RENAN PAULO DOS SANTOS DA COSTA ALVES
(orientador)
RESUMO: A violência contra a mulher por razões de gênero é histórica e tem caráter estrutural, garantindo a sua perpetuação por intermédio do patrocínio da ordem sociocultural patriarcal. Não é incomum que tal violência se apresente de forma cíclica, encontrando o seu ponto culminante na eliminação da vida da mulher, fenômeno que ganhou visibilidade graças à luta do movimento feminista. A curva ascendente de crimes de ódio contra as mulheres levou o legislador pátrio a editar a Lei nº 13.104/2015, que insere o feminicídio nas qualificadoras do crime de homicídio, elevando a faixa de fixação da pena quando o delito for cometido contra mulher por razões da condição de sexo feminino. Tão logo o instituto foi inserido no ordenamento jurídico brasileiro, surgiu uma controvérsia em relação à sua natureza jurídica, dividindo-se a doutrina, basicamente, em três correntes. Enquanto alguns estudiosos concebem o feminicídio como uma circunstância subjetiva, outros sustentam o cunho objetivo da qualificadora, havendo, ainda, uma corrente que defende a sua natureza híbrida, de modo que quando o crime envolver violência doméstica e familiar a natureza será objetiva, ao passo que o cometimento mediante menosprezo ou discriminação à condição de mulher conduzirá ao caráter subjetivo da circunstância. A presente monografia de revisão de literatura se pautará por uma pesquisa qualitativa, realizada pelo método dedutivo, pretendendo-se, como objetivo geral, perquirir os apontamentos doutrinários e jurisprudenciais acerca da natureza jurídica da qualificadora do feminicídio a fim de constatar qual é a mais correta aplicação do novel instituto segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. O estudo se inicia pela explanação da problemática da violência presente nas relações de gênero, passando-se à análise da lei responsável por incorporar o feminicídio ao ordenamento pátrio. Em seguida, expõe-se os apontamentos doutrinários relativos à natureza jurídica da qualificadora, analisando-se, ainda, o atual entendimento do STJ sobre o tema. Ao final, concluiu-se que a jurisprudência da Corte é firme em reconhecer a natureza objetiva do feminicídio, admitindo a sua coexistência com circunstâncias de índole subjetiva, o que permite punir de forma mais rigorosa tais crimes de ódio contra as mulheres. Em decorrência disso, revela-se admissível o chamado feminicídio privilegiado, inexistindo prejudicialidade da análise da qualificadora após o reconhecimento da causa de diminuição de pena insculpida no §1º do artigo 121 do Código Penal pelo Conselho de Sentença do Tribunal do Júri.
Palavras-chave: Violência contra a mulher. Gênero. Feminicídio. Qualificadora. Natureza jurídica.
ABSTRACT: Gender-based violence against women is historical and structural in character, guaranteeing its perpetuation through the sponsorship of the patriarchal socio-cultural order. It is not uncommon for such violence to present itself cyclically, finding its culmination in the elimination of women's lives, a phenomenon that has gained visibility thanks to the struggle of the feminist movement. The upward curve of hate crimes against women led the national legislature to enact Law No. 13,104 / 2015, which inserts feminicide in the qualifiers of the crime of homicide, raising the penalty setting range when the offense is committed against a woman for reasons of female gender condition. As soon as the institute was inserted in the Brazilian legal system, a controversy arose regarding its legal nature, dividing the doctrine, basically, in three currents. While some scholars conceive of feminicide as a subjective circumstance, others support the objective nature of the qualifier, and there is also a current that defends its hybrid nature, so that when the crime involves domestic and family violence, nature will be objective, whereas the commitment by belittling or discriminating against the condition of a woman leads to the subjective nature of the circumstance. The present monograph of literature review will be guided by a qualitative research, performed by the deductive method, intending, as a general objective, to investigate the doctrinal and jurisprudential notes about the legal nature of the qualifier of feminicide in order to verify which is the most correct application of the novel institute according to the jurisprudence of the Superior Court of Justice. The study begins with an explanation of the problem of violence present in gender relations, moving on to the analysis of the law responsible for incorporating feminicide into the national order. Then, the doctrinal notes related to the legal nature of the qualifier are exposed, also analyzing the STJ's current understanding on the topic. That way, it is concluded that the Court's jurisprudence is firm in recognizing the objective nature of feminicide, admitting its coexistence with subjective qualifiers, which allows for more rigorous punishment of such hate crimes against women, being also admitted the existence of privileged feminicide, behold, there would be no prejudice to the analysis of the qualifier of feminicide after the recognition of the reduction inscribed in paragraph 1 of article 121 of the Penal Code by the Sentencing Council of the Jury Court.
Keywords: Violence against women. Gender. Feminicide. Qualifier. Legal nature.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 ORIGEM HISTÓRICA DO FEMINICÍDIO. 2.1 A violência nas relações de gênero. 2.2 O ciclo da violência contra a mulher. 2.3 A luta contra a violência de gênero encabeçada pelo movimento feminista. 2.4 O caso Maria da Penha e a Lei nº 11.340/2006. 3 SURGIMENTO DA QUALIFICADORA DO FEMINICÍDIO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. 3.1 Razões da condição de sexo feminine. 3.1.1 Violência doméstica e familiar contra a mulher. 3.1.2 Menosprezo ou discriminação à condição de mulher. 4 APONTAMENTOS DOUTRINÁRIOS CONCERNENTES À NATUREZA JURÍDICA DO FEMINICÍDIO. 4.1 Classificação das qualificadoras do crime de homicídio. 4.2 Correntes doutrinárias alusivas à natureza jurídica do feminicídio. 4.2.1 A natureza subjetiva da qualificadora do feminicídio. 4.2.2 A natureza objetiva da qualificadora do feminicídio. 4.2.3 A natureza híbrida da qualificadora do feminicídio. 4.2.4 Possível solução ao dissenso doutrinário. 5 A JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA ACERCA DA NATUREZA JURÍDICA DA QUALIFICADORA DO FEMINICÍDIO. 5.1 Feminicídio praticado com menosprezo ou discriminação à condição de mulher. 6 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
Em que pese a evolução dos valores ligados aos direitos das mulheres, a violência de gênero continua sendo um fenômeno extremamente democrático, que atinge todas as classes sociais e os mais variados níveis de formação. Cuida-se de uma tirania histórica que tem caráter estrutural, perpetuando-se graças à posição de subordinação da mulher frente ao homem patrocinada pela ordem sociocultural patriarcal.
Tal violência costuma se dar dentro de um ciclo que, não raro, encontra o seu ápice na eliminação da vida da mulher, fato que evidencia a necessidade de uma punição mais severa para os homicídios praticados nesse contexto. Contudo, no Brasil, até o ano de 2015, inexistia punição especial para a referida conduta, fazendo com que o homicídio decorrente da violência de gênero recebesse os mais diversos tratamentos quando submetido à íntima convicção soberana dos jurados no Tribunal do Júri, órgão que detém a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.
Conforme as circunstâncias apresentadas pelo caso concreto, os jurados poderiam qualificar um homicídio cometido contra uma mulher por razões de gênero pela torpeza, pela futilidade, ou, ainda, pela impossibilidade de defesa da vítima. Se, por outro lado, entendessem que eventual ciúme motivador do delito caracteriza motivo de relevante valor moral, poder-se-iam aplicar a causa especial de diminuição de pena consubstanciada no §1º do artigo 121 do Código Penal, configurando o que chama a doutrina de homicídio privilegiado.
Nesse diapasão, foi editada a Lei nº 13.104/2015, responsável por criar uma nova qualificadora para o homicídio, elevando a faixa de fixação da pena quando ele for cometido contra mulher por razões da condição de sexo feminino, acarretando, ademais, a hediondez inerente às modalidades qualificadas da infração penal. A circunstância, que recebeu o nomen juris de feminicídio, verifica-se quando o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher ou quando for cometido com menosprezo ou discriminação à condição feminina.
Tão logo o feminicídio foi inserido no ordenamento jurídico brasileiro, a doutrina pátria começou a divergir em relação à sua natureza jurídica. Enquanto alguns estudiosos acreditam se tratar de circunstância subjetiva, umbilicalmente ligada à motivação do agente para a prática delitiva, outros sustentam o caráter objetivo da qualificadora, afirmando que, para a sua configuração, basta que o crime esteja atrelado à violência doméstica e familiar ou seja perpetrado com menosprezo ou discriminação à condição de gênero.
Existe, ainda, uma terceira corrente que defende a natureza híbrida da circunstância, dividindo os incisos da norma explicativa introduzida pela lei supracitada – o §2º-A do artigo 121 do Código Penal. Para os adeptos desse entendimento, o inciso I, que trata do feminicídio praticado em um contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher, revelaria uma natureza objetiva, aferível de forma pragmática. Já o inciso II, que versa sobre o feminicídio cometido com menosprezo ou discriminação à condição de mulher, teria caráter subjetivo, eis que associado ao motivo que levou à prática do crime.
Nada obstante a discussão aparente ser meramente didática, a definição da natureza jurídica de uma circunstância traz diversas consequências práticas. Em se tratando de concurso de pessoas, a qualificadora do feminicídio somente se comunicará ao coautor ou ao partícipe se, além de ter ingressado previamente na esfera de conhecimento do agente, for considerada como de caráter objetivo. Os motivos que qualificam o homicídio, por outro lado, são incomunicáveis, haja vista que a motivação para a prática delitiva é individual.
