EDUARDO CURY[1]
(orientador)
RESUMO: A vida é considerada o direito fundamental principal a ser tutelado e protegido, contudo, é necessário viver com dignidade, inclusive no momento da morte, surge então o testamento vital que se apresenta como instrumento para regular as vontades dos pacientes acometidos de doenças incuráveis e de terminalidade. A problemática a ser aprestada questiona a possibilidade de a autonomia ser preservada, se o paciente possui autonomia limitada para a aceitação ou recusa de determinados procedimentos e até qual momento médicos devem seguir tais disposições expressas. O presente trabalho possui o objetivo de discutir a garantia da dignidade, a relação médico-paciente e a viabilidade de inclusão do testamento vital na legislação. Com a lavratura do testamento vital o paciente possui a autonomia sobre sua vontade, uma vez que, encontra-se respaldada na Constituição Federal de 1988. O método aplicado para a realização da pesquisa refere-se ao qualitativo, o qual embasa-se no levantamento bibliográfico, através de legislações, doutrinas e artigos. Conclui-se que diante de terminalidade as vontades expressas pelo paciente serão seguidas pelos médicos, preservando a autonomia privada e o direito à morte digna, contudo, o testamento vital possui base legal para regular as disposições expressas pelo paciente.
Palavras-chave: Autonomia privada. Dignidade da pessoa humana. Conselho Federal de Medicina.
ABSTRACT: Life is considered the main fundamental right to be protected and protected, however, it is necessary to live with dignity, even at the moment of death, then the vital will appears as an instrument to regulate the will of patients suffering from incurable diseases and terminality. The problem to be addressed questions the possibility of the autonomy being preserved, if the patient has limited autonomy for the acceptance or refusal of certain procedures and until which moment doctors must follow such express provisions. This paper aims to discuss the guarantee of dignity, the doctor-patient relationship and the feasibility of including the living will in the legislation. With the drawing up of the living will, the patient has autonomy over his will, since it is supported by the Federal Constitution. The method applied to carry out the research refers to the qualitative, which is based on the bibliographic survey, through legislation, doctrines and articles. It is concluded that in the face of terminality, the wishes expressed by the patient will be followed by doctors, preserving private autonomy and the right to a dignified death, however, the living will has a legal basis to regulate the dispositions expressed by the patient.
Keywords: Private autonomy. Dignity of human person. Federal Council of Medicine.
Sumário: 1. Introdução. 2. Princípios da bioética. 3 Direitos fundamentais da pessoa humana. 4. A relação médico-paciente. 5. Testamento vital. 5.1. Aspecto material. 6. Testamento vital no brasil. 7. Conclusão. Referências.
1 INTRODUÇÃO
O tema a ser apresentado cinge-se ao testamento vital, documento realizado em momento de pleno gozo das capacidades mentais afim de dispor sobre as pretensões futuras a serem seguidas quanto aos cuidados, tratamentos e procedimentos diante de incapacidade de se manifestar.
O conhecimento sobre o testamento vital se faz essencial, uma vez que possui o objetivo de assegurar a dignidade humana e a autonomia do paciente em consonância a preservação da integridade física, através desta disposição tratamentos fúteis e invasivos não serão executados devido à inexistência de auxílio à cura de pacientes em situações de terminalidade proporcionando o prolongamento da vida somente através de máquinas, o qual apenas irá retardar a morte causando dor e sofrimento ao paciente e familiares. O documento possui validade se no tempo da formulação do testamento o indivíduo encontrava-se em pleno gozo de suas capacidades civis e mentais, ressalta-se a possibilidade de revogação ou alteração a qualquer momento.
Perante as controvérsias do testamento vital destaca-se as seguintes problemáticas: há possibilidade de a autonomia do paciente diagnosticado com doença terminal ser preservada com respaldo no direito à vida e dignidade da pessoa humana? O paciente possui autonomia limitada quanto a determinação dos tratamentos a serem executados? Até qual momento médicos devem seguir tais disposições expressas?
A pesquisa possui o objetivo de discutir no plano jurídico brasileiro a garantia da dignidade humana nos tratamentos a serem executados em pacientes diagnosticados com doença incurável e terminalidade.
Discutir quais as limitações existentes na relação médico-paciente diante das diretivas antecipadas de vontade em conformidade ao Conselho Federal de Medicina, princípios bioéticos e jurídicos brasileiros e questionar quanto a possibilidade de inclusão do testamento vital na legislação pátria.
