RESUMO: O constituinte originário estabeleceu que nas operações interestaduais destinadas a consumidor final, a distribuição do produto da arrecadação do ICMS estaria atrelada à qualificação do destinatário da mercadoria como contribuinte ou não contribuinte do imposto. O art. 155, §2º VII e VIII da CF/88 afirmava que apenas nos casos em que o consumidor final era contribuinte, parte da arrecadação caberia ao Estado de destino. Com o desenvolvimento do comércio eletrônico, ocorreu substancial incremento da comercialização direta das mercadorias entre os fornecedores e consumidores finais não contribuintes em Estados distintos. A alteração acarretou grandes perdas de arrecadação aos Estados consumidores em relação aos mercados produtores. As soluções infraconstitucionais, tais como o Protocolo ICMS 21/2011 e as legislações estaduais foram declaradas inconstitucionais pelo STF pois violavam o sistema estabelecido pela CF/88. A EC nº 87/2015 suprimiu a diferenciação entre consumidor final contribuinte e não contribuinte, estabelecendo a divisão do valor arrecadado entre o Estado de origem e o Estado de destino da mercadoria ou serviço. Na ADI 5.469/DF, o STF decidiu que a cobrança do diferencial de alíquota alusivo ao ICMS, conforme introduzido pela Emenda Constitucional nº 87/2015, pressupõe edição de lei complementar para veiculação de normas gerais.
Palavras-Chave: ICMS. Operações Interestaduais. Emenda Constitucional nº 87/2015. Diferencial de Alíquotas. Necessidade de Lei Complementar.
Sumário: 1. Introdução; 2. A incidência do ICMS sobre operações interestaduais conforme o constituinte originário; 3. Inconstitucionalidade das soluções normativas anteriores à Emenda Constitucional nº 87/2015; 4. A Emenda Constitucional nº 87/2015; 5. Necessidade de edição de lei complementar para cobrança do diferencial de alíquotas; 6. Conclusão; Referências.
1. INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu uma série de diretrizes, atividades e serviços a serem implementados pelo Poder Público e às distribuiu pela instituição de competências materiais a serem exercidas pelos Entes federados. Nessa linha, o próprio texto constitucional previu meios de auferimento de receitas que financiem a sua execução e a própria existência material do Estado. A principal fonte de arrecadação prevista é a tributação.
Nesse sentido, a principal finalidade do Direito Tributário é estabelecer os princípios e regras a serem observados pelo Estado na arrecadação dessas receitas tributárias destinadas à consecução das políticas públicas. Essa normatização é fundamental para que haja compatibilização entre o interesse arrecadatório do Estado e outros valores de status constitucional, como os direitos fundamentais dos contribuintes, o Pacto Federativo e a autonomia dos Entes federados União, Estados, Municípios e Distrito Federal (art.1º, caput e art. 18 da CF/88).
Sob essa perspectiva, a Constituição Federal de 1988 estruturou o Sistema Tributário Nacional e, dentre outros temas, tratou da competência dos entes federados para instituição de tributos e, especificamente aos Estados e ao Distrito Federal, a competência para instituição do Imposto sobre “operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior” (art. 155, II da CF/88).
Destaca-se que o ICMS é a principal fonte tributária de financiamento dos Estados, de modo que a sua arrecadação é essencial ao desenvolvimento de suas atividades.
Conforme se depreende do texto constitucional, dentre as hipóteses de incidência do imposto estão as operações relativas à circulação de mercadorias. Quando a circulação da mercadoria é interna, ou seja, alienante e adquirente estão dentro do mesmo Estado, não há maiores questionamentos. O imposto arrecadado caberá ao Estado do estabelecimento contribuinte que ficará com o todo valor decorrente da aplicação da alíquota interna.
Todavia, na hipótese de operações interestaduais em que há a circulação da mercadoria entre o alienante em determinado Estado e o adquirente em Estado diverso, surge o problema a respeito de qual Estado seria titular da arrecadação do tributo, bem como de qual seria a alíquota aplicável.
