LEONARDO GUIMARÃES TORRES
(orientador)
RESUMO: O Parto Anônimo surgiu na Europa durante idade média, era conhecido como Rodas dos Expostos. Surgiu no cenário brasileiro em decorrência de propostas legislativas de Projetos de Lei n° 2.747/2008, n° 2.834/2008 e n° 3.220/2008, que visa regularizar que a gestante possa de maneira anônima dar à luz sendo garantida a ela assistência a médica durante e após o parto e posteriormente deixar a criança para adoção sem o vínculo afetivo, tendo como prioridade defender a vida. Desse modo, o presente estudo tem por objetivo primordial analisar as conjunturas sociais e jurídicas do ordenamento jurídico brasileiro que norteia o Parto Anônimo, bem como observa a aplicabilidade do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, da liberdade, do melhor interesse da criança, dentre outros, garantido pela Constituição Federal de 1988. Na metodologia, trata-se de uma revisão da literatura, baseada em artigos científicos, doutrina jurídica e legislação vigente. Nos resultados, ficou claro que apesar dos projetos de lei que tratam sobre a matéria não tiverem êxito, o parto anônimo encontra respaldo jurídico na Lei nº 13.059/2017. Salienta-se que o parto anônimo não vem como solução e sim como uma alternativa saudável, que não coloca em risco a vida da mulher e do recém-nascido.
Palavras-chave: Parto Anônimo. Abandono. Adoção. Afetividade. Legislação.
ABSTRACT: Parto Anonymous appeared in Europe during the middle ages, it was known as the Wheel of the Enjeitados or Rodas of the Exposed. It emerged in the Brazilian scenario as a result of legislative proposals of Law Projects n° 2.747/2008, n° 2.834/2008 and n° 3.220/2008, which aims to regularize that the pregnant woman can anonymously give birth, guaranteeing her medical assistance during and after childbirth and subsequently leaving the child for adoption without an affective bond, with the priority of defending life. Thus, the present study has as main objective to analyze the social and legal conjunctures of the Brazilian legal system that guides the Institute do Parto Anonymous, as well as observes the applicability of the Principle of the Dignity of the Human Person, of freedom, of the best interest of the child, among others, guaranteed by the Federal Constitution of 1988. In the methodology, it is a review of the literature, based on scientific articles, legal doctrine and current legislation. In the results, it was clear that despite the bills that deal with the matter not being successful, the institute de anonymous childbirth finds legal support in Law nº. 13.059/2017. It should be noted that anonymous birth does not come as a solution, but as a healthy alternative, which does not endanger the life of the woman or the newborn.
Keywords: Anonymous Childbirth. Abandonment. Adoption. Affectivity. Legislation.
INTRODUÇÃO
Ao longo da história da sociedade brasileira, mais especificamente no Brasil colônia (em fins do século XIX), existia a "roda dos expostos" onde mulheres colocavam sua prole em uma roda que ficava metade do muro pra dentro e outra metade do muro pra fora que girava para o interior das dependências de Santas Casas de Misericórdia, hospitais ou conventos. Essa prática tinha a finalidade de abandonar crianças.
Desde então, o número de crianças abandonadas no Brasil foi aumentando, chegando à casa dos milhares. Atualmente, crianças são abandonadas diariamente em solo brasileiro. Muitas delas enfrentam a pobreza, a desigualdade social, o preconceito, a solidão e demais mazelas ainda nos primeiros meses de vida.
Diante de uma situação alarmante como essa, surgiu no Brasil oriundo da Europa, a prática do parto anônimo. Esse instituto consiste em dar a opção da mulher não ser mãe sem praticar um crime. Essa mãe vai gestar a criança, com assistência médica e após dar a luz, vai renunciar por escrito o recém-nascido para ser colocado em adoção imediatamente, possibilitando a criança ser inserida em uma nova família (SANTOS, 2020).
A razão inicial para a entrega desse filho é para garantir que ele seja cuidado, amado, protegido, educado, dando a ele a oportunidade de uma vida digna, que essa mãe não pode proporcionar ou também porque não quis, afastando-lhe da mulher incorrer em crime ou qualquer outro tipo de responsabilidade civil ou penal.
