RESUMO: O Direito Processual Penal é o direito instrumental utilizado pelo Estado para apuração de uma infração penal com o objetivo de aplicar o direito material (Direito Penal) ao caso concreto, consistindo em um conjunto de regras jurídicas que trazem as normas e ritos processuais, do cometimento do crime até a sua sanção (punição), haja vista ninguém poder ser processado e julgado sem o devido processo legal. Dentro desse contexto, a persecução penal prevê uma fase preliminar ao processo penal para que sejam colecionados os indícios da autoria e demonstrada a materialidade do crime, por meio do Inquérito Policial, ferramenta jurídica responsável pela compilação dos indícios comprobatórios que justifiquem a propositura de ação penal, de forma justa e razoável. Sendo assim, em conformidade com as disposições constitucionais trazidas pela Carta Magna de 1998, devem ser respeitados, neste processo, em todos as suas etapas, os direitos e garantias fundamentais assegurados ao cidadão, com vista à preservação da dignidade humana e observância aos direitos do homem. Diante deste cenário, o presente estudo pretende efetuar leitura detida dos vários aspectos do Inquérito Policial, com ênfase na explanação dos direitos e garantias constitucionais do investigado. Para tanto, utilizou-se de pesquisa bibliográfica, no âmbito jurídico, empregando-se o método dedutivo, tomando por base os seguintes recursos: legislação específica, doutrina, jurisprudência dos tribunais superiores, além da apreciação de artigos publicados em periódicos, acórdãos de tribunais, manuais jurídicos e textos oriundos da Internet, no intuito de fomentar uma reflexão efetiva acerca das informações colhidas das fontes de pesquisa.
Palavras-chave: Direitos. Garantias Fundamentais. Indiciado. Inquérito Policial.
ABSTRACT: Criminal Procedural Law is the instrumental right used by the State to determine a criminal offense in order to apply the material law (Criminal Law) to the specific case, consisting of a set of legal rules that bring the procedural rules and rites, of the commission of the crime until its sanction (punishment), since no one can be prosecuted and tried without due legal process. Within this context, the criminal prosecution provides for a preliminary phase to the criminal process so that the evidence of authorship can be collected and the materiality of the crime is demonstrated, through the Police Inquiry, a legal tool responsible for compiling the supporting evidence that justifies the filing of a criminal action. , fairly and reasonably. Therefore, in accordance with the constitutional provisions brought by the Magna Carta of 1998, the fundamental rights and guarantees guaranteed to the citizen must be respected, in all its stages, with a view to the preservation of human dignity and observance of the rights of the citizen. men. Given this scenario, the present study intends to read carefully the various aspects of the Police Inquiry, with an emphasis on explaining the investigator's constitutional rights and guarantees. For this purpose, a bibliographic search was used, in the legal scope, using the deductive method, based on the following resources: specific legislation, doctrine, jurisprudence of the higher courts, in addition to the appreciation of articles published in journals, court judgments, legal manuals and texts from the Internet, in order to foster an effective reflection on the information collected from the research sources.
Keywords: Rights. Fundamental Warranties. Indicted. Police Inquiry.
1 INTRODUÇÃO
Na esfera da normatividade ideal da Constituição Federal de 1988, o Sistema Penal Brasileiro é baseado no modelo acusatório, porém, devido à realidade adversa de baixa cultura constitucional que marca o cenário processual penal em vigor, o que se verifica é um sistema de cunho inquisitivo, ou como preferem os corifeus da corrente majoritária, um sistema misto, marcado pela integralização de elementos dos dois sistemas básicos, o acusatório e o inquisitivo.
Em conformidade com os termos previstos na aludida Carta Política, uma das prerrogativas basilares do cidadão e, portanto, dever da máquina estatal, é a tutela da segurança pública, a ser desenvolvida e instituída por meio da implantação e promoção de políticas públicas e da prestação adequada, eficiente e eficaz dos serviços que lhes são concernentes. Na prática, esse dever é materializado mediante a obrigação de o Estado, dada a constatação do acontecimento de um suposto fato delituoso, dar início à persecutio criminis para apurar, processar e, enfim, fazer valer o direito de punir, resolvendo as lides e aplicando a legislação ao evento tangível.
A tutela da segurança pública, a ser exercida visando à sustentação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através da ação conjunta da polícia federal, da polícia rodoviária federal, da polícia ferroviária federal, das polícias civis, das polícias militares e corpos de bombeiros militares, além da promoção de políticas públicas e da prestação adequada dos serviços que lhes são concernentes.
A Lei Máxima, de 1988, estabeleceu, ainda, nos incisos subsequentes ao artigo 144, as competências dos órgãos supracitados, designando, como regra, às Polícias Federal e Civil, a incumbência para a apuração de infrações penais e a execução das funções de polícia judiciária, e delegando às Polícias Militares, o policiamento ostensivo e a salvaguarda da ordem pública.
Nesta senda, a investigação criminal surge como ferramenta de averiguação do cometimento de uma infração penal, na figura do Inquérito Policial, que consiste em um conjunto de procedimentos realizados pela polícia judiciária, com o propósito de verificar a materialidade e os indícios de autoria das infrações penais, no intuito de consubstanciar a atuação do Ministério Público na propositura da ação penal.