Ademais, não se admite o reconhecimento concomitante de duas qualificadoras de ordem subjetiva, em observância ao princípio do non bis in idem, que estabelece a garantia de que uma mesma circunstância não enseje duas valorações jurídicas. Em decorrência disso, uma vez atribuída ao motivo do crime a condição de qualificadora, o fato não poderá ser novamente valorado pelo magistrado, utilizando a mesma circunstância duas vezes.
Destarte, o reconhecimento do caráter subjetivo do feminicídio impediria a sua imputação conjunta com outras qualificadoras de caráter pessoal, como aquelas concernentes à torpeza ou à futilidade. De igual modo, não poderia ser acolhida a causa especial de diminuição de pena constante do §1º do artigo 121 do Código Penal, que trata do crime praticado por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo após a injusta provocação da vítima, pois esta possui, igualmente, caráter subjetivo.
Outra implicação da definição da natureza jurídica da qualificadora do feminicídio se dá na quesitação realizada na sessão de julgamento do Tribunal do Júri. Nessa oportunidade processual, é realizado um questionário consistente em um conjunto de perguntas a serem respondidas pelos jurados após os debates realizados em plenário. Tais perguntas são chamadas de quesitos, sendo certo que, ao formulá-los, o Juiz Presidente cuidará de abranger todos os elementos do mérito, elaborando as perguntas em uma ordem pré-definida.
O primeiro quesito deve tratar da materialidade do fato, seguido de indagação sobre a autoria delitiva. Depois, poderá ser formulada uma pergunta relativa à tese de tentativa ou de desclassificação do delito, o que pode afastar a competência do Tribunal do Júri. O próximo quesito é chamado de absolutório genérico, pois permite que os jurados absolvam o acusado pelas mais variadas razões. Na sequência, formula-se questão alusiva às causas de diminuição de pena alegadas pela defesa e, por fim, sobre eventuais qualificadoras ou majorantes reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram viável a acusação.
Nota-se, assim, que a minorante prevista pelo §1º do artigo 121 do Código Penal é votada antes do quesito atinente às qualificadoras. Dessa forma, caso se considere o feminicídio como uma circunstância de cunho subjetivo, o reconhecimento do privilégio faria com que a questão referente à novel qualificadora sequer chegasse a ser enfrentada. Isso porque, conforme já assinalado, a figura do homicídio qualificado-privilegiado somente é admitida quando a qualificadora ostenta natureza objetiva, visto que a minorante possui caráter subjetivo, não podendo, portanto, coexistir com outra circunstância de igual natureza.
Com vistas a dirimir tais questões, indaga-se: a qualificadora do feminicídio ostenta natureza jurídica objetiva, subjetiva ou híbrida? A presente monografia tem como objetivo geral perquirir os apontamentos doutrinários e jurisprudenciais acerca da natureza jurídica do feminicídio, buscando constatar qual é a mais correta aplicação da novel qualificadora segundo a atual jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, órgão do Poder Judiciário responsável por assegurar a uniformidade da interpretação da legislação federal.
Para tanto, foram delineados os seguintes objetivos específicos: apresentar a origem histórica do feminicídio, permitindo compreender a problemática da violência de gênero; analisar o contexto da promulgação da Lei nº 13.104/2015, responsável pela inserção da circunstância no ordenamento jurídico brasileiro, destrinchando também as conjunturas configuradoras da novel qualificadora; e investigar os apontamentos doutrinários e jurisprudenciais acerca da sua natureza jurídica.
Parte-se da hipótese de que a qualificadora do feminicídio é de índole subjetiva, tendo em vista que a verificação do contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher ou do menosprezo ou discriminação à condição de mulher guarda relação com a esfera interna do agente, correspondendo à sua motivação para a prática delitiva. Dizer o contrário conduziria ao disparate de afirmar que o feminicídio é meio ou modo de execução do crime, revelando-se, dessa maneira, uma circunstância objetiva.
A pesquisa, no que concerne à abordagem, será qualitativa, tratando-se de estudo baseado em dados secundários extraídos da doutrina, da jurisprudência, de artigos científicos e jornalísticos, bem como da legislação vigente acerca do tema. Para alcançar a finalidade almejada, será realizado levantamento bibliográfico sobre a violência contra a mulher, a inserção do feminicídio no ordenamento jurídico brasileiro e, por fim, os posicionamentos relativos à natureza jurídica da circunstância.
O primeiro capítulo de desenvolvimento deste trabalho apresentará a problemática da violência de gênero e sua histórica construção alicerçada na estrutura patriarcal. Como premissa para a compreensão do problema proposto por este estudo, será abordado o conceito de gênero, a violência presente nas relações de gênero e a luta contra essa violência liderada pelo movimento feminista. Além de convenções e legislações representativas do avanço na igualdade de gênero, traz-se à baila também a história de Maria da Penha Maia Fernandes, que dialetiza com a edição da Lei nº 11.340/2006, marco histórico do direito das mulheres no Brasil.
No capítulo seguinte, analisar-se-á o feminicídio no país, explorando o contexto da promulgação da Lei nº 13.104/2015, responsável pela sua inserção no ordenamento jurídico. Após um breve panorama da positivação do instituto nos Estados ibero-americanos, relata-se alguns posicionamentos doutrinários acerca da assertividade do legislador pátrio, explicando de forma pormenorizada as hipóteses em que restará configurada a qualificadora.
O terceiro capítulo, por sua vez, enuncia os posicionamentos doutrinários relativos à natureza jurídica do feminicídio. Para uma melhor cognição do item, é realizada, inicialmente, uma apresentação da classificação das qualificadoras do homicídio. Depois, passa-se à análise das correntes relativas à natureza jurídica do feminicídio, que se dividem em objetiva, subjetiva e híbrida, demonstrando-se, ainda, uma possível solução ao dissenso doutrinário.
Por fim, o quarto capítulo revela o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema, sendo a Corte o órgão responsável por uniformizar a interpretação da lei federal em todo o Brasil. O tópico se inicia com a explanação do entendimento dos tribunais pátrios, que tanto divergiram até que o STJ se pronunciasse. Na sequência, descreve-se o contexto em que se deram as primeiras manifestações da Corte sobre a natureza jurídica do feminicídio, apontando em que sentido caminha a sua jurisprudência até os dias atuais.
A compreensão da necessidade de uma tutela diferenciada às mulheres na busca de uma igualdade aristotélica pressupõe a assimilação da problemática da violência de gênero e sua construção histórica patrocinada pelo patriarcalismo. Para tanto, é preciso depreender os papéis sociais de gênero, a violência contra a mulher e a luta encabeçada pelo movimento feminista contra essa violência.
No âmbito brasileiro, se mostra impossível tratar dos temas supramencionados sem trazer à baila a história de Maria da Penha Maia Fernandes, mulher cujos direitos humanos foram violados de forma tão severa ao ponto de ocasionar a condenação internacional do Brasil frente a sua inércia jurídica, culminando na edição da Lei nº 11.340/2006, que tem por objetivo coibir a violência doméstica e familiar contra o gênero feminino.
Nessa toada, o presente capítulo visa a expor, como meio imprescindível para a compreensão do problema proposto por esta monografia, os antecedentes históricos do feminicídio, abarcando tanto a historicidade das demandas apresentadas pelas mulheres, quanto o ciclo da violência de gênero, que, não raro, encontra sua forma mais grave na eliminação da vida da mulher.
Em primeiro lugar, se faz necessário conceituar gênero, perpassando tal conceito, invariavelmente, pelos papéis sociais atribuídos a cada um dos sexos. Para Guacira Lopes Louro (2007), a teoria do gênero enfatiza a construção social e histórica produzida sobre as características biológicas de um corpo. No mesmo sentido, anota a socióloga Joan Scott que:
O termo "gênero" também é utilizado para designar as relações sociais entre os sexos. Seu uso rejeita explicitamente explicações biológicas, como aquelas que encontram um denominador comum, para diversas formas de subordinação feminina, nos fatos de que as mulheres têm a capacidade para dar à luz e de que os homens têm uma força muscular superior. Em vez disso, o termo "gênero" torna-se uma forma de indicar "construções culturais" - a criação inteiramente social de ideias sobre os papéis adequados aos homens e às mulheres. Trata-se de uma forma de se referir às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas de homens e de mulheres. "Gênero" é, segundo esta definição, uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado. (SCOTT, 1995, p. 75)
E é a repetição cultural que faz com que as características tidas como masculinas e femininas sejam tomadas como inerentes ao indivíduo, revelando o quão tênue é a linha divisória entre natureza e cultura. Com certa frequência, a ideia de gênero se confunde com a noção de sexo, o qual representa a dicotomia binária macho/fêmea, determinada na formação genitália do feto. Nesse diapasão, Juliana Anacleto dos Santos destaca que:
O conceito de gênero é construído como categoria social que interfere no cotidiano das pessoas. Antes mesmo de nascer já são criadas expectativas para o novo indivíduo. A primeira pergunta a nova alma anunciada é: “É menino ou menina?” Da cor do quarto a escolha profissional, as oportunidades de vida já são construídas pela família que o espera. Sua suposta fragilidade ou virilidade já está construída no imaginário social familiar e será levado consigo por toda vida, tendo peso imponderável em suas escolhas pessoais. Mais do que uma identidade apreendida, o gênero desta nova alma estará imerso nas complexas teias das relações sociais, políticas, econômicas e psicológicas entre homens e mulheres; relações estas que fazem parte da estrutura social institucionalizada da sociedade. Esta construção é dada através de processos de socialização e educação dos sujeitos para se tornarem homens ou mulheres e ainda, no estabelecimento dos padrões sociais entre eles. (SANTOS, 2006, p. 8)
Analisando isoladamente o conceito supramencionado, poder-se-ia afirmar que a violência de gênero abarca tanto a violência de homens contra mulheres quanto a de mulheres contra homens, haja vista que se delimita quando é exercida de um sexo sobre o outro. Todavia, a violência presente nas relações de gênero tem como aliada a ordem sociocultural patriarcal, que é responsável por tornar a mulher a vítima preferencial.
