INGO DIETER PIETZSCH
(orientador)
RESUMO: Esta pesquisa trata do Direito Penal Mínimo como instrumento garantidor da dignidade da pessoa humana, pugnando que sua intervenção se dê, excepcionalmente, para a proteção de bens e interesses considerados de grande valor social. Nessa linha, problematiza-se o tema com a seguinte indagação: Em que medida o enfoque minimalista do Direito Penal contribui para a garantia da dignidade da pessoa humana? Após a realização de uma digressão histórica acerca das ideias penais no decorrer da humanidade, instaura-se a discussão sobre a crise da dogmática penal, culminando, após a análise dos princípios basilares do direito penal, na consagração do Direito Penal Mínimo como mecanismo garantidor da dignidade da pessoa humana. A relevância de tal estudo ressalta na medida em que ao direito penal, tem sido atribuída uma função meramente simbólica e negativa, sendo utilizado, equivocadamente, como um mecanismo solucionador dos problemas sociais ante a inegável impotência Estatal.
Palavras-chave: Direito Penal Mínimo. Intervenção Mínima. Dignidade da Pessoa Humana. Princípios penais.
SUMÁRIO: Introdução.Capitulo I – Evolução Histórica das Ideias Penais.1.1. O Direito Penal nos Diversos Países e Épocas. 1.2. O Período Humanitário, as Escolas Penais e a Crise da Dogmática Penal. Capítulo II – Direito Penal e os Princípios Constitucionais. 2.1. Princípios Básicos do Direito Penal. 2.2. Princípios da Dignidade da Pessoa Humana. Capítulo III – Direito Penal Mínimo e a Dignidade da Pessoa Humana. 3.1. A Manipulação Política do Caráter Punitivo do Direito Penal. 3.2. O Direito Penal Mínimo e a Jurisprudência dos Tribunais.Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O homem comum, nos dias atuais, encontra-se em uma área de conflito no que concerne às questões jurídicas. Questiona-se a razão pela qual as penas que são previstas, no Código Penal, nas leis extravagantes ou na sentença de um Juiz, provavelmente não serão aquelas cumpridas pelos infratores, fato este que tem como consequência a banalização do Direito Penal e o sentimento de descrédito incutido na sociedade no que diz respeito a efetiva e real ação do judiciário.
Nesse contexto viceja o ideal do Direito Penal como ultima ratio, voltado para a proteção tão somente dos bens necessários e vitais ao convívio da sociedade, ideia que não tem conseguido controlar a descomedida tendência expansiva do Direito Penal Simbólico e do punitivismo exacerbado, olvidando-se a adoção de princípios que deveriam servir de norte para o legislador.
O que se considera de maior relevância para a eleição dos tipos penais é a importância do bem jurídico a ser tutelado, podendo-se enquadrar, dentre estes bens dignos de proteção, a vida, a propriedade, a liberdade, o casamento, a família, a honra, a saúde, enfim, todos os valores importantes para a sociedade.
Vale dizer, assim, que não são todos os bens da vida que merecem ser tutelados pelo Direito Penal, reservando-se a proteção apenas aos bens de maior relevo para a coletividade, só incidindo quando nenhum outro mecanismo jurídico, existente em nosso ordenamento, funcionar como elemento de prevenção e de repressão para determinadas condutas.
Nessa senda, a sanção característica do Direito Penal é a pena, que sem sombra de dúvidas configura-se como a principal consequência jurídica do crime, sendo desta forma, o sistema punitivo do Estado, o mais rigoroso instrumento de controle social. Diante de tal premissa, a incriminação de determinados comportamentos deve se destinar a proteger certos bens e interesses considerados de grande valor para a vida social.
Apesar disso, há muito tempo, a sociedade está enfrentando uma grande crise relativa a efetividade do direito penal, na medida em que se sabe que não é possível emendar o criminoso através da pena, mas pelo contrário, a prisão avilta e deforma a personalidade do condenado. Há, portanto, uma verdadeira incongruência entre a aparência do magistério punitivo Estatal e suas dramáticas realidades.
Também é pacífico e nota-se na sociedade, que os problemas de que cuida o Direito Penal são de ordem social, ou seja, resultantes das desigualdades geradas pela própria ineficiência do Estado em proporcionar aos cidadãos o mínimo de dignidade humana necessária para a vida em comum. Tais problemas não serão resolvidos pelo direito penal, nem tão pouco por uma hipertrofia legiferante criminalizadora, mas pela atividade Estatal voltada para a mitigação dessas desigualdades.
Deve-se atentar, para uma política criminal em que se deixe para o âmbito do Direito Penal as condutas mais graves, em que seja realmente necessário impor a aplicação da pena, afastando-se a criminalidade de bagatela e os fatos puníveis que se situam no aspecto puramente moral, bem como as contravenções penais que, por não gozarem do status de indispensabilidade, fogem à lógica do enfoque minimalista do Direito Penal.
É exatamente sobre tal premissa que se apresenta o presente estudo, objetivando-se assim, trazer a assertiva de que o direito penal deve orientar-se no sentido de uma nova humanização, revelando-se como a ultima ratio do sistema jurídico, de modo a atuar na defesa dos bens jurídicos imprescindíveis à coexistência pacífica dos homens e que não podem ser eficazmente protegidos de forma menos gravosa, sob pena de condenar o sistema penal a uma função meramente simbólica e negativa.
A dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa, somente será respeitada na esfera penal, se a liberdade do homem for suprimida em casos de extrema necessidade, vez que a privação da liberdade não cumpre a sua função maior que é a ressocialização do condenado, ao contrário e como anteriormente afirmado, deforma e avilta a personalidade daquele que a ela se submete.
Para tanto, em atenção a este postulado maior – dignidade da pessoa humana – do qual derivam outros princípios (Intervenção mínima, lesividade, adequação social, fragmentariedade e insignificância), abstrai-se a premissa de que o Direto Penal não serve para toda e qualquer lesão a determinados bens e valores, mas sim, somente para aqueles que forem necessários para uma vida harmônica em sociedade.
Nessa teia, a presente pesquisa terá como ponto central analisar o Direito Penal Mínimo como instrumento garantidor da dignidade da pessoa humana, pugnando que sua intervenção se dê, excepcionalmente, para a proteção de bens e interesses considerados de grande valor social.
De forma mais específica no primeiro capítulo será abordada uma digressão histórica acerca das ideias penais no decorrer da humanidade, indicando o momento em que se instaurou a crise da dogmática penal. Já no segundo capítulo o tema central trará uma análise sobre os princípios basilares do direito penal, na consagração do Direito Penal Mínimo como mecanismo garantidor da dignidade da pessoa humana. Finalizando a pesquisa, o terceiro capítulo irá demonstrar criticamente a manipulação política do caráter punitivo do Direito Penal expondo como o Direito Penal Mínimo tem influenciado as decisões dos Tribunais.
Este trabalho comportará um referencial teórico que seguirá as diretrizes do método dedutivo e comparativo e, como técnica de coleta de dados, utilizará a pesquisa bibliográfica, dessa maneira para a fundamentação teórica do trabalho, será realizada uma investigação tanto em livros, como em periódicos, além da rede mundial de computadores. Também haverá pesquisa na legislação e consulta às jurisprudências.
Assim espera-se que os objetivos traçados neste trabalho sejam alcançados, de forma a contemplar necessariamente os pontos imprescindíveis para o completo entendimento e esclarecimento do tema proposto.
CAPÍTULO I – EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS IDÉIAS PENAIS
1. 1 O DIREITO PENAL NOS DIVERSOS PAÍSES E ÉPOCAS
A correta compreensão do direito no contexto da sociedade atual não pode ser corretamente assimilada se for ignorado o seu passado. O direito como verdadeiro fenômeno histórico, resulta de inúmeros fatores que condicionam a vida dos povos, sendo sua forma atual produto de um largo desenvolvimento.
Assim também se dá com a história do direito penal, em que embora não se possa falar em uma continuidade histórica, pode-se reconhecer na sua evolução uma luta da qual vai surgindo a concepção do homem como pessoa e não como coisa.
Desde os tempos mais antigos da humanidade, pode-se verificar que o homem tem alcançado progresso em todos os sentidos. Através do desenvolvimento da razão, o homem tem estado sempre organizado em grupos ou sociedades, sendo considerado por excelência um ser gregário. No entanto, a interação social nem sempre é harmônica, pois nela o homem revela o seu lado instintivo que é a agressividade, fator que desencadeia inúmeros conflitos.
Afirma-se, assim, que através dos tempos o homem tem aprendido a viver verdadeiro caldeirão de delitos. É aí que surge o Direito Penal, com o intuito de defender a coletividade e promover uma sociedade mais pacífica. O Direito, segundo o Fragoso[1], como regra de conduta social, surge juntamente com a sociedade, sendo o primeiro ramo criado o Direito Penal e sendo a primitiva ideia de pena a reação vindicativa do ofendido.
Desta feita, percebe-se a evolução do Direito Penal, sendo inegável que tal evolução caminha passo a passo com a humanidade, surgindo desde os primórdios segue acompanhando a sociedade atual. Sendo assim, tendo em vista que o crime sempre esteve presente na vida do homem e na sociedade, chega-se a conclusão de que o Direito Penal evoluiu junto a estes.
De acordo com Prado[2]:
As etapas da evolução da justiça punitiva podem ser assim resumidas: na primeira época o crime é atentado contra os deuses, sendo a pena meio de aplacar a cólera divina; Na segunda época o crime é agressão violenta de uma tribo contra outra, sendo a pena uma vingança de sangue de tribo a tribo; em uma terceira época o crime é visto como transgressão da ordem jurídica estabelecida pelo poder do Estado, sendo a pena uma reação do Estado contra a vontade individual oposta à sua.
