RESUMO: O debate Hart X Dworkin permanece na comunidade jurídica. O primeiro, positivista evoluído, analisa o direito descritivamente, concebendo-o como um conjunto de regras primárias e secundárias, legitimadas por uma regra de reconhecimento. O segundo utiliza a sofisticada teoria de Hart para demonstrar as falhas do positivismo, especialmente quanto à não consideração de elementos principiológicos no conceito de direito. Assim, após análise desses autores, o presente artigo traz uma conexão com o julgamento do RE 601.314/SP, para verificar se os fundamentos do STF para permitir o acesso direto do FISCO às informações financeiras do contribuinte se adequam à Teoria Política de Justiça de Dworkin. Adota-se o método científico indutivo, partindo da análise do caso concreto até a premissa final. Como objetivo, pretende-se estabelecer as principais diferenças sobre o conceito de direito para estes dois importantes autores e analisar criticamente os fundamentos utilizados no julgamento do RE 601.314/SP, à luz da Teoria Política de Justiça de Dworkin. Justifica-se o trabalho, pois o estudo da Teoria Geral do Direito é imprescindível para melhor estruturação do raciocínio jurídico e permite ao operador do direito um viés crítico privilegiado sobre os denominados “hard cases”.
PALAVRAS-CHAVE: Conceito de direito. Hart. Dworkin. RE 601.314/SP. Teoria Política de Justiça.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Hart X Dworkin – principais diferenças sobre o conceito de Direito. 3. Análise do RE 601.314/SP sob a ótica da Teoria Política de Justiça de Dworkin. 4. Considerações finais. 5. Referências bibliográficas.
Não vem de hoje a preocupação e o interesse da humanidade em definir o conceito de direito, bem como de traçar os seus principais objetivos, finalidades e metas. Afinal, o direito sempre cumpriu um papel regulamentador das relações sociais, permitindo que as pessoas vivam em comunidade a partir de regras mínimas de respeito ao próximo. A depender da época e da cultura, as normas criadas pelo homem assumem significados das mais variadas dimensões e muitas vezes diametralmente opostos, de modo que o estudo da Teoria Geral do Direito se mostra imprescindível para uma melhor estruturação do raciocínio jurídico.
É nesse contexto em que grandes filósofos da era pós segunda guerra mundial, como Herbert Lionel Adolphus Hart e Ronald Dworkin, desenvolveram suas obras, trazendo elementos importantíssimos e enriquecedores para a compreensão do direito na atualidade. Por um lado, o primeiro, pertencente à corrente positivista (soft positivism), aperfeiçoou, de maneira memorável, o positivismo trazido por seus antecessores, como John Austin. Hart desenvolveu uma teoria sofisticada que até hoje possui muitos adeptos e transformou o modo como a Teoria Geral do Direito é estudada. Contudo, sua principal obra, “O conceito de Direito” (1961), passou a sofrer críticas severas de seu próprio aluno, Ronald Dworkin, que traz elementos morais para dentro do próprio direito e admite a existência de normas não positivadas no ordenamento jurídico (princípios) capazes de afastar a aplicação de determinadas leis no caso concreto, causando um verdadeiro abalo na até então considerada “Teoria Dominante”.
Os citados autores faleceram em 1992 e 2013, respectivamente. Contudo, as contribuições trazidas e os debates travados por eles permanecem vivos no âmago da sociedade jurídica. Assim, sem a pretensão de esgotar o tema, este artigo visa, em um primeiro momento, expor as principais diferenças sobre o conceito de direito para Hart e Dworkin, fazendo-se um contraponto em determinados trechos com outros autores importantes.
Estabelecidas estas distinções centrais, em um segundo momento, traz-se à lume noções primordiais acerca da Teoria Política de Justiça de Dworkin, estabelecendo uma conexão com o julgamento do RE 601.314/SP, que autorizou o FISCO a acessar diretamente as informações financeiras do contribuinte (sem necessidade de prévia autorização judicial), a fim de se verificar se os argumentos trazidos pelos Ministros do STF se adequam à teoria proposta por Dworkin.
Por fim, em considerações finais, busca-se evidenciar como o julgamento tomaria rumo diferente a depender do conceito de direito adotado e o relevante papel da argumentação jurídica para fins de solucionar casos difíceis.
Inicialmente, é importante esclarecer que este trabalho não possui a pretensão de esgotar todas as diferenças sobre o conceito de direito entre os dois filósofos, mas apenas trazer as principais considerações a respeito.
Herbert Lionel Adolphus Hart (1907-1992) é considerado, por muitos, o maior filósofo do Direito do século XX e ocupa posição de destaque máximo no positivismo jurídico, ao lado de Hans Kelsen.
Em sua grande obra, The Concept of Law (1961), o filósofo desenvolve uma teoria geral do Direito, expondo o que é o Direito e descrevendo suas características em qualquer forma que se apresente. Neste ponto, é importante ressaltar que sua obra exibe uma teoria descritiva, ou seja, o autor não busca estabelecer qual a melhor forma de Direito, mas apenas descrevê-lo em suas qualidades gerais[1]. E, justamente em razão deste fato, é criticado por alguns por supostamente fazer uma análise reducionista do Direito[2].
A teoria positivista de Hart foi desenvolvida em um contexto britânico altamente influenciado por John Austin (1790-1859) e sua obra “The Province of Jurisprudence Determined” que, como precursor do positivismo jurídico, possuía a ideia de dissociar totalmente o Direito de preceitos morais e religiosos advindos do Direito natural. Em linhas gerais, para este, o Direito consiste em ordens de um soberano (que não se submete ao direito) habitualmente obedecidas pelo súdito.