Heleieth Saffioti (2004, p. 44) conceitua o patriarcado como “o regime da dominação-exploração das mulheres pelos homens”. Com efeito, ao examinar os papéis sociais de gênero, nota-se uma supervalorização dos papéis masculinos em relação aos femininos. Tal fato propicia uma condição de subordinação da mulher perante o homem, que se vale do patriarcado para situar-se em uma posição privilegiada nas relações de poder, atuando predominantemente na esfera pública, enquanto à mulher é reservada a esfera privada.
De acordo com Maria Cecília de Souza Minayo (2005, p. 118), “os abusos e preconceitos contra as mulheres se fundam no dualismo hierárquico de origem grega que privilegia a mente”, sendo a atribuição da representação da lógica e da razão ao homem um padrão cultural milenar. Em contrapartida, sempre subsistiu um preconceito contra o corpo feminino, que é descrito como o lócus da corporalidade, da emoção, das coisas efêmeras.
Já nesse tempo foi se consolidando a hipossuficiência da mulher, que foi colocada em uma posição de subserviência e passividade frente ao homem, razão pela qual a sociedade patriarcal a enxerga como detentora de menores responsabilidades e importância social. Nessa toada, são toleradas formas de discriminação contra a mulher e disseminadas práticas sociais que autorizam os mais diversos ataques contra a sua integridade, desenvolvimento e liberdade.
Em reforço a esses argumentos, cumpre mencionar o entendimento trazido pela Convenção de Belém do Pará, concluída em 1994, no sentido de que a violência contra a mulher, compreendida como uma modalidade da violência de gênero, constitui uma “ofensa contra a dignidade humana e é manifestação das relações de poder historicamente desiguais entre mulheres e homens”, permeando todos os setores da sociedade e afetando de forma negativa suas próprias bases.
É cediço que o feminicídio é uma das facetas mais perversas da violência de gênero. Isso porque a violência contra as mulheres se dá, na maioria das vezes, de forma progressiva, tratando-se de um processo cujas primeiras manifestações são bastante sutis, tornando-se gradativamente mais expressivas.
A psicóloga norte-americana Lenore Edna Walker identificou que as agressões perpetradas em um contexto conjugal são periódicas, ocorrendo dentro de um ciclo que é constantemente repetido. Com muita didática, o Instituto Maria da Penha divide esse ciclo em três fases: aumento da tensão, ato de violência e arrependimento e comportamento carinhoso.
Em um primeiro momento, o agressor se mostra tenso e facilmente irritável, tendo acessos de raiva por questões insignificantes. É comum que, nessa fase, a vítima não reconheça o que está havendo, escondendo os eventos das demais pessoas e isentando o agressor de culpa pelo seu comportamento, seja porque atribui a si própria essa culpa ou porque entende ser oriunda de um fato alheio ao casal.
Com o aumento da tensão, é muito provável que a situação evolua para a próxima fase, na qual ocorre a explosão do agressor, que materializa todo o estresse em violência verbal, física, psicológica, moral e/ou patrimonial. Embora consciente do poder destrutivo que o agressor tem em relação à sua vida, é comum que a mulher se sinta paralisada diante da tensão psicológica severa que está sofrendo.
Após esse momento, costuma ocorrer um distanciamento da vítima em relação ao agressor. Este, todavia, se mostra arrependido, tornando-se amável em busca da reconciliação, o que, em geral, se concretiza pela pressão que a mulher sente de manter o seu relacionamento perante a sociedade. Ademais, é recorrente que os agressores construam uma autoimagem de parceiros perfeitos e ótimos pais, dificultando a constatação da violência pela mulher e diminuindo a credibilidade de uma eventual denúncia.
O casal, finalmente, passa por um período relativamente calmo, satisfazendo a mulher que constata os esforços e a mudança de atitude. Com a demonstração de remorso pelo agressor, a vítima passa a se sentir responsável por ele, estreitando a relação de dependência preexistente. Por fim, a tensão volta a ter lugar e, com ela, as agressões da primeira fase.
Convém salientar que, com o passar do tempo, os intervalos entre uma etapa e outra ficam menores, tendendo as agressões a acontecerem sem obedecer à ordem das fases. Para que o ciclo da violência não termine com o feminicídio, é necessário reconhecê-lo e quebrá-lo, o que somente se mostra possível a partir do fortalecimento de uma rede de apoio à mulher vítima dessa violência.
A visibilidade da problemática da violência de gênero muito deve ao movimento feminista, o qual, segundo Bueno (2011), resume-se na busca da melhoria da condição de vida das mulheres, eliminando as desvantagens relacionadas ao status alcançado pelos homens ao longo da história.
O reconhecimento da maior vulnerabilidade a que se submetem as mulheres tem como marco inicial Olympe de Gouges, pseudônimo da vanguardista Marie Gouze, que, liderando um grupo de teatro formado exclusivamente por mulheres, defendia a emancipação feminina, a instituição do divórcio e o fim da escravatura.
Como resultado da luta por igualdade representada pela Revolução Francesa, a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, publicada em 1789, consagrou em seu artigo primeiro o princípio da igualdade, com os seguintes dizeres: “Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum”.
Embora a Declaração tenha representado um grande avanço para a noção de igualdade, as mulheres não foram alçadas à categoria de sujeito de direitos. Buscando corrigir esse erro, Olympe de Gouges apresentou uma Declaração de Direitos da Mulher e da Cidadã à Assembleia Nacional da França, em 1791, cujo artigo primeiro proclamava que “A mulher nasce livre e tem os mesmos direitos do homem. As distinções sociais só podem ser baseadas no interesse comum”.
Os franceses, por óbvio, não estavam preparados para este ato político, que fez com que a dramaturga fosse guilhotinada em 1793, após ser denunciada por ser uma “mulher desnaturada” e, sem direito à advogado, condenada como contra revolucionária. Nada obstante o insucesso do ato, foi aberto um espaço para provocações e questionamentos em relação aos direitos das mulheres.
Com o passar do tempo, outras Olympes surgiram e deram força ao feminismo, que veio a constituir o movimento social mais importante do século XX. Acerca do tema, anota Maria Cecília de Souza Minayo que:
A partir da segunda metade desse século, sua estratégia de ação [do feminismo] se centrou na desconstrução das seculares raízes culturais da inferioridade feminina e do patriarcalismo, nas denúncias das diversas formas de violência, nas tentativas de modificar as leis que mantinham a dominação masculina e na construção de novas bases de relação, protagonizada por mudanças de atitudes e de práticas nas relações interpessoais. (GOMES; MINAYO; SILVA, 2005, p. 119)
A partir da segunda onda feminista, no início da década de 1960, iniciaram-se estudos acerca do gênero na Europa e nos Estados Unidos que aturaram como uma resposta ao determinismo biológico que guiava o processo de diferenciação entre os sexos até então. Na mesma época, o movimento das mulheres vociferou pela incorporação do princípio da igualdade entre homens e mulheres nos estatutos legais.
Apesar de avanços no sentido de garantir a paridade entre os gêneros, as teóricas feministas ainda questionavam a insuficiência dessas conquistas para alcançar uma isonomia material, aduzindo que o idêntico tratamento legal jamais poderia igualar homens e mulheres. Passaram, então, a cobrar mudanças na legislação que propiciassem ao gênero feminino a satisfação de suas necessidades particulares, discussão que possibilitou abordar questões mais profundas como gravidez, violência doméstica e pornografia, temas negligenciados pelas feministas liberais em favor daqueles ligados ao acesso igualitário ao poder econômico.
Pouco depois, a década de 1970 ficou marcada pelos primeiros movimentos feministas que clamavam pela punição dos chamados crimes passionais e pelo abandono do instituto da legítima defesa da honra, comumente invocado quando do julgamento dos agressores de mulheres, que se valem da influência do sexismo reinante na sociedade patriarcal.
Em 1979, as Nações Unidas aprovaram a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), a qual representa um marco da concretização da igualdade material feminina, tratando-se do primeiro tratado internacional a dispor amplamente sobre os direitos humanos das mulheres. A Convenção estabeleceu um duplo compromisso a ser cumprido pelos Estados-parte: reprimir qualquer forma de discriminação contra a mulher e promover os direitos desta na busca da igualdade de gênero.