2. A INCIDÊNCIA DO ICMS SOBRE OPERAÇÕES INTERESTADUAIS CONFORME CONSTITUINTE ORIGINÁRIO
Uma primeira solução possível seria atribuir o produto da arrecadação do ICMS ao Estado de origem, ou seja, onde localizado o estabelecimento fornecedor. Essa solução beneficiaria os Estados mais desenvolvidos e industrializados, que produzem as mercadorias. De outro lado, prejudicaria os Estados menos desenvolvidos, com incremento das desigualdades, em contradição aos objetivos fundamentais estabelecidos na própria Constituição Federal.
Outra solução seria a atribuição da arrecadação aos Estados destinatários onde se localizam os consumidores, comumente menos industrializados, o que contribuiria para a diminuição das desigualdades regionais (art.3º, IV da CF/88). Todavia, tal solução seria contraditória ao próprio dever estatal de fomento ao desenvolvimento econômico, já que seria beneficiado apenas na condição de destinatário dessas relações, além de desestimular a circulação de riquezas entre os Estados.
Diante de tal embate, o constituinte originário lançou mão de critério intermediário ao estabelecer que nas operações interestaduais realizadas entre contribuintes, boa parte da arrecadação da cadeia produtiva beneficiaria o Estado de destino. Lembre-se que, ao tempo de elaboração da Constituição, a aquisição de bens pelos consumidores finais era realizada quase que exclusivamente no estabelecimento físico do fornecedor, de modo que operações interestaduais destinadas a consumidor não contribuinte eram excepcionais.
Assim, na redação originária, o art. 155, §2º, VII e VIII da CF/88 contava com a seguinte redação:
Art. 155 (...)
§ 2º O imposto previsto no inciso II (ICMS) atenderá ao seguinte:
(...)
VII - em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á:
a) a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto;
b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele.
VIII - na hipótese da alínea "a" do inciso anterior, caberá ao Estado da localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual;
A partir desta previsão, são três as possíveis situações fáticas a serem consideradas nas operações interestaduais.
A primeira situação possível ocorre quando a aquisição é realizada por contribuinte com o objetivo de revenda da mercadoria. Não há, portanto, a retirada do bem da cadeia de circulação e o adquirente não se enquadra como consumidor final. É o caso das lojas que adquirem mercadorias para revenda aos seus clientes. Nessa hipótese, que não encontra solução nos dispositivos supracitados, o ICMS é cobrado uma única vez com a aplicação da alíquota interestadual no Estado de origem que fica com todo o valor obtido. Ao Estado de destino caberá o imposto referente às operações subsequentes realizadas a partir do seu território sob o regime da não cumulatividade previsto no art. 155, §2º, I da CF/88.
A segunda situação possível ocorre quando a aquisição é realizada por consumidor final contribuinte do ICMS. O adquirente, embora contribuinte do imposto, adquire a mercadoria como consumidor final, sem a finalidade de comercializá-la. É o caso de um supermercado, por exemplo, que adquire um computador utilizado nas suas atividades administrativas. Nesse caso, o ICMS seria cobrado duas vezes e o produto da arrecadação dividido entre os Estados de origem e de destino da mercadoria.
Quando a mercadoria sair do estabelecimento vendedor, aplica-se a alíquota interestadual de ICMS e o valor obtido ficará com o Estado de origem. Noutro giro, quando a mercadoria der entrada no estabelecimento que a comprou, aplica-se a diferença entre a alíquota interna do Estado de destino e a alíquota interestadual, e o valor obtido ficará com o Estado de destino, nos termos do art. 155, VIII da CF/88. Diferente da primeira situação, o destinatário, mesmo qualificado como contribuinte, não pretende comercializar a mercadoria e, portanto, não há que se falar em "valor de revenda” nem em abatimento de crédito adquirido em operações antecedentes.
A terceira situação possível ocorre quando a aquisição é realizada por consumidor final não contribuinte do ICMS. Trata-se do caso da pessoa física que compra uma mercadoria via internet ou telemarketing de comerciante domiciliado em outro Estado, por exemplo. Como visto, o texto original da Constituição (art. 155, §2º, VII, b) prevê que o ICMS é cobrado uma única vez com a aplicação da alíquota interna no Estado de origem que fica com todo o valor obtido. Assim, o Estado de destino não tinha qualquer proveito na arrecadação do ICMS.
