CARLA THAMYRES DE CASTRO VIDAL SILVA[1]
(coautora)
ROGÉRIO SARAIVA XEREZ[2]
(orientador)
RESUMO: O crime de estupro de vulnerável, tipificado no artigo 2017-A, foi introduzido no Código Penal somente no ano de 2009, por meio da lei n° 12.015/2009. Em recente decisão judicial, a contemplação foi considerada ato libidinoso capaz de configurar o crime de estupro de vulnerável, o que trouxe discussão no meio jurídico. Assim, o objetivo deste artigo é apresentar as principais características do crime de estupro de vulnerável, analisar o novo entendimento sobre a contemplação como ato libidinoso capaz de configurar o crime, e verificar as consequências deste entendimento em outros crimes sexuais que possuem o ato libidinoso como elemento normativo. Para tanto, se pesquisou as principais fontes da literatura penal, bem como o conteúdo da decisão judicial em questão, procurando identificar o entendimento na doutrina e jurisprudência. Para o desenvolvimento do presente estudo foram feitas pesquisas bibliográficas com abordagem indutiva. Verificou-se, portanto, que, a maior parte da doutrina penalista e da jurisprudência citada sustenta a tese de que a contemplação lasciva configura o ato libidinoso constitutivo do tipo do artigo 2017-A, sendo irrelevante para a configuração do delito o contato físico entre o ofensor e o ofendido vulnerável.
Palavras-chave: estupro de vulnerável, contemplação lasciva, ato libidinoso.
ABSTRACT: The crime of rape of vulnerable person typified in the article 2017-A was introduced in the Criminal Code only in 2009, through the law n°12.015/2009. In a recent court decision, contemplation was considered a libidinous act capable of constituting the crime of rape of vulnerability, which brought discussion in the legal environment. Thus, the objective of this article is to presente the main characteristics of the crime of rape of vulnerable, to analyze the new understanding on contemplation as a libidinous act capable of constituing the crime, and to verify the consequences of this understanding in other sexual crimes that have libidinous act as a normative element. To do so, the main sources of criminal literature were researched, as well as the content of the judicial decision in question, seeking to identify the understanding in doctrine and jurisprudence. For the development of the present study, bibliographical research was carried out with an inductive approach. It was verified, therefone, that most of the penal doctrine and jurisprudence cited sustains the thesis that lascivious contemplation configures the libidinous act constitutive of the type of that lascivious contemplation configuration of the offense the type of article 2017-A, being irrelevant for the configuration of the offense the physical contact between the offender and the vulnerable offended, that is, under 14 (fourteen) years.
Keywords: Rape of vulnerable, lascivious contemplation, libidinous act.
Sumário: 1 Introdução – 2 O crime de estupro de vulnerável: 2.1 O objeto jurídico; 2.2 Sujeitos do crime; 2.3 Elementares do crime; 2.4 Consumação; 2.5 Crime hediondo – 3 Contemplação lasciva à luz da doutrina e de jurisprudências: 3.1 Conceito de ato libidinoso no crime de estupro de vulnerável; 3.2 Contemplação lasciva e estupro de vulnerável na literatura; 3.3 Contemplação lasciva e estupro de vulnerável na jurisprudência – 4 Contemplação lasciva e os crime de corrupção de menores e satisfação da lascívia mediante presença de criança ou adolescente: 4.1 Consequências para o crime de corrupção de menores; 4.2 Consequências para o crime de satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente – 5 Conclusão – Referências.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo aborda a possibilidade da utilização da contemplação lasciva como ato libidinoso capaz de configurar o crime de estupro de vulnerável. Para tanto, tem-se como base uma decisão judicial do Superior Tribunal de Justiça em Recurso de Habeas Corpus[3], bem como a literatura penal sobre o tema.
O objetivo principal deste estudo, portanto, é analisar o crime de estupro de vulnerável, comparando entendimentos doutrinários e jurisprudenciais sobre a possibilidade da utilização da contemplação lasciva como ato libidinoso previsto no artigo 217-A.
Para tanto, a primeira seção abordará alguns pontos relevantes sobre o crime de estupro de vulnerável, por meio de entendimentos doutrinários e legislação penal, para que haja uma melhor compreensão.
Em seguida, será tratado sobre a contemplação lasciva como espécie do gênero ato libidinoso, para caracterização do crime previsto no artigo 217-A, sob a perspectiva da doutrina e jurisprudências controvérsias sobre o tema.
Por fim, na terceira seção, serão tratadas as consequências da caracterização da contemplação lasciva como ato libidinoso e em que isso acarretaria para os crimes de Corrupção de menores e satisfação de lascívia, mediante presença de criança e adolescente, previstos, respectivamente, nos artigos 218 e 218-A do atual Código Penal.
2 O CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL
Este capítulo visa analisar o crime de estupro de vulnerável previsto no artigo 217-A do Código Penal. Neste sentido, abordará alguns pontos relevantes sobre o crime, como o objeto jurídico, os sujeitos do crime, elementares, bem como a consumação e sua entrada nos crimes hediondos.
2.1 O Objeto Jurídico
O crime de estupro de vulnerável, previsto no artigo 217-A, está presente no título VI, capítulo V do atual Código Penal, e sua redação é oriunda da Lei n° 12.015/09, denominada “Dos crimes contra a dignidade sexual”. Todavia, antes, o bem jurídico tutelado era a liberdade sexual da mulher, e não a dignidade humana, visto que o crime estupro enquadrava somente as mulheres no polo passivo e os homens no ativo, e visava o controle moral e a liberdade sexual do indivíduo, além do pudor coletivo (ALVES, p.3, 2018).