De acordo com Flávia Piovesan (2013, p. 268), até dezembro de 2012, a CEDAW contava com a adesão de 187 Estados-partes. Destaca a autora que, refletindo tal dado a maciça ratificação da Convenção pelos países, fica evidenciado “o paradoxo de ser o instrumento que recebeu o maior número de reservas formuladas pelos Estados, dentre os tratados internacionais de direitos humanos”, consistindo a maior parte das reservas em óbices culturais, religiosos e legais à aplicação do artigo 16, que trata da igualdade entre os sexos na seara familiar.
No Brasil, foi na transição dos anos 70 para os anos 80 que a problemática trazida a público e politizada pelo movimento feminista ganhou notoriedade. Nessa época surgiram os primeiros programas desenvolvidos em parceria com o Estado com o intuito de erradicar a violência contra a mulher, podendo-se citar como exemplo a criação de serviços como os oferecidos pelas Delegacias Especializadas de Atendimento às Mulheres, as casas-abrigo e os centros de referência multiprofissionais cujo enfoque era, principalmente, a violência sexual e física cometida por pessoas com quem as vítimas mantinham relação íntima de afeto.
Narra Bueno (2011) que, em meados da década de 1980, o movimento feminista brasileiro se articulou com o objetivo de fundar um órgão representativo dos direitos das mulheres junto ao governo federal. Tal organização culminou na criação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, instituído pela Lei nº 7.353/85, que previu como finalidade a promoção de políticas que buscam eliminar a discriminação contra o gênero feminino, bem como assegurá-lo condições de liberdade e de igualdade de direitos, além de plena participação nas atividades políticas, econômicas e culturais do país.
O Conselho, articulado com vários núcleos do movimento feminista nacional, buscou conscientizar a sociedade civil e a Assembleia Constituinte sobre os direitos da mulher, chegando a elaborar a “Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes”, que descrevia as propostas e reivindicações a serem acolhidas pelo novo texto constitucional. Os anseios do chamado ‘lobby do batom’ foram efetivamente atendidos pelo legislador constituinte, que incorporou a dimensão material do princípio da igualdade à ordem constitucional, alçando-o à categoria de objetivo fundamental da República.
Ainda segundo Bueno, considerando todos os dispositivos alusivos à mulher consubstanciados na Magna Carta de 1988, é possível identificar doze eixos temáticos: dignidade da pessoa humana (art. 1º, III); igualdade formal (caput do art. 5º); igualdade genérica entre homens e mulheres, em direitos e obrigações (art. 5º, I); igualdade entre os sexos em relação a direitos e deveres decorrentes das entidades familiares (art. 226, §§ 3º, 4º e 5º); direitos relativos ao trabalho (art. 7º, XX e XXX); direitos políticos (artigos 14 e 15); igualdade entre os sexos na aquisição da propriedade (art. 183, §1º e art. 189, parágrafo único); direitos relativos à proteção da maternidade (art. 6º, art. 7º, XVIII, art. 201, II, art. 203, I, todos da CR/88 e art. 10, II, b do ADCT); igualdade no gozo do direito à educação (art. 206, I); direito à aposentadoria (art. 40, III, a e artigo 201, §7º, I e II); direito à participação nos quadros militares (art. 143, §2º); e, finalmente, proteção contra a violência doméstica (art. 226, §8º).
Em 1994, foi realizada a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, comumente chamada de Convenção de Belém do Pará, por ter sido lá concluída. Através dela, foram reforçadas as obrigações estatuídas pela CEDAW, ampliando a previsão de medidas voltadas à erradicação da violência contra a mulher.
Uma vez positivadas as premissas supracitadas na Constituição, teve início um árduo processo de implementação de políticas afirmativas e de adequação da legislação ordinária à nova ordem constitucional. É nesse cenário que nasce a Lei nº 11.340/06, cujo artigo primeiro fundamenta os dispositivos legais no próprio artigo 226, §8º da CR/88, bem como na CEDAW e na Convenção de Belém do Pará.
Maria da Penha Maia Fernandes é uma farmacêutica bioquímica graduada pela Universidade Federal do Ceará em 1966. No ano de 1974, Maria da Penha iniciou um mestrado em Parasitologia em Análises Clínicas na Universidade de São Paulo, onde conheceu Marco Antônio Heredia Viveros, um colombiano pós-graduando em Economia. O que viria a ser o seu algoz se apresentava à época como um homem amável, educado e solidário com todos à sua volta, pelo que conquistou a bioquímica.
Pouco tempo depois, Maria da Penha e Marco Antônio iniciariam um namoro, contraindo matrimônio no ano de 1976. Depois do nascimento da primeira filha e da conclusão do mestrado de Maria da Penha, em 1977, eles se mudaram para Fortaleza, cidade natal da jovem mestra. Tudo corria bem até que nasceu a segunda filha do casal, momento em que a história de amor se transformou em um pesadelo.
Quando Marco Antônio obteve a cidadania brasileira e se estabilizou profissional e economicamente, passou a se apresentar como um homem intolerante e agressivo em relação à esposa e às próprias filhas. Narra Maria da Penha que vivenciou o ciclo da violência por várias vezes, tornando-se cada vez mais frequentes o medo, a tensão e as atitudes violentas.
Consoante já explanado pelo presente capítulo, existe uma fase do ciclo da violência doméstica em que o agressor se mostra arrependido e determinado a mudar de atitude. Foi nessa fase, conhecida como “lua de mel”, que Maria da Penha, esperançosa com a reconciliação, deu à luz a sua terceira filha. Nada obstante, Marco Antônio voltou a se portar de forma agressiva, tendo acessos de raiva sem razão aparente.
O ponto alto das agressões ocorreu no dia 29 de maio de 1983, quando Maria da Penha acordou com um tiro nas costas que, segundo o seu marido, havia sido disparado por assaltantes. Em decorrência desse episódio, Maria da Penha ficou paraplégica devido a lesões irreversíveis na terceira e quarta vértebra torácica, laceração na dura-máter e destruição de um terço da medula, além de outras complicações físicas e traumas psicológicos.
Depois de 4 (quatro) meses hospitalizada, Maria da Penha foi mantida em cárcere privado por cerca de 15 (quinze) dias, ocasião em que Marco Antônio tentou eletrocutá-la durante o banho. Nesse ínterim, a família de Maria da Penha providenciou a sua segura saída de casa, dando a ela o apoio jurídico necessário para que sua conduta não configurasse abandono de lar, o que poderia levar à perda da guarda das filhas.
Para a sua surpresa, ao buscar justiça pelo ocorrido, Maria da Penha foi revitimizada pelo Poder Judiciário. O descaso com que o crime foi enfrentado fez com que Marco Antônio somente fosse julgado em 1991, oportunidade em que foi sentenciado à 15 (quinze) anos de prisão, embora tenha aguardado o julgamento dos recursos impetrados em liberdade.
Sentindo-se frustrada pela ineficácia da sua luta por justiça, Maria da Penha decidiu escrever um livro narrando toda a sua história e juntando o andamento processual, o qual recebeu o título “Sobrevivi... posso contar”, vindo a ser publicado em 1994. Ainda assim, Marco Antônio teve sua pena reduzida para 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de prisão por ocasião do julgamento ocorrido no ano de 1996, sendo que, mais uma vez, a pena não foi iniciada.
Em 1997, o livro supramencionado chegou ao conhecimento do Centro para a Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e do Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM). Enquanto o CLADEM pode ser conceituado como uma rede feminista pelos direitos das mulheres atuante no Caribe e na América Latina, o CEJIL é um consórcio de direitos humanos que visa a plena implementação das normas internacionais de direitos humanos no direito interno dos estados-membros da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Essas ONGs foram determinantes para que a história de Maria da Penha tomasse uma proporção internacional, uma vez que sugeriram a ela que denunciasse o caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA. A denúncia fundava-se na negligência com que os casos de violência doméstica eram tratados no Brasil, país que já era signatário de diversos tratados acerca do tema, como o Pacto de San José da Costa Rica, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher.
Mesmo após receber 4 (quatro) ofícios da CIDH/OEA, o Brasil permaneceu inerte. No entanto, em 2001, o país foi responsabilizado por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica perpetrada contra as mulheres. Na oportunidade, a Comissão recomendou ao Estado brasileiro a conclusão do processamento penal de Marco Antônio Heredia Viveros, a reparação simbólica e material à Maria da Penha, particularmente pela falha em oferecer um recurso rápido e efetivo, e a identificação e execução de um processo de reforma que evite a tolerância estatal em relação à violência doméstica.
Diante das recomendações da OEA, foi formado, em 2002, um consórcio de ONGs feministas para a elaboração de uma lei destinada ao combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. Depois de muitos debates, o Projeto de Lei nº 4.559/2004 foi aprovado por unanimidade na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, sendo a Lei nº 11.340 sancionada pelo então Presidente Luiz Inácio Lula da Silva no ano de 2006.
Embora a prisão de Marco Antônio tenha ocorrido apenas 6 (seis) meses antes da prescrição dos seus crimes, perfazendo-se 19 (dezenove) anos e 6 (seis) meses da luta de Maria da Penha, ela teve a reparação material e simbólica recomendada pela CIDH/OEA. Além de uma indenização recebida pelo Estado do Ceará, a lei supra foi batizada com o seu nome, homenageando-a pelo seu empenho contra as violações dos direitos humanos das mulheres.