Dessa forma, o presente estudo tem como objetivo central discutir os aspectos gerais a respeito do parto anônimo, apresentando o seu conceito, o seu processo histórico, a sua contextualização social e principalmente a sua regulamentação jurídica.
A problemática encontrada nessa pesquisa é a seguinte indagação: pode-se admitir o Parto Anônimo como uma saída aos problemas de abandono infantil?
Na busca por essa resposta, esse trabalho tem como metodologia a revisão de literatura, constituído de estudo bibliográfico e documental. A pesquisa bibliográfica foi realizada por meio de leituras das leis, da Constituição Federal, de revistas jurídicas, de livros e artigos vinculados o tema por ora proposto (GIL, 2016).
1 ABANDONO DE CRIANÇAS: REALIDADE SOCIAL
Para se falar do tema central desse estudo – parto anônimo no Direito Brasileiro – é preciso contextualizá-lo. Para isso, apresentam-se nesse tópico alguns aspectos gerais a respeito de uma situação que tem motivado o surgimento da legalização do parto humanizado: o abandono de crianças no Brasil.
O abandono de crianças não é um assunto novo. Há tempos tem sido assunto de estudos e pesquisas que buscam entender o fenômeno de abandonar crianças e as razões para essa ação, bem como as medidas a serem implantadas.
A título de exemplo, no artigo “O abandono de crianças ou a negação do óbvio” publicado já no ano de 1999, a autora Judite Maria Barboza Trindade já afirmava que essa temática já era discutida desde os fins do século XIX, quando se iniciava uma cultura de separação de classes.
Em terras brasileiras, desde a colônia até a crise do império, ocorrida no final do século XIX, a criança abandonada era tratada pelos termos "expostos" e "enjeitados". Esses termos correspondiam ao tipo de abandono mais comum para o período, qual seja, o de recém-nascidos, e se consubstanciavam nas práticas de enjeitar as crianças expondo-as em locais onde seriam, muito provavelmente, recolhidas. Os locais mais comuns eram as igrejas e conventos e, mais tarde, as "rodas dos expostos" (TRINDADE, 1999).
Sobre esse último, Moura (2019) nos explica que é através da roda dos expostos (prática clandestina de abandonar crianças) que se originou o instituto do parto anônimo.
Importante destacar que as crianças muitas vezes eram abandonadas porque já nessa época eram consideradas inferiores aos adultos. Eram vistas como algo irrelevante, de pouco valor, ao ponto de pouco se discutir ou estudar a sua condição. O máximo de proteção que tinham era feita de acordo com as normas cristãs, onde a moralidade e a caridade era a causa motivadora para isso (TRINDADE, 1999).
Ainda nesse período histórico, existia a questão do gênero. Nesse ponto, bebês do sexo feminino eram dimensionalmente mais propensas a serem abandonadas. Isso se explica pelo fato de que no pensamento de outrora, bebês do sexo masculino representavam, mesmo que potencialmente, força de trabalho produtivo, possibilidade de lucro, enquanto a ideia de mulher como investimento ou ganho não existia. Segundo Trindade (1999, p. 02) “a mulher representava um peso para a família, ao menos até o casamento, que dependia em grande parte da existência de um dote”.
Nota-se que o abandono de recém-nascidos e crianças não é atual. Apesar de parecer imoral (de acordo com a ideologia religiosa e até mesmo jurídica), esse ato ainda é muito frequente nos dias atuais. Pesquisas têm sido feitas e mostram o quanto crianças são abandonadas diariamente.
Em 2018, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulgou estudo que mostrou que no Brasil, cerca de 74 mil crianças e adolescentes vivem em abrigos. Desse número, 13.418 se encontram no estado de São Paulo; 4.968, em Minas; e 4.866, no Rio Grande do Sul (LENCIONI, 2018).
Em 2019, o relatório “Child Rights Now – Análise de da Situação dos Direitos da Criança no Brasil”, trabalho conjunto de 5 ONGs para mapear o cumprimento das metas internacionais de garantia dos direitos na infância firmadas pelo Brasil, mostrou que há milhares de crianças sendo abandonadas todos os dias. Nesse mesmo relatório, destacou ainda que cerca de 33 milhões de crianças (61% do total) vivem na pobreza ou com privação de direitos; 1/4 das crianças e dos adolescentes do país (aproximadamente 13 milhões) não tem saneamento básico; 2,5 milhões estão fora da escola; 2,7 milhões em situação de trabalho infantil, dentre outros inúmeras situações degradantes (GIANNAZI, 2019).