Assim, houve uma reforma legislativa com a entrada da Lei n° 12.015/09, que visava realçar a sexualidade como elemento da dignidade humana. Segundo Alves (2018, p.7), a dignidade humana é um dos bens mais preciosos, e é um princípio fundamental garantido pela Constituição Federal, que deve ser respeitado e protegido.
Bitencourt (2019, p.100) fala que a dignidade sexual é o bem jurídico protegido pela nova redação do Título VI do Código Penal, que comporta a liberdade sexual da vítima, ou seja, o consentimento. No entanto, quando se refere à liberdade do menor ou incapaz, tem o objetivo de agir preventivamente, para manter sua integridade psicológica e física, garantindo um desenvolvimento normal de sua personalidade.
Masson (2014, p.132) também entende que o bem jurídico tutelado pelo atual Código Penal é a dignidade sexual dos vulneráveis, e tem como finalidade a proteção da integridade e da privacidade de tais pessoas no âmbito sexual.
Dessa forma, configuram-se como vulneráveis, de acordo com o artigo 217-A, os menores de catorze anos, enfermos ou portadores de deficiência mental que não tenham o discernimento necessário para a prática do ato, ou quaisquer que por outra causa não possam oferecer resistência.
2.2 Sujeitos do Crime
O crime de estupro de vulnerável é um delito comum, e qualquer pessoa pode ser imputada quando age como sujeito. Porém, em se tratando do polo passivo, o sujeito precisa estar enquadrado no que o Código Penal delimitou como vulnerável, especificamente no artigo 217-A.
A respeito disso, Bitencourt (2019, p.101) pontua que o sujeito passivo pode ser qualquer pessoa que apresente a qualidade ou condição especial de vulnerabilidade exigida pelo tipo penal, seja por conter idade inferior aos 14 (catorze) anos, por se tratar de alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o discernimento para a prática do ato sexual, ou ainda, qualquer outra pessoa que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.
Cunha (2017, p.496), por sua vez, estabelece que no caput do artigo 217-A, a lei admite que a vítima, ao completar 14 (catorze) anos, adquire a capacidade de consentimento para a relação sexual.
Masson (2014, p.126) ainda apresenta que a escolha, no critério etário, é objetiva, e que dessa forma não há a possibilidade de afastar os menores de 14 (catorze) anos da definição de vulneráveis. Assim, não se fala mais em presunção de violência, mas de vulnerabilidade, que decorre do incompleto desenvolvimento físico, moral e mental do menor de 14 (catorze) anos.
Há, ainda no parágrafo 1° do artigo 217-A, a alegação de que aquele que possui alguma enfermidade ou deficiência mental, ou que por qualquer outra causa não pode oferecer resistência não tem o discernimento necessário para a prática do ato. Neste caso, Bitencourt (2019, p.108) explica que o enfermo ou deficiente mental também são sujeitos de direito, e recebem tratamento destacado na Constituição Federal de 1988, o que também inclui o direito à sexualidade e à própria dignidade sexual.
Masson (2014, p.127) dispõe que a enfermidade ou deficiência mental podem ser tanto temporárias como permanentes, de natureza congênita ou adquirida. Assim, é necessário que haja perícia médica, que descartará ou não a existência de discernimento do ato.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei n° 13.146/15, em seu artigo 6°, inciso II, expõe que a deficiência não implica na plena capacidade de exercer seus direitos sexuais e reprodutivos. Nesse passo, Aguiar e Silva (2017) estabelecem que o artigo 217-A os inserem como vulneráveis para que haja defesa da integridade e dignidade ao serem submetidos a uma situação de vulnerabilidade. A respeito desse assunto, o Código Penal não produz interferências nos direitos assegurados, de forma que, quando tais situações chegam a juízo, devem ser apreciadas por magistrados (BRASIL, 2015).
Cunha (2017, p.499) propõe que a relação sexual não pode ser punida apenas por ocorrer com uma pessoa que possua enfermidade ou deficiência mental, de forma que só há a caracterização do crime quando o agente pratica conjunção carnal ou ato libidinoso com enfermo ou deficiente mental que não tem discernimento necessário para a prática do ato. Portanto, isso torna necessária a verificação concreta da condição da pessoa, e neste raciocínio, o Estatuto da Pessoa com Deficiência não interfere na caracterização do crime estupro de vulnerável.
A propósito, deve-se atentar à expressão “qualquer outra causa” e interpretá-la no sentido amplo, com o intuito de alcançar todos os motivos que retirem de alguém a capacidade de resistir ao ato sexual (MASSON, 2014, p.128).
2.3 Elementares de Crime
Para que haja caracterização do estupro de vulnerável, basta que o agente pratique conjunção carnal ou ato libidinoso com pessoas caracterizadas como vulneráveis pelo ordenamento jurídico, como já apresentado anteriormente, e não se faz necessário o emprego de violência ou ameaça grave.
Nucci (2019, p.132) separa em duas condutas: a primeira trata da conjunção carnal com menor de 14 (catorze) anos. Nesse contexto, o verbo “ter” possui o sentido de “realizar” ou “efetuar”, e a conjunção carnal consiste na introdução total ou parcial do pênis na vagina, o que torna imprescindível a existência de uma relação heterossexual; a segunda conduta é a prática de atos libidinosos, em que “praticar” tem sentido de “manter” ou “desempenhar” ato libidinoso, revestido de conotação sexual, como sexo oral, sexo anal, masturbação, etc.