Desde então, Maria da Penha recebeu um reconhecimento nacional e internacional, atuando ativamente para divulgar a Lei nº 11.340/2006 e contribuir para a conscientização dos operadores do Direito, da classe política e da sociedade sobre a importância da sua correta aplicabilidade. Assim, Maria da Penha acredita que forma multiplicadores, o que também se pretende pela inserção de sua história no presente trabalho.
3 SURGIMENTO DA QUALIFICADORA DO FEMINICÍDIO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
A curva ascendente da violência contra a mulher por razões de gênero – ou o seu conhecimento por parte do Poder Público – inspirou alguns Estados da América Latina a positivarem o feminicídio em seus ordenamentos jurídicos. Tal movimento se deve, principalmente, às decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos relacionadas à omissão dos Estados na investigação de crimes relacionados à violência de gênero, como aquela proferida no caso Maria da Penha.
Para exemplificar a adesão maciça dos países à positivação do feminicídio a partir dos anos 2000, destaca-se que os seguintes Estados ibero-americanos incorporaram o instituto às suas legislações internas: Costa Rica, em 2007; Guatemala, em 2008; El Salvador, em 2010; Panamá, em 2011; Nicarágua, em 2012; Bolívia e Peru, em 2013; e Venezuela, em 2014. No entanto, apesar da proximidade com que as referidas nações aderiram à positivação do feminicídio, não se percebe uma uniformidade na definição dos elementos do dispositivo legal.
Dispõem Luciana Gebrim e Pablo Borges (2014, p. 7) que, na Bolívia, o instituto foi incorporado ao Código Penal como “uma ação de extrema agressão, que viola o direito fundamental à vida e causa a morte da mulher pelo simples fato de ser mulher”, elencando diversas circunstâncias aptas a caracterizar o feminicídio. Noutra ponta, a Costa Rica o tipifica como a conduta de “quem dê morte a uma mulher com quem mantenha uma relação de matrimônio, em união de fato, declarada ou não”, restringindo bastante o alcance do instituto.
Na Guatemala, estatuiu-se que “quem no marco das relações de poder entre homens e mulheres der morte a uma mulher, por sua condição de mulher” comete feminicídio. Segundo os autores, contudo, as circunstâncias elencadas pela lei são abrangentes demais para terem aplicabilidade, tendo feito o legislador uso de expressões subjetivas, como “misoginia” e “ódio”. A Nicarágua, por sua vez, tipificou o feminicídio como o crime perpetrado pelo homem que, no marco de relações desiguais de poder, dá causa à morte de uma mulher, limitando o sujeito ativo do delito apenas ao indivíduo do sexo masculino.
No Brasil, até o ano de 2015, inexistia punição especial para a eliminação da vida da mulher por razões da condição de sexo feminino, sendo tal conduta tipificada, de forma genérica, como homicídio. Contudo, o fato de o delito constante do artigo 121 do Código Penal já contar, à época, com cinco qualificadoras, isto é, circunstâncias que alteram o intervalo da pena cominada, fazia com que o homicídio decorrente da violência de gênero recebesse os mais diversos tratamentos quando submetido à íntima convicção soberana dos jurados no Tribunal do Júri, órgão que detém a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.
De acordo com as circunstâncias apresentadas pelo caso em julgamento, o homicídio cometido contra a mulher por razões de gênero poderia ser qualificado pela torpeza, pela futilidade ou, ainda, pela impossibilidade de defesa da vítima. Se, por outro lado, os jurados entendessem que eventual ciúme motivador do crime configura motivo de relevante valor moral, poderia ser aplicada ao delito a causa de diminuição de pena prevista no §1º do artigo 121 do estatuto repressivo, comumente chamada de privilegiadora.
A Lei nº 13.104, publicada em 9 de março de 2015, alterou esse cenário a partir da criação de uma nova qualificadora para o crime de homicídio. A circunstância, que recebeu o nomen juris de feminicídio, eleva a faixa de fixação da pena quando o delito é cometido contra mulher por razões da condição de sexo feminino.
A proposta que deu origem à lei é da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito[1] da Violência Contra a Mulher. Instaurada em 2012, a CPMI tinha como objetivo investigar a problemática da violência contra o público feminino no Brasil e apurar denúncias de omissão pelo Poder Público no que tange à aplicação dos instrumentos legais destinados à proteção das mulheres em situação de violência.
O relatório final publicado pela Comissão em 2013 apontou a necessidade de mudanças legais e culturais urgentes para cessar o aumento vertiginoso de homicídios de mulheres por razões de gênero. Conforme pesquisa realizada pelo Mapa da Violência, mais de 92 (noventa e duas) mil mulheres foram mortas no país nos últimos 30 anos, 43 (quarenta e três) mil delas só na última década, o que representa um aumento de 217,6%.
Após um ano e meio de trabalho, a CPMI da Violência Contra a Mulher realizou um verdadeiro diagnóstico da situação da violência de gênero no Brasil, trazendo quase 70 (setenta) recomendações aos mais diversos órgãos e poderes constituídos. Para tanto, foram levantados inúmeros dados relativos ao tema, destacando-se, dentre eles, o fato de que a maioria das mulheres assassinadas no Brasil são mortas pelos seus próprios parceiros.
Diante disso, recomendou-se ao Estado Brasileiro maior atenção em relação ao enfrentamento da problemática da violência contra as mulheres, especialmente para reduzir os feminicídios praticados por parceiros íntimos. Nesse sentido, o Conselho Nacional de Justiça foi orientado a ampliar a competência das Varas de Violência Doméstica, de modo que estes sigam com a instrução processual até a fase de pronúncia em caso de crimes dolosos contra a vida praticados contra mulheres em um contexto de violência doméstica e familiar.
Indo mais a fundo, o Grupo de Trabalho sobre Legislação constituído pela CPMI da Violência Contra a Mulher propôs o Projeto de Lei do Senado nº 292/2013, que buscava incorporar o feminicídio às qualificadoras do crime de homicídio. No texto inicial, a circunstância era definida como uma forma extrema de violência de gênero que resulta na morte da mulher, constando da justificativa que “o feminicídio é a instância última de controle da mulher pelo homem: o controle da vida e da morte”.
Ocorre que a redação proposta pela CPMI era um tanto quanto restritiva, exigindo que o delito envolvesse relação íntima de afeto ou parentesco entre a vítima e o agressor, a prática de qualquer tipo de violência sexual contra a vítima ou mutilação ou desfiguração da ofendida. O texto trazia, ainda, a previsão de aplicação da pena sem prejuízo das sanções relativas aos demais crimes conexos ao feminicídio.
Contudo, a Lei nº 13.104/2015, sancionada pela então Presidenta Dilma Rousseff um dia após a data em que se celebra o Dia Internacional da Mulher, ganhou contornos bem diferentes. A lei promulgada define o feminicídio apenas como o homicídio perpetrado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, entendido como aquele que envolve violência doméstica e familiar ou que é praticado com menosprezo ou discriminação à condição feminina, o que permite a ampliação do alcance da novel qualificadora.
A referida lei cuidou também de causas especiais de aumento de pena aplicáveis quando da incidência da qualificadora em apreço, majorando a pena em 1/3 (um terço) até a metade se o delito for cometido durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto, contra pessoa menor de 14 (quatorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou portadora de deficiência ou na presença de ascendente ou descendente da vítima.
Na busca de melhorar o texto legal, foi editada a Lei nº 13.771/2018, que modificou as referidas majorantes e acrescentou mais uma. Assim, passaram a aumentar a pena do agente o cometimento do delito durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto, contra pessoa menor de 14 (quatorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos, portadora de deficiência ou doença degenerativa que acarrete condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental, na presença física ou virtual de ascendente ou descendente da vítima, ou em descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I, II e III do caput do artigo 22 da Lei nº 11.340/2006.
Dados do Monitor da Violência – uma parceria entre o G1, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo – revelam que quase 5 (cinco) mil feminicídios foram registrados desde que o instituto foi incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro. Verifica-se, ainda, um aumento no número de feminicídios registrados a cada ano, chegando a 1.314 (um mil trezentos e quatorze) casos só em 2019, ano em que uma mulher foi morta por razões de gênero a cada sete horas, em média.
Em entrevista ao Portal Geledés, a advogada Daniele Duque-Estrada ressalta o cuidado que se deve ter na interpretação dos dados, sendo certo que ainda existe um problema no reconhecimento de alguns casos como feminicídios, o que pode tornar os números ainda mais expressivos. Segundo a professora, antes de ser uma questão jurídica, o feminicídio é um problema sociológico, retratando a Lei nº 13.104/2015 a preocupação do Estado em evitar e coibir tal conduta dentro de um contexto que atenda às diretrizes internacionais.
Ao tratar do tema, Bitencourt (2019) destaca a assertividade do legislador contemporâneo em criar uma qualificadora especial para potencializar o combate à violência de gênero ao invés de incluir um novo tipo penal. Assim, ampliou-se de forma adequada a proteção da mulher vítima de tal violência, garantindo-lhe maior proteção sem incorrer em inconstitucionalidade decorrente de proteção excessiva e discriminatória.
Como visto, incluiu-se no homicídio uma sexta circunstância qualificadora: matar mulher por razões da condição de sexo feminino. Na verdade, a exigência de ser o homicídio cometido por tais razões é o que caracteriza o feminicídio, tendo em vista que se a lei exigisse somente que o sujeito passivo do crime fosse uma mulher a hipótese seria de femicídio.