Por sua vez, a propositura da ação penal pelo Ministério Público depende, tacitamente, do provimento de elementos mínimos atribuídos à autoria e à materialidade do delito, para subsidiar a opinio delicti do Ministério Público, incluindo-se, ainda, motivação, ou não, da ação penal pública e o embasamento para o recebimento da denúncia e concessão de medidas cautelares pelo juiz, além de também, servir para embasar a queixa-crime da vítima nos crimes de ação privada ou ação penal subsidiária.
Entretanto, por estar inserido em cultura marcada pelo punitivismo, não são raros os abusos cometidos contra a pessoa do indiciado, contrariando as determinações legais vigentes, de que tal etapa não deve incidir em uma punibilidade em si, levando em conta o direito à presunção de inocência, onde ninguém será considerado culpado sem sentença condenatória transitada em julgado.
Diante desse cenário, este estudo tem por desígnio abordar os direitos constitucionais que o indiciado possui, sopesando que a devida investigação criminal pressupõe que o Estado, através de seus agentes, respeite os postulados constitucionais e os direitos individuais, em especial a dignidade humana, princípio indispensável a um Estado de Democrático de Direito como é o Brasil.
Para tanto, utilizou-se de pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, de natureza qualitativa, realizada através de livros, artigos acadêmicos, periódicos e sites especializados bem como legislação correlata, tratando da doutrina e da jurisprudência pátria relacionadas aos direitos e garantias constitucionais do indiciado quais sejam: igualdade perante a lei, a legalidade, proibição de tortura e tratamento degradante ou desumano, o devido processo legal, das medidas de supressão de liberdade, o direito ao silêncio e a assistência jurídica.
2 O PROCESSO PERSECUTÓRIO E O INQUÉRITO POLICIAL
2.1 O processo persecutório penal no ordenamento jurídico brasileiro: considerações iniciais
A persecução criminal, segundo o doutrinador Tourinho Filho (2012), consiste na atividade de investigar o fato contrário à norma penal e pedir, em juízo, o julgamento da pretensão punitiva, podendo, segundo as considerações deste mesmo autor, ser classificada em dois momentos distintos: o da investigação e o da ação penal. Enquanto a ação penal formula o pedido de julgamento da pretensão punitiva, a investigação exprime-se na atividade preparatória da ação penal, de caráter preliminar e informativo
Em virtude dos imperativos que lhe foram constitucionalmente conferidos pela Carta Magna de 1988, o Ministério Público consagrou-se enquanto instituição imutável, essencial à função jurisdicional do Estado, responsável à preservação da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, estando, pois, sob o prisma dos interesses sociais e individuais indisponíveis, compelido compulsoriamente a agir, sempre que presentes as condições legalmente estabelecidas, figurando como o titular da ação penal, nos termos do art. 129, inciso I, da Carta de Outubro.
Sendo assim, em observância ao princípio da obrigatoriedade da ação penal (também conhecido como princípio da legalidade, da oficialidade, da necessidade ou indisponibilidade), o Parquet vê-se obrigado a oferecer a denúncia, dando início ao processo penal, assim que tomar conhecimento de uma conduta típica, antijurídica e agente culpável, havendo indícios suficientes de autoria e materialidade (OLIVEIRA, 2017).
Desta forma, por meio do Ministério Público, o Estado assume a titularidade da persecução criminal em juízo, sem que haja o comprometimento da imparcialidade e da inércia jurisdicional, de modo que as três funções do processo penal (defender, acusar e julgar) são entregues a sujeitos distintos. Neste sentido, tem-se que o processo penal é, simultaneamente, instrumento de repressão penal e também uma ferramenta de autolimitação do jus puniendi estatal (OLIVEIRA, 2017).
Também ministrando acerca do tema em comento, Renato Brasileiro de Lima pondera que:
De acordo com o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, também denominada de legalidade processual, aos órgãos persecutórios criminais não se reserva qualquer critério político ou de utilidade social para decidir se atuarão ou não. Assim é que, diante da notícia de uma infração penal, da mesma forma que as autoridades policiais têm a obrigação de proceder à apuração do fato delituoso, ao órgão do Ministério Público se impõe o dever de oferecer denúncia caso visualize elementos de informação quanto à existência de fato típico, ilícito e culpável, além da presença das condições da ação penal e de justa causa para a deflagração do processo criminal (LIMA, 2016, p. 229).
Isso significa que o Ministério Público está obrigado a oferecer a ação penal sempre que houver recebido notícia de crime e não existam obstáculos que o impeça de atuar, sendo-lhe imputado o dever de promover a ação penal, fundamentado na ideia latina nec delicta maneant impunita, ou seja, nenhum crime deve ficar impune.
Considerando que, por intermédio do Ministério Público, o Estado assume a titularidade da persecução criminal em juízo, sem que haja o comprometimento da imparcialidade e da inércia jurisdicional, de modo que as três funções do processo penal (defender, acusar e julgar) são entregues a sujeitos distintos, tem-se que o processo penal é, simultaneamente, instrumento de repressão penal e também uma ferramenta de autolimitação do jus puniendi estatal.