O método aplicado para a realização da pesquisa refere-se ao qualitativo, iniciando-se da análise das premissas gerais para assim apresentar as particularidades do tema abordado. Quanto aos objetivos, se enquadra a pesquisa exploratória devido a busca de informações e delimitação das problemáticas pertinentes acerca do testamento vital, o qual embasa-se no levantamento bibliográfico, através de legislações, doutrinas e artigos.
2 PRINCÍPIOS DA BIOÉTICA
A bioética advém do estudo das relações humanas no âmbito das ciências da vida e saúde, objetiva-se na imposição de condutas éticas em respeitar e zelar cada indivíduo, manter o equilíbrio sustentável do planeta e garantir a proteção de vida digna.
O primeiro documento a dispor sobre a bioética foi publicado em 1927 por Fritz Jahr, a partir de então iniciou-se as discussões acerca do tema. Em 1978 a “Comissão Nacional para Proteção de Sujeitos Humanos nas Pesquisas Biomédicas e Comportamentais” apresentou os três princípios basilares da bioética, sendo a autonomia, beneficência e justiça. No ano seguinte, Tom Beauchamp e James Childress publicaram a obra “Principles of Biomedical Ethics”, com a qual foi incluído o princípio da não maleficência (AZEVEDO, 2010, p. 257).
A autonomia é a essência da bioética, pois é o elemento base para qualquer conduta lícita, em consonância à moralidade e respeito mútuo. Proporciona a proteção das vontades do indivíduo pelos profissionais da saúde, assim como seus princípios morais, éticos, convicções existenciais, crenças e de agir de modo independente, em razão deste instituto surge a manifestação de forma livre, consentida, embasada em conhecimento e sem coação externa (MABTUM, MARCHETTO, 2015).
O princípio da justiça refere-se à imparcialidade, igualdade e proporcionalidade na execução de tratamentos e distribuição de medicamentos entre os pacientes, ou seja, proporcionar à sociedade o conhecimento e resultado científico de forma equânime para a melhores condições de vida (MABTUM, MARCHETTO, 2015).
O princípio da beneficência possui o objetivo da busca pelo bem-estar físico e mental do paciente, visa executar procedimentos para a cura da enfermidade o qual encontra-se acometido, sendo vedado qualquer ato que possa lhe causar mal (MABTUM, MARCHETTO, 2015).
O princípio da não-maleficência regula a prática média, o qual deve se abster de causar ou agravar a situação do indivíduo, necessário observar a prática que proporciona menor risco, quando não possuir diferenças nas práticas, deve-se impor o que irá causar menor sofrimento ao paciente (SOARES, PIÑEIRO, 2006).
3 DIREITOS FUNDAMENTAIS DA PESSOA HUMANA
Na Constituição Federal se encontra intitulados os princípios: dignidade da pessoa humana, autonomia privada e a proibição de tratamento desumano. O texto constitucional reconhece o direito à vida desde que seja digna, e a autonomia privada do indivíduo, contudo, se manter em uma condição degradante onde é obrigado a aceitar tratamento infrutífero, é total afronta aos direitos fundamentais ora expostos. São esses princípios que proporcionam a interpretação necessária para a implementação e validação do testamento vital, o qual se deve respeitar e zelar as vontades da pessoa quando esta não mais puder exprimir em total lucidez. São princípios base da decisão a respeito de uma vida, todos os procedimentos e tratamentos que a ele serão executados para lhe proporcionar o melhor bem estar, um final de vida cauteloso quanto as crenças, convicções e moral do paciente.
A dignidade da pessoa diz respeito a condição humana de cada indivíduo, aufere o reconhecimento de direitos tutelados à pessoa, devendo ser respeitados pelos semelhantes e o Estado. Extingue-se a visão instrumentalizada da pessoa em ser considerada apenas um objeto, mas um ser dotado de personalidade e busca-se uma vida com qualidade, contudo, constitui em um atributo intrínseco ao ser humano sobre a autodeterminação quanto à existência.