Conforme consignado no início deste tópico, ao tempo da elaboração da Constituição, tais operações eram excepcionalíssimas e com base nesse pressuposto, foram estabelecidas as regras constitucionais sobre o tema. Como o volume dessas operações era baixo, não acarretava desequilíbrio em desfavor dos Estados “consumidores”.
Todavia, com o desenvolvimento da internet, sobretudo a partir do início dos anos dois mil, houve uma alteração significativa na dinâmica do consumo. A expansão da possibilidade de realização de compras no ambiente virtual incrementou de forma substancial as aquisições diretas pelos consumidores finais não contribuintes de estabelecimentos localizados em outros Estados. Em contrapartida, esses mesmos consumidores deixaram de adquirir esses bens nos estabelecimentos físicos locais.
Assim, o aumento substancial nas compras virtuais em detrimento das compras realizadas presencialmente em estabelecimentos contribuintes do Estado de consumo resultou no incremento da arrecadação de ICMS nos Estados de origem, produtores e mais desenvolvidos e, inevitavelmente, em decréscimo na arrecadação de ICMS nos Estados de destino das mercadorias, menos desenvolvidos, contribuindo para o agravamento das desigualdades regionais (art.3º, IV da CF/88) e desequilibrando o modelo pretendido pelo Constituinte Originário.
3. INCONSTITUCIONALIDADE DAS SOLUÇÕES NORMATIVAS ANTERIORES À EMENDA CONSTITUCIONAL nº 87/2015
Diante da nova dinâmica e consequente queda de arrecadação, os Estados consumidores reunidos no CONFAZ – Conselho Nacional de Política Fazendária, tentaram minorar o problema através da edição do Protocolo ICMS 21/2011 que previu em sua cláusula primeira que seria possível a exigência da diferença entre a alíquota interna e a interestadual nos casos de "operação interestadual em que o consumidor final adquire mercadoria ou bem de forma não presencial por meio de internet, telemarketing ou showroom".
Importante perceber que sob essa sistemática, diferente do tratamento dado à segunda situação descrita no tópico anterior, além da mercadoria ser onerada com a alíquota interna do Estado de origem, mais alta que a interestadual nos termos do art. 155, §2º, VI da CF/88, ainda sofreria a incidência do diferencial de alíquotas em favor do Estado de destino.
Foi proposta a ADI 4.628/DF contra o referido ato e o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional a cobrança de ICMS fundada no Protocolo ICMS 21/2011 do CONFAZ. No entendimento da Corte, o protocolo ofende a Constituição por atribuir ao Estado de destino, sem autorização constitucional, a diferença entre a sua alíquota interna de ICMS do Estado de destino e a alíquota interestadual, frente à circulação de mercadorias não presencial e destinada a consumidor final não contribuinte desse imposto.
Segundo decidiu o STF, além de estipular regime tributário diverso do previsto na Constituição Federal, o protocolo acabava por configurar hipótese de bitributação, na medida em que, diferente do regime constitucionalmente previsto para as demais hipóteses, levava à incidência das alíquotas internas de ambos os Estados, o que configurava verdadeiro confisco em violação ao art. 150, IV da CF/88.
Alguns dos Estados consumidores também tentaram corrigir a distorção econômica pela instituição da cobrança de ICMS por meio de lei estadual, para hipótese em que a mercadoria tivesse sido adquirida de forma não presencial, em outra unidade federativa, por consumidor final não contribuinte do imposto.
Mais uma vez o Supremo Tribunal Federal foi chamado a se manifestar sobre tais hipóteses e, com base em fundamentos muito semelhantes aos adotados na ADI 4.628/DF que tratou do Protocolo ICMS 21/2011 do CONFAZ, declarou inconstitucional a legislação estadual anterior à EC nº 87/2015 que estabeleceu a cobrança de ICMS pelo Estado de destino nas operações interestaduais de circulação de mercadorias realizadas de forma não presencial e destinadas a consumidor final não contribuinte desse imposto. Por todos, cabe a citação dos seguintes trechos da ementa do julgamento da ADI 4565/PI:
EMENTA: DIREITO TRIBUTÁRIO. ICMS. LEI DO ESTADO DO PIAUÍ Nº 6.041/2010. ANTERIOR À EC nº 87/2015. AQUISIÇÃO NÃO PRESENCIAL. CONSUMINDOR FINAL NÃO CONTRIBUINTE. COBRANÇA PELO ESTADO DE DESTINO. INCONSTITUCIONALIDADE.