Portanto, o Processo Penal funciona em um Estado Democrático de Direito não apenas como instrumento repressor e punitivo do cometimento de infrações penais, mas como um meio necessário e inafastável de garantia dos direitos do acusado. Não é um mero instrumento de efetivação do Direito Penal, mas, verdadeiramente, um instrumento de satisfação de direitos humanos fundamentais e, sobretudo, uma garantia contra o arbítrio do Estado.
Nas palavras de Frederico Marques:
O processo é instrumento de atuação estatal vinculado, quase sempre, às diretrizes políticas que plasmam a estrutura do Estado. Impossível, por isso, subtrair a norma processual dos princípios que constituem a substância ética do Direito e a exteriorização de seus ideais de justiça. No processo penal, então, em que as formas processuais se destinam a garantir direitos imediatamente tutelados pela Constituição, das diretrizes políticas desta é que partem os postulados informadores da legislação e da sistematização doutrinária. Com razão afirmou Goldschmidt que a estrutura do processo penal de uma nação indica a força de seus elementos autoritários e liberais (MARQUES, 2009, p. 111)
Dentro desta perspectiva, o sistema acusatório é o que melhor encontra respaldo em uma democracia, pois distingue perfeitamente as três funções precípuas em uma ação penal, a saber: o julgador, o acusador e a defesa. Tais sujeitos processuais devem estar absolutamente separados (no que diz respeito às respectivas atribuições e competência), de forma que o julgador não acuse, nem defenda (preservando a sua necessária e inafastável imparcialidade), o acusador não julgue e o defensor cumpra a sua missão constitucional de exercer a chamada defesa técnica.
Nesse sentido, o legislador brasileiro diferenciou o inquérito policial (IP ou IPL) de qualquer outro procedimento administrativo, prevendo-o normativamente no Código de Processo Penal (CPP), delimitando o campo de atuação da polícia judiciária e do Ministério Público, tendo em vista assegurar ao cidadão a quem se imputa, em tese, a prática de uma infração penal, a garantia de que será investigado apenas pelo órgão estatal incumbido de tal mister, qual seja, a polícia (SOUZA; CABRAL, 2013).
Isto porque o delegado de polícia, nas esferas federal e estadual, com os conhecimentos adquiridos com a sua formação superior em direito, pauta seu trabalho na busca pela verdade real, princípio norteador do direito processual penal pátrio. Com isso, a fase investigativa, formalizada por meio do inquérito policial, é uma garantia para o cidadão, considerando-se, como já asseverado, que a autoridade policial, ao contrário do Ministério Público, não é – e nem será – parte na futura e eventual ação penal.
Assim, resta consolidado que as atividades de polícia judiciária são exercidas constitucionalmente pelas autoridades policiais, ou seja, delegados de polícia, que é a autoridade policial responsável pela condução das investigações policiais, formalizadas por meio de inquéritos policiais e termos circunstanciados de ocorrência.
Entretanto, impende destacar que, o Delegado de Polícia, na condição de presidente dos inquéritos policiais, detém significativa parcela de poder estatal, decidindo, todavia, nos limites impostos pela Constituição e pela legislação em vigor, pois, embora tenha ampla discricionariedade na condução da investigação, não pode agir de forma arbitrária.
A CF de 1988, no caput de seu artigo sexto, instituiu a segurança como um direito social e, por conseguinte, direito de segunda dimensão, que exige do Poder Público uma atuação positiva, execução de políticas públicas, destinadas a garantir amparo e proteção social aos mais fracos e mais pobres (COMPARATO, 2010)
. Tal conceito foi ampliado mais à frente, no mesmo diploma legal, em seu artigo 144, destinado à segurança pública, onde foram, também, elencados os órgãos incumbidos de zelar pela incolumidade dos cidadãos, assim como suas respectivas atribuições, conforme se aduz do texto transcrito abaixo:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
(...)
§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
(BRASIL, 1988)
Verifica-se, assim, que a segurança pública é tida constitucionalmente, como um dever tácito do Estado e um direito do cidadão, a fim de preservar a ordem pública e a incolumidade das pessoas, por meio da atuação dos órgãos elencados no referido dispositivo, juntamente com suas atribuições.
Para os efeitos deste estudo, serão analisadas as responsabilidades da polícia judiciária, exercida pela Polícia Civil, através da atuação dos delegados de polícia de carreira, a prevenção e a investigação de infrações penais civis, excetuando-se as infrações militares ou de competência da Justiça Federal, que são atribuídas a órgãos específicos.
Verifica-se, assim, que o Estado exerce seu poder de polícia judiciário, por intermédio da atuação bem delimitada dos órgãos citados no artigo 144 da CF/88, fundamentada na repressão da atividade criminal através da instrução policial criminal e da captura dos infratores da lei penal, tendo como traço característico o cunho repressivo e ostensivo, aliado à investigação criminal, representada por organismos sociais cuja função, por excelência, é a apuração da materialidade e autoria das infrações penais, mediante a instauração e prosseguimento do Inquérito Policial, enquanto elemento consubstanciador da ação penal.