Hart critica esta posição, pois entende ser possível haver conexões esporádicas entre Direito e moral, cuja vinculação deve se situar no âmbito da fundamentação e da legitimidade do Direito[3]. Ou seja, o Direito não se legitima a partir da moral, pois essa não possui conteúdo jurídico, mas pode haver (relação de não necessariedade) uma ligação entre ambos no momento de se justificar as normas jurídicas. Por essa razão, considera-se que o pensamento de Hart se adequa ao que se convencionou chamar de “soft positivism”, em uma alusão a um positivismo inclusivo.
Feitas estas importantes considerações iniciais, passa-se a avançar sobre um dos pontos principais deste tópico, mais especificamente no que diz respeito ao conceito de Direito para Hart, que supera a análise simplista de John Austin para conceber “O Direito como união de normas primárias e secundárias”[4], conforme título do capítulo V de sua obra ora estudada.
Portanto, para que se seja possível entender o conceito de Direito para Hart, imprescindível se faz a compreensão sobre o que seriam as normas primárias e secundárias, salientando-se, desde já, que Hart não faz a diferenciação entre regras e normas sugeridas por Dworkin. Segundo o filósofo, as normas primárias determinam as obrigações e deveres de cada um, tudo aquilo que se pode ou não fazer em determinada sociedade. Já as normas secundárias outorgam poderes aos seres humanos para introduzir novas normas do tipo principal, extinguir ou modificar normas antigas ou determinar de várias formas sua incidência, ou ainda controlar sua aplicação[5]. Essas normas secundárias se fazem presentes apenas em sociedades desenvolvidas e complexas, ante a necessidade de se sanar defeitos de três ordens existentes nas normas primárias, quais sejam: a) incerteza ocorrida quando surgem dúvidas sobre a essência dessas normas e seu âmbito de aplicação[6]; b) caráter estático dessas normas, que precisariam de um lento processo regido por hábitos e costumes para serem alteradas; c) ineficiência da pressão social difusa pela qual as normas são mantidas. A correção de cada um desses defeitos, por meio das normas secundárias, é considerada uma etapa de transição do mundo pré-jurídico ao jurídico, de modo que os três recursos combinados bastam para converter o regime de normas primárias em um sistema jurídico[7]. Em sentido semelhante a este entrelaçamento de normas primárias e secundárias, Norberto Bobbio sustenta que as normas jurídicas nunca existem isoladas e sempre se relacionam entre si[8].
Neste ponto, é importante salientar que Hart admite a incompletude do ordenamento mesmo diante de um sistema jurídico formado nos termos acima salientados. Segundo o autor, nessas hipóteses, a solução dada ao caso deve partir da discricionariedade do juiz. Este posicionamento é semelhante ao defendido por Chain Perelman, a despeito deste não se referir expressamente à discricionariedade judicial.[9]
Ainda sobre as normas secundárias, há de se ressaltar que se subdividem em três espécies: a) reconhecimento, destinadas à solução da incerteza[10]; b) de modificação, destinadas à solução do caráter estático[11]; c) de julgamento, que visam remediar a ineficiência de sua pressão social difusa[12].
Dentre as normas secundárias de reconhecimento há aquela que pode ser considerada a mais importante: a que estabelece critérios para avaliar a validade de outras normas do sistema, mas que difere delas pelo fato de que não existe outra norma que forneça critérios para a avaliação de sua própria validade jurídica. Por esse motivo, deve ser entendida como a norma última (ultimate rule)[13]. É o que Hans Kelsen convencionou chamar de norma fundamental[14]
Assim, para Hart, esse conjunto de regras primárias e secundárias, reconhecidas por uma regra de reconhecimento, formam o direito[15].
Contudo, esta importante teoria descritiva apresentada por Hart passou a sofrer críticas daquele que pode ser considerado um de seus alunos mais consagrados, Ronald Myles Dworkin (1931-2013), reconhecido mundialmente como um dos grandes filósofos do Direito dos Séculos XX e XXI[16].
Suas críticas ao modelo positivista começam com a publicação de um artigo muito citado na segunda metade do Século XX, “O modelo de regras I” (1967), posteriormente incluído na coletânea de ensaios “Taking Right Seriously”, originalmente publicado em 1977.
Na introdução desta coletânea, Dworkin afirma existir uma teoria dominante do direito que possui duas partes, ambas derivadas da filosofia de Jeremy Bentham. A primeira delas, chamada por Dworkin de parte conceitual, é a teoria do positivismo jurídico, que define o direito como um fato social institucional. É a esta parte que Dworkin dirige suas críticas.[17] A segunda parte, chamada de normativa, é a teoria do utilitarismo, que se dedica à análise sobre o que deve ser o direito e sobre o modo como as instituições jurídicas que nos são familiares deveriam se comportar.
O filósofo traz um esqueleto do positivismo e o resume em três proposições centrais e organizadoras, chamadas de preceitos chaves: a) o Direito como um conjunto de regras especiais identificadas e distinguidas através de critérios específicos (testes de pedigree) e utilizadas pela comunidade com o propósito de determinar comportamentos; b) coextensividade do Direito com essas regras, ou seja, se um caso não estiver coberto por elas, então não pode ser decidido mediante a aplicação do direito, mas através da discricionariedade do julgador; c) se não há uma regra jurídica válida exigindo que alguém faça ou se abstenha de fazer algo, então não há obrigação jurídica, de modo que o exercício da discricionariedade pelo juiz não faz valer um direito jurídico correspondente a essa matéria.[18] [19]
Dworkin passa a tecer críticas ao positivismo começando pelo fato de que o modelo, centrado em um sistema de regras dependente de um único teste fundamental para o Direito, ignora outros padrões importantes que não são regras, como princípios[20] e políticas[21]. E aqui jazem importantes conceitos para o autor e que serão utilizados mais à frente no desfecho deste trabalho. Política é o tipo de padrão que estabelece um objetivo a ser alcançado, em geral uma melhoria em algum aspecto econômico, político ou social da comunidade. Por outro lado, princípio é um padrão que deve ser observado, não porque vá promover ou assegurar uma situação econômica, política ou social desejável, mas por ser uma exigência de justiça ou equidade ou alguma outra dimensão de moralidade[22].