Fica claro o acompanhar do Direito Penal em cada fase da vida do homem. O conceito de pena e, como se daria sua aplicação em cada fase da humanidade, balanceava-se na proporção do nível de conhecimento alçado pelos homens, havendo concordância com seus costumes e suas crenças.
Continuando com Prado[3], as etapas da evolução sobredita podem apresentar-se, ainda:
[...] como uma concepção bárbara, na qual os delitos são divididos em delitos públicos, punidos com penas corporais cruéis; e delitos privados, sendo perseguidos e reprimidos pela vítima ou sua família; uma concepção teocrática, na qual o delito sempre é um atentado à ordem religiosa e, finalmente, uma concepção política, na qual o delito é considerado como uma lesão da ordem social e a pena como um meio de preveni-la e repará-la.
Conclui-se desta forma, que a evolução penal processou-se no sentido de restringir a vingança privada ou a chamada justiça pelas próprias mãos, para em seguida o Estado assumir o controle da justiça punitiva, começando a definir a concepção de crime e a maneira de reprimi-lo no ceio da sociedade, objetivando que sua atuação tivesse o poder de prevenção pedagógica e ao mesmo tempo o intuito de corrigir os males causados por tal conduta.
Direito Penal Romano
Nos primórdios de Roma, o Direito Penal teve uma origem sacra, sendo a pena uma expiação pela falta praticada contra a comunidade religiosa e meio de aplacar a ira dos deuses, sendo o transgressor considerado como um maldito, sujeito à vingança dos deuses ou de qualquer pessoa, que poderia matá-lo impunemente.
Segundo as lições de Fragoso[4], a separação entre a religião e o Estado deu-se com a instauração da República (509 a.C.). Em virtude da luta entre patrícios e plebeus surge a lei das XII Tábuas, promulgada em 453-51 a.C., delimitando os crimes chamados privados, determinando assim a pena de talião, e trazendo consigo uma restrição nas ações de vingança privada.
De acordo com mesmo autor, a essência do Direito Penal romano clássico vai se estabelecendo com o surgimento de varias leis penais no fim da república, leis que se devem a Cornelio Sila (leges Corneliae), promulgadas entre 82 e 80 a.C.. Em tal fase os crimes privados vão sumindo e a vingança privada igualmente vai desaparecendo. Fragoso declara que o magistério penal é exercido pelo Estado exclusivamente, salvo a disciplina doméstica do pater familias que se mantém. As penas são grandemente mitigadas, de modo que as penas de morte são praticamente abolidas.[5]
Fragoso[6] sobre o sistema das quaestiones perpetuae expõe que:
[...] permaneceu em vigor até o século III, começando a sofrer desde o principado de Augusto (27 d.C.) a concorrência de um processo mais conforme à nova constituição e ao novo espírito do Estado, iniciando-se o chamado processo extraordinário no qual era dispensada a acusação formal, procedendo de ofício os órgãos do Estado com grande liberdade de forma e latitude na apreciação dos delitos e imposição de penas.
Assim, aos crimes mais graves volta a ser utilizada a pena de morte. Durante o império estabelece-se a aplicação da pena segundo a condição do réu, de molde a abolir a igualdade democrática anterior, que remontava à Lei das XII tábuas.
O Direito Penal desta época distingue nitidamente a culpa, o dolo e o caso fortuito, considerando inclusive, na aplicação da pena, circunstâncias agravantes e atenuantes.
Direito Penal Germânico
O Direito Penal germânico divide-se, conforme Fragoso[7], em duas partes fundamentais, que constituem a época germânica e a época franca, sendo que o seu sistema (anterior à invasão de Roma) não era composto de leis escritas, sendo constituído apenas pelo costume. Característica do Direito Germânico é a grande extensão em que o crime é considerado assunto privado, sujeito à vingança e à composição.
De acordo com Prado[8], outra relevante característica desse sistema vem a ser sua objetividade, sendo o resultado causado, ou seja, o elemento objetivo do delito o mais importante. A responsabilidade penal é objetiva, pelo evento ou simplesmente pelo resultado material. O fundamental é, tão somente, o resultado prejudicial da ação, a sua consequência, sendo assim, nenhuma alteração há no formato da pena se o resultado ocorre de forma voluntaria ou não, ou por motivo eventual.
Direito Canônico
A formação do Direito Penal canônico teve proveniência de diversas fontes, tratando de sintetizar o conceito público de pena dos romanos e o privado dos germanos, sendo que sua principal virtude, conforme Zaffaroni e Pierangeli[9], a considerar o elemento intencional do crime, ou seja, seu aspecto subjetivo, em uma medida muito maior que a do Direito Germânico.
Justo é também apontar-se, além do elemento voluntarístico do crime, já mencionado, a finalidade que empresta à pena, objetivando a regeneração ou emenda do criminoso, pelo arrependimento ou purgação da culpa. Ao se referir sobre o sistema punitivo canônico, asseverou Noronha[10], que ‘’punições rudes e severas tolerou, mas com o fim superior da salvação da alma do condenado.’’
Enquanto em outras ordenações a prisão era apenas uma maneira de segurar o acusado ou condenado antes de cumprir sua pena, que geralmente era corporal, no Direito Canônico dá-se início ao uso da prisão como pena-fim, onde os monges ficavam presos em mosteiros, rezando para se redimirem de seus pecados. Então, por influência da Igreja é que se acolheu a pena de prisão, provindo daí o nome de penitenciária, usado até os dias de hoje.[11]
Dá-se preferência, no presente trabalho, na analise desses três direitos em detrimento de ordenações de outros povos, pois esses juntos constituíram as bases para a formulação do Direito moderno.
1.2 PERÍODO HUMANITÁRIO E ESCOLAS PENAIS
Período Humanitário
O movimento de reforma nas leis e na administração da justiça penal surgido ao final do século XVIII é resultado do extraordinário movimento de ideias que constituiu o iluminismo, movimento este que se revelou por ser uma corrente de pensamento que afirma que as leis naturais regulam as relações sociais e considera os homens naturalmente bons e iguais entre si – quem os corrompe é a sociedade. Tem como principais idealizadores, de acordo com Prado[12], os filósofos franceses – enciclopedistas - John Locke, Montesquieu, Voltaire, Rosseau e Diderot, que pugnavam contra a situação reinante na defesa veemente da liberdade, igualdade e justiça.
Nesse período surge em Milão, recebendo uma grande influência das obras de Montesquieu e Rousseau, César Bonesana, o Marquês de Beccaria, que publicou em 1764, sua maravilhosa obra Dos Delitos e das Penas, que teve o grande mérito de estabelecer as bases do Direito Penal moderno, na medida em que protestou contra os horrores das leis penais de sua época, insistindo sobre a separação entre a justiça divina e a justiça humana e indicou uma série de reformas, mais ou menos profundas, a começar pela abolição da pena de morte e da tortura, além de defender ideias que fundamentam o que se chama hoje em dia de princípios da legalidade e da presunção da inocência, mostrando que o propósito da pena, além de intimidar o cidadão, seria também o de recuperar o delinquente, entre outros.[13]
Nessa seara, Beccaria palestra acerca do poder que há na Lei, liderando um movimento de vanguarda contra a tortura, como dito acima, e o que mais afiança a esse respeito funda-se no pensamento de que a Lei deveria ser o remédio para os males jurídicos da sociedade.
Nessa trilha assim afirma Beccaria[14] em sua obra:
Eis uma proposição muito simples: ou o delito é certo, ou é incerto. Se é certo, só deve ser punido com a pena que a pena fixada pela lei, e a tortura é inútil, pois já não se tem necessidade das confissões do acusado. Se o delito é incerto, não é hediondo atormentar um inocente? Com efeito, perante as leis, é inocente aquele cujo delito não se provou.
Conforme preleciona Fragoso[15], Beccaria utiliza a teoria do Contrato Social de Rousseau para esclarecer a origem das penas e, assim, delimitar o direito de punir, afirmando que o fim da pena é apenas o de evitar que o criminoso cause novo mal e que os demais cidadãos o imitem, sendo tirânica toda punição que não se funde na absoluta necessidade. Sendo assim, emerge a necessidade de punir aqueles que desrespeitam as normas do bom convívio e invadindo esferas alheias. Nessa toada, são estabelecidas penas para os infratores das leis.
Afirma Beccaria[16] em sua obra que as penas não podem exceder a porção mínima de liberdade depositada por cada indivíduo:
[...] O conjunto de todas essas pequenas porções de liberdade é o fundamento do direito de punir. Todo exercício de poder que se afastar dessa base é abuso e não justiça; é um poder de fato e não de direito; é uma usurpação e não mais um poder legítimo.
Defendia a conveniência de leis claras e precisas, não permitindo sequer ao juiz o poder de interpretá-las, opondo-se, dessa forma, ao arbítrio que prevalecia na justiça penal. Combateu a pena de morte, a tortura, o processo inquisitório, defendendo a aplicação de penas certas, moderadas e proporcionais ao dano causado à sociedade.
Nessa esteira Beccaria[17] asseverou em sua obra o seguinte entendimento:
[...] e, no momento em que o juiz é mais severo do que a lei, ele é injusto, pois aumenta um novo castigo novo ao que já foi determinado. Segue-se que nenhum magistrado pode, mesmo sob o pretexto do bem público, aumentar a pena pronunciada contra o crime de um cidadão.
É nesse ambiente que o homem moderno toma consciência crítica do problema penal como problema filosófico e jurídico e é a partir de tal, que surgem transformações ditadas pela Escola Clássica.
Escolas e Tendências Penais
Escola Clássica
Segundo Prado[18], o século XIX é marcado pelo surgimento de inúmeras correntes de pensamento estruturadas de forma sistemática, conforme determinados princípios fundamentais. Para o autor, são as escolas penais, definidas como o corpo orgânico de concepções contrapostas sobre a legitimidade do direito de punir, sobre a natureza do delito e sobre o fim das sanções.