A dignidade da pessoa humana não se refere apenas durante as fases de prazeres da vida, deve-se estar presente em todas as etapas modificativas de existência e deve ser respeitado os valores e vontades do indivíduo. Contudo observa-se o elo com a morte digna, o qual deve ser preservado os preceitos do paciente quanto sua autonomia e autodeterminação ante o fim da vida decidindo sobre o caminho até o término de forma natural de não ser exposto a procedimentos invasivos e infrutíferos, onde é certa e iminente a morte, uma vez que proporciona cuidados paliativos adequados para aliviar o sofrimento sem retardar o fenômeno natural. A morte digna não diz respeito à antecipação da vida, mas deve relacioná-la com a qualidade de vida sem a obstinação terapêutica. (MABTUM; MARCHETTO, 2015).
O princípio da autonomia privada garante ao indivíduo o direito e a liberdade em se expressar quanto a própria vontade, ditar o que lhe convém ser uma vida boa, sendo livre para consentir ou recusar tratamentos médicos desde que em consonância à ordem pública e permeada pela dignidade humana. Busca-se evitar o paternalismo, o qual nega a liberdade do outro em se expressar e decidir o que é melhor para si, portanto, defende-se a autonomia de decidir sobre o próprio corpo, decisão livre e consentida (OLIVEIRA, 2017).
Não se trata de proporcionar ao indivíduo a livre e ampla liberdade, possui a finalidade de garantir o direito de conceituar o que lhe convém ser uma vida digna e ao final também ter uma boa morte, sem sofrimentos, prolongamento do tempo tendo uma vida em estado vegetativo, sem novas chances de reversão do quadro clínico, visa proporcionar a morte natural
e calma.
É constitucionalmente proibido qualquer tratamento desumano e degradante, proporcionar ao paciente o prolongamento da vida a qualquer custo, utilizar meios invasivos que não oferecerá resposta positiva à doença, um conjunto de ações que adoecem e causam sofrimento cada vez mais o paciente devido a persistência em o manter vivo, violando sua integridade e vontade através de tratamentos infrutíferos, sem ao menos respeitar a decisão do paciente e a própria dignidade humana.
O direito à vida é assegurado pela Constituição Federal, sendo este o início para a existência dos demais direitos intitulados em nosso ordenamento jurídico brasileiro. Contudo, é necessária uma vida digna enquanto subsistir, sendo primordial requisito. Com o exposto no artigo 5º, III e 1º, III, não se faz presente apenas a discussão sobre a vida, mas engloba outros institutos para a manutenção ao longo da vida para que se possa viver com qualidade e dignidade. (BRASIL, 1988).
O direito da personalidade é intransmissível e irrenunciável, conforme encontra-se previsto nos artigos 11 a 21 do Código Civil, objetiva-se em assegurar a preservação da vida humana, limites de tratamento, preservação do corpo e regular a proteção dos direitos fundamentais, além de ser garantido pelo princípio da liberdade e intimidade, em consonância a autonomia privada sobre o direito de exercício do próprio corpo (BRASIL, 2002).
O artigo 15 do Código Civil regula assuntos pertinentes à autonomia do paciente sobre disposição do próprio corpo, livre de erro e coação. Independente das circunstâncias e os tratamentos disponíveis, somente poderá agir diante da autorização livre e esclarecida do paciente, desde que esteja ciente das alternativas propostas e as consequências que o aceite ou a recusa podem acarretar (GODINHO, 2012).
Para sanar a lacuna legal existente devido à ausência de regulamentação do testamento vital no ordenamento jurídico é necessário a interpretação dos princípios fundamentais para dispor de embasamento jurídico, a fim de tornar-se legal o referido documento, tutelar ao indivíduo proteção jurídica para a realização do ato e garantir o cumprimento das vontades declaradas quanto aos procedimentos a serem realizados quando não mais ser possível exprimir os próprios desejos, sendo amparado as decisões à respeito dos direitos existenciais.
4 A RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE
O Código de Ética Médica de 2009 definia que era vedado “deixar de usar todos os
meios disponíveis de diagnóstico e tratamento, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente”, portanto o médico era obrigado a realizar todos os meios disponíveis para a cura do paciente via-se obstinação terapêutica como algo positivo, independentemente da vontade do indivíduo. Porém, atualmente o médico ao tomar decisões sobre o considerado melhor ao paciente é necessário considerar os desejos e vontade sobre os procedimentos a serem realizados, respeitando os limites éticos e legais, declarados através do testamento vital, tal manifestação deve ser esclarecida mediante a obrigação de proporcionar todas as informações relacionadas ao quadro clínico do paciente e os procedimentos que pretende ser realizado, observa-se que a autonomia de decisão não se encontra mais centralizada no médico, mas sim no paciente (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2010, p. 38).