Apenas por esses dados recentes, fica nítido observar o quanto o abandono e a incidência da privação de direitos aos quais crianças e também adolescentes são submetidos no Brasil.
As causas para esse problema, no entanto, é complexa. Extrema pobreza, falta de incentivo social, apoio governamental, programas eficazes e criação de alternativas de prevenção e solução, são alguns dos inúmeros motivos que crianças são abandonadas. Desse modo, não há que fundamentar essa questão apenas por uma única causa, uma vez que esse cenário atinge a todos, sem distinção.
Apesar disso, algumas circunstâncias são muito comuns para explicar o abandono de crianças. Dentre elas está a pobreza. Ainda que não seja ela a ligação direta ao ato de abandonar um filho, indivíduos que se encontram nessa situação estão mais aptos a cometerem. Nesse sentido, cabe citar:
As condições de pobreza aliadas à falta de programas de assistência às famílias, na verdade, têm como consequência o enfraquecimento dos vínculos familiares entre pais e filhos, aumentando a população dos internatos públicos e privados e também o número de meninos e meninas nas ruas das grandes cidades. Não se trata, no entanto, de rejeição, negligência ou abandono por parte dos pais biológicos, mas de estratégias, às vezes desesperadas, de sobrevivência, quando todas as outras alternativas de encontrar recursos na comunidade falharam (MPPR, 2020, p. 01).
Desse modo, a pobreza por si só não é causa suficiente de abandono de criança, mas sim um fator determinante para tal ocorrência. Além desta, destaca-se a quase total ausência do Estado em conceder uma estrutura política sólida familiar à população, além de Políticas Públicas de acolhimento adequado (LENCIONI, 2018).
De todo modo, fica claro que o abandono de crianças e adolescentes no Brasil faz parte da sua realidade, não sendo um problema causado apenas por um fator, mas de vários. Independentemente das razões que levam a esse ato, o fato é que crianças são abandonadas de toda forma, muitas delas não chegando a sobreviver. Buscando uma alternativa para essa situação, encontra-se o parto anônimo, que será apresentado no tópico a seguir.
2 PARTO ANÔNIMO: PONDERAÇÕES GERAIS
No tópico anterior mostrou o quanto o abandono de crianças é um problema social, político e também jurídico. Milhares de crianças são abandonadas no Brasil a cada ano, desde sempre. Dentre esse cenário, há também o abandono de bebês recém-nascidos, que não diferente de crianças e adolescentes, também apresenta um alto índice de ocorrência.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) ainda em 2008, aponta que mesmo tendo uma enorme variedade de contraceptivos existentes no mercado e da legalização do aborto, os filhos não desejados continuam sendo um problema na sociedade (IBDFAM, 2008).
Sendo um problema não exclusivo do Brasil, mas no mundo todo, em alguns países foram criadas alternativas para as mães que não querem abortar ou abandonar seu filho. Dentre elas, encontra-se o parto anônimo. Hospitais da França e de Luxemburgo foram os primeiros a institucionalizar o parto anônimo, prática que já era vista na Áustria e Alemanha, onde por meio das “janelas-camas”, as mães poderiam colocar de maneira anônima o recém-nascido, que em seguida seria disponibilizado para adoção, sem que isso representasse qualquer responsabilidade judicial (IBDFAM, 2008).
Por meio dessa prática, tira-se o conceito geral sobre o que seja um parto anônimo: é a permissão que a mulher que não pode ou não quer o filho seja atendida de forma gratuita no hospital, durante toda a gravidez, sem ter de fornecer seu nome ou seus dados verdadeiros. Tendo sua identidade mantida em segredo, com um nome fictício, a grávida realiza o parto com todas as condições sanitárias necessárias (IBDFAM, 2008).
Sobre o seu conceito, importante citar:
Com a aprovação do parto anônimo é assegurado à mulher, durante o período da gravidez ou após o parto, a possibilidade de não assumir a maternidade da criança por ela gerada, podendo manter o seu anonimato, com direito à realização de pré-natal e do parto, de forma gratuita em todos os postos de saúde e hospitais da rede pública e em todos os demais serviços que tenham convênio com o Sistema Único de Saúde (SUS) e mantenham serviços de atendimento neonatal (MADALENO, 2018, p. 689).