Nota-se que os pensadores da Escola Clássica adotaram os ideais iluministas e os instrumentaram no ramo das ciências jurídicas. Sua denominação foi elaborada de modo pejorativo pelos positivistas. Essa doutrina se caracteriza por sua linha filosófica, de cunho liberal e humanitário. Para esta escola crime não é um ente de fato, mas entidade jurídica; não é uma ação, mas infração. É a violação de um direito.[19]
Coube a Beccaria, conforme Prado[20] (2013, p. 98), traçar as linhas basilares desse sistema, retomadas e desenvolvidas, de certo modo, por Feuerbach, Filangieri, Bentham e Lardizabal.
Na obra de Beccaria[21], em suas linhas iniciais já era possível apurar seu ímpeto na defesa dos ideais democráticos. O autor manifesta com relevo sua indignação para com as leis de sua época por tipificarem penas desumanas e as falhas no Processo Penal, como a seguir expõe:
Não houve um que se erguesse, senão fracamente, contra a barbárie das penas que estão em uso em nossos tribunais. Não houve quem se ocupasse em reformar a irregularidade dos processos criminais, essa parte da legislação tão importante quanto descurada em toda a Europa.
Fragoso[22] diz que são postulados dessa escola os seguintes princípios básicos:
a) O direito tem uma natureza transcendente, segue a ordem imutável da lei natural; b) o delito é um ente jurídico, já que constitui a violação de um direito. É dizer: o delito é definido como infração; c) a responsabilidade penal é lastreada na imputabilidade moral e no livre-arbítrio humano; d) a pena é vista como meio de tutela jurídica e como retribuição da culpa moral comprovada pelo crime. O fim primeiro da pena é o restabelecimento da ordem externa na sociedade, alterada pelo delito. Em consequência, a sanção penal deve ser aflitiva, exemplar, pública, certa, proporcional ao crime, célere e justa; e) o método utilizado é o dedutivo ou lógico-abstrato; f) o delinquente é, em regra, um homem normal que se sente livre para optar entre o bem e o mal, e preferiu o último; g) os objetos de estudo do Direito Penal são o delito, a pena e o processo.
Como suplemento as características da Escola Clássica cita-se o livre arbítrio, entendimento este que se mostra como base única da responsabilidade penal.
Evidente que, para tal Escola, como ensina Basileu Garcia[23], o livre arbítrio constitui um dogma, o fundamento da culpa moral, sem o qual resta impossível a construção do direito penal. O livre arbítrio representa a vontade livre e consciente do ser humano, a capacidade para optar diante dos motivos apresentados, por determinada conduta, inclusive as delituosas.
Escola Positivista
Como bem leciona Prado[24], com o despontar da filosofia positivista e o florescimento dos estudos biológicos e sociológicos, nasce a escola positiva. Essa escola, produto do naturalismo, sofreu influência das doutrinas evolucionistas, materialista, sociológica, dentre outras.
A Escola Positivista, como sobredito, foi influenciada pelos avanços científicos do século XIX, pelas ideias de Darwin e Lamarck, e com grande volume por Auguste Comte, pai da sociologia. Os grandes nomes desta escola são: César Lombroso, Enrico Ferri e Rafael Garofalo.
A investigação experimental indutiva foi o método escolhido, diferindo dos clássicos que utilizavam o dedutivo. O crime era considerado como um fato humano e social e como tal devia-se chegar aos motivos que levava cada indivíduo a delinquir, assim havia uma individualização, ou seja, adequava-se pessoalidade do delinquente. A pena teria por fim a defesa social e não a tutela jurídica.[25]
Seu programa de reforma, de acordo com Fragoso[26] tem por base a ineficácia do sistema penal clássico, como meio de repressão à criminalidade, defendendo a substituição do princípio de retribuição, por um sistema de prevenção especial.
No entender de Prado[27], cita-se dentre os principais postulados desta escola:
a) o Direito Penal é um produto social, obra humana; b) a responsabilidade social deriva do determinismo (vida em sociedade); c) o delito é um fenômeno natural e social (fatores individuais, físicos e sociais); d) a pena é um meio de defesa social, com função preventiva; e) o método é o indutivo ou experimental; e f) os objetos de estudo do Direito Penal são o crime, o delinquente, a pena e o processo.
Desta feita, pela concepção positivista, não há vontade humana, sendo que o pensamento e o querer não são mais que manifestações físicas de um processo físico-psicológico que se desenvolve por meio de condutores no sistema nervoso, sendo, portanto, o homem um ser irresponsável.
Escola Moderna Alemã
Conforme os ensinamentos de Fragoso[28], surgida na Alemanha, por volta do último quartel do séc. XIX, sob a influência cultural da Escola Positiva italiana, a Escola Alemã considerava o crime um fato jurídico, com implicações humanas e sociais, sustentando a necessidade de uma pesquisa em torno das causas da criminalidade, a fim de que a pena, como medida de combate ao crime, possa ser posta em seu devido lugar.
Para o supracitado autor, tal escola opõe-se as ideias de Lombroso rejeitando a tese do criminoso nato, contudo aceita que são motivos para a formação do delinquente os fatores individuais e externos (físicos e sociais) com especial relevo os econômicos.[29]
Segundo Prado[30], dentre as principais características desta Escola, podem ser destacadas as seguintes:
a) a distinção entre o Direito Penal e as demais ciências criminais – criminologia; b) o método lógico-abstrato para o Direito Penal e o método indutivo-experimental para as ciências criminais; c) o delito como um fenômeno humano-social e fato jurídico; (d) a imputabilidade e a periculosidade; (e) a pena e a medida de segurança como um duplo meio de luta contra o delito; (f) o caráter defensivo da pena, orientada conforme a personalidade do delinquente: é a denominada pena finalística ou pena de fim (Zwecktrafe), em que coexistem a prevenção geral e a presvenção especial (intimidação/adaptação/adaptação artificial), com prevalência da última
Mostra-se, assim, em consonância com o supracitado autor, como um tipo de política criminal, propondo a imposição da pena com um ânimo intimidativo para os “delinquentes normais” e como medida de segurança para “os mais perigosos e reincidentes”, com escopo de manter a ordem social e a justiça.[31]
Escola Finalista
Várias outras escolas surgiram no decorrer da evolução do Direito Penal, dentre elas a do finalismo, desenvolvido por H.Welzel entre 1930 e 1939, que constituiu seu elemento basilar e fundamental no critério valorativo e fundamental do respeito à dignidade humana.[32] Dessa concepção do homem como pessoa, capaz de agir como ser livre e responsável, destaca-se como essencial para a valoração jurídica, a estrutura final da ação humana.[33]
Constata-se, destarte, que após sua construção doutrinária, não surgiram novas concepções dogmáticas de caráter inovador, podendo-se asseverar a primazia do sistema jurídico-penal finalista, fundado em sólidas bases metodológicas e humanísticas para assegurar os valores de segurança jurídica e de justiça material.[34]
Inegável, portanto, que o Direito, mais especificamente o Direito Penal, não cessará de evoluir, na medida em que o mesmo existe para a sociedade e evolui pari passu com a mesma, devendo ser condizente com a realidade da época em que se propõe a reger as atividades humanas, sob pena de cair em desuso.
Circunscrevendo-se no caso brasileiro, o atual Código Penal já não mais está espelhando na sociedade, nem tão pouco a real finalidade da aplicação do Direito Penal em determinadas situações, havendo, pois, uma extrema necessidade por aprimoramentos, sob pena de incorrer-se em um evidente retrocesso.
Com a evolução do pensar sobre a real finalidade de aplicação do Direito Penal, chegou-se também como inevitável consequência, a uma evolução sobre a necessidade, e modo de aplicação da pena, que se traduz em rigoroso instrumento de controle social. Várias foram às teorias que surgiram na tentativa de explicar o fundamento da pena.
Como a pena de prisão é algo tão drástico que marca o condenado de forma indelével pelo resto de sua vida e não atinge os fins a que se destina, a proposta de um Direito Penal Mínimo parece ser a mais indicada em determinados casos, devendo a tutela penal ser relegada aos bens jurídicos mais importantes para uma vida harmônica em sociedade.
Crise da Dogmática Penal
Meio necessário à defesa social, o Direito Penal apresenta atuação paradoxal: tutela a liberdade privando alguém dela e garante bens jurídicos essenciais com a privação destes mesmos bens.
Neste contexto encontra vez o Direito Penal Simbólico, quando o Direito Penal se apresenta de modo rígido, indubitável a ocorrência de prescrição de penas excessivas, de modo até mesmo de modo desproporcional, causando prejuízos a sociedade ao invés de cumprir um de seus grandes escopos, a proteção coletiva.
Por Direito Penal Simbólico, entende-se aquele que, sendo rigoroso demais, acaba por ser ineficaz na prática, trazendo meros símbolos de rigor excessivo que, efetivamente, caem no vazio, diante de sua não aplicação efetiva.
O Brasil, hodiernamente, enfrenta uma fase na qual o legislador infraconstitucional, de maneira excessiva, cria leis penais que apresentam claramente uma face simbólica. Segundo Grinovver, a existência de forte carga moral e emocional trazida por estas leis, revelando uma manifesta intenção pelo Governo de manipulação da opinião pública, ou seja, tem o legislador infundindo perante a sociedade uma falsa ideia de segurança, mediante a substituição do Estado Social pelo Estado Penal.[35]
Conforme esclarece Prado[36]:
A primazia do sistema -penal finalista, dotado de grande coerência lógica e fundado em sólidas bases metodológicas e humanísticas (conceito de pessoa) para assegurar os valores impares de segurança jurídica e de justiça material, objetivo maior de toda ordem jurídica democrática realmente comprometida com os postulados de um Direito Penal liberal.