(...)
5. O Constituinte optou por positivar a repartição do poder de tributar entre os entes federados, introduzindo regras constitucionais, que, sobretudo no que toca aos impostos, predeterminaram as materialidades tributárias. O desenho constitucional, por conseguinte, encerra um modelo que visa a impedir que uma mesma materialidade tributária venha a concentrar mais de uma incidência de imposto(s) por um mesmo ente (vedação ao bis in idem) ou por entes diversos (vedação à bitributação). A Lei nº 6.041/2010, do Estado do Piauí, contudo, permitiu que tanto o Estado de destino quanto o Estado de origem pudessem tributar um mesmo evento: a circulação de mercadorias não presencial dirigida a não contribuinte do ICMS, independentemente de autorização constitucional e de manifestação adicional de capacidade contributiva.
6. A instituição de um imposto estadual despida de autorização constitucional, de maneira a dificultar a circulação de mercadorias provenientes de outros Estados da Federação, viola o princípio da liberdade de tráfego (art. 155, V, da Constituição), além de introduzir uma discriminação entre as mercadorias em razão de sua origem, em ofensa ao art. 152 da Constituição.
7. A busca de maior equilíbrio econômico e social entre os Estados da Federação não pode ser alcançada pela violação das regras constitucionais de competência – normas inderrotáveis ou insuperáveis, diante do modelo rígido de repartição do poder de tributar entre os entes federados traçado pelo Constituinte originário.
(...)
10. Ação direta de inconstitucionalidade conhecida e julgada procedente com a fixação da seguinte tese: “É inconstitucional lei estadual anterior à EC nº 87/2015 que estabeleça a cobrança de ICMS pelo Estado de destino nas operações interestaduais de circulação de mercadorias realizadas de forma não presencial e destinadas a consumidor final não contribuinte desse imposto”.
Os precedentes do Supremo Tribunal Federal sobre o tema permitem ao menos duas conclusões.
A primeira delas é que qualquer solução pretendida pelos Estados consumidores deveria incluir, necessariamente, a alteração do texto constitucional, sob pena de posterior declaração de sua inconstitucionalidade. Ademais, destaca-se que nem mesmo o alinhamento unânime de vontade de todos os Estados e o Distrito Federal permitiria a solução infraconstitucional, uma vez que, nas palavras do próprio Supremo Tribunal Federal, “as regras constitucionais de competência são normas inderrotáveis ou insuperáveis, diante do modelo rígido de repartição do poder de tributar entre os entes federados traçado pelo Constituinte originário”.
A segunda conclusão é que, mesmo que a alteração superveniente do texto constitucional adotasse modelo semelhante ao proposto nas referidas normas infraconstitucionais, não estaria afastada a sua invalidade. Conforme firme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o parâmetro de controle de determinada norma é o texto constitucional sob o qual foi elaborada, não se admitindo o fenômeno da “constitucionalidade superveniente”.
4. A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 87/2015
Finalmente, em 16/04/2015 foi promulgada a EC nº 87/2015, conhecida como “Emenda do Comércio Eletrônico”, que modificou a sistemática de cobrança do ICMS em todas as operações interestaduais destinadas a consumidor não contribuinte. Os incisos VII e VIII do §2º do art. 155 da CF/88 passaram a ter a seguinte redação:
Art. 155 (...)
§ 2º O imposto previsto no inciso II (ICMS) atenderá ao seguinte:
(...)
VII - nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado, adotar-se-á a alíquota interestadual e caberá ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual;
VIII - a responsabilidade pelo recolhimento do imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual de que trata o inciso VII será atribuída:
a) ao destinatário, quando este for contribuinte do imposto;
b) ao remetente, quando o destinatário não for contribuinte do imposto;
A EC nº 87/2015 termina com a distinção de tratamento entre o contribuinte consumidor e o consumidor não contribuinte nas operações interestaduais quanto à arrecadação do ICMS. Assim, pouco importa a qualificação do adquirente, desde que ocupe a posição de destinatário final haverá a divisão do valor arrecadado entre o Estado de origem e o Estado de destino da mercadoria ou serviço. Deixa de existir a possibilidade de operação ou prestação interestadual em que o recolhimento de ICMS beneficie exclusivamente o Estado de origem.