Dessa forma, o ato libidinoso vai além da conjunção carnal, e engloba quaisquer atos que satisfaçam a lascívia do agente, de modo que existem situações que dispensam inclusive o toque e o contato físico.
O artigo 217-A estabelece as formas qualificadas do crime, e assim, o agente responde por crime de estupro de vulnerável qualificado. Caso sua conduta resulte em lesão corporal de natureza grave ou até morte, sua pena será aumentada.
No tipo penal, mesmo que a vítima menor de 14 (catorze) anos tenha consentido com o ato sexual, a infração penal é configurada. O Superior Tribunal de Justiça, na Súmula n° 593, apresenta o seguinte posicionamento:
O crime de estupro de vulnerável se configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente. (BRASIL, 2017b).
Dessa forma, o Superior Tribunal de Justiça afirma não haver a necessidade do eventual consentimento da vítima. Ademais, menciona ainda que não é relevante a existência prévia de um relacionamento amoroso, ou mesmo de relação sexual anterior ao delito. Diante disso, o STJ demonstra que não há necessidade de uma investigação da vida pessoal da vítima.
2.4 Consumação
Segundo o artigo 217-A, o ato é consumado por meio da prática da conjunção carnal ou ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos, com enfermo ou deficiente mental que não tem o necessário discernimento, ou que por qualquer outra causa não pode oferecer resistência.
Estabelece Masson (2014, p.135) que o estupro de vulnerável é crime material, na modalidade “ter conjunção carnal”, e se consuma com a introdução parcial ou total do pênis na vagina. Em sequência, na variante “praticar ato libidinoso”, o crime se consuma no momento em que o ato libidinoso desejado pelo agente é praticado com o corpo da vítima.
O ato libidinoso abrange tanto a relação sexual em que a vítima tem comportamento passivo e permite a prática dos atos, ou ainda o comportamento ativo, quando a vítima pratica os atos libidinosos no agente.
De acordo com Bitencourt (2019, p.118), é admissível a tentativa do crime, que se caracteriza pela interrupção da execução, causada por uma reação eficaz da vítima, ou ainda por intervenção de terceiros, o que, portanto, seria consequência de circunstâncias alheias à vontade do agente.
2.5 Crime Hediondo
Crime hediondo é uma expressão que deriva da promulgação da Constituição Federal de 1988, o que levou o legislador a definir e sujeitar um rol legal. Com o interesse de proteger a dignidade sexual da pessoa vulnerável, o ordenamento jurídico, passou a inseri-lo entre os delitos neste rol de crimes, com o intuito de proteger as pessoas que não estão aptas para obter relações sexuais, o que se presume que haja violência em todos os casos.
O crime de estupro de vulnerável faz parte dos crimes elencados na Lei 8.072/90, dessa forma, ao torná-lo um crime hediondo, mesmo na forma simples, sua pena será exercida, inicialmente, em regime fechado (BRASIL, 1990; GENTIL, 2010).
Firma Nucci (2019, p.170) que o estupro de vulnerável é um delito hediondo, que traz como consequência todas a privações impostas pela Lei 8.072/90, dentre as quais: o cumprimento de pena inicial é em regime fechado, há a impossibilidade de obtenção de liberdade provisória com fiança, além de um considerável aumento de prazo para a obtenção do livramento condicional, entre outros fatores.
Contudo, de forma explicita, a lei n°12.015/09 inseriu o estupro de vulnerável na lista dos crimes hediondos, pois com a revogação do artigo 224 do Código Penal, o que antes era considerado de violência presumida, passou a ser visto como crime autônomo. Assim, a hediondez do crime de estupro de vulnerável tem a ver tanto com a evolução histórica como com a presunção da violência (BRASIL, 2009).
3 CONTEMPLAÇÃO LASCIVA À LUZ DA DOUTRINA E DE JURISPRUDÊNCIAS
O estudo da contemplação lasciva aborda o ato de observar a vítima menor de 14 (catorze) anos ou vulnerável, sem que haja o contato físico entre o ofensor e o ofendido para que seja caracterizado como crime de estupro de vulnerável.
Sendo assim, o presente capítulo abordará o cabimento da contemplação lasciva dentro do gênero de ato libidinoso, previsto como elemento normativo do artigo 217-A. Ainda, serão abordados e comparados entendimentos oriundos da literatura e de jurisprudências sobre o tema.
3.1 Conceito de Ato Libidinoso no Crime de Estupro de Vulnerável
A legislação do artigo 217-A não traz expressa a definição exata do que seria o ato libidinoso, apenas estabelece que cometerá estupro de vulnerável aquele que praticar conjunção carnal ou outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos.
De acordo com Greco (2017, p.95), “Na expressão outro ato libidinoso estão contidos todos os atos de natureza sexual, que não a conjunção carnal, que tenham por finalidade satisfazer a libido do agente[...]”, e portanto, o ato libidinoso é gênero que possui espécies, incluindo a conjunção carnal ou qualquer ato com conotação sexual.