Em conformidade com as acepções do doutrinador Paulo Rangel o Inquérito Policial pode ser definido da seguinte maneira:
(...) conjunto de atos praticados pela função executiva do Estado com o escopo de apurar autoria e materialidade (nos crimes que deixam vestígios – delicta facti permanentis) de uma infração penal, dando 10 ao Ministério Público elementos necessários que viabilizem o exercício da ação penal. (RANGEL, 2011, pág.329)
Nesse mesmo sentido, Capez afirma que a finalidade do inquérito policial é “a apuração de fato que configure infração penal e a respectiva autoria para servir de base à ação penal ou às providências cautelares”. (CAPEZ, 2012)
Destarte, o inquérito policial pode ser entendido, em linhas gerais, como o procedimento preparatório da ação penal, presidido por Delegado de Polícia de carreira (CF, art. 144, § 4º), que visa reunir elementos acerca de uma infração penal (materialidade e autoria), mediante um conjunto de diligências realizadas pela Polícia Judiciária, para que, futuramente, o titular da ação penal possa ingressar em Juízo, objetivando a aplicação da lei ao caso concreto.
É no Inquérito Policial que são obtidas as provas mais importantes, recolhidas nos locais dos crimes, através de interceptações telefônicas e/ou escutas ambientais judicialmente autorizadas, acompanhamentos, buscas e apreensões ou garimpadas em atividades de inteligência policial, é de suma importância que sejam observados os direitos e garantias fundamentais do investigado, com vistas à plena observância do princípio da dignidade humana, enquanto um dos principais fundamentos constitucionais basilares de um Estado Democrático de Direito.
Nas palavras de Lima, para que se possa dar início a um processo criminal contra alguém, faz-se necessária a “presença de um lastro probatório mínimo apontando no sentido da prática de uma infração penal e da probabilidade de o acusado ser o seu autor” (LIMA, 2016, p.113).
Por isso, o Inquérito Policial é tão importante, pois as informações ali colhidas terão grande importância na hora da elaboração da propositura da ação penal. Além do que já foi dito anteriormente, acerca de não incriminar alguém com o mínimo de provas possíveis.
O Inquérito Policial tem um caráter discricionário, de costume que os fatos relatados devem descrever nitidamente como foi originado o possível ilícito penal, reunindo fundamentos jurídicos suficientes para que a ação penal possa ser requerida. Além disso, é um procedimento instrumental e informativo, como disposto nos artigos 9º e 13 do CPP:
Art. 9º Todas as peças do inquérito policial serão, num só processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade.
(...)
Art.13. Incumbirá ainda à autoridade policial:
I - fornecer às autoridades judiciárias as informações necessárias à instrução e julgamento dos processos;
II - realizar as diligências requisitadas pelo juiz ou pelo Ministério Público;
III - cumprir os mandados de prisão expedidos pelas autoridades judiciárias;
IV - representar acerca da prisão preventiva. (BRASIL, 1941)
Consiste-se, portanto, de um procedimento policial administrativo, previsto no Código Processual Penal Brasileiro como procedimento investigativo da polícia judiciária brasileira pelo qual a autoridade policial busca a verdade real de um fato supostamente criminoso, cujo qual tem a finalidade de reunir elementos necessários (provas) à apuração de uma prática de uma infração penal e sua autoria, servindo, ainda, como um filtro depurador de acusações infundadas, que podem ocasionar prejuízos irreparáveis ao acusado, bem como gerar processos ineficientes.
A instauração desse procedimento ocorre a partir da determinação do Ministério Público, da Magistratura, do próprio Delegado de Polícia, de ofício por meio de uma portaria, ou a requerimento da parte interessada, ostentando a discricionariedade necessária para indeferir as diligências requeridas pela vítima ou pelo investigado, ao mesmo tempo em que, apesar de ter a liberdade de agir para apurar os fatos, está obrigado a agir dentro dos limites legais (SANTOS, 2014).
Por se caracterizar como uma peça inquisitiva, o Delegado de Polícia reúne todo o poder de direção desta fase pré-processual. Portanto, ele investiga, indaga e pesquisa com o objetivo de esclarecer em que circunstâncias aquele delito teria acontecido, não cabendo contraditório, nem ampla defesa, pois só existe uma mera investigação em curso, não existindo uma acusação formal (SANTOS, 2014).
No entanto, importa mencionar que, ao longo da história do Direito, o processo penal, assim como o Direito Penal, sofreu influência da ideologia da época, razão pela qual tanto as opressões quanto as liberdades fizeram parte do cenário político/jurídico e a investigação criminal ganhou várias formas com diferentes regras ao investigado, mas sempre com o intuito de obter dados sobre a materialidade e autoria do crime. A investigação apresentou características próprias de acordo com o sistema processual vigente à época (LOPES JR., 2014).
Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Inquérito Policial deve ser visto sob o prisma garantista, que o defenda de deturpações históricas, minimize as distorções da discricionariedade estatal e o sustente como instrumento de realização dos direitos fundamentais do indivíduo (GUIMARÃES, 2011). Assim, além de ser dirigido à apuração da infração penal, objetivando apontar sua autoria e materialidade, passa a ter destaque sua função garantidora, em que investigação criminal é feita, exatamente, para que se possam assegurar todos os direitos constitucionais do investigado, já que, em uma democracia, ninguém pode ser acusado sem provas, e o inquérito policial é exatamente esse suporte de que se serve o Estado para proteger o indivíduo, para fundamentar a acusação e, ainda, para evitar imputações apressadas e equivocadas.