Todavia, considerando a necessidade de suavizar a mudança que acarretou perda significativa de arrecadação para os Estados produtores, o constituinte derivado estabeleceu regra de transição no art. 99 do ADCT para permitir a adequação progressiva dos Estados à nova realidade fiscal, nos seguintes termos:
Art. 99. Para efeito do disposto no inciso VII do § 2° do art. 155, no caso de operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final não contribuinte localizado em outro Estado, o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual será partilhado entre os Estados de origem e de destino, na seguinte proporção:
I - para o ano de 2015: 20% (vinte por cento) para o Estado de destino e 80% (oitenta por cento) para o Estado de origem;
II - para o ano de 2016: 40% (quarenta por cento) para o Estado de destino e 60% (sessenta por cento) para o Estado de origem;
III - para o ano de 2017: 60% (sessenta por cento) para o Estado de destino e 40% (quarenta por cento) para o Estado de origem;
IV - para o ano de 2018: 80% (oitenta por cento) para o Estado de destino e 20% (vinte por cento) para o Estado de origem;
V - a partir do ano de 2019: 100% (cem por cento) para o Estado de destino.
Assim, a Constituição Federal passou a prever que, após o ano de 2019, caberá ao Estado de origem apenas o valor da alíquota interestadual, enquanto ao Estado de destino caberá a diferença entre o valor de sua alíquota interna e a alíquota interestadual quando se tratar de operação destinada a consumidor final, pouco importando se tratar de contribuinte ou não do ICMS.
Diante da nova distribuição da arrecadação, há ainda um importante aspecto a ser tratado, qual seja, o problema relacionado à competência para o recolhimento do tributo. É cediço que os destinatários não contribuintes do ICMS não possuem, em regra, estrutura contábil ou mesmo conhecimentos mínimos a respeito da necessidade do recolhimento ou do modo de fazê-lo.
Nos termos da nova redação dada ao inciso VIII do art. 155, §2º da CF/88 pela EC nº 87/2015, o legislador constituinte trouxe prévia solução ao problema ao estabelecer que, nas hipóteses em que o destinatário for não contribuinte do ICMS, o recolhimento referente ao imposto devido ao Estado de destino caberá ao próprio alienante.
Estabelecida a nova sistemática constitucional par cobrança do ICMS em operações interestaduais destinadas ao consumidor final não contribuinte, há a necessidade do estabelecimento das normas infraconstitucionais que lhe darão cumprimento.
5. NECESSIDADE DE EDIÇÃO DE LEI COMPLEMENTAR PARA COBRANÇA DO DIFERENCIAL DE ALÍQUOTAS
Mesmo após seis anos da promulgação da EC nº 87/2015 e encerrado o período de transição previsto no art. 99 do ADCT, até o momento as suas novidades não foram introduzidas na Lei Complementar 87/1996 (Lei Kandir).
Durante esse período, os Estados e o Distrito Federal têm observado as regras fixadas no Convênio ICMS 93/2015 do CONFAZ que dispõe sobre as regras procedimentais a serem observadas nas operações que destinam bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado.
Ocorre que, no julgamento da ADI 5.469/DF realizado em 24/02/2021, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade de diversas cláusulas do referido Convênio, pois “Cabe a lei complementar dispor sobre conflitos de competência em matéria tributária e estabelecer normas gerais sobre os fatos geradores, as bases de cálculo, os contribuintes dos impostos discriminados na Constituição e a obrigação tributária (art. 146, I, e III, a e b)”.
Ainda acrescento a Suprema Corte “Especificamente no que diz respeito ao ICMS, o texto constitucional consigna caber a lei complementar, entre outras competências, definir os contribuintes do imposto, dispor sobre substituição tributária, disciplinar o regime de compensação do imposto, fixar o local das operações, para fins de cobrança do imposto e de definição do estabelecimento responsável e fixar a base de cálculo do imposto (art. 155, § 2º, XII, a, b, c, d e i).”.