Com o fito de realizar tal diferenciação, Rogério Sanches (2015) destaca que o feminicídio pressupõe “agressões que tenham como motivação a opressão à mulher”. Pontua, em contrapartida, que configura femicídio matar mulher sem menosprezo ou discriminação à condição de mulher, ainda que dentro da unidade doméstica e familiar. No mesmo sentido, enfatiza Fernando Capez que não se deve confundir feminicídio com femicídio, afirmando que:
Este indica o assassinato de mulheres em sentido amplo, ou seja, qualquer homicídio que tenha como vítima uma mulher, ainda que a motivação seja absolutamente alheia ao gênero. Em contrapartida, o feminicídio caracteriza-se pelo homicídio da mulher motivado justamente por questões de gênero, por razões da condição do sexo feminino. O primeiro é gênero do qual o segundo é espécie, ou seja, todo feminicídio é femicídio, mas não o contrário. (CAPEZ, 2019, p. 130)
Segundo Guilherme Nucci (2020), o elemento caracterizador do feminicídio – razões da condição de sexo feminino – diz respeito, na verdade, ao seu fundamento de criação. Uma vez que o caput do artigo 121 do Código Penal já prevê o homicídio cometido contra mulher, sendo certo que o termo “alguém” não difere condição sexual, o legislador se viu obrigado a fundamentar a opção normativa de uma nova qualificadora.
Convém destacar que o Projeto de Lei nº 8305/2014, originado do Projeto de Lei do Senado nº 292/2013, continha, inicialmente, a expressão “gênero”, que, como já explanado pelo presente trabalho, diz respeito a uma distinção baseada nos papéis sociais atribuídos ao homem e à mulher. Contudo, durante os debates ocorridos no curso do processo legislativo, a bancada de parlamentares religiosos do Congresso Nacional fez pressão para que o vocábulo “gênero” fosse substituído por “sexo feminino”, que remonta a noção de características inatas do ponto de vista biológico, sendo tal proposição aceita para viabilizar a aprovação do projeto.
Nada obstante se entenda que a expressão “razões de sexo feminino” está intimamente ligada às razões de gênero, o texto oficial da lei promulgada deu margem à uma discussão acerca dos possíveis sujeitos passivos do delito. O que se questiona, em verdade, é a possibilidade da mulher transsexual ou transgênero, isto é, cujo sexo biológico não corresponde à identidade de gênero, figurar como vítima do crime de homicídio em sua modalidade qualificada pelo feminicídio.
Acerca do tema, Rogério Greco (2019) entende que o critério jurídico é o que traduz a segurança exigida pelo direito penal, de modo que somente a portadora de um registro oficial no qual conste expressamente o seu sexo feminino poderá ser considerada como sujeito passivo do crime em tela. Lado outro, Bitencourt (2019), representando a corrente doutrinária contrária, entende que o substantivo mulher utilizado pela legislação abrange transexuais e travestis que se identifiquem como do sexo feminino.
De toda sorte, a Lei nº 13.104/2015 no intuito de elucidar o que se entende por “razões de sexo feminino”, acrescentou ao artigo 121 do Código Penal o §2º-A, que as elencou como sendo o crime que envolve violência doméstica e familiar contra a mulher ou que é praticado com menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Segue adiante as hipóteses previstas pela legislação.
O primeiro inciso da norma explicativa refere-se ao crime praticado em um contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher. Partindo de uma interpretação lógico-sistemática[2], recorre-se para fins de reconhecimento das hipóteses de violência doméstica e familiar ao conceito previsto pela Lei nº 11.340/06, criadora de mecanismos para coibir tal fenômeno.
Em seu artigo 5º, a referida lei, em consonância com a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, da qual o Brasil é signatário, define a violência doméstica e familiar contra a mulher como sendo qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico ou dano moral ou patrimonial.
Dispõe a Lei Maria da Penha, ainda, que a violência pode se dar no âmbito da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação íntima de afeto em que o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida. Reforçando essa previsão, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula nº 600, a qual assevera que não se exige coabitação entre autor e vítima para a configuração da agressão em análise.
Apesar do conceito trazido pela legislação, Cezar Roberto Bitencourt adverte que a expressão “violência doméstica e familiar” é inadequada, tendo em vista a exigência de que a situação fática apresente dupla característica. Aduz o autor que, embora seja a regra a violência ocorrer no âmbito doméstico e familiar, ela não é exclusiva, salientando que:
Poderá haver violência doméstica que não se inclua na familiar, v.g., alguém estranho a relação familiar que, por alguma razão, esteja coabitando com o agressor, ou então, que a violência recaia sobre um empregado ou empregada que presta serviços à família etc. Pois essa relação, a despeito de caracterizar-se como doméstica, não é estritamente familiar, e, com a ligação com a preposição aditiva “e”, poderá gerar intermináveis discussões sobre a necessidade de a referida violência abranger as duas circunstâncias, “doméstica e familiar”, em obediência ao princípio da tipicidade estrita. (BITENCOURT, 2019, p. 99)
Com a devida vênia, não assiste razão ao doutrinador, eis que a expressão “violência doméstica e familiar” apenas faz referência à Lei Maria da Penha, que se utiliza de igual termo para definir esse triste fenômeno em seu artigo 5º. Dessa forma, logrou êxito o legislador em atender à boa técnica jurídica, garantindo a harmonia do ordenamento pátrio.
No que tange ao menosprezo à condição de mulher para fins de caracterização da qualificadora do feminicídio, esclarece Rogério Greco (2019, p. 41) que ele “pode ser entendido no sentido de desprezo, sentimento de aversão, repulsa, repugnância à uma pessoa do sexo feminino”. No mesmo sentido, aduz Alice Bianchini (2016, p. 206) que “há menosprezo quando o agente pratica o crime por nutrir pouca ou nenhuma estima ou apreço pela mulher vítima”.
Embora o feminicídio mais comum seja aquele perpetrado por um parceiro íntimo da ofendida, nesses casos, a vítima pode ser até mesmo uma mulher desconhecida do agente. Isso porque a misoginia revelada pelo menosprezo à condição de mulher prescinde de qualquer vínculo anterior ao delito, tratando-se de um sentimento de aversão patológico pelo feminino.
Noutra ponta, a discriminação à condição feminina tem, segundo Greco (2019), o sentido de tratar de forma diferente, distinguindo pela simples condição de mulher da vítima. Elucidando o tema, Alice Bianchini (2016, p. 206) dá os seguintes exemplos de feminicídio discriminatório: “matar mulher por entender que ela não pode estudar, por entender que ela não pode dirigir, por entender que ela não pode ser diretora de uma empresa, por entender que ela não pode pilotar um avião etc.”
A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW, 1979) define a discriminação contra a mulher como toda a distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher dos direitos humanos e liberdades fundamentais, independentemente do âmbito em que se derem tais restrições.
Elucida Mariana Bueno (2011) que, até a promulgação da CEDAW, a igualdade entre os gêneros resumia-se em outorgar ao gênero feminino os mesmos direitos de que gozam os homens, garantindo às mulheres uma proteção especial apenas no que concerne às questões ligadas à sua função reprodutora. Aduz a autora, no entanto, que:
O conceito de discriminação contra a mulher trazido pela CEDAW, todavia, reformula essa noção, afirmando que a igualdade jurídica entre os homens e as mulheres não se reduz a um problema de semelhanças ou diferenças entre os sexos. A Convenção propõe que mulheres e homens são igualmente diferentes e que o tratamento igualitário não está em tratar a mulher como o homem, mas em reconhecer que será discriminatório todo tratamento que tenha por resultado a desigualdade. (BUENO, 2011, p. 67)
Tão logo o feminicídio foi inserido no ordenamento jurídico brasileiro, a doutrina pátria começou a analisar qual seria a natureza jurídica da novel qualificadora: subjetiva ou objetiva. Cinco anos após a promulgação da Lei nº 13.104/2015, o tema ainda constitui questão controvertida entre os estudiosos, sendo certo que definir tal natureza é o ponto central do problema proposto pela presente monografia.
Consoante assinalado anteriormente, embora a discussão aparente ser puramente didática, dela decorrem diversas consequências práticas. A depender da natureza jurídica adotada, modificam-se questões alusivas à comunicabilidade da qualificadora a eventuais coautores ou partícipes do crime; à possibilidade de feminicídio privilegiado; à quesitação no Tribunal do Júri; e à coexistência da qualificadora do feminicídio com as qualificadoras do motivo torpe ou do motivo fútil, que são subjetivas.
Nesse viés, serão abordados os três posicionamentos enunciados pela doutrina acerca da matéria: o que concebe o feminicídio como uma qualificadora de caráter subjetivo; o que o considera uma circunstância objetiva; e o que defende a sua natureza híbrida, dividindo as hipóteses elencadas pela norma explicativa do §2º-A do Código Penal, de modo que o cenário apresentado pelo inciso I teria caráter objetivo e a conjuntura explicitada no inciso II seria de ordem subjetiva.