Albuquerque (2010 apud RAIL, 2020, p. 03) entende que o parto anônimo é um instituto com viés humanista, uma vez que tenciona equilibrar dois interesses distintos: de um lado trazer a garantia de que uma criança indesejada pela mãe não seja abandonada e de outro lado, que haja uma proteção à mãe, pelo assegurando o seu direito de anonimato diante da não vontade de ter relação materno-filial.
Com base nisso, percebe-se que o parto anônimo no Brasil tem como objetivo buscar preservar a integridade física e psicológica da criança abandonada assim como resguardar também a integridade da mãe, sem que ela seja penalizada. É uma alternativa de diminuição dos casos de abandono ao mesmo tempo em que não criminaliza a mãe (ALBUQUERQUE, 2010).
Um ponto importante a ser mencionado no que diz respeito a esse instituto no Brasil é em relação aos casos de abortos que ocorrem no país, feitos em sua grande maioria na clandestinidade e sem qualquer apoio social e institucional. O problema do aborto, ainda que não seja um tema consensual pela sociedade, reside no fato de que há milhares de mulheres brasileiras praticando esse ato diariamente, e de modo clandestino e sem qualquer amparo.
Apenas para ilustrar essa realidade, apresenta-se abaixo, dados colhidos pelo Conselho Federal de Enfermagem em 2018 que mostra o quão preocupante é essa situação; a saber:
[…] os procedimentos inseguros de interrupção voluntária da gravidez levam à hospitalização de mais de 250 mil mulheres por ano, cerca de 15 mil complicações e 5 mil internações de muita gravidade. O aborto inseguro causou a morte de 203 mulheres em 2016, o que representa uma morte a cada 2 dias. Nos últimos 10 anos, foram duas mil mortes maternas por esse motivo. […] (CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM, 2018).
Apenas por esses números, mostra-se o quão complexo é lidar com questões de âmbito familiar. Como já mostrado no tópico anterior, a pobreza, a falta de apoio governamental, além de outros e somado aos casos de aborto clandestino, mostra que o parto anônimo deve ser visto com um olhar mais pacífico e amplo, sendo considerado como uma importante alternativa a esse cenário.
Dito isto, porque há os que defendem que esse instituto seja inconstitucional e antiético. Nessa linha de raciocínio encontram-se as palavras de Camata (2008)[1] que entende que o parto anônimo configura-se equivocado, pois contrariam o sistema de defesa dos direitos de crianças e adolescentes no Brasil.
Para os críticos desse instituto, há ainda a determinação de que todo indivíduo tem o direito a ter as informações referentes à sua pessoa, seu passado, e o Estado é obrigado a fornecê-las, o que é dificultado pelo sistema do parto anônimo (RAIL, 2020)
De todo modo, para fins desse estudo, o parto anônimo tem se tornado um importante aliado na busca por resolver os problemas já suplantados anteriormente. Para isso, é preciso que haja um embasamento jurídico para a sua efetivação. Nesse ponto, apresentam-se abaixo os princípios constitucionais que embasam a inclusão do parto anônimo no Brasil.
2.1 DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PARTO ANÔNIMO
As bases principiológicas para a entrada do parto anônimo no ordenamento jurídico brasileiro se resumo em 4 (quatro) princípios encontrados no texto constitucional: o princípio da Dignidade da Pessoa Humana, da paternidade responsável, do melhor interesse da criança e o da liberdade. Todos eles são o fundamento necessário para que o parto anônimo tenha respaldo jurídico.
O princípio da Dignidade da Pessoa Humana é o principal do ordenamento jurídico brasileiro, encontrado no art. 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988. Originário do latim dignitas, dignidade representa a virtude, consideração e honra, sendo entendido como uma qualidade moral que uma pessoa possui e serve de base para a forma como é tida na sociedade (SILVA, 2014).
Sobre esse princípio, Novelino (2016, p. 251) aduz que a dignidade é consagrada como um valor constitucional supremo, sendo base para toda e qualquer decisão judicial; além de servir como “diretriz para a elaboração, interpretação e aplicação das normas que compõem a ordem jurídica em geral, e o sistema de direitos fundamentais, em particular”.