Em consonância com artigo que foi publicado no IBCcrim, nº 74 de janeiro de 1999, intitulado Sobre a Função do Juiz Criminal na Vigência de um Direito Penal Simbólico, Paulo Queiroz, citando Garcia-Pablos declara que:
Um Direito Penal simbólico carece, evidentemente de toda legitimidade, pois, manipula o medo ao delito e à insegurança, reage com rigor desnecessário e desproporcionado e se preocupa, exclusivamente com certos delitos e infratores, introduzindo um sem fim de disposições penais, apesar de inúteis ou de impossível cumprimento, desacreditando o próprio sistema penal.[37]
De tal arte, o Direito Penal apresenta-se em situação de inevitável crise. Proclama-se que o Direito Penal constitui-se em instrumento a ser usado com parcimônia, diante do alto custo social que a pena apresenta, sendo tendência generalizada à redução da área de incidência do Direito Penal, afirmando-se seu caráter subsidiário.
Por isso mesmo, modernamente, busca-se um Direito Penal de intervenção mínima, excluindo do âmbito de sua proibição as infrações leves e insignificantes. Uma nova política criminal requer o exame rigoroso dos casos em que convém impor a pena, e dos casos em que convém excluir, em princípio, a sanção penal, suprimindo a infração, modificando ou atenuando a pena existente.
Desta feita, segundo Fragoso[38]:
Deve-se procurar excluir do sistema penal a chamada criminalidade da bagatela e os fatos puníveis que se situam puramente na ordem moral. Não é mais possível admitir incriminações que resultam de certa concepção moral da vida, de validade geral duvidosa, sustentada pelos que têm o poder de fazer a lei. Orienta-se o Direito Penal de nosso tempo no sentido de uma nova humanização, fruto de larga experiência negativa.
O Direito Penal, de acordo com tal concepção minimalista, deve constituir a ultima ratio do sistema, devendo ser reservada com exclusividade para os casos em que os ramos do ordenamento jurídico não apresentarem solução, haja vista o enorme malefício social que ela carrega e cuja finalidade será alcançada somente de maneira ideológica.
É cediço que o Direito Penal não é composto somente por normas jurídicas (proibições e sanções), mas também por determinados princípios fundamentais, próprios do Estado Democrático de Direito.
Assim sendo, torna-se necessário, em atenção aos objetivos do presente trabalho, uma análise, ainda que breve, sobre alguns princípios que, analisados no âmbito do fato supostamente típico, vêm exercer uma função limitadora acerca dos bens que merecem a tutela do Direito Penal, dando-se assim, atenção a sua função garantista, isso porque, o papel do Direito Penal não é o de combater o crime, mas sim o de limitar o jus puniendi Estatal, sendo umas das faces dessa limitação a seletividade de bens merecedores da atenção penal.
Princípio da Intervenção Mínima
Como mais importante princípio penal derivado da dignidade humana, temos o princípio da intervenção mínima, postulado esse que se revela próprio e adequado ao Estado Democrático de Direito, na medida em que exige que o mais gravoso mecanismo de controle social - Direito Penal - constitua o braço estatal derradeiro para a solução dos conflitos emergentes em sociedade.
Assim sendo, o princípio da intervenção mínima ou da subsidiariedade, segundo Prado[39] veio estabelecer a seguinte premissa:
O Direito Penal só deve atuar na defesa dos bens jurídicos imprescindíveis à coexistência pacífica dos homens e que não podem ser eficazmente protegidos de forma menos gravosa. Desse modo, a lei penal só deverá intervir quando for absolutamente necessário para a sobrevivência da comunidade, ou seja, como ultima ratio.
Tal princípio vem surgir como uma orientação político-criminal restritiva do jus puniendi, tendo como origem a própria natureza do Direito Penal e da ideia material de Estado de Direito Democrático, sendo certo que o uso excessivo da sanção criminal não garante uma maior proteção social, sendo que ao revés, vem condenar o sistema penal a uma função meramente simbólica e negativa[40], ferindo ainda, de morte, a dignidade da pessoa humana, um dos maiores e mais importantes fundamentos de nossa Republica Federativa do Brasil.
O princípio da intervenção mínima mostra-se, destarte, responsável não só pela indicação dos bens de maior relevo que merecem a especial atenção do Direito penal, mas se presta, também, a fazer com que ocorra a chamada descriminalização.
Para Bitencourt[41], o princípio da intervenção mínima, também conhecido como ultima ratio, orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que:
[...] O princípio da intervenção mínima, também conhecido utima ratio, orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico. Se outras formas de sanções ou outros meios de controle social revelarem-se suficientes para a tutela desse bem, a sua criminalização será inadequada e desnecessária. Se para o restabelecimento da ordem jurídica são estas que devem ser empregadas e não as penais. Por isso, o Direito Penal deve ser a ultima ratio, isto é, deve atuar somente quando os demais ramos do direito revelarem-se incapazes de dar a tutela devida a bens relevantes na vida do indivíduo e da própria sociedade.
Nessa esteira, deve-se compreender que a proteção de bens jurídicos não pode ser somente relegada ao Direito Penal, na medida em que tal tarefa deve ser desempenhada mediante uma ação cooperativa de todo o ordenamento jurídico, sendo o Direito Penal a última dentre todas as medidas protetivas que devem ser consideradas nesse mister, revelando-se, portanto, como uma proteção subsidiária de bens jurídicos.
Contudo o que se pode ver na legislação brasileira é uma realidade totalmente inversa ao que prega o modelo atual, esta age no sentido de descriminalizar certas condutas e com o foco na mínima intervenção do direito penal, aquela pune contravenções que, por definição, tocam a proteção de bens não tão importantes para a sociedade.
Como já afirmado alhures, esse uso excessivo da pena, estendendo de forma absurda a legislação, maximizando a intervenção penal, não garante uma maior proteção de bens, mas ao contrário, acaba reduzindo a força intimidadora da sanção, condenando o sistema a uma função meramente simbólica e negativa, além de violar o princípio que deve orientar todo o Direito Penal moderno que é a dignidade da pessoa humana.[42]
Após um aprofundamento no tema, perceptível que a limitação na criação de leis penais incriminadoras é fundamental para que a democracia nacional encontre pouso e se estabeleça consoante almeja.
Quando se está sob a égide de um Estado Democrático de Direito há que se ter em mente que a intervenção do Estado na vida dos indivíduos deve ser mínima. Desta forma, o Estado, e consequentemente o Poder Legislativo, não podem intervir de forma máxima na vida da sociedade.
O Direito Penal, tendo-se presente o seu caráter sancionador e repressor, atinge o bem mais precioso do homem após a vida, sua liberdade. Registre-se aqui, que a Carta Magna, assegura em seu artigo 5º, caput, a inviolabilidade dos direitos à vida, à liberdade, à igualdade, tais direitos protegidos e ordenados hierarquicamente pela Constituição Federal, tendo como parâmetro o seu valor para a vida do homem.
Portanto, o sacrifício à liberdade ou a vida deve ser reduzida ao máximo, haja vista que se encontram no ponto mais alto de importância, constituindo valores supremos do homem, o que leva à conclusão de que o Direito Penal, só deve intervir na proteção de bens jurídicos vitais para a vida em sociedade do ser humano.
Desta forma, o princípio da intervenção mínima apresenta-se de um lado, orientando o legislador na proteção dos bens jurídicos mais importantes ao convívio social e de outro, no sentido de incentivar a descriminalização de condutas que não revelem tanta importância ao ponto de merecer reprimenda penal, podendo assim, receber a tutela dos demais ramos do ordenamento jurídico.
Princípio da Lesividade
O princípio da lesividade tem elevada importância para o Direito Penal, tendo em vista que foca o ferimento aos bens protegidos juridicamente. Sendo assim, aplicador da norma deverá analisar se o ato executado resultou lesão ou perigo de lesão ao bem juridicamente tutelado.
Greco[43] afirma o que se segue sobre tal princípio:
Os princípios da intervenção mínima e da lesividade são como duas faces de uma mesma moeda. Se, de um lado, a intervenção mínima somente permite a interferência do Direito Penal quando estivermos diante de ataques a bens jurídicos importantes, o princípio da lesividade esclarecerá, limitando ainda mais o poder do legislador, quais são as condutas que deverão ser incriminadas pela lei penal. Na verdade, nos esclarecerá sobre quais são as condutas que não poderão sofrer os rigores da lei penal.
Desta forma, em consonância com o princípio da lesividade, só poderá ser penalizado aquele comportamento que venha lesionar direitos de outrem e que não seja apenas um comportamento que se situa apenas na esfera da moral.
Nessa esteira, o princípio da insignificância revela uma relação importante com o princípio da lesividade, porque através daquele o Direito Penal só pode ser utilizado se afetar bens jurídicos relevantes, ou seja, o fato deve causar uma lesividade tal que legitime a intervenção penal.
Pelo princípio da lesividade, pode-se concluir que ninguém poderá ser punido pelo que pensa ou em decorrência de seus sentimentos pessoais, vedando-se, assim, a incriminação de uma atitude interna.
Da mesma forma, o Direito Penal não poderá punir condutas que não excedam o âmbito do próprio autor, como por exemplo, a autolesão, a tentativa de suicídio, ou condutas que, embora desviadas, não afetem qualquer bem jurídico de terceiros, por exemplo: as que embora reprovadas moralmente não possuam repercussão sobre bem de terceiros.[44]
Uma das funções deste princípio seria também o de impedir que o agente seja punido por aquilo que ele é, e não pelo que fez, sendo defeso ao Direito Penal penalizar o ser de uma pessoa, na medida em que o direito regula as condutas dos homens[45].
Nessa toada está o pensar de Zaffaroni[46]:
Seja qual for a perspectiva a partir de que se queira fundamentar o direito penal de autor (culpabilidade de autor ou periculosidade), o certo é que um direito que reconheça, mas que também respeite, a autonomia moral da pessoa jamais pode penalizar o ‘ser’ de uma pessoa, mas somente o seu agir, já que o direito é uma ordem reguladora de conduta humana.