Dessarte, Fernando Capez (2012b, p.295) complementa que o ato libidinoso compreende outras formas do ato sexual diferentes da conjunção carnal, e são quaisquer atos que se destinam a satisfazer a lascívia e prazer sexual do ofensor. Prado (2019, p.1464) ainda afirma que ato libidinoso é a conduta praticada pelo agente, que se consolida por meio de seus prazeres sexuais. Dessa forma, conforme o que foi apresentado, conclui-se que a contemplação lasciva é espécie de ato libidinoso que se enquadra no crime de estupro de vulnerável.
3.2 Contemplação Lasciva e Estupro de Vulnerável na Literatura
Como se sabe, o ato libidinoso diverso da conjunção carnal foi acrescido ao crime de estupro art. 217-A do Código Penal (Lei 12.015/2009), unificando qualquer conduta sexual contra vulneráveis em um mesmo tipo penal. Entretanto, a definição do que é ato libidinoso e o que se encaixa dentro deste ato ficou a cargo da doutrina e da jurisprudência, como discutido anteriormente.
Dito isso, busca-se entender o conceito de contemplação lasciva e como esta se insere no ato libidinoso, tornando-se um ato sexual capaz de configurar o crime de estupro de vulnerável previsto no artigo 217-A.
À vista do conhecimento de ato libidinoso explicado por Prado (2019, p.1464), é possível compreender que a contemplação lasciva está inclusa no gênero ato libidinoso, visto que este ato é a conduta praticada pelo agente que se consolida com seus prazeres sexuais. Com isso, para que seja consumado o crime de estupro de vulnerável é preciso que o autor do crime tenha apenas praticado qualquer conduta de natureza sexual com vítima, mesmo que não tenha possuído contato corpóreo com a vítima.
Destarte, Luciana Pimenta (2016) aduz que, “contemplação” tem sentido de olhar atenciosamente ou por admiração algo ou alguém, já lascívia carrega a ideia de comportamento inclinado aos prazeres sexuais. Dessa forma, pode-se dizer que contemplação lasciva é o ato de, sem tocar outrem, satisfazer sua libido e prazer sexual a partir da nudez alheia. Logo, o simples fato de olhar a vítima desnuda com o objetivo de satisfazer sua lascívia (contemplação lasciva) já será suficiente para caracterizar ato libidinoso e, portanto, configurar o delito de estupro de vulnerável, de modo que, mesmo sem tocar a vítima, o agente infringe a legislação (POLTRONIERI, 2016; GONÇALVES, 2019).
Por sua vez, Paciornik (2016 apud CUNHA, 2018, p.516) explica que:
A conduta de praticar com menor de idade atos libidinosos abrange tanto o ato sexual tendo a vítima um comportamento passivo (permitindo que com ela se pratiquem os atos) ou ativo (praticando os atos de libidinagem no agente), implicando, interpretação diversa. De acordo com o que decidiu o STJ, o crime de estupro de vulnerável pode ser caracterizado inclusive em situações nas quais não há contato físico entre o agente e a vítima (RHC 70.970/MS, Rel. Min. Joel IIan Paciornik, Dje 10/08/2016).
Dessa maneira, o autor encontra-se em conformidade com o entendimento de que contemplação lasciva está inclusa no gênero ato libidinoso. Destarte, é possível compreender que, caso o agente ofensor, por meio de sua conduta delituosa sem anuência do ofendido, tiver seu prazer sexual satisfeito, com ou sem contato corpóreo com a vítima, estará praticando um ato libidinoso capaz de configurar o crime de estupro de vulnerável (NUCCI, 2019, p.144).
Lopes (2017, p.13) determina que, como o crime de estupro de vulnerável é tido como crime de forma livre, pode ser praticado por qualquer meio, e assim pode ser consumado pela mera contemplação lasciva. Desta forma, mesmo que não haja o contato físico entre o agente e a vítima, esta tem sua liberdade sexual violada.
Em contrapartida, Fernando Capez (2012a, p.34-35) sustenta que o ato libidinoso compreende outras formas de realização do ato sexual que não a conjunção carnal, e afirma que o ato possui: “conceito bastante abrangente (...), não se incluindo nesse conceito as palavras, os escritos com conteúdo erótico, pois a lei se refere a ato, ou seja, realização física concreta”.
Dessa forma, a simples conduta de obrigar a vítima a despir-se, sem obrigá-la a praticar qualquer ato que tenha natureza sexual configura o crime de Constrangimento Ilegal, e não estupro de vulnerável, visto que apenas ficar desnudo não se configura como ato libidinoso. Além disso, também não se configura como estupro de vulnerável palavras e propostas que tenham fins eróticos (GONÇALVES, 2011, p.516).
No entanto, Nucci (2019, p.144) explica que qualquer pessoa que realize ato libidinoso com outra pessoa, com ou sem o consentimento desta, satisfazendo seu prazer sexual, cometerá crime de Importunação sexual previsto no art.215-A do Código Penal. Ainda, segundo o autor, sem o consentimento da vítima várias condutas podem ser incluídas no crime de Importunação sexual, como a masturbação na presença da vítima, ficar desnudo na presença do ofendido, entre outras.
Do ponto de vista de Damásio (2020, p.190), há atos que não são revestidos de natureza sexual e que somente uma análise das circunstâncias do fato poderá concluir de que se trata ou não de ato libidinoso capaz de configurar o estupro de vulnerável.
3.3 Contemplação Lasciva e Estupro de Vulnerável na Jurisprudência
A mesma controvérsia na literatura, paira também nas decisões judiciais. Acerca do crime estupro de vulnerável, há entendimentos jurisprudenciais que aceitam ou não a contemplação como ato libidinoso capaz de configurar tal delito, pois há divergências quanto a necessidade de contato corpóreo entre o criminoso e a vítima vulnerável.