Tal princípio se assemelha ao proposto pelo parto anônimo no sentido de que representa uma opção para tutela de crianças abandonadas pela própria mãe, ficando à mercê de um sistema segregador e instável e em condições subumanas.
Destaca-se que o Parto Anônimo é um projeto direcionado ao direito de família, no que diz respeito ao direito do recém-nascido, de ser adotada para forma uma família. Importante destacar que o conceito atual de família não está diretamente ligado ao fator biológico, mas principalmente no afeto. Mesmo que o texto constitucional não traga a palavra afeto como um direito fundamental, o afeto é uma valorização da dignidade da pessoa humana.
Já pelo princípio da paternidade responsável (art. 226, § 7º da CF/1988 e arts. 3º e 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente) depreende-se que se trata na obrigatoriedade dos pais em dispor assistência em todas as instâncias aos filhos. Por essa razão, ele também se coaduna com o parto anônimo, no sentido de haver o “caráter protetivo deste para com a criança e a própria genitora que opta pelo trâmite legal de desfazer o laço familiar com o filho, em razão de garantir que a criança possa ter acesso a cuidados que certamente não teria na família onde é indesejada” (MOURA, 2019, p. 03).
Seguindo essa linha de pensamento, há também na busca pela paternidade responsável o melhor interesse da criança, princípio este fundamentado no art. 227 da Carta Magna, que deixa claro que se deve priorizar a criança no que concerne ao acesso às garantias fundamentais, colocando então os interesses das mesmas em posição privilegiada. O ECA em seu texto, enfatiza sobremaneira esse princípio, enfatizando que nenhuma criança será objeto de prejuízo quanto a seus direitos fundamentais, atribuindo a família, ao Estado e a sociedade como um todo a responsabilidade de resguardá-los (BRASIL, 1990).
Com base nisso, o parto anônimo surge como forma de prevenção ao abandono clandestino, concedendo uma nova chance à criança de encontrar uma família onde possa desenvolver-se conforme os parâmetros esperados pelos legisladores (MOURA, 2019).
Por fim, encontra-se o princípio da liberdade. Nesse caso, o que se busca é consagrar o direito de decisão em constituir, manter ou dissolver a entidade familiar no qual se insere. Assim, este princípio vale no parto anônimo no sentido de garantir à mãe que sua vontade seja respeitada ao optar por este método sem, no entanto, sofrer com a coerção estatal, e dessa forma ela garante ao filho a rejeitado, que possa ter acesso a cuidados necessários ao desenvolvimento saudável (MÜLLER, 2017).
É com bases nesses princípios acima descritos que o parto anônimo busca reconhecimento. Infelizmente, no Brasil não há uma legislação pertinente ligada diretamente à matéria por ora analisada. No entanto, em 2008 houve três projetos de lei que discorriam sobre esse tema e que trouxe uma abertura legislativa sobre o parto anônimo no Brasil. Sobre esses textos legais, aborda-se no tópico seguinte.
3 LEGISLAÇÃO BRASILEIRA FRENTE AO PARTO ANÔNIMO NO BRASIL
O primeiro movimento legislativo que tencionava legalizar o parto anônimo no Brasil é o Projeto de lei 2.747/2008, de autoria do então Deputado Eduardo Valverde (PT/RO). O intuito desse projeto era primordialmente criar um instrumento jurídico que evitasse o abandono de crianças. Assim, por meio desse projeto, seria criado o Instituto do Parto Anônimo no Brasil, (BRASIL, 2008).
Nesse projeto, se previa que independentemente de classe, raça, etnia, idade e religião, qualquer mulher ao fazer o parto no Sistema Único de Saúde, teria sua identidade mantida em sigilo, sendo que essa informação só poderia ser revelada em esfera jurídica. Além disso, no momento da entrega da criança, isentava-se a responsabilidade civil e criminal da genitora, tendo a mesma um prazo de até oito semanas para manifestar desistência da entrega, podendo então reassumir a guarda do filho (BRASIL, 2008).
Com a criação desse projeto, é possível observar uma preocupação inicial com a temática do parto anônimo, bem como, buscavam-se mecanismos de proteção a todos os agentes diretamente envolvidos no procedimento legal. Essa preocupação foi estendida com a entrada de outro Projeto de Lei, o de nº 2.834/2008.