Como exemplo de aplicação de princípios em detrimento de regras validamente aceitas, Dworkin cita o famoso caso Riggs vs Palmer, em que um Tribunal de Nova Iorque afastou o direito de o neto assassino de seu avô herdar o patrimônio deste último. No caso, embora a literalidade da lei conferisse o direito ao neto, foi aplicado o princípio de que ninguém poderá se beneficiar de sua própria torpeza.
Como contraponto, interessante ressaltar as críticas que Lênio Streck faz ao chamado neoconstitucionalismo brasileiro. Sem se manifestar especificamente sobre esse caso trazido por Dworkin, Lênio critica, de maneira geral, a aplicação de princípios em detrimento de regras[23].
Dworkin avança na diferenciação entre princípios e regras para afirmar que possuem naturezas lógicas distintas. Estas são aplicadas à maneira do tudo-ou-nada[24]. Já os princípios possuem uma dimensão que as regras não têm: peso e importância[25]. Em seguida, Dworkin busca esclarecer qual o papel desempenhado pelos princípios na formulação das decisões, sugerindo que existem duas orientações que poderiam ser seguidas: aceitar que alguns princípios possuem obrigatoriedade de lei e tratá-los como regras, de modo que o Direito é composto de ambos, ou negar a obrigatoriedade dos princípios e acolher a ideia de que o julgador tem liberdade de aplicar princípios extralegais se assim desejar[26].
Como se observa das considerações feitas acima, essa segunda orientação traduz a ideia de discricionariedade que os positivistas sustentam existir em seu modelo. Contudo, Dworkin afirma que o conceito de discricionariedade dos positivistas é pautado em confusões e se mostra incapaz de discriminar os diferentes sentidos nos quais é empregado[27].
Em linhas gerais, Dworkin afirma que o conceito de poder discricionário tem relevância para o correto tratamento dos princípios, mas não da forma como sustentada pelos positivistas, em que a ideia está atrelada à linguagem ordinária e o conceito é relativo, sempre dependendo do contexto em que é apresentado.
Então, Dworkin apresenta três sentidos para a discricionariedade. Duas em sentido fraco e uma em sentido forte. A primeira ocorre quando, por alguma razão, os padrões que uma autoridade pública deve aplicar exigem o uso da capacidade de julgar, e não mera aplicação mecânica do direito. O exemplo trazido pelo autor é de um tenente que ordena ao sargento que leve em patrulha seus cinco homens mais experientes, sendo difícil determinar quais eram esses. O segundo sentido de discricionariedade, também em sentido fraco, ocorre quando se toma uma decisão em última instância, como no caso do baseball, em que saber se foi a bola ou o corredor que chegou antes à segunda base é questão deixada a cargo do poder discricionário do árbitro de segunda base. Observe-se que esses dois sentidos de discricionariedades se adequam ao Estado de Direito, pois estão autorizadas pelo ordenamento jurídico[28]. Por fim, a discricionariedade em sentido forte, considerada aquela em que o julgador cria uma norma posterior ao fato para decidir como quiser, é fortemente rechaçada pelo autor, pois viola o Estado de Direito.
Aqui entra a confusão do conceito de discricionariedade que Dworkin afirma existir no positivismo. Para o autor, pelo menos algumas vezes, os positivistas entendem sua doutrina no terceiro sentido de discricionariedade[29], o que se adequaria à segunda orientação referida quatro parágrafos antes sobre o papel desempenhado pelos princípios na formulação das decisões (a não obrigatoriedade dos princípios). Contudo, essa ideia é equivocada, pois se os positivistas não reconhecem que alguns princípios tem aplicação obrigatória pelos juízes, então, impreterivelmente, nenhuma regra ou pouquíssimas regras poderão ser consideradas como obrigatórias para eles. Assim, em outras palavras, Dworkin defende que até mesmo a discricionariedade última que os positivistas defendem (incompletude do ordenamento) é uma discricionariedade em sentido fraco, que precisa estar adequada ao ordenamento jurídico e por vezes é regida por princípios.[30] Ou seja, é preciso aceitar que o Direito também é composto por princípios que possuem obrigatoriedade de lei, sendo esta uma grande diferença no conceito de Direito proposto por Dworkin em relação à Hart. No mesmo sentido é o pensamento de Humberto Ávila[31].
Outro ponto importante que decorre destas explanações e merece destaque é que Dworkin não concorda com a abordagem meramente descritiva do Direito feita pelos positivistas. Ao contrário, o autor entende o Direito como íntegro e coerente (rechaçando a ideia de incompletude) e sob uma perspectiva interpretativa, atrelada à ideia de que existem várias práticas sociais e múltiplas formas de interpretá-las[32].
Para tanto, Dworkin desenvolve o que ficou conhecido como o argumento do aguilhão semântico, afirmando que as teorias semânticas (v.g. positivismo) pressupõem que os operadores do direito usam os mesmos critérios para decidir quando as proposições jurídicas são falsas ou verdadeiras[33], o que é errôneo sob sua visão[34], pois as divergências teóricas ocorrem justamente porque os juristas olham para a mesma norma sob concepções diferentes do Direito e, portanto, acentuam diferentes aspectos da norma. Deste modo, como há desacordos teóricos sobre os fundamentos do Direito, o mesmo não pode assumir um conceito criterial, mas sim um conceito interpretativo[35].