Isto posto, de acordo com Angelo (2020)6 a 12ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, Rel. João Morenghi, decidiu a partir de um caso concreto, que quando[4]
não há conjunção carnal, o ato libidinoso cometido contra menor de 14 (catorze) anos não é considerado como estupro de vulnerável, mas sim como o crime de importunação sexual, previsto no artigo 215-A do Código Penal.
O caso supracitado ocorre em sigilo judicial, logo, não se tem acesso a todas as informações. Todavia, na situação em questão, a menor vulnerável possuía apenas 08 (oito) anos de idade, e fora induzida a sentar no colo do seu tio, que além de apalpar seus seios, a movimentava para cima a fim de friccionar-se nela. Tal entendimento firmado pelo TJ-SP encontrou amparo no fato de não ter ocorrido conjunção carnal entre o ofensor e a vítima, o que enquadrou a conduta no crime de importunação sexual, e desclassificou o crime de estupro de vulnerável (ANGELO, 2020).
O crime de importunação sexual foi incluído pela lei 13.718/18 (BRASIL, 2018b), que afirma que quem “praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”, comete este crime. Ocorre que, no caso em que a vítima é menor vulnerável, ou seja, menor de 14 (catorze) anos, e devido a sua total privação de resistência, o crime cometido trata-se do estupro de vulnerável. (MASSON, 2014, p.1509).
Isto posto, a 1° Turma do STF, no HC 134591, processo n° 4000832-1720161000000, relator Min. Marco Aurélio e o relator Min. Alexandre de Morais[5] publicado em 2019, já decidiu pela impossibilidade de desclassificação do crime de estupro de vulnerável para o crime de importunação sexual. De acordo com o inteiro teor da decisão, a configuração do crime de importunação sexual só é possível se a vítima não for vulnerável. (BRASIL, 2019)
O STJ posicionou-se a respeito do Recurso Especial nº 1684167/SC, relator Min. Reynaldo Soares da Fonseca, autuado em 2017, dando o entendimento de que é impossível a desclassificação do crime de estupro de vulnerável para o crime de importunação sexual, por se tratar de menores de 14 (catorze) anos (BRASIL, 2018a).
O STJ, em outro julgamento da 5° Turma do Superior Tribunal de Justiça no RHC 70.976/MS, processo n°1400826-75.2016.8.12.0000, Rel. Min Joel llan Paciornik, relata sobre o caso de uma menor de 14 (catorze) anos, em que a vítima foi obrigada a despir-se para que outrem pudesse contemplá-la e satisfazer sua libido. Neste processo foi homologado o conceito de contemplação lasciva, entendendo que não há necessidade de contato físico entre a vítima e o agente ofensor para configuração do crime de estupro de vulnerável.
De acordo com essa decisão da 5° Turma do Superior Tribunal de Justiça no RHC 70.976/MS Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 2016:
RECURSO EM HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL EM CONTINUIDADE DELITIVA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA E ATIPICIDADE DA CONDUTA. CONTEMPLAÇÃO LASCIVA DE MENOR DESNUDA. ATO LIBIDINOSO CARACTERIZADO. TESE RECURSAL QUE DEMANDA REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. AUSÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. RECURSO DESPROVIDO. O Parquet classificou a conduta do recorrente como ato libidinoso diverso da conjunção carnal, praticado contra vítima de 10 anos de idade. Extrai-se da peça acusatória que as corrés teriam atraído e levado a ofendida até um motel, onde, mediante pagamento, o acusado teria incorrido na contemplação lasciva da menor de idade desnuda. Discute-se se a inocorrência de efetivo contato físico entre o recorrente e a vítima autorizaria a desclassificação do delito ou mesmo a absolvição sumária do acusado. A maior parte da doutrina penalista pátria orienta no sentido de que a contemplação lasciva configura o ato libidinoso constitutivo dos tipos dos arts. 213 e 217-A do Código Penal - CP, sendo irrelevante, para a consumação dos delitos, que haja contato físico entre ofensor e ofendido. O delito imputado ao recorrente se encontra em capítulo inserto no Título VI do CP, que tutela a dignidade sexual. Cuidando-se de vítima de dez anos de idade, conduzida, ao menos em tese, a motel e obrigada a despir-se diante de adulto que efetuara pagamento para contemplar a menor em sua nudez, parece dispensável a ocorrência de efetivo contato físico para que se tenha por consumado o ato lascivo que configura ofensa à dignidade sexual da menor. Com efeito, a dignidade sexual não se ofende somente com lesões de natureza física. A maior ou menor gravidade do ato libidinoso praticado, em decorrência a adição de lesões físicas ao transtorno psíquico que a conduta supostamente praticada enseja na vítima, constitui matéria afeta à dosimetria da pena, na hipótese de eventual procedência da ação penal. In casu, revelam-se pormenorizadamente descritos, à luz do que exige o art. 41 do Código de Processo Penal - CPP, os fatos que, em tese, configurariam a prática, pelo recorrente, dos elementos do tipo previsto no art. 217-A do CP: prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal com vítima menor de 14 anos. A denúncia descreve de forma clara e individualizada as condutas imputadas ao recorrente e em que extensão elas, em tese, constituem o crime de cuja prática é acusado, autorizando o pleno exercício do direito de defesa e demonstrando a justa causa para a deflagração da ação penal. Nesse enredo, conclui-se que somente após percuciente incursão fática-probatória seria viável acolher a tese recursal de ausência de indícios de autoria e prova de materialidade do delito imputado ao recorrente. Tal providência, contudo, encontra óbice na natureza célere do rito de habeas corpus, que obsta a dilação probatória, exigindo que a apontada ilegalidade sobressaia nitidamente da prova pré-constituída nos autos, o que não ocorre na espécie. Assim, não há amparo para a pretendida absolvição sumária ou mesmo o reconhecimento de ausência de justa causa para o prosseguimento da ação penal para apuração do delito. Recurso desprovido (BRASIL, 2016).