Para uma melhor compreensão do tema, contudo, é essencial o conhecimento da classificação das qualificadoras do homicídio realizada pela doutrina, bem como do porquê de elas serem consideradas como circunstâncias e não como elementares do crime. Diante disso, o presente capítulo será dividido em duas partes, tratando-se primeiro da classificação das circunstâncias qualificadoras do homicídio, e explanando-se, em seguida, propriamente os apontamentos doutrinários relacionados à natureza jurídica do feminicídio.
O homicídio é considerado qualificado quando cometido dolosamente em uma das hipóteses contidas no §2º do artigo 121 do Código Penal, condutas as quais a lei comina pena de 12 (doze) a 30 (trinta) anos de reclusão, ao passo que o homicídio simples, previsto no caput do mesmo artigo, tem pena cominada em 6 (seis) a 20 (vinte) anos. Ademais, sendo o homicídio qualificado, tem ele natureza hedionda, nos termos do artigo 1º, I da Lei nº 8.072/90.
Estatui Rogério Greco (2019) que as qualificadoras devem ser consideradas como circunstâncias, e não como elementares do tipo. As elementares, segundo Estefam e Gonçalves (2019, p. 194), correspondem aos “dados essenciais da figura típica, sem os quais não há crime, ou, ainda, cuja ausência provoca o surgimento de outro delito”.
O homicídio simples tem como elementares “matar” e “alguém”, acarretando a exclusão de uma delas a atipicidade do fato ou a desclassificação para outro crime. A conduta de eliminar a vida de um objeto ao invés de uma pessoa, por exemplo, não corresponde a qualquer tipo penal, fazendo com que o fato não seja considerado crime ante a falta de tipicidade penal. Noutra ponta, o ato de, intencionalmente, lesionar uma pessoa ao invés de matá-la, faz com que o delito seja desclassificado para aquele previsto no artigo 129 do estatuto repressivo.
Já as circunstâncias, ainda segundo Estefam e Gonçalves, são “dados acessórios da figura típica que, agregados ao tipo fundamental, influem na quantidade da pena”. Elucida Greco (2019, p. 568) que “a existência ou não de uma circunstância em nada interfere na definição da figura típica, tendo a sua importância limitada ao aumento ou diminuição da pena de uma determinada infração penal”.
A título de exemplo, o cometimento mediante recurso que dificulta a defesa do ofendido previsto no inciso IV do §2º do artigo 121 constitui circunstância do homicídio, haja vista o aumento da faixa de fixação de pena estabelecida no caput. Em contrapartida, o motivo de relevante valor moral ou social contido no §1º diminui a pena-base do delito, revelando-se, outrossim, circunstância do crime de homicídio.
Ao contrário do que ocorre com as elementares do delito, o afastamento de uma circunstância não implica a atipicidade do fato ou a alteração da sua denominação jurídica. A exclusão tão somente incidirá no grau de reprovabilidade da conduta, podendo aumentar ou diminuir o patamar mínimo da pena cominada ao delito.
Em seu artigo 30, o Código Penal faz menção às circunstâncias de caráter pessoal, levando o intérprete da lei a concluir pela existência de uma divisão entre as circunstâncias dos crimes. Nessa esteira, a doutrina costuma classificar as qualificadoras do homicídio em objetivas e subjetivas, o que acarreta importantes consequências práticas.
Também chamadas de qualificadoras de caráter real, as circunstâncias objetivas, segundo o entendimento de Estefam e Gonçalves (2019, p. 194), traduzem “dados de natureza concreta, perceptíveis sensorialmente”. Sem embargo, destaca Nucci (2020) a importância de detectar, no ânimo do agente, a vontade de concretizar as qualificadoras de caráter objetivo, devendo o dolo do sujeito ativo envolver todos os elementos objetivos do tipo penal.
Alice Bianchini (2016, p. 205) enuncia que tais circunstâncias são aquelas “associadas à infração penal em si, tais como o meio, o modo de execução do crime e o tipo de violência empregado”. Por sua vez, Damásio de Jesus (1999, apud GRECO, p. 26) classifica como circunstância objetiva também aquelas que se relacionam com o tempo, ocasião, lugar, objeto material e qualidades da vítima.
Particularmente em relação ao homicídio, Cezar Roberto Bitencourt (2019) entende como circunstâncias objetivas o emprego de meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum, e a utilização de recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido, eis que tais hipóteses se relacionam aos meios e modos de execução do delito.
Insta salientar que, na hipótese de concurso de pessoas, as circunstâncias em apreço se comunicam aos concorrentes, conforme depreende-se, a contrario sensu, da regra constante do artigo 30 do estatuto repressivo. Contudo, de acordo com os ensinamentos de Damásio de Jesus (1999, apud GRECO, p. 27), a circunstância objetiva “não pode ser considerada no fato do partícipe se não entrou na esfera de seu conhecimento”.
As qualificadoras de ordem subjetiva, por sua vez, representam “dados de natureza anímica ou psíquica” que se referem à intenção do agente, conforme estatuem Estefam e Gonçalves (2019, p. 194). No mesmo sentido, Alice Bianchini (2016, p. 205) afirma que se tratam de circunstâncias “vinculadas à motivação e à pessoa do agente e não ao fato por ele praticado”. Ao proceder à distinção entre circunstâncias qualificadoras de ordem subjetiva e objetiva, Damásio de Jesus elucida que:
Circunstâncias subjetivas (de caráter pessoal) são as que só dizem respeito à pessoa do participante, sem qualquer relação com a materialidade do delito, como os motivos determinantes, suas condições ou qualidades pessoais e relações com a vítima ou com outros concorrentes. (JESUS, 1999, apud GRECO, p. 26-27)
Cezar Roberto Bitencourt (2019) divide as circunstâncias de ordem subjetiva entre as relacionadas aos motivos do agente e as alusivas aos fins por ele almejados. No que tange às qualificadoras clássicas do homicídio, isto é, àquelas existentes desde a promulgação do Código Penal em 1940, ostentam natureza subjetiva os delitos cometidos por motivo fútil ou torpe, ou para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou a vantagem de outro crime.
Já no que concerne ao homicídio perpetrado contra integrantes de órgãos da segurança pública no exercício ou em razão das funções, bem como contra seus familiares, introduzido no ordenamento jurídico brasileiro por meio da Lei nº 13.142/2015, Rogério Greco (2019) entende se tratar de uma qualificadora motivacional e, portanto, de caráter subjetivo.
Em consonância com o artigo 30 do Código Penal, Bitencourt assevera que os motivos que qualificam o homicídio, em caso de concurso de agentes, são incomunicáveis, haja vista que a motivação é individual, e as qualificadoras não constituem elementares típicas. Ademais, não se admite a imputação conjunta de duas qualificadoras subjetivas, em atenção ao princípio do non bis in idem, que estabelece a garantia de que uma mesma circunstância não enseje duas valorações jurídicas.
Superado o ponto relativo à classificação das circunstâncias qualificadoras do homicídio, passa-se à análise dos apontamentos doutrinários alusivos à natureza jurídica da qualificadora do feminicídio em específico. Tal natureza pode ser definida como o princípio ou a essência de um instituto jurídico, cuja descoberta destina-se a situá-lo dentro de determinada categoria. Em termos mais simples, definir a natureza jurídica de um instituto equivale a responder à pergunta “o que isso representa para o Direito?”.
Enquanto alguns estudiosos concebem o feminicídio como uma circunstância subjetiva, outros sustentam o caráter objetivo da qualificadora, existindo, ainda, uma corrente que defende a natureza híbrida da circunstância, dividindo os incisos da norma explicativa introduzida pela Lei nº 13.104/2015 – o §2º-A do artigo 121 do Código Penal. A seguir, analisar-se-á cada um desses posicionamentos, demonstrando, na sequência, uma possível solução ao dissenso doutrinário instaurado.
A primeira corrente doutrinária apresentada é a que classifica o feminicídio como uma qualificadora de natureza exclusivamente subjetiva. Fernando Capez (2019, p. 129) defende a subjetividade da circunstância ao pontuar sua relação com a esfera interna do agente. Segundo o professor, a qualificadora do feminicídio não poderia ser considerada como objetiva, porquanto não está relacionada com o modo ou o meio de execução do delito.
Cuida-se, assim, de circunstância de caráter pessoal que, nos termos do artigo 30 do estatuto repressivo, não se comunica aos demais agentes no caso de concurso de pessoas. Dispõe Capez, ainda, que “não existirá feminicídio privilegiado, pois só se admite crime de homicídio qualificado-privilegiado quando a qualificadora for de natureza objetiva”.
No mesmo sentido, ressalta Luiz Flávio Gomes (2015) que quando o corpo de jurados do Tribunal do Júri reconhece a causa de diminuição de pena prevista pelo §1º do artigo 121 do Código Penal fica automaticamente afastada a tese do feminicídio. Para o autor, “é impossível pensar num feminicídio, que é algo abominável, reprovável, repugnante à dignidade da mulher, que tenha sido praticado por motivo de relevante valor moral ou social ou logo após injusta provocação da vítima”.