O indiciamento é um ato privativo da autoridade policial que poderá ser feito a qualquer momento durante o curso do inquérito policial, por meio de um despacho oficial e fundamentado, ou no relatório final do inquérito policial. Em relação a fundamentação, não pode ser feito com base em meras suspeitas e deve estar calcado em forte indícios de autoria e materialidade. “O indiciamento consiste no ato formal de se atribuir a autoria de uma infração penal típica, antijurídica e culpável a uma pessoa determinada” (ZANOTTI, SANTOS, 2013, pg. 161) O indiciado é, portanto, a pessoa eleita pela investigação do Estado (Polícia), dentro da sua convicção como autora da infração penal.
Na relação processual, no âmbito do ordenamento jurídico pátrio, o acusado enquanto transcorre a investigação é chamado de indiciado, sendo apontado como suspeito pelo Estado que tem entre suas tarefas essenciais a regulamentação da conduta dos cidadãos, a fim de tornar a vida em sociedade mais harmônica. No momento do oferecimento da denúncia é correto aquele a quem é imputado uma conduta delituosa de denunciado ou imputado. Após o oferecimento da Denúncia então ele será chamado de réu (GARBIN, 2012).
Em outras palavras, George Raposo (2017, p. 01) conceitua investigado como sendo:
[...] aquele em relação ao qual há frágeis indícios, ou seja, há um mero juízo de possibilidade de autoria. Por isso é comum ouvir da polícia que há uma lista de suspeitos. Isso quer dizer que há várias pessoas que poderiam cometer o crime e que devem ser investigados. Não há realmente nada concreto contra o suspeito. Significa dizer, portanto, que quanto ao investigado há apenas a possibilidade de ter cometido o fato delituoso.
Assim, apenas no momento em que a Polícia Judiciária conseguir reunir provas suficientes contra o sujeito, poderá contribuir para que haja uma acusação formal, de forma que o indiciamento somente será caracterizado quando ocorrer a imputação a alguém, no inquérito policial, da prática do ilícito penal, sempre que houver razoáveis indícios de autoria (CASTELLO 2012).
Todavia, vale destacar que a presença de indícios de autoria e materialize do crime não significa culpabilidade nem tampouco condenação, não podendo, portanto, o indiciado ser tido como mero objeto de investigação, mas um sujeito de detentor de direitos e deveres. Dessa forma, em razão do princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais, que permeia toda a atuação estatal, deve o delegado de polícia analisar a todo momento a constitucionalidade e a legalidade dos atos que foram praticados e que serão praticados no curso do inquérito policial (ZANOTTI, SANTOS, 2013).
Nesse sentido, a manutenção de um indiciamento policial que não mais se sustenta em qualquer fundamentação legal, acarretaria, entre outras consequências, a prática do constrangimento ilegal pela autoridade policial e a violação de direito fundamentais, uma vez que a Constituição Federal assegura, em seu artigo 5º, inciso LXI, que a liberdade do indiciado somente será restringida em duas ocasiões: se for preso em flagrante ou por ordem escrita fundamentada por autoridade judiciária.
Em outras palavras, o indiciado somente poderá ser preso preventivamente, sob o fundamento de manutenção da ordem pública e da ordem econômica, bem como a aplicação da lei penal, conforme art. 311 do CPP ou em flagrante, se for pego cometendo o delito, ou portando objetos utilizados na cena do crime, como previsto no arts. 301 e 302 do CPP.
3. UMA ABORDAGEM SOBRE OS DIREITOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO INDICIADO
Ao longo das décadas, no cenário jurídico-brasileiro, a perspectiva do suspeito durante a investigação criminal foi sendo modificada. Antes havia uma visão inquisitória em que o investigado recebia o tratamento de mero objeto da investigação. Contudo, atualmente, o entendimento consolidado é o de que o investigado deve ser considerado sujeito de direitos, inclusive na fase inicial da persecução penal, o que garante direitos como o de ampla defesa e ao contraditório. Conforme os ensinamentos de Marta Saad:
É usual encontrar na doutrina a afirmação de que o indivíduo envolvido nos trabalhos investigatórios e instrutórios realizados no curso do inquérito policial, é, tão-só, objeto de investigação, tornando-se sujeito de direitos apenas na segunda fase da persecução penal. (...) Em verdade, o envolvido em inquérito policial deve ser reconhecido como sujeito ou titular de direitos, sujeito do procedimento e não apenas sujeito ao procedimento, verdadeiro 'titular de direito que dentro dele exerce'. O indivíduo é, aliás, sujeito e titular de direitos sempre, não importa em que estágio o procedimento se encontre. Os direitos e garantias constitucionais não têm limites especiais e nem obedecem a procedimentos, simplesmente devem ser obedecidos sempre (SAAD, 2004, p, 205-206)
Evidencia-se, assim, que o sujeito, ora investigado, não deixa de possuir direitos fundamentais garantidos constitucionalmente, mesmo durante a fase pré-processual. Todavia, deve ser reconhecido que o suspeito pode ser fonte de prova e objeto de atos instrutórios, mesmo não lhe retirando a titularidade de direitos indisponíveis e inerentes à personalidade, oponíveis em quaisquer circunstâncias.