Na relação médico-paciente as decisões provenientes de diagnóstico e tratamento devem ser realizadas em conjunto, cabendo ao médico o dever de informação e ao paciente o direito de escolha, utilizando o testamento vital como meio de dar publicidade as vontades, onde o médico se encontra vinculado ao cumprimento das decisões declaradas, exceto por objeção de consciência, ou seja, o médico pode recusar a realizar determinados atos que se encontram contrários a sua consciência, neste caso deverá justificar a recusa, fundamentada em razões éticas, morais, religiosas ou de foro íntimo, a partir de então, o paciente será encaminhado a outro profissional a fim de ser cumprida as suas vontades.
5 TESTAMENTO VITAL
O instituto do testamento vital origina-se dos Estados Unidos cunhado por Luis Kutner a fim de regular os tratamentos a serem aplicados diante da incapacidade do paciente, o qual pode denominar-se como “[...] ‘a declaration determining the termination of life’, ‘testament permitting death’, ‘declaration for bodily autonomy’, ‘declaration for ending treatment’, ‘body trust’ [...]” (KUTNER, 1969, p. 551).[2]
Perfaz necessário distinguir testamento civil e testamento vital a fim de distinguir os referidos termos. O testamento civil trata-se de um negócio jurídico unilateral, personalíssimo, revogável, aperfeiçoa-se com a autonomia privada, regula matéria de cunho patrimonial e extrapatrimonial e produz efeitos post mortem, ou seja, as declarações expressas pelo testador terão efeitos após sua morte, porém caso seja revogado, não terão mais efeitos, portanto considera-se tais disposições invalidas. Quanto ao testamento vital este dispõe acerca das vontades a serem seguidas por médicos ante o fim da vida, a fim de regular os procedimentos e tratamentos proporcionados aos pacientes terminais ou acometidos de doença incurável, sendo certo o resultado morte, uma vez que, não serão executados procedimentos fúteis, invasivos e que não proporcione a cura. (TARTUCE, 2020).
O testamento possui natureza jurídica com a finalidade de resguardar as manifestações de vontade do indivíduo diante de terminalidade da vida quando não seja mais possível exprimir livremente seus desejos. Este documento deve ser realizado em momento de pleno gozo das faculdades mentais para ser considerado válido e eficaz. Com a lavratura do documento obtém-se o respaldo para a autodeterminação de escolha dos tratamentos a serem executados, sendo vedado o prolongamento da vida de forma dolorosa e desnecessária em situações diagnosticadas como irreversíveis e terminais, contudo, as manifestações expressas serão apresentadas à equipe médica para que sejam realizadas, porém atuarão em consonância ao Código de Ética Médica (LEAO, 2012).
Ambos os testamentos dizem respeito a negócio jurídico unilateral, personalíssimo, gratuito, revogável e possuem garantia assecuratória sobre as vontades de um indivíduo quando não mais for possível ser expressada, porém possuem efeitos distintos, testamento reporta-se ao post mortem, enquanto testamento vital dispõe sobre direito de personalidade e efeito inter vivos.
Surge a contraposição da definição de testamento disposto no Código Civil e a nomenclatura testamento vital, a origem desse instituto advém da tradução de living will, doutrinadores discutem sobre a errônea nomenclatura destinada a referir sobre as vontades expressas ainda em vida, afirma-se que o termo correto a ser utilizado “seria ‘desejos de vida’, ou ainda ‘disposições de vontade de vida’, expressão que também designa testamento” (DADALTO, 2020, p. 616).
O negócio jurídico em pauta não produz o efeito de abreviação da morte como ocorre nos institutos da eutanásia, distanásia e suicídio assistido, os quais interrompem e induzem o fim da vida e encontra-se expressamente vedado no ordenamento jurídico brasileiro a interrupção da vida e a ortotanásia, a qual é regulada pelo Conselho Federal de Medicina.