Neste, que fora criado pelo Deputado Carlos Bezerra (PMDB/MT), se objetivava em flexibilizar o art. 1.638 do Código Civil de 2002, quer se direcionava à perda do pai ou da mãe do poder familiar diante dos filhos. Nesse sentido, por meio desse projeto, haveria um consentimento formal da genitora, exteriorizado através da assinatura de um termo de responsabilidade, que amparasse todos os meios de se concretizar o ato de vontade para que o instituto do parto anônimo pudesse enfim ser aplicado. Em seu texto, propunha a seguinte redação:
Art. 2º. O art. 1.638 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que institui o Código Civil, passa a vigorar acrescido do inciso V e do parágrafo único, com a seguinte redação:
Art.1.638 […]
V – Optar pela realização de parto anônimo.
Parágrafo único. Considera-se parto anônimo aquele em que a mãe, assinando termo de responsabilidade, deixará a criança na maternidade, logo após o parto, a qual será encaminhada à Vara da Infância e da Adolescência para adoção.
(BRASIL, 2008)
Ademais, o último projeto que direcionava especificamente sobre a matéria de parto anônimo foi o Projeto de Lei nº 3.220/08 do Deputado Sérgio Barradas Carneiro (PT/BA) que tratou a temática de forma mais ampla e completa. No seu texto, o projeto traz com maior rigor e detalhes o direito da mãe em dispor de seu filho de forma anônima. Em seu texto, previa:
Art. 2º Toda mulher, independente de classe, raça, etnia, idade e religião, será assegurado as condições para a realização do “parto anônimo”.
[…]
Art. 8° A mulher que se submeter ao parto anônimo será informada da possibilidade de fornecer informações sobre sua saúde ou a do pai, as origens da criança e as circunstâncias do nascimento, bem como, sua identidade que será mantida em sigilo, e só revelada nas hipóteses do art. 11º desta lei.
Art. 12º A parturiente, em casos de parto anônimo, fica isenta de qualquer responsabilidade civil ou criminal em relação ao filho.
(BRASIL, 2008)
Cabe destacar que ainda que o parto anônimo preze pelo sigilo da identidade da genitora, existia a possibilidade de quebra do sigilo dessa informação, sendo feita unicamente por meio judicial. Soma-se a isso, o fato de que o prazo para a efetivação do parto anônimo era de 8 (oito) semanas após o parto no hospital para que o recém-nascido pudesse estar disponível para a adoção, não podendo a genitora voltar atrás de sua decisão (MADALENO, 2018).
Ambos os projetos tinham como foco a proteção da criança em não cair na clandestinidade de “mães erradas” e na precária estrutura organizacional e social que o Brasil ainda se encontra. Também era um mecanismo de evitação de atos de abortos clandestinos, feitos sem os cuidados necessários e com risco às mulheres. Por fim, esses projetos tinham como interesse, conceder segurança jurídica para que as mães que desejassem abrir mão do poder familiar não sofressem sanções civis ou criminais, desde que seguissem os preceitos legais do instituto do parto anônimo (CARVALHO, 2016).
Apesar da intenção em colocar no cenário legislativo o parto anônimo, nenhum dos projetos acima obtiveram êxitos. Os projetos 2.747/2008 e 2.834/2008 acabaram por ser apensados ao 3.220/08, sendo encaminhados à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Todos foram considerados inconstitucionais. As causas para essa decisão, foram baseadas na seguinte posição:
[...] Segundo o parecer do relator, Deputado Luiz Couto, os projetos de lei foram considerados inconstitucionais e contrários aos preceitos jurídicos sendo declarados injurídicos (explanou-se que os projetos de lei iam ao desencontro do chamado sistema de proteção integral à criança e ao adolescente, bem como não poderia se responsabilizar hospitais e médicos pela guarda das crianças nascidas pelo parto anônimo). [...] O mesmo alegou que o anonimato da mãe afeta os direitos constitucionais da criança a exemplo da proteção integral, a garantia do acesso à informação, e o direito à herança. Além disso, a não responsabilização civil e criminal da mãe violaria a Constituição Federal que proíbe no artigo 5º, XXXV, a exclusão da apreciação do poder judiciário quando se tratar de ameaça ou lesão a direito individual. O relator por fim entendeu que os projetos de lei poderiam representar uma volta à época da roda dos expostos representando então um retrocesso na visão do mesmo, posicionando-se então contrário as proposições.