Ademais, importa mencionar que, no inquérito Policial, tenha sido ele instaurado por portaria ou em razão de auto de prisão em flagrante, o investigado tem a primeira oportunidade de defesa ao ser interrogado pela autoridade policial. Nessa fase investigatória, o inquérito policial é, como entende largamente a doutrina, um procedimento administrativo e, como tal, não se coaduna com o consagrado princípio constitucional do contraditório.
Entretanto, muito embora o indiciado durante o processo de indiciamento não possa se utilizar do contraditório e ampla defesa, não significa que ele seja um objeto sem direitos ou garantias constitucionais, de modo que ainda lhe restam direitos como: ficar em silêncio, não ser submetido a meios vexatórios ou torturas (integridade física ameaçada), se tais forem violados cabe ao sujeito ativo que cometeu ser punido penalmente.
Desse modo, em se tratando de procedimentos inquisitivos instaurados no plano da investigação policial, existem uma série de direitos titularizados pelo indiciado, que simplesmente não podem ser ignorados pelo Estado, incluido o devido processo legal; das medidas de supressão de liberdade; ao silêncio e assistência jurídica.
Com efeito, a investigação preliminar é o ponto de partida para uma persecução penal bem sucedida, que atenda ao interesse da sociedade de elucidar crimes sem abrir mão do respeito aos direitos mais comezinhos dos investigados, onde a persecução penal deve caminhar lado a lado com a franquia de liberdades públicas do cidadão, humanizando-se a função punitiva do Estado.
3.1 Direito à igualdade processual
A isonomia perante a lei, nos temos previstos no art. º da CF/88, significa que todos são iguais perante à lei, sem distinção qualquer de natureza. Logo, todos os indivíduos devem ter as mesmas condições e oportunidades nas ações, sem sofrer nenhum tipo de desigualdade ou discriminação por parte das autoridades, incluindo-se aqueles que se encontram sob processo investigativo.
O doutrinador Fernando Capez afirma que os investigados “devem ter as mesmas oportunidades de fazer valer suas razões, e ser tratados igualitariamente, na medida de suas igualdades, e desigualmente, na proporção de suas desigualdades” (CAPEZ, 2012, p. 111).
Assim, o indiciado não pode ser tratado de maneira desigual frente a lei. Afinal, ele será responsabilizado somente se o fato foi querido, aceito ou previsível, não basta que o fato seja materialmente causado, tendo em vista que a inocência é uma posição social de todo e qualquer cidadão brasileiro, até que haja o trânsito em julgado da sentença criminal condenatória. Este estado não poderá ser modificado, sendo garantido constitucionalmente.
3.2 Direito à presunção de inocência
Além de ser um princípio, conforme se verá no momento oportuno, a presunção de inocência é consagrada como um direito do Homem, conforme enuncia o artigo 9º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão e o artigo 11 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, foi pela primeira vez consagrado em texto constitucional, com a Constituição de 1988 (TOURINHO FILHO, 2012, p. 63), que estabelece em seu artigo 5º, LVII que: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Consiste, assim, o referido princípio no direito de não ser declarado culpado senão mediante sentença transitada em julgado, ao término do devido processo legal, em que o acusado tenha se utilizado de todos os meios de prova pertinentes para a sua defesa (ampla defesa) e para a destruição da credibilidade das provas apresentadas pela acusação (contraditório) (LIMA, 2013).
É oportuno dizer que a observância deste princípio durante a investigação criminal é de suma importância, pois, segundo Renato Brasileiro, deste princípio deriva duas regras fundamentais, quais sejam: a regra probatória e a regra de tratamento.
Por força da regra probatória, a parte acusadora tem o ônus de demonstrar a culpabilidade do acusado além de qualquer dúvida razoável, e não este de provar sua inocência, mutatis mutandisessa regra é perfeitamente aplicável à fase de investigação, ao passo que, quanto a regra de tratamento, o Poder Público está impedido de agir e de se comportar em relação ao suspeito como se este fosse culpado.
É importante salientar que o princípio ora estudado não proíbe a prisão temporária do investigado, decretada para assegurar o sucesso de alguma diligência imprescindível para as investigações, conforme dispõe a lei 7.960/89.
Fica claro que para que alguém seja considerado culpado e submetido ao cumprimento de uma pena, antes deve ocorrer o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, antes disso, nenhuma pena pode ser imposta antecipadamente, pois a prisão antecipada se justifica como providência exclusivamente cautelar, valer dizer, para impedir que a instrução criminal seja perturbada ou então, para assegurar a efetivação da penal (TOURINHO FILHO, 2012).
Dessa forma, a inocência é a regra geral, e havendo qualquer dúvida em relação à autoria ou materialidade do delito, permanece o indivíduo inocente, ou seja, é necessária a devida a comprovação. A responsabilidade criminal precisa ser comprovada de forma que não reste dúvidas acerca da autoria (BRASIL, 2017a)
3.3 Direito ao devido processo legal
O devido processo legal é a garantia de que ninguém pode ser privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal, isto é, respeitado todas as formalidades previstas em lei.