Eutanásia considera-se a provocação da morte diante de prognóstico de doença terminal ou incurável, através do pedido de familiares ou do próprio paciente, movido por piedade, terceiro pratica o ato ilícito afim de cessar a dor e o sofrimento através de procedimento médicos indolor. Ato ilícito perante o ordenamento jurídico brasileiro, de acordo com o Código Penal é considerado crime de homicídio doloso, podendo regular-se na forma privilegiada devido ao emprego do valor moral para a execução da ação e consequente violação do Código de Ética Médica (BRASIL, 1940).
Distanásia refere-se à execução demasiada de procedimentos médicos prolongando a vida a qualquer custo, observa-se que nesse instituto inexiste o objetivo de qualidade de vida, há utilização de tratamentos em que certos casos considera-se inútil devido ao quadro clínico do paciente, proporcionando maior dor, angústia e uma morte lenta, pelo fato de não seguir o processo natural e biológico do ser humano, sendo aplicado por médicos a considerada obstinação terapêutica, possui a morte como uma inimiga e busca-se incontrolavelmente o objetivo de manter o paciente vivo ainda que haja a violação da dignidade do indivíduo.
O suicídio assistido para cessar a própria vida, ou seja, a busca direta e voluntariamente a morte utilizando-se do auxílio de terceiro para a prática do ato. O Código Penal não incrimina o suicídio devido as razões político-criminal como ao caráter repressivo da sansão penal contra cadáver – mors omnia solvit e ineficácia aplicação de pena como ameaça, porém quem presta auxílio sofrerá sansão penal conforme a redação das condutas previstas no artigo 122 do Código Pena (CAPEZ, 2020).
A ortotanásia opõe-se a distanásia, pelo fato de que esta possui o objetivo da boa morte, designada também como a morte no tempo certo ou morte natural, afasta-se procedimentos que visa o prolongamento da vida, aplica-se apenas cuidados paliativos a fim de amenizar superficialmente a dor e o sofrimento, porém os tratamentos considerados invasivos e fúteis não são executados por se tratar de uma morte iminente, atenta-se para a manifestação de vontade expressa do paciente. A ortotanásia encontra-se assegurada no Conselho Federal de Medicina através da Resolução nº 1.995 de 2012.
No Brasil o testamento vital não possui lei específica, porém, concernente as Diretivas Antecipadas de Vontade há países que se encontra positivado, como os Estados Unidos, Finlândia, Holanda, Hungria, Bélgica, Espanha, Inglaterra, País de Gales, Alemanha, Portugal e Itália (DADALTO, 2020).
5.1 Aspecto material
Há requisitos a serem observados quanto ao aspecto material do testamento vital, para a formulação é necessário o indivíduo estar em pleno gozo das suas capacidades civis e plenamente consciente das suas vontades, será expresso todos procedimentos a serem recusados diante de doença incurável. Há um modelo de testamento vital a ser seguindo, conforme o Anexo A (DADALTO; TUPINAMBAS, 2013).
Perfaz necessário a nomeação de procurador e curador para decidir acerca de situações não expressas no testamento vital sobre o fim da vida, contudo, caso procurador e curador se encontrem impossibilitados de tomar tais decisões, o procurador e curador substituto assumirá as responsabilidades, portanto é imprescindível nomeação de ao menos dois procuradores e curadores substitutos. Não é permitido o procurador e curador revogar as decisões declaradas, estão aptos apenas a sanar dúvidas.
Deverá ser expresso o médico presente durante a realização do testamento vital, o qual proporcionará todas as informações necessárias quanto as consequências da recusa de determinados procedimentos e os assuntos técnicos a serem declarados.
Quanto a revogação e alteração do documento, poderá ser realizada a qualquer tempo pelo testador, desde que se encontre em pleno gozo das capacidades civis e mentais.
6 TESTAMENTO VITAL NO BRASIL
O testamento vital não se encontra previsto na legislação brasileira, mas é reconhecido pela Resolução 1.995/2012 do Conselho Federal de Medicina, a qual foi reconhecida a constitucionalidade pelo Poder Judiciário através da Ação Civil Pública n. 0001039-85.2013.4.01.3500, sendo legitimada com base nos princípios da Constituição Federal, a dignidade da pessoa humana e autonomia privada. (LIPPMANN, 2013).
O Código de Ética Médica, conforme redação do artigo 41, parágrafo único, assegura-se o respeito à vontade do paciente ou representante legal, em não o expor a tratamentos e ações diagnósticas inúteis, sendo executados somente cuidados paliativos necessários diante de caso de doença incurável ou terminalidade (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2018).