Em 2011, ambos os projetos foram rejeitados e arquivados. Em entendimento semelhante à essa decisão, Molinari (2010, p. 111) defende que “as propostas não se inserem numa perspectiva de garantia de direitos, apresentando-se estreitas e insuficientes para solucionar o problema, seguindo o velho paradigma protetivo, em vez de, efetivamente, mudar a própria situação em que se encontram”.
Discordando com o mencionado autor, e também defendido por esse trabalho, Albuquerque (2010, p. 06) defende que o parto anônimo:
[…] é o único instituto que, por ora, se apresenta com uma função prestante, ainda que não seja a melhor e a mais indicada, qual seja: garantir à vida, a integridade e a dignidade da criança que a mãe não pode ou não desejou criá-la. Qualquer posicionamento adotado, indubitavelmente, renderá homenagens às regras ou aos princípios. Seguindo-se àquelas, o aborto e o abandono estão tisnados ao tipo penal. Rendendo-se a estes, o parto anônimo encontra eco no direito de família contemporâneo, comprometido com uma nova pauta princípio lógica e realizando a sócio afetividade em detrimento dos ditames do biologismo.
Apesar do arquivamento dos projetos de lei que tratam sobre a presente matéria, o parto anônimo não está totalmente esquecido pela norma jurídica brasileira. A Lei nº 13.059/2017 alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente acrescentando no artigo 19-A o mecanismo de funcionamento do instituto do parto anônimo. Em seu texto, normatiza:
“Art. 19-A. A gestante ou mãe que manifeste interesse em entregar seu filho para adoção, antes ou logo após o nascimento, será encaminhada à Justiça da Infância e da Juventude.
[…]
§ 9º É garantido à mãe o direito ao sigilo sobre o nascimento, respeitado o disposto no art. 48 desta Lei
§ 10º Serão cadastrados para adoção recém-nascidos e crianças acolhidas não procuradas por suas famílias no prazo de 30 (trinta) dias, contado a partir do dia do acolhimento.
(BRASIL, 2017)
Pelo texto acima, é possível perceber uma brecha (ainda que tímida) do instituto do parto anônimo. No caso, a genitora, contemplando-se o princípio da liberdade, poderá exercer seu livre arbítrio na escolha, tendo a garantia de que não será penalizada civil e criminalmente se optar pelo trâmite legal do instituto em estudo.
Já a criança terá suas garantias fundamentais respeitadas, deixando de estar sujeita aos perigos de um abandono clandestino, podendo ser encaminhada a outra família. Por fim o Estado cria uma alternativa legal para evitar o grave problema social do abandono de crianças, o qual acontece reiteradamente na história do Brasil e vários lugares do mundo. Destarte, representa um avanço necessário para um estado democrático que almeja um dia garantir uma alta qualidade de vida a sua população e respaldar todos os direitos, deveres e garantias dos nossos diplomas legais.
4 DIREITO COMPARADO
É importante ressaltar que o Brasil não e o único país a enfrentar a problemática dos altos índices de aborto clandestinos, infanticídio e abandono de recém-nascido e crianças. Diante disso diversos países adotaram o instituto do Parto Anônimo em seu âmbito jurídico, justamente para tentar evitar essas mazelas. O que se busca com o instituto e de alguma forma tentar amenizar essas situações supracitadas, com a intensão de preserva a vida.
De acordo com Rodrigo da Cunha Pereira:
A corte europeia de Direitos Humanos, em 2003 confirmou a eficácia da lei do Parto Anônimo na França, que vigora desde 1993. Na Itália, desde 1997. Na Alemanha, por duas vezes, o parlamento adiou a discussão para aprovação desta lei. Por outro lado, em Hamburgo, em 1999, foi criada a "portinhola para o bebê" ou "janela de Moisés", onde mantenedores ligados às igrejas garantem uma espécie de guichê para que a mãe possa depositar seu filho anonimamente, e sem a possibilidade de ser identificada. Cada uma dessas "janelas" é equipada com bercinhos aquecidos, e coloca à disposição das mães materiais informativos, em vários idiomas, sobre entidades em que ela pode buscar ajuda, inclusive psicológica. No Japão, embora não tenha lei especifica sobre a questão, foi anunciado em 2007 a construção de um hospital com essas "janelas", assim como já existem em outros países, com alto índice de abandono de crianças, como Índia, Paquistão, África do Sul, Hungria, dentre outros.