No caso supracitado, o agente ofensor fora acusado de ter atraído e levado a menor de 14 (catorze) anos até um motel, forçá-la a tirar a roupa e submetê-la, mediante pagamento de R$400 (quatrocentos reais), a satisfazer seu desejo sexual por meio da contemplação lasciva. Observa-se que a vítima teria sido obrigada a ficar desnuda para que o acusado pudesse contemplá-la e, mesmo sem contato corpóreo, obtivesse o prazer sexual desejado.
De acordo com informações acerca do parecer do Ministério Público Federal[6] tratando-se do caso, o ato de observar, ou seja, contemplar uma criança nua, preenche os requisitos previstos na legislação brasileira para ser classificado como um caso de estupro de vulnerável, visto que a vítima se trata de uma menor, que não possuía compreensão exata do ocorrido e nem tinha chances de defesa.
Em acréscimo, o Ministro Ribeiro Dantas decidiu em Recurso Especial nº 1640087/MG 2014/0059863-3, no caso concreto, que a contemplação com o intuito de satisfazer a lascívia configura ato libidinoso diverso da conjunção carnal.
Mais uma vez, demonstrando que não é necessário o contato físico entre ofensor e ofendido para que haja consumação de crimes contra a dignidade sexual, o STJ decidiu:
PENAL. RECURSO ESPECIAL. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. ART. 214, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. ATO LIBIDINOSO DIVERSO DA CONJUNÇÃO CARNAL. CONTATO FÍSICO ENTRE O AGENTE E A VÍTIMA. DESNECESSIDADE. CONTEMPLAÇÃO LASCIVA. CONSUMAÇÃO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. De acordo com o novel entendimento consagrado por esta 5ª Turma, à unanimidade de votos, em julgamento de caso semelhante, decidiu-se que a "contemplação lasciva configura o ato libidinoso constitutivo dos tipos dos arts. 213 e 217-A do Código Penal, sendo irrelevante, para a consumação dos delitos, que haja contato físico entre ofensor e ofendido" (RHC 70.976-MS, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, julgado em 02/08/2016, DJe 10/08/2016). 2. No caso concreto, a conduta do agente que, valendo-se de sua condição de conselheiro tutelar, tranca o adolescente nas dependências do Centro de Triagem e lhe ordena, mediante graves ameaças, que tire toda a roupa e se masturbe (entregando-lhe inclusive uma revista pornográfica, com o escopo de estimular a libido), que faça poses para fotografias de cunho pornográfico e mostre seu órgão genital, além de obrigar a vítima, contra sua vontade, a assistir esse mesmo agente se masturbando, tudo com o propósito de obter a satisfação da lascívia do recorrido, configura, sim, o "ato libidinoso diverso da conjunção carnal" descrito no tipo do art. 214 do Código Penal, em sua modalidade consumada. 3. Recurso especial provido para condenar o réu como incurso nas penas do art. 214, caput, do Código Penal e determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem, para que proceda à dosimetria da pena (BRASIL, 2017a, grifo nosso).
Tal caso se enquadra nos termos do artigo 214 do Código Penal, atentado violento ao pudor, que fora revogado pela lei n°12.015/2009. Dessa forma, de acordo com as declarações e decisão dadas, o crime cometido pelo agente configura-se atualmente como estupro de vulnerável, devido aos atos praticados pelo agente capazes de configurar a contemplação lasciva, bem como porque a vítima é vulnerável menor de 14 (catorze) anos.
4 CONTEMPLAÇÃO LASCIVA E OS CRIMES DE CORRUPÇÃO DE MENORES E SATISFAÇÃO DA LASCÍVIA MEDIANTE PRESENÇA DE CRIANÇA OU ADOLESCENTE
Com o estudo da contemplação lasciva e a possibilidade de seu uso como ato libidinoso para a caracterização do estupro de vulnerável, é possível compreender a necessidade de analisar as consequências em outros crimes tipificados no Código Penal.
Neste sentido, no presente capítulo, serão pontuados os crimes 218 e 218-A, previstos no atual Código Penal, e a decorrência da utilização da contemplação lasciva como ato libidinoso.
4.1 Consequências para o Crime de Corrupção de Menores
O Código Penal dispõe no artigo 218 o crime de corrupção de menores, em que o delito é caracterizado quando o agente induz "alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem” (BRASIL, 2009). Esse delito fora introduzido pela lei 12.015/2009, revogando a antiga redação.
O artigo supracitado trata do envolvimento de vítima menor de 14 (catorze) anos no momento em que o delito é praticado pelo agente. Isso acontece, por exemplo, quando o ofendido é induzido a satisfazer a lascívia e desejo sexual de outrem. Em complemento a este entendimento, Masson (2014, p.138) determina que o núcleo do tipo “induzir” consiste em criar na mente do menor de 14 (catorze) anos a vontade de satisfazer a lascívia alheia.