A autonomia dos pacientes acerca da escolha alternativa e recusa do tratamento a ser aplicado possui respaldo na Portaria do Ministério da Saúde MS/GM n° 1.820/2009, ressalta-se a garantia do conhecimento livre e esclarecido de procedimentos diagnósticos e possibilidade de nomeação de representante para tomada de decisões perante a incapacidade do paciente de dispor suas vontades (BRASIL, 2009).
A Resolução nº 1.805/2006 urge elucidar os procedimentos médicos a serem executados em momentos de terminalidade, conforme exposto:
Na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2006, não paginado).
Na I Jornada de Direito e Saúde o Conselho Nacional de Justiça (2014) editou o enunciado 37, a fim de regular as diretivas antecipadas de vontades quanto a tratamentos médicos, o qual estabelece a sua forma, devem ser realizados preferencialmente por escrito, através de instrumento particular, presente duas testemunhas ou público.
7 CONCLUSÃO
De acordo com os argumentos apresentados, o testamento vital encontra-se regulado na Resolução 1.995/2012 do Conselho Federal de Medicina, que dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontades, sendo o testamente vital um dos meios de alternativas jurídicas afim de assegurar a preservação da autonomia do paciente perante o quadro clínico de terminalidade e doença incurável, respeitando a escolha quanto à recusa ou aceite dos tratamentos a serem aplicados, não mantem-se a vida por meios artificiais e visa-se a vida com qualidade.
O tema abordado possui relevância social por se tratar de um documento jurídico que possui o intuído de dispor sobre as vontades ante o fim da vida, proporcionando a autonomia de expressar suas vontades através de um documento a ser seguido por profissionais da saúde, afim de se evitar a violação do próprio corpo e vontades do paciente.
As disposições pertinentes ao testamento vital quanto à sua execução e implementação no ordenamento jurídico brasileiro encontram-se embasadas em princípios constitucionais e bioéticos, tais como a dignidade da pessoa humana, autonomia, à vida, justiça, beneficência e não maleficência, resolução do Conselho Federal de Medicina e portaria do Conselho Nacional de Justiça, este último dispõe quanto a forma do testamento. Perfaz pertinente a possível execução do negócio jurídico em pauta conforme experiências estrangeiras.
No âmbito jurídico a Constituição Federal assegura o direito à vida, a dignidade da pessoa humana, à liberdade e autonomia, institutos que atuam na esfera existencial. Contudo, no caso discutido releva-se as vontades expressas dos pacientes, os quais recusam-se a exposição de tratamentos desumanos a serem executados quando não mais puderem manifestarem-se, porém a autonomia dos pacientes encontra-se limitadas, pois suas escolhas não podem violar o Código de Ética Médica, princípios e o ordenamento jurídico. Os pacientes apenas podem recusar os procedimentos considerados invasivos e fúteis, quanto ao tratamento paliativo, este não pode ser recusado devido a finalidade de alívio ao sofrimento causado pela doença que o paciente encontra diagnosticado.
A declaração antecipada de vontade do paciente será levada em consideração frente a atuação dos médicos e sua dignidade será preservada, porém estas poderão ser recusadas se entrarem em desacordo com o Código de Ética Médica, uma vez que, as práticas médicas devem estar em conformidade as normas editas pelo Conselho Federal de Medicina, sendo necessário o uso dos conhecimentos e aplicação de procedimentos disponíveis para estabilizar a saúde do paciente e quando não mais possível, tratamentos paliativos serão executados.
Destarte, mesmo diante da lacuna de norma o testamento vital possui legitimidade no Brasil, pois suas premissas não violam normas e possui respaldo conforme disposições expressas na resolução do Conselho Federal de Medicina, princípios da bioética, Portaria 1.995/2012 do Conselho Federal de Medicina, Código Civil, direitos fundamentais expressos na Constituição Federal, porém regular o testamento vital em norma específica proporcionará à legislação brasileira uma segurança jurídica quanto à execução deste instituto.
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CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial arts. 121 a 212. 19. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2020. v. 2.
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TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2020.