Avançando em suas considerações, Dworkin busca trazer uma teoria conceitual alternativa à retromencionada teoria dominante, estabelecendo uma ponte entre as citadas partes normativa e conceitual, a fim de demonstrar como os indivíduos podem ter reconhecimento judicial de suas prerrogativas mesmo em casos difíceis[36].
Segundo Dworkin, nasce uma obrigação jurídica sempre que as razões que sustentam a sua existência (verbalizadas na forma de princípios jurídicos) são mais fortes do que as razões contra a sua existência. Essa razão geralmente será um argumento de política dentro do argumento de princípio, daí porque o nome teoria política de justiça.
De acordo com o autor, somente pode haver restrição a direitos individuais em certos tipos muito limitados de justificação, que ele denomina de argumentos de princípios. Por outro lado, os chamados argumentos de política, subdivididos em argumentos de política ideais e utilitarista, entendidos, respectivamente, por alguma situação social/econômica desejável e pela maior felicidade dos membros da sociedade, não podem ser considerados justificações adequadas para limitação de direitos individuais[37] [38].
Importante ressaltar, de outro turno, que um argumento político pode ser utilizado como elemento valorativo apto a direcionar o direito a ser aplicável no caso concreto, pois se trata de uma forma de selecionar princípios concorrentes. Assim, é possível e desejável que um argumento de política seja utilizado para fortalecer um argumento de princípio, não retirando deste a característica de um fórum independente para obtenção da justiça. O que não pode ocorrer, segundo Dworkin, é a anulação do argumento principiológico por um argumento político.[39] [40] No mesmo sentido é o pensamento de Lênio Streck[41].
No julgamento sob análise, veja-se que os argumentos utilizados pelo STF para afastar o sigilo bancário dos contribuintes, decorrente do direito constitucional à intimidade e à vida privada, possuem cunho eminentemente político, podendo-se enquadrar no que Dworkin chama de argumentos de política ideal.[42]
Note-se que a decisão claramente subordina o direito à política (necessidade de arrecadação tributária para realização dos objetivos da República, combate à sonegação fiscal e à criminalidade, cumprimento de obrigações internacionais) conforme se observa dos seguintes trechos, respectivamente: a) “Dentre esses deveres, consta o dever fundamental de pagar tributos, visto que são eles que, majoritariamente, financiam as ações estatais voltadas à concretização dos direitos do cidadão”; b) “O Brasil se comprometeu, perante o G20 e o Fórum Global sobre Transparência e Intercâmbio de Informações para Fins Tributários (Global Forum on Transparency and Exchange of Information for Tax Purposes), a cumprir os padrões internacionais de transparência e de troca de informações bancárias, estabelecidos com o fito de evitar o descumprimento de normas tributárias, assim como combater práticas criminosas;” c) “Não deve o Estado brasileiro prescindir do acesso automático aos dados bancários dos contribuintes por sua administração tributária, sob pena de descumprimento de seus compromissos internacionais.”
Portanto, ao se analisar o julgamento do RE 601.314/SP sob a ótica da Teoria Política de Justiça de Dworkin, pode-se dizer que os argumentos utilizados pelo Tribunal para afastar o sigilo dos contribuintes foram infelizes pois fogem à ideia do Estado Democrático de Direito, eis que o Direito acabou cedendo indevidamente aos objetivos sociais.
A matéria enfrentada no julgamento do Recurso Extraordinário 601.314/SP reflete bem o que os grandes filósofos do direito da era pós-positivista convencionaram chamar de casos difíceis. A complexidade em se decidir entre os direitos individuais dos contribuintes, conquistados após o sacrifício de tantas vidas, e o direito do Estado de cobrar os respectivos tributos daqueles que se utilizam da proteção constitucional com fins ilícitos, demanda um exame profundo de diversas temáticas conexas.
Certamente, a análise meramente descritiva do direito trazida por Hart seria capaz de resolver o imbróglio jurídico através da simples aplicação da norma existente, que é aquela prevista no artigo 5º, X e XII, da CF e que garante a inviolabilidade da intimidade e do sigilo das comunicações e de dados a todos.
Contudo, a questão não pode ser resolvida de maneira tão simplista, como se os operadores do direito usassem os mesmos critérios para decidir. Fosse assim o julgamento não teria se dado por maioria, mas sim de forma unânime.
Sob este contexto pós-positivista é que o caráter argumentativo do direito revela sua força, pois o uso da argumentação jurídica vem se mostrando imprescindível para permear a aplicação do direito através de um sistema dialético amparado pela retórica. E este sistema está atrelado a uma lógica de valores, uma lógica do razoável e do preferível, o que se coaduna perfeitamente com a ideia do Estado de Direito, e não a uma simples lógica matemática.
Evidente que no discurso jurídico estas lógicas correm com uma série de condições limitadoras, como os ditames da lei, da doutrina e da jurisprudência, além das de ordem processual. Porém, somente através desse exercício se faz possível chegar a uma solução entendida como razoável.
Note-se que no julgamento do Recurso Extraordinário 601.314/SP o STF passou por todo este caminho argumentativo e retórico para chegar ao veredicto final e possibilitar o acesso do FISCO aos dados dos contribuintes sem autorização prévia do Poder Judiciário. Sob este aspecto, a decisão cumpriu com o papel que se espera da Suprema Corte dentro de um Estado de Direito.
Contudo, apesar deste ponto positivo, os argumentos trazidos pelo Tribunal para fundamentar a decisão não são adequados para se afastar um direito individual sob o viés da Teoria Política de Justiça de Dworkin. Tal fato ocorre pois o Tribunal se utilizou de argumentos de política para afastar a proteção conferida ao contribuinte pela Constituição Federal, com foco em melhorias políticas, econômicas e sociais.