Desse modo o entendimento da Corte europeia foi sobre o que mais contribuía com a sociedade.
Os países europeus que permitem o parto anônimo são: Alemanha, Itália, França Áustria, Bélgica e Luxemburgo. Já nos outros continentes temos os Estados Unidos com 28 estados dos 50 que permite o parto anônimo, o Japão está engatinhando para discussão se há ou não a possibilidade da implantação do instituto, dentre outros.
Na busca de diminuir os altos índices de crianças abandonadas e até mesmo os assassinatos, os países que aderiram ao instituto, encontraram uma forma paliativa, em meio uma zona cinzenta do ordenamento jurídico de seus países, onde tem demostrado uma diminuição considerável nos casos de infanticídio e abandono de recém-nascido.
Os países citados vêm recebendo críticas positivas e bons resultados, na qual concordam quanto a necessidade e eficiência do Instituto do Parto.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante dos dados probabilísticos mostrados no início desse estudo, com milhões de crianças sendo abandonadas a cada ano, pode-se dizer que o Brasil é um país de abandonados. Seja em razão da pobreza extrema, da falta de estrutura familiar ou social e principalmente, política, ou até mesmo um desejo de não ser responsável por aquela criança, esses indivíduos são anualmente ‘despejados’ à toda sorte para as enormes filas de adoção.
Tal problema mostra um cenário desfavorável a esses cidadãos, que possuem direitos e garantias na legislação pátria, mas que na prática não as veem sendo realizadas. Frente a essa realidade fática, a proposta de discutir o parto anônimo veio justamente no sentido de se buscar solução a essa situação.
O parto anônimo, de modo geral representa à liberdade, a proteção da criança e do respeito à sua dignidade, da mãe que não pode ou não quer ter a responsabilidade de educar e criar a criança. Para isso, o parto anônimo não apenas concede essa possibilidade como também não há penaliza judicialmente.
O parto anônimo no Brasil não se encontra especificamente regulamentado, ainda que se tenha na sua história esforços legislativos para que esse fato fosse real – vide os projetos de Leis descritos no último tópico, que foram arquivados. Isso mostra o longo caminho que esse instituto ainda precisa percorrer pra buscar o seu reconhecimento merecido.
Dito isto, esse estudo entende que o parto anônimo traz consigo mais benefícios do que desvantagens. Isso é motivado pelo fato de que se deve olhar para esta situação como uma alternativa para evitar situações como abandono, aborto clandestino que mata milhares de criança e mulheres em cidades do país.
O referido instituto traz uma política pública de proteção à criança, que vai de encontro com a Constituição Federal de 1988, sendo contemplado pelos princípios dispostos no art. 227, que garante a criança o direito a vida e a integridade física e psicológica, dando a ela oportunidade do direito ao estado de filiação e de uma convivência familiar, assim sendo protegido das mazelas sociais.
É importante ressaltar que o Estado tem o dever de garantir a população, educação suficiente, na conscientização de planejamento familiar, programas de educação sexual, mas, como vivemos em outra realidade o Estado deve se preocupar outras políticas públicas que ofereçam aos genitores, em especial as crianças uma vida digna.
O Parto anônimo surge como uma boa alternativa para diminuir essas mazelas, cumprindo sua função social e garantindo a mulher o direito de escolha de assumir ou não a maternidade e dá à criança o direito à convivência familiar, é imprescindível que todos se conscientizem de que o Parto Anônimo não e uma solução para todos os problemas supracitados, e sim, uma medida eficiente na procura da redução desses casos.
Desta feita, o presente estudo defende a presença do parto anônimo em solo brasileiro, uma vez que a sua prática poderá representar um novo olhar sobre as relações familiares, preservando a integridade física e moral da criança, que poderá ter uma vida melhor e mais digna ao lado daqueles que o desejam.
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