Desta forma, o princípio da lesividade vem atuar no sentido de impedir a atuação do Direito Penal diante de condutas que somente venham agredir o senso comum da sociedade e não atinjam bens jurídicos relevantes de terceiros, ou seja, o que for da esfera íntima do agente deverá ser respeitado e tolerado pela sociedade e pelo Estado, sob pena de o convívio social tornar-se impossível diante da natural diferença existente entre os seres humanos.
Princípio da Fragmentariedade
A fragmentariedade apresenta-se como uma consequência lógica dos princípios da intervenção mínima, lesividade e adequação social. Nesse entendimento, após a seleção dos bens mais importantes que serão merecedores de proteção penal, tais bens passarão a fazer parte de uma pequena parcela que é protegida pelo Direito Penal, sendo essa a manifestação do caráter fragmentário do Direito Penal.[47]
Assim sendo, chega-se a conclusão de que o Direito Penal não se preocupa e nem poderia se preocupar com todo e qualquer bem jurídico, na medida em que existem vários outros ramos que podem tutelar determinados bens que não o Direito Penal, por exemplo, o Direito Administrativo, Direito Civil, Direito do Trabalho, dentre outros.[48]
Para a tutela dos bens mais importantes existe o Direito Penal, e tais bens que receberão a sua tutela serão como fragmentos de um universo jurídico que por exceção receberão a intervenção penal, posto que, são bens de grande importância.
Na opinião de Muñoz Conde[49]:
Nem todas as ações que atacam bens jurídicos são proibidas pelo Direito Penal, nem tampouco todos os bens jurídicos são protegidos por ele. O Direito Penal repito mais uma vez, se limita somente a castigar as ações mais graves contra os bens jurídicos mais importantes, daí seu caráter ‘fragmentário’, pois que de toda a gama de ações proibidas e bens jurídicos protegidos pelo ordenamento jurídico, o Direito Penal só se ocupa de uma parte, fragmentos, se bem que da maior importância.
Princípio da Insignificância
O princípio da insignificância possui origem remota, segundo Akel Filho[50], para quem tal postulado já vigorava no Direito Romano, onde o pretor não cuidava, de modo geral, de causas ou delitos de bagatela, consoante a máxima contida no brocardo minima non curat praetor.
Francisco de Assis Toledo[51], em seu estudo sobre o tema expõe que o seu desenvolvimento teve por paladino o professor alemão Claus Roxin, e assim preleciona:
Welzel considera que o princípio da adequação social bastaria para excluir certas lesões insignificantes. É discutível que assim seja. Por isso Claus Roxin propôs a introdução, no sistema penal de outro princípio geral para a determinação do injusto, o qual atuaria igualmente como regra auxiliar de interpretação. Trata-se do princípio da insignificância, que permite na maioria dos tipos, excluir danos de pouca importância.
De acordo com tal orientação principiológica, devem ser tidas como atípicas as ações ou omissões que afetem infimamente um bem jurídico-penal. A irrelevante lesão do bem jurídico protegido não justifica a imposição de uma pena, devendo excluir-se a tipicidade em caso de danos de pouca monta.
Discorrendo sobre o assunto Mañas[52] assevera que:
[...] o mesmo possui uma verdadeira natureza de exclusão da tipicidade penal, na medida em que a concepção material do tipo seria o caminho mais correto para que se possa obter a necessária descriminalização de condutas que, embora formalmente típicas estas, não são mais objeto de reprovação social, nem tão pouco, produzem danos significativos aos bens jurídicos protegidos pelo direito penal.
Importante também colacionar os dizeres de Lopes[53] sobre o assunto:
O juízo de tipicidade, para que tenha efetiva significância e não atinja fatos que devam ser estranhos ao Direito Penal, por sua aceitação pela sociedade ou dano social irrelevante, deve entender o tipo na sua concepção material, como algo dotado de conteúdo valorativo, e não apenas sob o seu aspecto formal, de cunho eminentemente diretivo. Para dar validade sistemática à irrefutável conclusão político-criminal de que o Direito Penal só deve ir até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico, não se ocupando de bagatelas, é preciso considerar materialmente atípicas as condutas lesivas de inequívoca insignificância para a vida em sociedade [...].
Nesse ponto, se faz necessário tecer alguns esclarecimentos sobre um dos elementos integrantes da chamada estrutura jurídica do crime, qual seja, o fato típico.
Como definido por Zaffaroni e Pierangeli[54], “o tipo penal é um instrumento legal, logicamente necessário e de natureza predominantemente descritiva, que tem por função a individualização de condutas humanas penalmente relevantes (por estarem penalmente proibidas)”.
Desta forma, quando a conduta do agente se amolda ao modelo abstrato previsto na lei, ou seja, no tipo penal, surge a chamada tipicidade, que pode ser caracterizada como a subsunção perfeita da conduta praticada pelo agente ao modelo abstrato previsto na lei penal, isto é, a um tipo penal incriminador.
Entretanto, a esse conceito de simples acomodação do comportamento do agente ao tipo não é suficiente para que se possa concluir pela tipicidade penal, dado que para a caracterização do fato típico, necessária se faz a conjugação da concepção da tipicidade formal com a tipicidade conglobante (antinormatividade e tipicidade material).[55]
Por tipicidade material, deve-se entender segundo Greco[56] como o critério valorativo por meio do qual o Direito Penal afere a importância do bem no caso concreto.
De tal arte, pelo critério da tipicidade material é que pode o interprete aferir a real importância do bem no caso concreto, no sentido de concluir se determinado bem merece ou não ser protegido pelo Direito Penal.
Assim sendo, para que se possa falar em tipicidade penal, necessário se faz que a tipicidade seja compreendida em seu duplo aspecto, tanto a tipicidade formal como a tipicidade material, sendo que somente desta forma um determinado fato poderá ser considerado penalmente típico.
Portanto, tem-se no princípio da insignificância um mecanismo que, diante da análise do caso concreto, vem atuar como um instrumento de interpretação restritiva do tipo penal revelando a natureza subsidiária e fragmentária do Direito Penal, possuindo, destarte, a natureza de causa excludente da tipicidade do fato.
Sob a ótica do Supremo Tribunal Federal[57], conforme se pode inferir do julgamento do HC 84.412-0/SP, analisa-se o postulado da insignificância com base nos seguintes fundamentos:
[...] a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiando-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público em matéria penal. [...].
Isso significa, pois, consoante ao raciocínio da Egrégia Corte, que a estrutura jurídica deve levar em conta a hipótese de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo justificam-se quando absolutamente primordial para efetivar a proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos fundamentais, principalmente em situações nas quais tais bens albergados penalmente corram grave risco de dano por causa da prática de atos lesivos.
Retomando os ensinamentos de Lopes[58] este aduz que:
O princípio da insignificância se ajusta assim, à equidade e correta interpretação do Direito. Por aquela, acolhe-se um sentimento de justiça, inspirado nos valores vigentes em sociedade, liberando-se o agente, cuja ação, por sua inexpressividade, não chega a atentar contra os valores tutelados pelo Direito Penal. Por esta, exige-se uma hermenêutica mais condizente do Direito, que não se pode ater a critérios inflexíveis de exegese, sob pena de desvirtuar o sentido da própria norma e se conduzir a graves injustiças.
Desta forma, o princípio da insignificância vem auxiliar na tarefa de reduzir ao máximo a incidência do Direito Penal diante de condutas que podem receber uma proteção eficiente de outros instrumentos jurídicos não penais, de modo que somente seja atribuída ao Direito Penal, em observância ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e da sua própria natureza fragmentária, a tutela jurídica dos bens e valores mais importantes ao convívio em sociedade, na medida em que sua aplicação em determinadas infrações penais, nos dizeres de Greco[59], afastará a injustiça do caso concreto, pois que a condenação do agente, simplesmente pela adequação formal do seu comportamento a determinado tipo penal importará em gritante aberração.
2.2. princípio da dignidade da pessoa humana
Dentre os princípios abordados neste capítulo cita- se com relevo o da Dignidade da Pessoa Humana, princípio vetor do qual derivam os demais princípios penais garantidores da própria dignidade da pessoa humana.
Não se pode analisar a adequação típica, conforme ficou exposto, sem antes passar os olhos sobre os relevantes princípios ou fundamentos do Direito Penal.
A Constituição Federal de 1988, denominada de Constituição Cidadã, adotou o conceito de "Estado Democrático de Direito", preconizado em seu artigo 1º, bem como fincou como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana.[60]
O modelo adotado implica a obrigação do Direito Penal em guardar obediência aos princípios constitucionais, respeitando o Estado Democrático de Direito, sendo ponto central desta ideia, o princípio da dignidade da pessoa humana. Qualquer fato típico que contrariar a dignidade humana será declarado materialmente inconstitucional.
Conforme leciona Prado[61], “como postulado fundamental, peculiar ao Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana há de plasmar todo o ordenamento jurídico positivo como dado imanente e limite mínimo vital à intervenção”.
Por tal paradigma, crime não é só o que está transcrito na legislação, mas o que também colocar em risco os valores fundamentais da sociedade democrática, sendo certo que o legislador deve se orientar na definição de condutas humanas típicas que possuam relevância social.
Desta forma, segundo Greco[62], “como princípio constitucional, a dignidade da pessoa humana deverá ser entendida como norma de hierarquia superior, destinada a orientar todo o sistema no que diz respeito à criação legislativa, bem como para aferir a validade das normas que lhe são inferiores” [...].
Nessa ordem de ideias, defeso seria ao legislador infraconstitucional a criação de tipos penais incriminadores que cominassem penas cruéis, de natureza aflitiva, bem como que consagrasse a intervenção máxima e desnecessária do direito penal em nossa sociedade.[63]
Assim sendo, de acordo com Prado[64], pode-se chegar à seguinte assertiva: “se o Direito não quiser ser mera força, se quiser obrigar a todos os cidadãos em sua consciência, há de respeitar a condição do homem como pessoa, como ser responsável”.