Assim, a título de considerações finais deste trabalho, verifica-se que a argumentação jurídica exerce função imprescindível no Estado de Direito. Porém, no caso concreto analisado, melhor teria andado a Suprema Corte se tivesse recorrido a argumentos de princípios para fundamentar o julgado, como, por exemplo, a adoção do princípio que proíbe a todos de se aproveitar da própria torpeza, plenamente aplicável no caso do contribuinte que busca a proteção constitucional almejando lucros ilícitos. Referido argumento é uma exigência de justiça/ equidade com forte dimensão moral e, portanto, se adequa ao proposto por Dworkin.
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[1] HART, Herbert L.A. “O conceito de direito”, Tradução Antônio de Oliveira Sette Câmara. 1ª ed. 2009, 4ª tiragem 2020. São Paulo: WMF Martins Fontes, prefácio, página 9: “O jurista verá o livro como um ensaio sobre a teoria analítica do direito, já que seu objetivo é elucidar a estrutura geral do pensamento jurídico e não fazer uma crítica do direito ou das políticas legislativas.”
[3] HART, Herbert L.A. “O conceito de direito”, Tradução Antônio de Oliveira Sette Câmara. 1ª ed. 2009, 4ª tiragem 2020. São Paulo: WMF Martins Fontes, prefácio, página 239: “Assim, não se pode negar em sã consciência que o desenvolvimento do direito tem de fato sido influenciado, em todos os tempos e lugares, tanto pela moral quanto pelos ideais convencionais de grupos sociais específicos, e também por formas esclarecidas de crítica moral oferecidas com insistência por alguns indivíduos cujo horizonte moral transcendeu a moral comumente aceita. Mas é possível compreender erroneamente essa verdade, vendo-a como autorização para uma afirmação diferente: a de que um sistema jurídico deve necessariamente mostrar alguma conformidade específica com a moral ou a justiça, ou basear-se obrigatoriamente numa convicção amplamente difundida de que existe a obrigação moral de obedecer a lei.”
[4] HART, Herbert L.A. “O conceito de direito”, Tradução Antônio de Oliveira Sette Câmara. 1ª ed. 2009, 4ª tiragem 2020. São Paulo: WMF Martins Fontes, página 103.
[5] HART, Herbert L.A. “O conceito de direito”, Tradução Antônio de Oliveira Sette Câmara. 1ª ed. 2009, 4ª tiragem 2020. São Paulo: WMF Martins Fontes, página 105: “As normas de um tipo, que pode ser considerado o tipo básico ou primário, exigem que os seres humanos pratiquem ou se abstenham de praticas certos atos, quer queiram, quer não. As normas do outro tipo são, num certo sentido, parasitárias ou secundárias em relação às primeiras, pois estipulam que os seres humanos podem, ao fazer ou dizer certas coisas, introduzir novas normas do tipo principal, extinguir ou modificar normas antigas ou determinar de várias formas sua incidência, ou ainda controlar sua aplicação. As normas do primeiro tipo impõem deveres; as do segundo tipo outorgam poderes, sejam estes públicos ou privados. As do primeiro tipo dizem respeito a atos que envolvem movimento físico ou mudanças físicas; as do segundo dispõem sobre operações que conduzem não apenas a movimentos ou mudanças físicas, mas também à criação ou modificação de deveres ou obrigações.”
[6] BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico, 10ª ed., Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1999, pág. 107. Sobre o problema da incerteza, Norberto Bobbio faz a seguinte consideração acerca da gravidade do conflito entre normas: “A gravidade do conflito deriva do fato de que estão em jogo dois valores fundamentais de todo ordenamento jurídico, o do respeito da ordem, que exige o respeito da hierarquia e, portanto, do critério da superioridade, e o da justiça, que exige a adaptação gradual do Direito às necessidades sociais e, portanto, respeito do critério da especialidade”.
[7] HART, Herbert L.A. “O conceito de direito”, Tradução Antônio de Oliveira Sette Câmara. 1ª ed. 2009, 4ª tiragem 2020. São Paulo: WMF Martins Fontes, páginas 119 a 122.
[8] BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico, 10ª ed., Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1999, página 19: “as normas jurídicas nunca existem isoladas, mas sempre em um contexto de normas com relações particulares entre si”
[9] PERELMAN, Chain. Lógica Jurídica: nova retórica. São Paulo: Martins Fontes, 1998, página 8: O autor afirma que os raciocínios jurídicos dotados de controvérsia devem ser resolvidos por intermédio de uma “solução mediante autoridade (autoridade da maioria ou autoridade das instâncias superiores)”
[10] HART, Herbert L.A. “O conceito de direito”, Tradução Antônio de Oliveira Sette Câmara. 1ª ed. 2009, 4ª tiragem 2020. São Paulo: WMF Martins Fontes, páginas 122 e 123: “A forma mais simples de solução para a incerteza própria do regime de normas primárias é a introdução de algo que chamaremos ‘norma de reconhecimento’ (...) o que é crucial é o reconhecimento de que se deve considerar a norma escrita ou inscrição como a fonte da autoridade, insto é, como a maneira correta de esclarecer dúvidas sobre a existência da norma. Quando tal reconhecimento existe, verifica-se a existência de uma forma muito simples de norma secundária: uma norma destinada à identificação conclusiva das normas primárias de obrigação.”
[11] HART, Herbert L.A. “O conceito de direito”, Tradução Antônio de Oliveira Sette Câmara. 1ª ed. 2009, 4ª tiragem 2020. São Paulo: WMF Martins Fontes, página 124: “A forma mais elementar de uma norma desse tipo é a que autoriza algum indivíduo ou grupo de pessoas a introduzir novas normas primárias para orientar a vida do grupo, ou de uma classe dentro dele, e a eliminar normas antigas.”