À vista disso, é preciso que se saiba as consequências da possibilidade da existência da contemplação lasciva como ato libidinoso nesse delito, visto que o seu ponto principal é a ausência de contato físico do agente ofensor com menor de 14 (catorze) anos.
Masson (2014, p. 138 e 139) estabelece que, a satisfação da lascívia está relacionada a atividades sexuais meramente contemplativas, tais como assistir a vítima dançar nua ou fazer poses eróticas, e nesses casos, o terceiro busca o prazer sexual mediante a observação.
Desta forma, Masson (2014, p.138) aduz que se o agente induzir o menor de 14 (catorze) anos a realizar conjunção carnal ou ato libidinoso com terceira pessoa, deverá responder como estupro de vulnerável, tipificado no artigo 217-A do Código Penal, na condição de participe. Portanto, na corrupção de menores não se faz necessário o contato corpóreo.
Dito isso, o tipo penal previsto no artigo 218 fica esvaziado, pois sua elementar “satisfazer lascívia de outrem” pode caracterizar um ato libidinoso, assim como a contemplação lasciva, sendo espécies do gênero ato libidinoso presentes no crime de estupro de vulnerável.
Portanto, a contemplação lasciva, entendida como espécie de ato libidinoso capaz de configurar o estupro de vulnerável, descaracteriza a conduta do crime de corrupção de menores, visto que os atos libidinosos desse delito constituem condutas que não envolvem o contato físico entre o agente e a vítima vulnerável.
Ademais, ressalta-se que são similares as condutas de induzir, instigar e auxiliar, todas são formas de participação, e não de coautoria, ficando claro que todos os agentes envolvidos no delito, ora em apresso, responderão pelo crime de estupro de vulnerável. (NUCCI, 2019, p. 194)
Portanto, o agente que induzir a vítima a presenciar o ato, concorre na condição de partícipe no delito, portanto, responderá pelo crime de estupro de vulnerável, assim como o agente do crime em si. Desta forma, afasta a existência do crime de corrupção de menores, pois qualquer comportamento que a vítima fosse induzida a realizar, o terceiro estaria praticando o crime de estupro de vulnerável, assim como induz.
4.2 Consequências para o Crime de Satisfação da Lascívia Mediante Presença de Criança ou Adolescente
Assim como o artigo 218, o artigo 218-A também foi incluído no Código Penal por meio da lei 12.015/2009, dispondo sobre a satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente, em que o agente comete o crime ao “praticar, na presença de alguém menor de 14 (catorze) anos, ou induzi-lo a presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem” (BRASIL, 2009).
O delito supracitado trata do envolvimento da vítima menor de 14 (catorze) anos no momento em que o delito é praticado pelo agente, quando é obrigada ou induzida a presenciar ato libidinoso para que terceiro ou o próprio ofensor satisfaça sua lascívia.
Desta forma, Masson (2014, p. 143) aborda que os núcleos deste artigo são “praticar” e “induzir”, e cada um se relaciona uma conduta distinta. O verbo “praticar” tem sentido de realizar, ou seja, realizar, na presença de alguém menor de 14 (catorze) anos, conjunção carnal ou ato libidinoso. Assim, entende-se que nessa situação há a compreensão de que a relação sexual está sendo assistida pelo menor.
Por conseguinte, no verbo “induzir” possui sentido de convencer ou persuadir o menor de 14 (catorze) anos de presenciar a atividade sexual. Sobre isso, Greco (2017), em conformidade com Masson (2014) afirma que, embora o agente não tivesse induzido a vítima vulnerável a presenciar o ato sexual, estava ciente de que o menor assistia a tudo, mas mesmo assim, permitiu que ali permaneça, visto que isso também era uma forma de satisfazer a sua própria libido ou mesmo a de outrem.
Destarte, compreende-se que a presença física da vítima no local onde a conjunção carnal ou ato libidinoso se realiza não é exigível, e basta que a relação sexual ou ato libidinoso sejam realizados à vista do menor, que pode estar fisicamente distante, mas visualizando tudo por meio de webcam, e a situação contrária também é viável.
Neste tipo penal “deve-se utilizar interpretação extensiva: onde se lê induzir (que é o menor), leia-se também instigar (fomentar, incentivar) e auxiliar (dar suporte material ou moral)” (NUCCI, 2019, p.198).
Assim como mencionado anteriormente, o ponto principal do delito é a ausência de contato físico do agente ofensor com o menor ou qualquer vulnerável, portanto, se faz necessário que as consequências da possibilidade da existência da contemplação lasciva como ato libidinoso no crime de estupro de vulnerável fiquem claras.
À vista disso, considera-se que a contemplação lasciva é espécie de ato libidinoso capaz de configurar o estupro de vulnerável, e quando se trata especificamente do menor de 14 (catorze) anos, acaba abrangendo também as condutas do crime de satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente, visto que os atos libidinosos desse delito constituem condutas que não envolvem o contato físico entre o agente e a vítima vulnerável, a mesma prevista no artigo 217-A.
Dito isso, assim como ocorre com o crime de corrupção de menores, o crime de satisfação de lascívia mediante presença de criança e adolescente deve ser descaracterizado, pois suas elementares “satisfazer lascívia própria ou de outrem”, assim como a contemplação lasciva, são espécies do gênero ato libidinoso, previsto no delito de estupro de vulnerável.