No âmbito das garantias do processo é que o devido processo legal assume uma amplitude inigualável e um significado ímpar como postulado que traduz uma série de garantias hoje devidamente especificadas e especializadas nas várias ordens jurídicas (MENDES, 2018, p. 597).
Devido processo legal é o reservatório de princípios constitucionais, expressos e implícitos, que limitam a ação dos Poderes Públicos. [...] Mais do que um princípio, o devido processo legal é um sobreprincípio, ou seja, fundamento sobre o qual todos os demais direitos fundamentais repousam (BULOS, 2018, p. 396).
Encontra-se amparado pela Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 5º, como um direito fundamental. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; [...] (BRASIL, 1988)
Destarte, há duas perspectivas quanto à efetividade do princípio: a restrição a quaisquer direitos sem a instauração de um processo se faz inadmissível; e a adequação do processo, que deve assegurar igualdade entre as partes, o contraditório e a ampla defesa. A importância no processo penal uma vez que, o bem jurídico tutelado ameaçado é a liberdade, o segundo direito fundamental mais importante.
3.4 Direito a permanecer em silêncio
Na instrução do inquérito civil, o membro do Ministério Público, para esclarecimento do fato objeto da investigação, tem o dever-poder de colher todas as provas permitidas pelo ordenamento jurídico (artigo 6º da Resolução 1.928-PGJ/MPPR, de 25 de setembro de 2008), tais como a juntada de documentos, requisição de informações, oitivas de testemunhas, realização de inspeções e perícias e, ainda, a colheita do depoimento pessoal do investigado.
Especificamente em relação à tomada do depoimento pessoal dos investigados, acontece em alguns casos de o investigado, antes de iniciar o seu depoimento ou no curso dele, passar a se recusar a responder perguntas a respeito dos fatos objeto do inquérito civil, principalmente, em situações em que possam resultar em sua responsabilização pela prática de atos de improbidade administrativa (URBANO & CHIODELL).
O fundamento jurídico invocado pelo investigado para se calar ou se recusar a responder sobre alguns pontos específicos, por decisão dele ou por orientação de advogado, é o direito constitucional de permanecer calado, conforme previsto no artigo 5º, inciso LXIII, da Carta Política de 1988 (URBANO & CHIODELL, 2017)
O direito ao silêncio também encontra previsão no art. 186 do Código de Processo Penal, também estabelece que a pessoa apontada como autora do crime investigado poderá permanecer calada, conforme, e, consequentemente, não responder as perguntas proferidas pela Autoridade Policial ou Judiciária. Este direito deve ser comunicado ao indiciado em seu interrogatório, pela Autoridade Policial, a fim de evitar a autoincriminação.
Além disso, ele não pode ser punido pelo crime de falso testemunho, caso venha relatar fatos falsos em seu interrogatório, já que ninguém é obrigado a produzir prova contra si.
Na mesma perspectiva, Alexandre de Moraes (2003, p. 400) defende que cabe ao acusado “não só o direito ao silêncio puro, mas também o direito de prestar declarações falsas e inverídicas, sem que por elas possa ser responsabilizado, uma vez que não se conhece em nosso ordenamento jurídico o crime de perjúrio”.
3.5 Direito à assistência jurídica
A lei 13.245/16, que altera o artigo 7º do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil surge com o intuito de garantir a concretização de princípios e valores constitucionais, assegurando ao investigado a ampliação de seu direito de defesa na fase de investigação criminal preliminar.
Desse modo, ao ampliar os direitos do advogado, a referida lei estendeu, também, os direitos do indiciado, no que concerne ao seu direito de defesa na fase de investigação criminal preliminar. Essa garantia já era prevista na Constituição Federal, art. 5º, LXIII ‘’o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado’’ (BRASIL, 2016), de maneira que o dispositivo reforçou garantias constitucionais no principal instrumento de apuração de infrações penais do ordenamento jurídico brasileiro, que é o inquérito policial, o qual passa a ser fortemente marcado pelo direito de defesa, revelando uma preocupação do legislador em tornar o sistema penal mais democrático e pautado em valores constitucionais.
Verifica-se, assim, que a Lei Nº 13.245/16 acaba por possibilitar a incidência do contraditório e da ampla defesa na fase de inquérito policial, ainda que não seja um contraditório em sua noção plena e sim um contraditório na medida do possível que não venha a atrapalhar a investigação preliminar.
Portanto, a Nº Lei 13.245/16 é uma tentativa de uma maior democratização durante as etapas inerentes às investigações criminais, considerando que permite maior participação do advogado nessa fase procedimental, garantindo, por consequência, ao investigado, à fruição de seus direitos constitucionais, bem como proporcionando acesso à informação e a possibilidade de definitivamente influenciar o resultado do inquérito.
3.6 Vedação à tortura e ao tratamento degradante
Segundo o Ministério dos Direitos Humanos, a tortura é uma ação criminosa que possui múltiplas dimensões, sendo que pela visão da vítima, essa ação causa danos ao corpo e impões consequências físicas e psicológicas a ela. Já para o Estado, trata-se de falha, da manifestação de um período democrático de valores autoritários, sendo a época em que não havia preocupação com os Direitos Humanos. Sua prática decorre de longas datas, configurando-se como prática cruel e desumana, sendo por este motivo combatida através de diversas normas de âmbito nacional e internacional (ANDRADE, 2013).