[12] HART, Herbert L.A. “O conceito de direito”, Tradução Antônio de Oliveira Sette Câmara. 1ª ed. 2009, 4ª tiragem 2020. São Paulo: WMF Martins Fontes, página 125: “(...) normas secundárias que capacitem alguns indivíduos a solucionar de forma autorizada o problema de saber se, numa ocasião específica, foi violada uma norma primária. (...) Além de identificar os indivíduos que deverão julgar, essas normas também definem os procedimentos a serem seguidos.”
[13] HART, Herbert L.A. “O conceito de direito”, Tradução Antônio de Oliveira Sette Câmara. 1ª ed. 2009, 4ª tiragem 2020. São Paulo: WMF Martins Fontes, página 138: “Finalmente, quando já se tenha questionado a validade de tal legislação e esta tenha sido avaliada por referência à norma que estipula que uma atuação legislativa do Parlamento atuando como representante da Coroa Constitui lei, devemos cessar as indagações concernentes à validade, pois atingimos uma norma que, como o decreto e a legislação intermediária, oferece critérios para a avaliação da validade de outras normas, mas difere delas pelo fato de que não existe outra norma que forneça critérios para a avaliação de sua própria validade jurídica.”
[14] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, 2ª ed., São Paulo, Martins Fontes, 1987, pág. 220: “Como a norma fundamental é fundamento de validade de todas as normas pertencentes a uma mesma ordem jurídica, ela constitui a unidade na pluralidade destas normas. Esta unidade também se exprime na circunstância de uma ordem jurídica poder ser descrita em proposições jurídicas que não se contradizem.”
[15] HART, Herbert L.A. “O conceito de direito”, Tradução Antônio de Oliveira Sette Câmara. 1ª ed. 2009, 4ª tiragem 2020. São Paulo: WMF Martins Fontes, página 127: “Se fizermos uma pausa para examinar a estrutura resultante da combinação de normas primárias de obrigação com as normas secundárias de reconhecimento, modificação e julgamento, tornar-se-á claro que temos aqui não apenas o cerne de um sistema jurídico, mas também um poderosíssimo instrumento para a análise de muitos problemas que têm intrigado tanto os juristas quanto os teóricos da política.”
[16] SUNSTEIN. Cass. The Most Important Legal Philosopher of Our Time. Bloomberg, New York, 15 fev. 2013. Disponível em: https://www.bloomberg.com/opinion/articles/2013-02-15/the-most-important-legal-philosopher-of-our-time.
[17] DWORKIN, Ronald. “Levando os Direitos a Sério”. Tradução Nelson Boeira. 3ª ed. 2010, 6ª tiragem 2020. São Paulo: WMF Martins Fontes, introdução, página XI: “A parte conceitual de sua teoria – o positivismo jurídico – foi bastante aperfeiçoada. A mais influente versão contemporânea do positivismo é a proposta por H. L. A. Hart e é essa versão que este livro critica.”
[18] DWORKIN, Ronald. “Levando os Direitos a Sério”. Tradução Nelson Boeira. 3ª ed. 2010, 6ª tiragem 2020. São Paulo: WMF Martins Fontes, páginas 27 e 28.
[19] BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico, 10ª ed., Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1999. O autor também critica a ideia de incompletude e discricionariedade ao afirmar que o ordenamento jurídico possui as características da unidade, coerência e completude, além de trazer técnicas para resolver casos em que estas características não são demonstradas de plano.
[20] BRASIL. Lei 4.657/42. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del4657compilado.htm. Acessado em 21 de julho de 2021. A própria legislação nacional reconhece expressamente os princípios gerais do direito como integrante do ordenamento jurídico: “Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.”
[21] DWORKIN, Ronald. “Levando os Direitos a Sério”. Tradução Nelson Boeira. 3ª ed. 2010, 6ª tiragem 2020. São Paulo: WMF Martins Fontes, página 36: “Argumentarei que o positivismo é um modelo de e para um sistema de regras e que sua noção central de um único teste fundamental para o direito nos força a ignorar os papéis importantes desempenhados pelos padrões que não são regras.”
[22] DWORKIN, Ronald. “Levando os Direitos a Sério”. Tradução Nelson Boeira. 3ª ed. 2010, 6ª tiragem 2020. São Paulo: WMF Martins Fontes, página 36.
[23] STRECK, Lênio Luiz. Eis porque abandonei o neoconstitucionalismo. Conjur. 2014. Disponível em https://www.conjur.com.br/2014-mar-13/senso-incomum-eis-porque-abandonei-neoconstitucionalismo, acessado em 21/07/2021: “Destarte, passadas mais de duas décadas da Constituição de 1988 e levando em conta as especificidades do direito brasileiro, é necessário reconhecer que as características desse neoconstitucionalismo acabaram por provocar condições patológicas que acabam por contribuir para a corrupção do próprio texto da Constituição. (...) Portanto, o discurso axiológico no interior do direito deveria ter sucumbido junto com o paradigma filosófico que o sustentava. A despeito disso, continua-se a falar — acriticamente, por certo — em “valores”, sem levar em conta a sua conhecida e problemática origem filosófica. Aqui também é possível dizer que a palavra “valores” assumiu uma dimensão “performativa”, bastando que se a invoque para que as portas da “crítica” do direito se abram...! E o pior parece estar no jargão “princípios são valores”. Logo, por ele o jurista corrige o mundo “insignificante” das regras...! Claro que o faz de acordo com os “seus” valores... Princípio, ergo sum!”
[24] DWORKIN, Ronald. “Levando os Direitos a Sério”. Tradução Nelson Boeira. 3ª ed. 2010, 6ª tiragem 2020. São Paulo: WMF Martins Fontes, página 39: “Dados os fatos que uma regra estipula, então, ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada contribui para a decisão.’