ANEXO A – MODELO DE TESTAMENTO VITAL
Eu, __________________________________________________________ (nome completo),
___________________ (nacionalidade), _____________ (estado civil), _________________ (data de nascimento), _______________ (profissão), _____________ (CPF), ______________
(endereço completo), _________________________________________________________,
venho, de livre e espontânea vontade, no pleno gozo das minhas capacidades civis, respaldado pelos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e da autonomia (princípio implícito no art. 5º), bem como a proibição de tratamento desumano (art. 5º III), e pelo art. 15 do Código Civil brasileiro, expressar as instruções que devem ser levadas em consideração sobre meus cuidados médicos quando, por diferentes circunstâncias derivadas de
um quadro irreversível de minha saúde física e/ou psíquica, eu não possa manifestar minha vontade:
I – VALORES E DESEJOS
Eu quero que todos saibam sobre meus valores e meus desejos, especialmente sobre o que é mais importante para mim durante a última parte da minha vida:
__________________________________
__________________________________
II – DECISÕES SOBRE O FIM DA VIDA
II.1 Caso dois médicos entendam que padeço de uma doença terminal, incurável e irreversível, e que, portanto, não tenho nenhuma perspectiva de cura ou de melhora, manifesto aqui os procedimentos e medicamentos aos quais não desejo que sejam administrados ou realizados:
a) Ressuscitação cardiopulmonar, entendida como a abstenção da equipe de saúde em me reanimar caso meu coração pare de bater e eu pare de respirar;
b) Respiração artificial;
c) Grandes procedimentos cirúrgicos;
d) Diálise;
e) Quimioterapia;
f) Radioterapia;
g) Pequenas cirurgias que não servirão para
me dar conforto ou aliviar minha dor;
h) Exames invasivos;
i) Antibióticos;
j) Nutrição e hidratação artificiais, pois reconheço que a Medicina já comprovou que em graus avançados de doenças terminais o paciente não sente fome nem sede e, mais, muitas vezes estes procedimentos podem trazer mais desconforto;
k) Outros:____________________________
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__________________________________
__________________________________
__________________________________
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__________________________________
II.2 Caso dois médicos entendam que padeço de uma demência em estado avançado e irreversível ou de uma enfermidade degenerativa do sistema nervoso ou muscular, em fase avançada e irreversível, nas quais eu não esteja mais vivendo com qualidade, entendido aqui
qualidade de vida como _______________
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__________________________________
__________________________________
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__________________________________
__________________________________
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__________________________, manifesto
aqui os procedimentos e medicamentos aos quais não desejo que sejam administrados ou realizados:
a) Ressuscitação cardiopulmonar, entendida como a
abstenção da equipe de saúde em me reanimar caso
meu coração pare de bater e eu pare de respirar;
b) Respiração artificial;
c) Grandes procedimentos cirúrgicos;
d) Diálise;
e) Quimioterapia;
f) Radioterapia;
g) Pequenas cirurgias que não servirão para me dar
conforto ou aliviar minha dor;
h) Exames invasivos;
i) Antibióticos;
j) Nutrição e hidratação artificiais, pois reconheço que a Medicina já comprovou que em graus avançados de demências irreversíveis o paciente não sente fome nem sede e, mais, muitas vezes estes procedimentos podem trazer mais desconforto;
k) Outros: __________________________
__________________________________
__________________________________
__________________________________
__________________________________
__________________________________
__________________________________
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II.3 Caso dois médicos diagnostiquem que estou em estado vegetativo persistente, condição que a Medicina tem uma grande certeza de irreversibilidade, manifesto aqui os procedimentos e medicamentos aos quais não desejo que sejam administrados ou realizados:
a) Ressuscitação cardiopulmonar, entendida como a
abstenção da equipe de saúde em me reanimar caso
meu coração pare de bater e eu pare de respirar;
b) Respiração artificial;
c) Grandes procedimentos cirúrgicos;
d) Diálise;
e) Quimioterapia;
f) Radioterapia;
g) Pequenas cirurgias que não servirão para me dar
conforto ou aliviar minha dor;
h) Exames invasivos;
i) Antibióticos;
j) Nutrição e hidratação artificiais, mesmo sabendo que
no estado vegetativo persistente a não admissão de nutrição e hidratação provocará a minha morte;
k) Outros: __________________________
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__________________________________
__________________________________
__________________________________
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III – PROCURADOR PARA CUIDADOS DE SAÚDE NO FIM DA VIDA
