipado civil e penal. Goiânia: AB, 1999.p. 120.
[17] https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/07/17/cnj-registra-pelo-menos-812-mil-presos-no-pais-415percent-nao-tem-condenacao.ghtml. Acessado em 01 de maio de 2021.
Bacharelando do Curso de Direito pela Faculdade Uninassau; formado em Administração de Negócios pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA); Pós Graduado em Auditoria Fiscal e Tributária pelo Instituto de Estudos Superiores da Amazônia.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Renato Almeida. A valoração indevida da prova testemunhal no sistema persecutório penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 jul 2021, 04:35. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56991/a-valorao-indevida-da-prova-testemunhal-no-sistema-persecutrio-penal. Acesso em: 23 dez 2024.
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