A Constituição Federal, de 1988, por sua vez, estabelece em seu artigo 5º, inciso III, onde discorre que ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante; ademais, diz que a lei considerará delitos inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evita-los, se omitirem (BRASIL, 1988).
Além das normas acima citadas, há ainda a Lei Nº 9.455 de 07 de abril de 1997, que define os crimes de tortura e dá outras providências, de forma que em seu artigo 1º preceitua que constitui tal delito:
a) Constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental, com o intuito de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceiros; para provocar ação ou omissão de natureza criminosa; em razão de discriminação racial ou religiosa;
b) Submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo (BRASIL, 1997).
Sendo assim, embora seja inadmissível na sociedade atual, não se pode julgar ser impossível a utilização desta prática nas fases investigativas, no objetivo de obter a confissão do suspeito, o indiciado encontra-se amparado contra essa forma de violência em diversos diplomas legais.
É cediço que os princípios sempre marcam a ciência jurídica. Isto se justifica pelo fato de que se fundam em premissas éticas extraídas do material legislativo, funcionando como um foco de luz, capaz de iluminar e orienta o interprete da lei, ajudando, assim, na expansão lógica do direito.
Como não poderia deixar de ser, o processo penal, assim como as demais ciências jurídicas, também é regido por vários princípios, a fim de que seja amparada a tutela dos direitos e interesses do acusado, especialmente sob o prisma das disposições constitucionais acerca dos direitos sociais individuais.
No entanto, por mais que a fase investigativa criminal se configure um ato puramente burocrático e protocolar, a prática no sistema de justiça criminal evidencia que os direitos constitucionais do interrogado muitas vezes não são esclarecidos propositalmente ou por falha técnica da autoridade policial, reflexo de anos de desvalorização das formalidades processuais e certo apego por um modelo inquisitorial de investigação.
Contudo, na execução de tal finalidade, o Estado não pode reduzir o indivíduo à condição de objeto, de meio na execução de seu fim, privando-lhe de direitos e garantias sob o pretexto da realização do interesse público. Daí fundamentar-se o nosso Estado no respeito a dignidade da pessoa humana. Somente por esse argumento sua prática não poderia ser admissível.
É imprescindível, portanto, que todos saibam seus direitos em face das situações acima mencionadas, de modo a evitar arbitrariedades incompatíveis com um estado democrático de direito ou, infelizmente não incomum, a responsabilização criminal de pessoas inocentes.
Dentre as garantias constitucionais que são nitidamente ligadas às atividades de investigação criminal, temos a previsão do Art. 5º, I da Constituição Federal, que dispõem sobre o princípio da igualdade, ou isonomia. A regra constitucional, que superando o conceito clássico da igualdade formal que pretende a igualdade absoluta entre todos os indivíduos, pretende estabelecer uma igualdade material, tratando os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual na medida de suas desigualdades.
Um outro importante direito, que, muitas vezes, é negligenciado aos interrogados, é a garantia ao silêncio, o qual decorre da presunção de inocência absoluta e inafastável daqueles que são acusados da prática de eventual crime. Consoante referida garantia, o interrogado pode optar por não responder às perguntas formuladas pelo Delegado de polícia, permanecendo em silêncio durante a integralidade do interrogatório. Importante ressaltar que a opção por permanecer em silêncio jamais poderá ser utilizado em desfavor do acusado, tampouco ser contestada pela autoridade policial.
A vedação à tortura e ao tratamento degradante, também é outro direito constitucionalmente assegurado durante o Inquérito Policial. No entanto, infeliz e invariavelmente, no decorrer de toda a história da humanidade, a investigação criminal se viu vinculada à pratica de torturas físicas e psicológicas como meios para obtenção e produção de provas, tanto em sede investigativa quanto em sede processual, sendo incompatível com a vigência de um Estado Democrático de Direito.
Por fim, há que se atestar o óbvio: abusos físicos ou psicológicos são inadmissíveis durante, anteriormente ou após o interrogatório policial, passíveis, caso ocorram, de responsabilização criminal dos agentes envolvidos, além de configurar manifesta nulidade do ato. Constitui obrigação da autoridade policial, para tanto, garantir a dignidade, os direitos da personalidade e a intimidade da pessoa a ser interrogada, em observância fiel à Constituição e as inúmeras convenções, pactos internacionais e tratados aos quais o Brasil é signatário.
Desse modo, ainda que esteja sendo alvo de processo investigativo, o sujeito não perde a titularidade de seus deveres e garantias constitucionais, somente por ser considerado suspeito de determinada infração penal, fazendo jus ao devido processo legal e à igualdade processual, ao silêncio e à sua integridade física, além de ter acesso à assistência jurídica e à presunção de inocência, não podendo, pois, ser visto, apenas, como mero instrumento processual, em detrimento de sua personalidade civil.
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Graduando em Direito, Servidor Público no Tribunal de Justiça do Amazonas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Wattila Teodoro da. Direitos e garantias fundamentais aplicáveis ao indiciado durante o inquérito policial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 jul 2021, 04:37. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57048/direitos-e-garantias-fundamentais-aplicveis-ao-indiciado-durante-o-inqurito-policial. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Nathalia Sousa França
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Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
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