[25] DWORKIN, Ronald. “Levando os Direitos a Sério”. Tradução Nelson Boeira. 3ª ed. 2010, 6ª tiragem 2020. São Paulo: WMF Martins Fontes, página 42: “Os princípios possuem uma dimensão que as regras não têm – a dimensão do peso ou importância. Quando os princípios se intercruzam, aquele que vai resolver o conflito tem de levar em conta a força relativa de cada um.”
[26] DWORKIN, Ronald. “Levando os Direitos a Sério”. Tradução Nelson Boeira. 3ª ed. 2010, 6ª tiragem 2020. São Paulo: WMF Martins Fontes, páginas 46 e 47.
[27] DWORKIN, Ronald. “Levando os Direitos a Sério”. Tradução Nelson Boeira. 3ª ed. 2010, 6ª tiragem 2020. São Paulo: WMF Martins Fontes, página 50: “Contudo, antes de tratar desses temas, teremos que polir nossa compreensão do conceito de poder discricionário. Tentarei mostrar de que modo certas confusões a respeito desse conceito e, em particular, uma incapacidade de discriminar os diferentes sentidos nos quais é empregado, explicam a popularidade da doutrina do poder discricionário.”
[28] DWORKIN, Ronald. “Levando os Direitos a Sério”. Tradução Nelson Boeira. 3ª ed. 2010, 6ª tiragem 2020. São Paulo: WMF Martins Fontes, páginas 51 e 52.
[29] DWORKIN, Ronald. “Levando os Direitos a Sério”. Tradução Nelson Boeira. 3ª ed. 2010, 6ª tiragem 2020. São Paulo: WMF Martins Fontes, página 55: “Portanto, parece que os positivistas, pelo menos algumas vezes, entendem a sua doutrina no terceiro sentido, o sentido forte de poder discricionário. (...) É o mesmo que dizer que, quando um juiz esgota as regras à sua disposição, ele possui o poder discricionário, no sentido de que ele não está obrigado por quaisquer padrões derivados da autoridade da lei. Ou para dizer de outro modo: os padrões jurídicos que não são regras e são citados pelos juízes não impõem obrigações a estes.”
[30] DWORKIN, Ronald. “Levando os Direitos a Sério”. Tradução Nelson Boeira. 3ª ed. 2010, 6ª tiragem 2020. São Paulo: WMF Martins Fontes, página 59: “Farei referência a um forte argumento contra essa doutrina e a favor da primeira abordagem. A não ser que pelo menos alguns princípios sejam reconhecidos como obrigatórios pelos juízes e considerados, no seu conjunto, como necessários para chegar a certas decisões, nenhuma regra ou muito poucas regras poderão ser então consideradas como obrigatórias para eles.”
[31] ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. 16.ª ed. São Paulo: Malheiros, 2015, páginas 50/51: “quais são os dispositivos que preveem os princípios da segurança jurídica e da certeza do Direito? Nenhum. Então há normas, mesmo sem dispositivos específicos que lhes deem suporte físico”
[32] DWORKIN, Ronald. “O império do direito”. Tradução Jefferson Luiz Camargo, 1ª ed. 1999. São Paulo: Martins Fontes, prefácio, página XI: “O que o presente livro expõe, de corpo inteiro, uma resposta que venho desenvolvendo aos poucos, sem muita continuidade, ao longo de anos: a de que o raciocínio jurídico é um exercício de interpretação construtiva, de que nosso direito constitui a melhor justificativa do conjunto de nossas práticas jurídicas, e de que ele é a narrativa que faz dessas práticas as melhores possíveis. Segundo esse ponto de vita, a estrutura e as restrições que caracterizam o argumento jurídico só se manifestam quando identificamos e distinguimos as diversas dimensões, frequentemente conflitantes, do valor político, os diferentes fios entretecidos no complexo juízo segundo o qual, em termos gerais e após o exame de todos os aspectos, uma interpretação torna a história do direito a melhor de todas.”
[33] DWORKIN, Ronald. “O império do direito”. Tradução Jefferson Luiz Camargo, 1ª ed. 1999. São Paulo: Martins Fontes, página 41: “As teorias semânticas pressupõem que os advogados e juízes usam basicamente os mesmos critérios (embora estes sejam ocultos e passem despercebidos) para decidir quando as proposições jurídicas são falsas ou verdadeiras; elas pressupõem que os advogados realmente estejam de acordo quanto aos fundamentos do direito. Essas teorias divergem sobre quais critérios os advogados de fato compartilham e sobre os fundamentos que esses critérios na verdade estimulam.”
[34] DWORKIN, Ronald. “O império do direito”. Tradução Jefferson Luiz Camargo, 1ª ed. 1999. São Paulo: Martins Fontes, página 53: “Se o argumento jurídico diz respeito sobretudo, ou ainda que mesmo parcialmente, a questões vitais, os advogados não podem usar os mesmos critérios factuais para decidirem quando as proposições jurídicas são verdadeiras ou falsas. Seus argumentos jurídicos diriam respeito, sobretudo ou em parte, a quais critérios utilizar. Assim, o esquema das teorias semânticas, de extrair regras comuns de um criterioso estudo daquilo que os advogados dizem e fazem, estaria condenado ao fracasso.”
[35] STRECK, Lênio L., MOTTA, Francisco J. B., “Relendo o debate entre Hart e Dworkin: uma crítica aos positivismos interpretativos”, RBD, Passo Fundo, Volume 14, n. 1, pág. 54-87, Jan-Abr 2018, ISSN 2338-0604, disponível em: https://seer.imed.edu.br/index.php/revistadedireito/article/view/2451/1585, acessado em 14/06/2021: “Contudo, Dworkin não se restringiu a tematizar uma nova categoria de norma, conduzindo seu argumento para uma disputa pela própria natureza do direito e sobre a metodologia adequada à sua teorização. Assim, coloca em xeque as visões do direito como simples questão fato e da Teoria do Direito como uma abordagem meramente descritiva. Afinal, a visão do direito como conceito interpretativo o leva a concluir pela impossibilidade de simplesmente descrevê-lo de uma perspectiva neutra, desengajada, não-avaliativa”.