III.1 Caso, no momento em que for constatada alguma das três situações clínicas acima expressadas, seja necessário decidir acerca de situações não expressadas por mim em minhas decisões sobre o fim da vida, nomeio:
Nome:_____________________________
__________________________________
CPF:______________________________
Endereço completo: __________________
__________________________________
Telefones de contato: _________________
Opcional: Se esta pessoa, no momento em que for procurada, não for localizada ou estiver incapacitada de tomar decisões, eu designo um procurador substituto, que terá os mesmos poderes do procurador principal:
Nome:_____________________________
__________________________________
CPF:______________________________
Endereço completo: __________________
__________________________________
Telefones de contato: _________________
Opcional: Se esta pessoa, no momento em que for procurada, também não for localizada ou estiver incapacitada de tomar decisões, eu designo outro procurador substituto, que terá os mesmos poderes do procurador principal e do primeiro substituto:
Nome:_____________________________
__________________________________
CPF:______________________________
Endereço completo: _________________
__________________________________
Telefones de contato: _________________
II.2 Meus procuradores não podem revogar minha vontade aqui manifestada. Devem apenas sanar dúvidas que porventura existirem e tomar qualquer decisão
relativa à suspensão de esforço terapêutico, não explicitadas neste documento, exceto as seguintes:
__________________________________
__________________________________
__________________________________
__________________________________
__________________________________
__________________________________
__________________________________
IV – OUTRAS DISPOSIÇÕES
IV.1 Manifesto expressamente meu desejo de que sejam realizados todos e quaisquer procedimentos cuja finalidade seja, exclusivamente, prover meu conforto e amenizar minha dor e/ou angústia, garantindo um final digno de vida, mesmo quando tais procedimentos possam prolongar minha vida.
IV.2 Não desejo a realização de nenhum procedimento para tirar minha vida, desejo apenas que ela não seja desarrazoadamente
prolongada.
IV.3 Se eu estiver grávida, essa diretiva antecipada ficará suspensa até o final da gravidez.
IV.4 Tenho plena consciência que este documento vincula meus familiares, meus amigos e a equipe de saúde, que devem seguir todas as disposições aqui inscritas.
IV.5 Desejo que, diante da irreversibilidade do quadro médico, eu seja levado para minha casa a fim de que desfrute dos últimos momentos de vida junto com a minha família e no meu lar.
V – DIRETRIZES PARA A EQUIPE DE SAÚDE QUE ME ATENDERÁ
V.1 Durante a feitura deste documento fui orientado pelo meu médico de confiança, Dr. _______________________________
______________, portador do CRM nº _________________, que me instruiu acerca dos termos técnicos aqui escritos, bem como das consequências de todos os procedimentos aos quais estou me recusando.
V. 2 Esse documento autoriza a suspensão ou não realização de procedimentos apenas quando dois médicos atestarem a irreversibilidade da condição de terminalidade, de demência avançada ou de estado vegetativo.
V.3 Este documento foi feito por uma pessoa em pleno gozo de sua capacidade civil que, de acordo com as leis brasileiras e a Resolução nº 1.995/2012 do Conselho Federal de Medicina, tem a faculdade de recusar procedimentos médicos que tenham a finalidade apenas de prolongar a vida biológica, sem garantir-lhe qualidade de vida.
V.4 Se algum membro da equipe se utilizar de seu direito à objeção de consciência e, portanto, não puder cumprir as disposições aqui previstas por razão moral ou religiosa,
vocês devem me encaminhar para outro profissional a fim de que minha vontade seja cumprida.
VI – REVOGAÇÃO
Tenho ciência de que posso revogar essa diretiva antecipada de vontade a qualquer tempo, fazendo uma nova diretiva ou apenas uma declaração de vontade revocatória. Em ambos os casos, posso revogar minhas decisões sobre o fim de vida e/ou a nomeação do(s) procurador(es) para cuidados de saúde no fim de vida.
Cidade, data completa
__________________________________
__________________________________
Assinatura do outorgante
__________________________________
Assinatura do procurador principal
__________________________________
Assinatura do procurador substituto 1
__________________________________
Assinatura do procurador substituto
Graduanda em Direito pelo Centro Universitário de Santa Fé do Sul/SP - UNIFUNEC
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Thaís Eduarda de. Testamento vital sob a ótica do ordenamento jurídico brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 set 2021, 04:36. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57179/testamento-vital-sob-a-tica-do-ordenamento-jurdico-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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