Verifica-se assim, que um Direito Penal calcado em uma máxima intervenção será um verdadeiro atentado à dignidade da pessoa humana, na medida em que além de privar o indivíduo de um de seus maiores bens após a vida, que é a sua liberdade, provocará inúmeros malefícios àquele que se submete às suas garras, como a marginalização e estigmatização quando do retorno ao convívio social.
Nunca é excessivo lembrar que o princípio da dignidade da pessoa humana tem com objetivo precípuo conferir uma dose balanceada de justiça e solidariedade. Inegável é que o Direito Penal brasileiro funda-se em tal princípio, considerando-o como um valor máximo e supremo, uma vez que, homem possui qualidades inerentes a si que são verdadeiras balisas inegociáveis ao Estado, tais como a outrora citada liberdade, dignidade pessoal, o direito de livremente viver em sociedade conquistando seus objetivos, dentre outros direitos elementares firmados pela Constituição.
O cidadão atemorizado, a procura de uma sociedade estável e segura, exige, ainda que de maneira disfarçada, um remédio eficaz para combater a criminalidade. Tem-se visto nos noticiários o aumento das condutas criminosas, e diante disso, a solução hipócrita e equivocada aplicada tem sido a edição de normas penais repressivas, muitas vezes ocasionando de forma desequilibrada o cerceamento de direitos e garantias individuais famigerados pela Lei Máxima – Constituição Federal de 1988.
Considerando a imiscuição punitiva estatal, que encontra fundamento no apelo popular intenso, vê-se ferida a dignidade da pessoa humana estabelecida no rol de direitos e garantias fundamentais do artigo 5º da Carta Magna. Por conta da proteção às liberdades individuais, esses direitos atuam como limite às ingerências do poder coercitivo do Estado na vida dos cidadãos, pois tal poder mostra-se, quando inadequadamente usado, afrontoso aos princípios democráticos adotados pela Constituição, além de agravar ainda mais a situação precária das atividades de controle social.
Ressaltando o que já fora dito no decorrer deste trabalho, restringe-se ao Estado punir tão somente os atos que de alguma forma machuquem os bens jurídicos tidos como socialmente essenciais ao convívio pacífico entre os cidadãos, cuja utilização justifica-se na inaplicabilidade de todos os demais ramos do direito, sendo, deste modo, compatível com os ideais do Estado democrático de Direito, assim configurando a intervenção mínima.
A repressão aguçada, que objetiva silenciar a voz de uma sociedade insegura e amedrontada com o crescimento da criminalidade, produz um perigoso pensamento da existência de impunidade, altamente lesiva à conservação da ordem social, uma vez que, de uma forma ou de outra, excita o exercício de novos delitos ao mesmo tempo em que alimenta ideias de justiça privada.
Nos dizeres de Ingo Wolfgang Sarlet[65] entende-se assim por princípio da dignidade humana:
A qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, nesse sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunidade com os demais seres humanos.
A noção de dignidade da pessoa humana funde-se com a definição material de Constituição, já que a preocupação com o ser humano consagrou-se como uma das finalidades constitucionais.[66]
O sistema penal deve ter como fulcro e parâmetro o princípio da dignidade da pessoa humana. O Direito Penal para que se conserve constitucional e justo deve erigir tal princípio e levar todo raciocínio jurídico penal ao filtro da dignidade humana, tendo como razão a obediência a Carta Magna.
Dessa forma, para que o sistema penal seja humanitário deve exercer com excelência as suas devidas funções tais como as de proteger do crime os bens jurídicos essenciais à sociedade e ao homem, de garantir efetivamente uma política criminal eficiente e de executar os intentos jurídicos-políticos do Estado. Além de todos esses deveres contempla também o incentivo da atividade policial respeitosa, de um processo penal teleológico e constitucional, de uma aplicação eficaz das leis penais justas, e de um sistema prisional digno.[67]
Ademais, a sua aplicação indiscriminada, somente servirá para condenar o Direito Penal a uma função meramente simbólica e negativa, mediante a falsa percepção do combate à criminalidade, enquanto seu papel garantista será deixado de lado para dar lugar ao arbítrio Estatal, essencialmente malferidor da dignidade da pessoa humana.
CAPÍTULO III - direito penal MÍNIMO E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Após toda a digressão histórica sobre as ideias penais, bem como sobre os princípios fundamentais, inerentes a qualquer Estado Democrático de Direito e essenciais à garantia da dignidade da pessoa humana, chega-se ao entendimento de que o Direito Penal, sendo o mais repressor de todos os ramos do ordenamento jurídico brasileiro, somente poderá ser aplicado com o escopo de garantir bens de alto relevo na sociedade, bem como quando os demais ramos se mostrarem insuficientes para tal mister. No entanto, tal Direito tem tido sua essência distorcida, sendo utilizado como meio eficaz para aqueles que se aproveitam do poder para assegurar planos políticos e manobrar o pensar da população.
3.1 A manipulação política do caráter punitivo do Direito Penal
No continuar dos pensamentos, pode-se dizer que a única causa que justifica a utilização do Direito Penal é a proteção dos, já ditos, bens jurídicos essenciais, na medida em que pune ou impede a prática de certas infrações, despertando uma determinada consciência na sociedade.
O conhecido simbolismo do Direito Penal está no fato da sua utilização de forma errônea, distorcendo esta utópica proteção, quando em termos reais deveria contribuir para uma convivência pacífica, no entanto, o próprio legislador quase sempre não está preocupado com o bem estar social da população, sim com seus interesses e planos políticos. Ocorre que, surge para a sociedade, uma falsa sensação de segurança, tendo em vista as numerosas leis penais que são criadas, causando assim, uma manipulação da opinião pública.
No texto de Patricia Veloso de Gusmao Santana Rassi[68] há uma clara compreensão da conjuntura atual:
A denominada inflação legislativa no âmbito do direito penal, desproporcional à realidade que a recebe, e desacompanhada de qualquer estruturação administrativa para a aplicação efetiva das normas, gerou o caos normativo e a desordem prática, de maneira que não se pode afirmar, com segurança, qual o pensamento do legislador penal brasileiro; qual a finalidade do direito penal brasileiro, e de consequência, qual a finalidade da pena no direito brasileiro. É preciso delimitar o âmbito de interesse do direito penal, e saber que o sucesso da intervenção mínima pressupõe, também, um mínimo de condições de aplicabilidade das normas, o que reclama, no mínimo, uma legislação técnica e coerente, além da necessidade de estruturação dos órgãos de jurisdição, e aparelhamento dos mecanismos de execução das penas.
Necessário, portanto, que se obste no sistema jurídico a chamada política da tolerância zero, uma das vertentes do chamado movimento de Lei e Ordem, sobre o assunto Greco[69] afirma que:
Por intermédio desse movimento político-criminal, pretende-se que o Direito Penal seja o protetor de, basicamente, todos os bens existentes na sociedade, não se devendo perquirir a respeito de sua importância. Se um bem jurídico é atingindo por um comportamento antissocial, tal conduta poderá transformar-se em infração penal, bastando, para tanto, a vontade do legislador. (pode ser a pag 2?)
Nesse raciocínio do movimento Lei e Ordem, procura-se educar a sociedade sob a ótica do Direito Penal, fazendo com que comportamentos de importância irrelevante, sofram as consequências graves desse ramo do ordenamento jurídico, tendo como consequência lógica um Direito puramente simbólico, vê-se, é o que se apresenta hodiernamente nas ações políticas interessadas em refletir para a sociedade a pseuda sensação de uma política atuante.
Ao tratar sobre o simbolismo penal, Batista, Zaffaroni, Alagia e Slokar[70] prelecionam que:
Para a lei penal não se reconhece outra eficácia senão a de tranquilizar a opinião pública, ou seja, um efeito simbólico, com o qual se desemboca em um Direito Penal de risco simbólico, ou seja, os riscos não se neutralizam, mas ao induzir as pessoas a acreditarem que eles não existem, abranda-se a ansiedade ou, mais claramente, mente-se, dando lugar a um Direito Penal promocional, que acaba se convertendo em um mero difusor de ideologia.
É preciso ter em mente, que com o advento da nova ordem constitucional, a dignidade da pessoa humana foi calcada a categoria de valor fundamental do nosso sistema de direitos fundamentais, consoante artigo 1° III, Constituição Federal da República.
Desse modo, o Estado democrático de Direito deve consagrar e garantir o primado dos direitos fundamentais, abstendo-se de práticas a eles lesivas, como também propiciar condições para que sejam respeitados, visando à remoção de quaisquer obstáculos à sua total realização.
Desta forma, um sistema normativo em que prepondere a máxima aplicação do Direito Penal, será indubitavelmente afrontoso ao princípio da dignidade humana, isso porque, a figura do ser humano ao ser perseguido, pelo Direito Penal de tolerância zero, ou da Lei e Ordem, servirá como instrumento promocional de um Estado que, aparentemente, retribui de forma adequada a criminalidade, mas que em realidade não faz mais que dar revide a uma reação meramente simbólica.
Nos dizeres de Greco[71] sobre essa ação legislativa:
Contudo, de acordo com o enfoque minimalista, não só a importância do bem permite a criação da figura típica, mas além de tal aferição, mister se faz que, ainda em um plano abstrato, o legislador chegue a conclusão de que os outros ramos do ordenamento jurídico, caso tentem protegê-lo, sozinhos, sem a intervenção do Direito Penal, não terão sucesso.
Na verdade, o número excessivo de leis penais, que nos trazem a promessa de uma maior punição para os delinquentes infratores, somente culmina em enfraquecer o próprio Direito Penal, que perde seu prestígio e valor, em razão da certeza, quase absoluta, da impunidade.