[36] DWORKIN, Ronald. “Levando os Direitos a Sério”. Tradução Nelson Boeira. 3ª ed. 2010, 6ª tiragem 2020. São Paulo: WMF Martins Fontes, introdução, páginas XV e XVI: “De acordo com esse vocabulário, o positivismo jurídico é a teoria segundo a qual os indivíduos só possuem direitos jurídicos na medida em que estes tenham sido criados por decisões políticas ou práticas sociais expressas. Essa teoria é criticada nos capítulos 2 e 3 como uma teoria conceitual inadequada do direito. O capítulo 4 sugere uma teoria conceitual alternativa que mostra como os indivíduos podem ter outros direitos jurídicos além daqueles criados por uma decisão ou prática expressa, isto é, que eles podem ter direitos ao reconhecimento judicial de suas prerrogativas, mesmo nos casos difíceis, quando não existem decisões judiciais ou práticas sociais inequívocas que exijam uma decisão em favor de uma ou outra parte.”
[37] DWORKIN, Ronald. “Levando os Direitos a Sério”. Tradução Nelson Boeira. 3ª ed. 2010, 6ª tiragem 2020. São Paulo: WMF Martins Fontes, páginas 421 e 422: “Um governo que respeita a concepção liberal de igualdade somente pode restringir a liberdade, de maneira adequada, com base em certos tipos muito limitados de justificação. Para sustentar esse ponto, adotarei a seguinte tipologia grosseira das justificações políticas. Existem, em primeiro lugar, argumentos de princípios, que apoiam uma restrição específica à liberdade, com base no argumento de que a restrição é exigida para proteger o direito específico de algum indivíduo que seria prejudicado pelo exercício da liberdade. Em segundo lugar, existem os argumentos de política (policy), que apoiam as restrições a partir de um fundamento distinto, a saber, de que elas são necessárias para alcançar algum objetivo político geral, isto é, para realizar algum estado de coisas no qual a comunidade como um todo, e não apenas determinados indivíduos estará em melhor situação em virtude da restrição.”
[38] DWORKIN, Ronald. “Levando os Direitos a Sério”. Tradução Nelson Boeira. 3ª ed. 2010, 6ª tiragem 2020. São Paulo: WMF Martins Fontes, introdução, página XX: “A teoria geral dos direitos admite a existência de tipos diferentes de argumentos, cada um deles suficiente para sustentar alguma razão que explique por que um objetivo coletivo, que normalmente fornece uma justificativa para um decisão política, não justifica que algum indivíduo seja objeto de uma determinada desvantagem.”
[39] DWORKIN, Ronald. “Uma questão de princípio”, tradução Luís Carlos Borges, 3ª edição, Editora Livraria Martins Fontes, 2019, página 6: “O debate negligencia uma distinção importante entre dois tipos de argumentos políticos dos quais os juízes podem valer-se ao tomar suas decisões. É a distinção entre argumentos de princípio político, que recorrem aos direitos políticos de cidadãos individuais, e argumentos de procedimento político, que exigem que uma decisão particular promova alguma concepção do bem estar geral ou do interesse público. A visão correta, creio, é a de que os juízes baseiam e devem basear seus julgamentos de casos controvertidos em argumentos de princípio político, mas não em argumentos de procedimento político.”
[40] DWORKIN, Ronald. “Uma questão de princípio”, tradução Luís Carlos Borges, 3ª edição, Editora Livraria Martins Fontes, 2019, páginas 38/39: “O Estado de Direito, na concepção que defendo, enriquece a democracia ao acrescentar um fórum independente, um fórum do princípio, e isso é tão importante, não apenas porque a justiça pode ser feita ali, mas porque o fórum confirma que a justiça, no fim, é uma questão de direito individual, não, isoladamente, uma questão do bem público.”
[41] STRECK, Lênio Luiz. Eis porque abandonei o neoconstitucionalismo. Conjur. 2014. Disponível em https://www.conjur.com.br/2014-mar-13/senso-incomum-eis-porque-abandonei-neoconstitucionalismo, acessado em 21/07/2021: “Ora, um juiz não pode impor aos jurisdicionados os seus próprios valores, não pode construir sua decisão com base em argumentos de política. Isso não é ser democrático. O campo de atuação do juiz deve ser o normativo.”
[42] DWORKIN, Ronald. “Levando os Direitos a Sério”. Tradução Nelson Boeira. 3ª ed. 2010, 6ª tiragem 2020. São Paulo: WMF Martins Fontes, página 422: “Por outro lado, os argumentos de política ideais sustentam que a comunidade estará em melhor situação, não porque um maior número de seus membros terá mais daquilo que deseja, mas porque a comunidade estará, de algum modo, mais próxima de uma comunidade ideal, pouco importando se seus membros desejam ou não tal melhoria.”
Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Amazonas. Mestrando pela Ambra University. Pós graduado em direito público. Ex Delegado de Polícia de Santa Catarina.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: WALKER, Eduardo Alves. Principais diferenças sobre o conceito de direito entre Hart x Dworkin e uma análise do RE 601.314/SP sob a perspectiva da teoria política de justiça de Dworkin Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 ago 2021, 04:56. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57065/principais-diferenas-sobre-o-conceito-de-direito-entre-hart-x-dworkin-e-uma-anlise-do-re-601-314-sp-sob-a-perspectiva-da-teoria-poltica-de-justia-de-dworkin. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: EDUARDO MEDEIROS DO PACO
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Por: Marcos Antonio Duarte Silva
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