Em apertada síntese, decidiu o Supremo Tribunal Federal que a cobrança do diferencial de alíquota alusivo ao ICMS, conforme introduzido pela Emenda Constitucional nº 87/2015, pressupõe edição de lei complementar veiculando normas gerais.
Nesse sentido, o supracitado convênio interestadual não pode suprir a ausência de lei complementar para a referida tributação pelo ICMS, ante a ausência de previsão no texto constitucional.
Na mesma ocasião, ocorreu o julgamento conjunto do RE 1287019/DF em que foi decidido pelo Plenário que são válidas as leis estaduais ou distritais editadas após a EC 87/2015, que preveem a cobrança do diferencial de alíquotas nas operações e prestações interestaduais com consumidor final não contribuinte do imposto. No entanto, não produzem efeitos enquanto não editada lei complementar dispondo sobre o assunto.
Todavia, para evitar insegurança jurídica, em razão da ausência de norma que poderia gerar prejuízos aos Estados/DF, o STF efetuou a modulação dos efeitos para que a referida decisão produza efeitos apenas a partir de 2022, exercício financeiro seguinte ao da data da decisão. Adicionalmente, o prazo fixado permitirá ao Congresso Nacional a edição da Lei Complementar necessária ao tratamento do tema.
6. CONCLUSÃO
Da análise de tudo que foi exposto, conclui-se que as alterações fáticas na dinâmica de consumo decorrente dos avanços do comércio eletrônico impuseram ao legislador a revisão do modelo constitucional de instituição e arrecadação do ICMS concernente às operações interestaduais, em especial quanto à sua incidência quando o destinatário consumidor final é não contribuinte do imposto.
Apesar da adoção de novo modelo a partir da Emenda Constitucional nº 87/2015, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela necessidade de edição de lei complementar veiculadora de normas gerais para que os estados-membros e o Distrito Federal, na qualidade de destinatários de bens ou serviços, possam cobrar Diferencial de Alíquota do ICMS (Difal) nas operações e prestações interestaduais com consumidor final não contribuinte do Imposto.
No entanto, o próprio Supremo Tribunal Federal modulou os efeitos para que tal decisão de inconstitucionalidade das cláusulas Convênio ICMS 93/2015 do CONFAZ só produza efeitos a partir de 2022, com a finalidade de evitar a insegurança jurídica e possibilitar ao Congresso Nacional a aprovação de lei complementar sobre o tema.
Assim, a celeuma não está completamente resolvida, cabendo ao Congresso Nacional editar lei complementar que estabeleça normas gerais a respeito do tema.
REFERÊNCIAS
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Antes da EC 87/2015, o estado de destino não podia cobrar ICMS quando a mercadoria tivesse sido adquirida de forma não presencial, em outra unidade federativa, por consumidor final não contribuinte do imposto. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/2475c20d9e9a1aaee80dcbc4e6316157>. Acesso em: 20/07/2021
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Mesmo após a EC 87/2015, é necessária a edição de uma lei complementar federal para que se possa cobrar o Diferencial de Alíquota do ICMS (Difal). Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/6c90885b28e58d1f44856d787da2078f>. Acesso em: 20/07/2021
ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário, volume único – 12ª ed. rev. e atual: Editora JusPodivm, 2018.
________. Supremo Tribunal Federal. ADIN n. 4.628 – DF. Requerente: Confederação Nacional do Comércio de Bens Serviços e Turismo - CNC. Relator: Min. Luiz Fux. Disponível em< https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=7310046 >. Acesso em: 20 de julho de 2021.
Graduado em Direito pela Universidade Cândido Mendes - UCAM/RJ e pós graduando em Direito Constitucional pelo COMPLEXO DE ENSINO RENATO SARAIVA / FACULDADE CERS. Analista de Mercado de Capitais da Comissão de Valores Mobiliários e Advogado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: WURLITZER, SANDRO. Incidência do ICMS nas operações interestaduais, Emenda Constitucional nº 87/2015 e o posicionamento do Supremo Tribunal Federal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 jul 2021, 04:56. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57026/incidncia-do-icms-nas-operaes-interestaduais-emenda-constitucional-n-87-2015-e-o-posicionamento-do-supremo-tribunal-federal. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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