É bom que se deixe claro, que ao se falar em Direito Penal Mínimo, não se está fazendo apologia à impunidade, nem tão pouco ao abolicionismo penal, ao contrário, apregoa-se somente sua utilização de modo subsidiário à ineficácia dos demais ramos jurídicos, para que aí sim, a falsa percepção de punidade (impunidade) – simbolismo penal – venha ser ao menos amenizada pela sociedade. Conforme leciona Greco[72], sobre o assunto deve-se “apontar e esclarecer os erros de um pensamento voltado para um Direito Penal Máximo, que conduz a uma insuportável situação de inflação legislativa, cujo único resultado é fazer com que cada vez mais o Direito Penal seja desacreditado.”
Percebe-se no pensar de grande parte das pessoas o equivocado entendimento, segundo Greco[73], de que “todos os problemas sociais serão resolvidos por intermédio do Direito Penal, desde que este seja aplicado da forma mais dura possível, tendo a finalidade de amedrontar aqueles que, possivelmente ousariam a praticar determinada infração penal.” Desta feita o legislador, ávido por mostrar-se como um exímio político, aproveita-se de tal fragilidade.
Esse Direito Penal simbólico, para Greco[74] “se transformou na ferramenta preferida dos governantes, sendo utilizado com a finalidade de dar uma satisfação à sociedade, em virtude do aumento da criminalidade.”
Assim, reduzir a aplicação desnecessária e cruel do sistema penal repressivo, ante os efeitos devastadores sobre o ser humano, infrator (estigmatização do egresso, as dificuldades de sua reinserção ao convívio social, sua marginalização, dentre outros), aos casos extremamente necessários e indispensáveis ao convívio em sociedade, torna-se exigência de racionalidade, bem como imperativo de justiça social, isso porque, um Estado que se define como Democrático de Direito, e que declara como sendo um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana, deve fazer valer seu poder de punir (ius puniendi) sem que para isso, tenha que agir como um tirano, ofendendo e desprezando o maior e mais importante de todos os princípios contidos em nossa Constituição Federal - Constituição cidadã - o postulado da dignidade da pessoa humana.
3.2 O Direito Penal Mínimo e a Jurisprudência dos Tribunais
Para que se possa ter uma melhor noção de como tem sido aplicado o Direito Penal mínimo, teve-se por importante e pertinente colacionar aqui algumas jurisprudências.
Em especial, há algumas do Supremo Tribunal Federal e de alguns Tribunais, admitindo a aplicação do princípio da insignificância, desde que preencha, concomitantemente, quatro fatores, a saber: a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e d) relativa inexpressividade da lesão jurídica. Confira-se:
1) STF - HABEAS CORPUS: HC 107638 PE
Dados Gerais
Processo: HC 107638 PE
Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA
Julgamento: 13/09/2011
Órgão Julgador: Primeira Turma
Publicação: DJe-187 DIVULG 28-09-2011 PUBLIC 29-09-2011
Parte(s): MIN. CÁRMEN LÚCIA
JORGE CLEITON ALVES DA SILVA
DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL
SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR
Ementa
HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL E PENAL. CRIME MILITAR. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. RECONHECIMENTO NA INSTÂNCIA CASTRENSE. POSSIBILIDADE. DIREITO PENAL. ULTIMA RATIO. CONDUTA MANIFESTAMENTE ATÍPICA. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. ORDEM CONCEDIDA.
1. A existência de um Estado Democrático de Direito passa, necessariamente, por uma busca constante de um direito penal mínimo, fragmentário, subsidiário, capaz de intervir apenas e tão-somente naquelas situações em que outros ramos do direito não foram aptos a propiciar a pacificação social.
2. O fato típico, primeiro elemento estruturador do crime, não se aperfeiçoa com uma tipicidade meramente formal, consubstanciada na perfeita correspondência entre o fato e a norma, sendo imprescindível a constatação de que ocorrera lesão significativa ao bem jurídico penalmente protegido.
3. É possível a aplicação do Princípio da Insignificância, desfigurando a tipicidade material, desde que constatados a mínima ofensividade da conduta do agente, a inexistência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a relativa inexpressividade da lesão jurídica. Precedentes.
4. O Supremo Tribunal admite a aplicação do Princípio da Insignificância na instância castrense, desde que, reunidos os pressupostos comuns a todos os delitos, não sejam comprometidas a hierarquia e a disciplina exigidas dos integrantes das forças públicas e exista uma solução administrativo-disciplinar adequada para o ilícito. Precedentes.
5. A regra contida no art. 240, § 1º, 2ª parte, do Código Penal Militar, é de aplicação restrita e não inibe a aplicação do Princípio da Insignificância, pois este não exige um montante prefixado.
6. A aplicação do princípio da insignificância torna a conduta manifestamente atípica e, por conseguinte, viabiliza a rejeição da denúncia.
7. Ordem concedida.
No caso em tela, assim como disposto no Acórdão, a juíza-auditora enfatizou que o valor dos bens visados (R$ 215,22) era desproporcional à pena prevista (três a quinze anos de reclusão cumulativamente com a pena acessória de exclusão das forças armadas), especialmente diante da inexistência de qualquer prejuízo à União e da possibilidade de aplicação da sanção disciplinar, o que evita restem comprometidas a hierarquia e a disciplina, princípios basilares das Forças Armadas.
No Tribunal Superior Militar, o voto vencido enfatizou que os gêneros alimentícios eram “sobras do rancho para ajudar sua (paciente) família que estava em necessidade, no interior de Pernambuco (...) cuja falta sequer fora notada pelos responsáveis pelo depósito de alimentos do rancho.”
Nesse diapasão, fica claro no Acórdão que o Estado não pode valer-se do Direito Penal, instrumento de controle notadamente rígido, para se ocupar de condutas sem expressão material. Ele é a ultima ratio para a prevenção de comportamentos delituosos.
2) TJSP - Apelação: APL 8853720118260484 SP 0000885-37.2011.8.26.0484
Dados Gerais
Processo: APL 8853720118260484 SP 0000885-37.2011.8.26.0484
Relator(a): Paulo Rossi
Julgamento: 08/08/2012
Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Criminal
Publicação: 10/08/2012
Ementa
APELAÇÃO CRIMINAL FURTO QUALIFICADO CONCURSO DE AGENTES E ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO - SENTENÇA CONDENATÓRIA AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS INEXPRESSIVA LESIVIDADE AO BEM JURÍDICO TUTELADO PEQUENO VALOR DA RES FURTIVA FRAGMENTARIEDADE DO DIREITO PENAL INTERVENÇÃO MÍNIMA RECURSO IMPROVIDO.
No presente caso, excepcionalmente, a aplicação do princípio da insignificância se justifica quando a coisa furtada é de ínfimo valor; a quantia objeto da apropriação é por demais insignificantes para causar qualquer dano. Recurso provido.
O caso acima apresentado, consoante o Acórdão, trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou parcialmente procedente denúncia, condenando um dos apelantes a cumprir pena de 02 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão, no regime inicial semi-aberto, e ao pagamento de 35 (trinta e cinco) dias-multa, fixados no mínimo legal, e o outro a cumprir a pena de 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, no regime inicial semi-aberto, e ao pagamento de 23 (vinte e três) dias-multa, fixados no mínimo legal. Pleiteia a Defesa do recorrente a absolvição nos termos do artigo 386, incisos III e/ou V, do Código de Processo Penal. Subsidiariamente, pugna pelo reconhecimento do princípio da insignificância.
Segundo restou apurado, na data dos fatos, o vizinho e responsável pelo imóvel violado, escutou o barulho no local percebendo a presença dos acusados em suas dependências, razão pela qual acionou os policiais, os quais lograram encontrá-los ali, sendo constado o arrombamento da porta da cozinha e a subtração de um botijão de gás, motivo pelo qual foram presos em flagrante e conduzidos à Delegacia.
Nas palavras do relator, em que pese a res furtiva não ter sido avaliada indiretamente nos autos, é sabido que um botijão de gás novo, corresponde a um valor muito abaixo de R$100,00 (cem reais), valor que pode seguramente ser considerado irrisório. Ademais, verifica-se que a dinâmica dos fatos não se revestiu de relevante periculosidade social. Por esta razão, a absolvição em casos como estes, excepcionalíssimos, a meu ver, deve ser aplicado o princípio da bagatela ou o princípio da insignificância. Nesse sentido deu-se provimento ao apelo.
3) TJRS - Apelação Crime: ACR 70038919031 RS
Dados Gerais
Processo: ACR 70038919031 RS
Relator(a): Diogenes Vicente Hassan Ribeiro
Julgamento: 19/01/2012
Órgão Julgador: Quinta Câmara Criminal
Publicação: Diário da Justiça do dia 03/02/2012
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APELAÇÃO CRIME. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. FURTO. ESTELIONATO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. INTERVENÇÃO MÍNIMA DO DIREITO PENAL. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO. PRECEDENTE.
O Direito Penal encontra guarida no ícone da intervenção mínima, bem como há que se ressaltar o reconhecimento de que esse âmbito das Ciências Jurídicas não se preocupa com acontecimentos corriqueiros e que podem ser resolvidos fora do âmbito jurídico.
No caso, embora da análise do conjunto probatório não se vislumbre a alegada insuficiência de subsídios a referendar a materialidade e a autoria, exsurge cristalina a viabilidade de aplicação do princípio da insignificância.
As ações delitivas atribuídas à apelante, que é primária, não se afiguram lesivas. A toda a evidência, trata-se de situação que refoge ao âmbito de interesse de atuação do Direito Penal, ou seja, não se está frente à conjuntura que perquira a intervenção do Estado. Não vislumbrada a lesividade na conduta descrita na denúncia, a conclusão pelo reconhecimento do princípio da insignificância pela atipicidade é inarredável.