É válido salientar que, levando em consideração que “são similares às condutas de induzir, instigar e auxiliar, tanto que todas são formatos de participação, e não de coautoria” (NUCCI, 2019, p.194), é evidente que todos os agentes envolvidos no delito, ora em apresso responderão pelo crime de estupro de vulnerável.
Isto posto, o agente que induzir a vítima a presenciar ato sexual concorre como terceiro no delito, logo, responderá pelo mesmo crime que o agente, e também responderá pelo crime de estupro de vulnerável. Dessa maneira, o crime previsto no artigo 218-A fica inexistente, pois qualquer conduta destinada a induzir a vítima a presenciar determinado ato libidinoso, estaria o agente e o terceiro praticando o crime de estupro de vulnerável previsto no artigo 2017-A.
5 CONCLUSÃO
O presente estudo buscou analisar a possibilidade da inclusão da contemplação lasciva como um ato libidinoso, capaz de se configurar como crime de estupro de vulnerável previsto no artigo 217-A do atual Código Penal. Abordou também as consequências da inclusão da contemplação lasciva no ato libidinoso inserido no crime de estupro de vulnerável.
Posto isto, o crime de estupro de vulnerável está previsto no art. 217-A do atual Código Penal. Assim, responde pelo referido crime quem praticar conjunção carnal ou ato libidinoso com vulneráveis, aqueles que são apresentados pelo artigo 217-A, como o menor de 14 (catorze) anos, enfermo ou deficiente mental que não tenha discernimento necessário para a prática do ato, ou outro que por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.
Portanto, com base em uma decisão judicial do Superior Tribunal de Justiça em RHC 70.976-MS, foi considerado pelo relator ministro de um caso concreto que contemplação lasciva é um ato diverso da conjunção carnal, capaz de configurar o crime de estupro de vulnerável. Dessa forma, com o objetivo de entender a decisão firmada pelo STJ, foram analisados posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais sobre o tema.
Dito isto, foi abordado inicialmente, na primeira seção, os entendimentos doutrinários relevantes sobre o crime de estupro de vulnerável, previstos no artigo 217-A do Código Penal. Foram demonstrados os aspectos principais do delito, para ensejar a compreensão sobre a possibilidade de considerar a contemplação lasciva como espécie do gênero ato libidinoso para configurar estupro de vulnerável.
Com isso, os entendimentos doutrinários, bem como os das jurisprudências, expostos na segunda seção, mostraram-se divergentes a respeito do tema. À vista disso, verificou-se o conflito de posicionamentos, pois há discordância sobre a necessidade do contato físico entre o agente e a vítima menor de 14 (catorze) anos para configurar o crime de estupro de vulnerável. Entretanto, verificou-se que a maior parte da doutrina orienta que a contemplação lasciva configura o ato libidinoso capaz de configurar o artigo 217-A, sendo irrelevante para a configuração do delito o contato físico entre o ofensor e o ofendido vulnerável.
Na terceira seção pôde-se verificar que, assim como na doutrina, a jurisprudência também diverge sobre o tema, e conflita sobre a possibilidade de incluir a contemplação lasciva como um ato libidinoso capaz de configurar o delito, pois há entendimento sobre a necessidade do contato corpóreo entre o criminoso e o vulnerável.
Não obstante, foi constatado que a jurisprudência citada entende pela ausência do contato corporal para a configuração do crime previsto no artigo 217-A. Então, o ato de contemplar a vítima vulnerável desnuda preenche os requisitos previstos na legislação brasileira para ser classificado como um ato libidinoso, capaz de configurar o estupro de vulnerável por se tratar de menor sem chances de defesa e compreensão exata do ocorrido.
Por consequência, a contemplação lasciva, entendida como ato libidinoso capaz de configurar o crime de estupro de vulnerável, ocasiona mudanças no crime de Corrupção de Menores, como verificado na quarta seção, pois esse delito também trata do menor de 14 (catorze) anos, bem como da ausência de contato físico entre o agente e a vítima vulnerável. Com isso, mostrou-se coerente reconhecer a inexistência do delito, pois suas elementares estão abarcadas pela contemplação lasciva do crime de estupro de vulnerável.
O crime de satisfação de lascívia mediante presença de criança e adolescente também sofre mudanças com a contemplação lasciva como ato libidinoso capaz de configurar o crime de estupro de vulnerável. Este delito também trata do menor de 14 (catorze) anos, assim como do não contato físico entre o agente e a vítima. Sendo assim, o presente trabalho conclui que este delito pode ser reconhecido inexistente, pois as suas elementares já são contempladas na contemplação lasciva, presente no crime de estupro de vulnerável.
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[1] Acadêmica do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho - UNIFSA. E-mail: [email protected].
[2] Professor do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA. Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected].
[3] STJ - RHC: 70976 MS 2016/0121838-5
[4] Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-nov-02/estupro-vulneravel-ocorre-quando-conjuncao-carnal-tj-sp. Acesso em: 31 de mar. de 2021
[5] Disponível em: https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/862017472/habeas-corpus-hc-134591-sp-sao-paulo-4000832-1720161000000/inteiro-teor-862017477 . Acesso em: 07 de jun. de 2021.
[6] Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/noticias/369348656/estupro-de-vulneravel-pode-ser-caracterizado-ainda-que-sem-contato-fisico . Acesso em: 15 de abr. de 2021.
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