In casu, a denunciada em diversas oportunidades, subtraiu, para si, da vítima, dinheiro e gêneros alimentícios, tais como salame, frango, leite, enlatados, entre outros.
O Acórdão dispôs que para executar o delito, a denunciada, que era funcionária da vítima e atuava na função de doceira, em diversas oportunidades, deslocou-se até a parte frontal da padaria, onde ficavam expostos os produtos alimentícios e o caixa. Passo seguinte, a denunciada aproveitava-se de momentos de ausência da funcionária que atuava no balcão de atendimento e no caixa do estabelecimento e subtraía dinheiro do caixa e gêneros alimentícios, colocando-os dentro de uma bolsa.
Nas mesmas circunstâncias de tempo e local acima descritas, a denunciada obteve, para si, vantagem ilícita, no valor de R$ 99,61 (noventa e nove reais e sessenta e um centavos), em prejuízo da vítima, induzindo-a em erro, mediante meio fraudulento.
No voto há a constatação de que o caso é de absolvição, como pretendido pela defesa, embora por outro fundamento.
Também declara o relator que, embora da análise do conjunto probatório não se vislumbre a alegada insuficiência de subsídios a referendar a materialidade e a autoria, exsurge cristalina a viabilidade de aplicação do princípio da insignificância. Com efeito, ressaltando-se que o Direito Penal encontra guarida no ícone da intervenção mínima, bem como há que se enfatizar o reconhecimento de que esse âmbito das Ciências Jurídicas é daqueles que não se preocupa com acontecimentos corriqueiros e que podem ser resolvidos na esfera privada, atinente aos próprios envolvidos.
Diante do exposto foi provido o apelo de absolvição da ré.
4) TJSP - Apelação: APL 48073320098260201 SP 0004807-33.2009.8.26.0201
Dados Gerais
Processo: APL 48073320098260201 SP 0004807-33.2009.8.26.0201
Relator(a): Salles Abreu
Julgamento: 14/02/2012
Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Criminal
Publicação: 16/02/2012
Ementa
Apelação Desobediência Artigo 330 do C.P. Condenação em primeiro grau Recurso Defensivo Pretendida a absolvição por ausência de dolo Procedência Conduta atípica Infração administrativa de trânsito prevista no artigo 195 do CTB O descumprimento da ordem de parada emanada de policial militar na função fiscalizadora de trânsito não configura o crime de desobediência. Isto porque cominada sanção administrativa sem que prevista sua cumulação com a tipificação penal. Aplicação do principio da intervenção mínima do direito penal, sempre invocado como 'ultima ratio'. Sentença reformada. Recurso provido.
De acordo como o exposto na apelação do caso acima, trata-se de recurso de apelação interposto contra sentença que julgou procedente a ação penal e o condenou ao cumprimento da pena de 15 (quinze) dias de detenção, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 10 dias-multa, no valor mínimo legal, por infração ao artigo 330 do C.P., substituída a pena privativa de liberdade por uma pena restritiva de direitos consistente no pagamento de mais 10 dias-multa, sem prejuízo da pena anteriormente aplicada, perfazendo o total de 20 dias-multa. O réu recorreu alegando ausência de dolo.
Segundo apurado, policiais militares efetuavam patrulhamento de rotina quando presenciaram o acusado na condução de uma motocicleta, que ao avistar a viatura policial se portou de maneira suspeita, fazendo menção de ingressar no acesso. Ato contínuo, os policiais solicitaram sua parada, tendo o acusado desobedecido à ordem emanada dos milicianos, empreendendo fuga até sua residência. Segundo denunciado, após perseguição, o acusado foi abordado e ofereceu resistência aos policiais.
De acordo com o voto, certo é que o acusado descumpriu a ordem de parada emanada dos milicianos, contudo, atípica a conduta praticada. Isto porque, para a conduta em comento existe a sanção administrativa prevista no artigo 195 do CTB, sem previsão de aplicação cumulativa com o delito previsto no artigo 330 do C.P. Desta forma, atípica a conduta do denunciado, a absolvição é medida que se impõe.
Por derradeiro, restou constatado que o princípio da insignificância tem sido aplicado pelos Tribunais em inúmeros casos, vislumbrando-se, assim, a presença do Direito Penal Mínimo, a considerar a necessidade de aplicação deste ramo às hipóteses que acarretam maior perplexidade no ser social.
CONCLUSÃO
Orienta-se o Direito Penal neste tempo no sentido de uma nova humanização, como resultado de uma larga experiência negativa. A utilização do Direito Penal máximo ou da Lei e ordem, com uma função promocional ou meramente simbólica, devem ser rechaçadas apregoando-se em seu lugar o chamado Direito Penal Mínimo.
Não se deve olvidar que a atual tendência do Direito Penal deve ser avessa a chamada neocriminalização ou neopenalização, propostas estas voltadas ao aumento das hipóteses típicas ou ao recrudescimento das penas já existentes.
A criminalidade no país cresce de forma assustadora, assim como os meios e os modos usados pelos criminosos são a cada dia mais complexo. Tudo decorre da atual crise em que se vive e do sistema em que se está inserido.
Com o fim de solucionar esse problema é que surge o legislador ansioso em dar uma resposta plena e imediata à sociedade, acabando por tipificar condutas, criando novas leis - ou agravando as antigas - muitas vezes no calor do clamor público. Na grande maioria das vezes fica ele distante da real função do Direito Penal que é a proteção dos direitos fundamentais do homem.
O Direito Penal somente deverá ser invocado, desta forma, para intervir nos casos em que há uma grave violação social, já que ele deve cuidar dos bens mais caros para o homem, tais como a vida e a liberdade, sendo certo que sua invocação somente será tida por legítima, quando todos os demais meios de controle social apresentar-se ineficiente, porquanto, quando houver uma grave violação a um bem jurídico importante, far-se-á mister a necessária e inafastável resposta estatal por intermédio do Direito Penal.
Portanto, nada mais correto do que fazer uso do Direito Penal Mínimo, mediante a utilização de seus princípios fundamentais, a exemplo da intervenção mínima, lesividade, adequação social, fragmentariedade e insignificância todos derivados e voltados para o postulado da dignidade da pessoa humana.
Deve-se lutar para que o direito penal não seja utilizado de forma desvirtuada pelo legislador, que tem tipificado condutas que poderiam ser perfeitamente solucionadas pelos demais ramos do ordenamento jurídico. É para que o Direito Penal cumpra a função que lhe é inerente que deve ser promovida a sua mínima (entenda-se necessária) aplicação, evitando-se que o Estado Social seja transmudado em um Estado Penal, decorrendo daí um verdadeiro caos social.
Os bens mais relevantes para a sociedade são aqueles dispostos na Constituição Federal da República, e é por estes bens que o ser humano luta durante toda a sua vida e exige para eles a proteção sensata de um Estado Democrático de Direito: a Mínima Intervenção. Somente respeitando-se esse preceito é que a sociedade desenvolver-se-á conforme os estatutos da atual democracia vigente, exigindo do Estado a proteção devida aos bens jurídicos que ele mesmo tutelou. Porém, que o faça de forma mínima para que não se atente contra àquele que é o bem maior, após a vida, do Estado Democrático em que vivemos: a liberdade.
Para tanto, não se deve esquecer que o Direito Penal deve ser a última ratio e que, por isso, somente deverá ser invocado quando todas as demais possibilidades falharem na proteção do bem jurídico que o Estado tutelou.
REFERÊNCIAS
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[9] ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro, 2004, p.185.
[11] ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro, mesma página.
[25] <http://jus.com.br/revista/texto/2795/pseudo-evolucao-do-direito-penal>. Acesso em 16 de junho de 2021.
[32] GRACÍA MARTÍN,L. Prefácio à obra Teoria de La imputação objetiva Del resultado em el delito doloso de acción de RUEDA MARTÍN, M.A., p.31.
[35] GRINOVVER, Ada Pellegrini. Eficácia e Autoridade da Sentença Penal. 1 edição, São Paulo, RT, 1978. p 58.
[37] QUEIROZ, Paulo. Sobre a Função do Juiz Criminal na Vigência de um Direito Penal Simbólico. IBCcrim, nº 74, janeiro de 1999.
[50] FILHO, Akel apud LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Princípio da Insignificância no Direito Penal, 1997, p. 85.
[52] MAÑAS, Carlos Vico. O Princípio da Insignificância como Excludente da Tipicidade no Direito Penal, 1994, p. 53-54.
[53] LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Princípio da Insignificância no Direito Penal, 1997, p. 117 e 118.
[54] ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro, 2004, p.421.
[57] STF, HC 84.412-0/SP, 2ª T., rel. Min. Celso de Mello, j. 19-10-2004, DJU de 19.11.2004, RT 834/477.
[62] GRECO, Rogério. Direito Penal do Equilíbrio: uma visão minimalista do Direito Penal, 2009, p. 59.
[65] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 60.
[66]< http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=4498&revista_caderno=3 > Acesso em 16 de junho de 2021.
[68] <http://ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=4498&revista_caderno=3>. Acesso em 16 de junho de 2021.
[69] GRECO, Rogério. Direito Penal do Equilíbrio: uma visão minimalista do Direito Penal, 2009, p. 14.
[70] BATISTA, Nilo; ZAFFARONI, Eugenio Raúl; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro apud GRECO, Rogério. Direito Penal do Equilíbrio: uma visão minimalista do Direito Penal, 2009, p. 14-15.
[71] GRECO, Rogério. Direito Penal do Equilíbrio: uma visão minimalista do Direito Penal, 2009, p. 74.
Bacharelando pelo Centro Universitário Luterano de Manaus.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: XIMENDES, THIAGO BENTO. Direito penal mínimo como garantia da dignidade da pessoa humana. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 jul 2021, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57006/direito-penal-mnimo-como-garantia-da-dignidade-da-pessoa-humana. Acesso em: 23 dez 2024.
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