Rogério Sanches Cunha (2015) assevera que a qualificadora do feminicídio é claramente subjetiva, tendo em vista que pressupõe motivação especial consistente no menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Igual posição compartilha Alice Bianchini, a qual defende que:
A qualificadora do feminicídio é nitidamente subjetiva. Uma hipótese: mulher usa minissaia. Por esse motivo fático o seu marido ou namorado a mata. E mata-a por uma motivação aberrante, a de presumir que a mulher deve se submeter ao seu gosto ou apreciação moral, como se dela ele tivesse posse, reificando-a, anulando-lhe opções estéticas ou morais, supondo que à mulher não é possível contrariar as vontades do homem. Em motivações equivalentes a essa há uma ofensa à condição de sexo feminino. O sujeito mata em razão da condição do sexo feminino, ou do feminino exercendo, a seu gosto, um modo de ser feminino. Em razão disso, ou seja, em decorrência unicamente disso. Seria uma qualificadora objetiva se dissesse respeito ao modo ou meio de execução do crime. A violência de gênero não é uma forma de execução do crime; é, sim, sua razão, seu motivo. (BIANCHINI, 2016, p. 216)
Em reforço ao seu posicionamento, Bianchini salienta que antes do advento da Lei nº 13.104/2015 as condutas delituosas que hoje configuram o feminicídio eram, quando trazidas ao processo criminal brasileiro, enquadradas em qualificadoras de natureza subjetiva – geralmente, motivo torpe ou motivo fútil.
Seguindo o mesmo posicionamento, Francisco Dirceu Barros (2015) salienta que “a violência doméstica, familiar e também o menosprezo ou discriminação à condição de mulher não são formas de execução do crime, e sim a motivação delitiva”. Estefam e Gonçalves (2019, p. 124), ao defender o caráter subjetivo da qualificadora, prelecionam que “não basta que a vítima seja mulher, sendo necessário, de acordo com o texto legal, que o delito seja motivado pela condição de sexo feminino”.
Para Bitencourt (2019, p. 99), o próprio móvel da conduta é o menosprezo ou a discriminação à mulher, sendo certo que na norma contida no inciso I do §2º-A o legislador presume tal menosprezo ou discriminação, revelado pela vulnerabilidade da mulher vítima de violência doméstica ou familiar. Aduz o autor que na hipótese prevista pelo inciso II é também móvel do crime “a vulnerabilidade da mulher tida, física e psicologicamente, como mais frágil, que encoraja a prática da violência por homens covardes, na presumível certeza de sua dificuldade em oferecer resistência contra o agressor machista”.
Por fim, José Nabuco Filho (2015, p. 208) dispõe que “o feminicídio é uma qualificadora de natureza subjetiva, que se configura se o autor matar a mulher motivado por sua condição feminina”. Nesse sentido, ressalta a inutilidade do supracitado §2º-A, afirmando que ele induz a uma interpretação equivocada de que o feminicídio seria uma qualificadora objetiva, contradizendo a definição da própria qualificadora.
Por outro lado, tem ganhado força a corrente doutrinária que compreende o feminicídio como uma circunstância qualificadora de caráter objetivo. Defendendo tal vertente, Rogério Greco (2019, p. 93) preceitua que “o feminicídio deve ser considerado como uma qualificadora de natureza objetiva, uma vez que o inciso VI do §2º do art. 121 do Código Penal somente exige, para a sua configuração, que o homicídio seja praticado contra mulher por razões da condição de sexo feminino”.
Na mesma toada, Nucci (2020) dispõe que a qualificadora do feminicídio se liga ao gênero da vítima: ser mulher. Refutando alguns dos argumentos contrários à classificação por ele adotada, advoga que a utilização, pela lei, da expressão “razões de condição de sexo feminino” não revela qualquer natureza subjetiva na qualificadora, não sendo essa a motivação do homicídio. Este, na verdade, é cometido por motivos variados, tais como ódio, raiva, ciúme, disputa familiar, prazer, sadismo, que podem ser torpes, fúteis ou moralmente relevantes.
Segundo o autor, o prisma do feminicídio é matar a mulher por razões da condição de sexo feminino, salientando que a condição de fragilidade da mulher frente ao homem possui natureza objetiva. Nucci trata ainda da possibilidade de coexistência entre a qualificadora do feminicídio e circunstâncias de cunho subjetivo, afirmando que:
Sendo objetiva, pode conviver com outras circunstâncias de cunho puramente subjetivo. Exemplificando, pode-se matar a mulher, no ambiente doméstico, por motivo fútil (em virtude de uma banal discussão entre marido e esposa), incidindo duas qualificadoras: ser mulher e haver motivo fútil. Essa é a real proteção à mulher, com a inserção do feminicídio. Do contrário, seria inútil. Fosse meramente subjetiva (ou até objetivo-subjetiva como pretendem alguns), considerar-se-ia o homicídio suprailustrado como feminicídio apenas. E o motivo do agente? Seria desprezado por completo? O marido/companheiro/namorado mata a mulher porque se sente mais forte que ela, o que é objetivo, mas também porque discutiu por conta de um jantar servido fora de hora (por exemplo). (...) Sob outro aspecto, a qualificadora é objetiva, permitindo o homicídio privilegiado-qualificado. O agente mata a mulher em virtude de violenta emoção seguida de injusta provocação da vítima. O companheiro surpreende a companheira tendo relações sexuais com o amante em seu lar, na frente dos filhos pequenos. Violentamente emocionado, elimina a vida da mulher porque é mais forte – condição objetiva, mas o faz porque ela injustamente o provocou. Podem os jurados, levado o caso a julgamento, reconhecer tanto a qualificadora de crime contra a mulher assim como a causa de diminuição do § 1.º do art. 121. (NUCCI, 2020, p. 613)
Por sua vez, Amom Albernaz Pires (2015), também defendendo a natureza objetiva da qualificadora do feminicídio, argumenta que a circunstância descreve um tipo específico de violência contra a mulher. O autor ressalta que as razões da condição de sexo feminino não constituem o móvel imediato da conduta, de modo que as hipóteses previstas pelo §2º-A do artigo 121 do Código Penal não se confundem com o contexto fático caracterizador da violência de gênero, podendo o agressor agir impelido por diversas motivações.
Desse modo, caberá ao Conselho de Sentença do Tribunal do Júri realizar mera avaliação objetiva da presença de uma das hipóteses legais de feminicídio: violência doméstica e familiar contra a mulher ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Preleciona, ademais, que tal avaliação objetiva já ocorre na verificação, pelo Magistrado, da incidência da agravante contida no artigo 61, II, f, parte final do estatuto repressivo, o qual prevê a exasperação da pena quando o agente cometer o crime com violência contra a mulher, salientando que a agravante genérica ficará prejudicada em caso de configuração da qualificadora do feminicídio, sob pena de bis in idem vedado pelo caput do artigo 61.
Se acolhidos tais argumentos, a conclusão é pela possibilidade de feminicídio privilegiado ante a compatibilidade das qualificadoras de ordem objetiva com a causa de diminuição de pena contida no §1º do artigo 121 do Código Penal. Assim, ainda que os jurados reconheçam a incidência do privilégio, o Magistrado deverá submeter à votação o quesito concernente à qualificadora do feminicídio.
Para Amom, entender que o acolhimento da minorante é incompatível com a qualificadora do feminicídio, ao fundamento de que esta teria natureza subjetiva, conduziria ao disparate de se estar diante de um caso típico de violência de gênero e o quesito atinente ao feminicídio sequer chegar a ser votado pelo Conselho de Sentença, pois foi acatado o privilégio em momento anterior.
Conforme já exposto, a configuração da qualificadora do feminicídio exige que o homicídio tenha ocorrido por razões da condição de sexo feminino. Contudo, optou o legislador, quando da edição da Lei nº 13.104/2015, por redigir uma norma explicativa – o §2º-A do artigo 121 do Código Penal – separando essas razões em dois incisos, de modo que o primeiro versou sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher e o segundo sobre o menosprezo ou a discriminação à condição de mulher.
Ocorre que tais requisitos legais são alternativos, bastando a ocorrência de uma das situações supracitadas para se configurar a modalidade qualificada do crime de homicídio. Nesse sentido, surgiu, em contraponto com os posicionamentos anteriores, uma corrente doutrinária segundo a qual a qualificadora do feminicídio teria natureza híbrida, dividindo as hipóteses elencadas no §2º-A.
Seguindo essa linha, César Dário Mariano da Silva (2015) aduz que a qualificadora em apreço tanto pode ter natureza objetiva quanto subjetiva. Isso porque o feminicídio pode estar presente quando a conduta envolver violência doméstica e familiar contra a mulher (§2º-A, I), que diz respeito ao modo de execução do crime, ou quando for praticada com menosprezo ou discriminação à condição de mulher (§2º-A, II), sentimentos referentes ao motivo do delito.
Tratando da possibilidade do agente agir impelido por motivo de relevante valor moral e cometer o crime envolvendo violência doméstica e familiar, o autor afirma que poderá ser reconhecido o homicídio qualificado-privilegiado, dada a natureza objetiva da qualificadora em comento. Se, por outro lado, o agente matar uma mulher sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação da vítima, não poderá ser reconhecida a qualificadora do crime cometido em virtude de menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
Igual posicionamento sustentam Everton Zanella, Marcio Escudeiro, Márcio Friggi e Virgílio Amaral (2015) ao afirmarem que “a primeira ilação obtida da análise do conceito jurídico de violência doméstica e familiar é que, nessa vertente, a qualificadora tem natureza objetiva”. Para os membros do Ministério Público de São Paulo, nada obstante a disposição remeta à noção de motivação quando trata das razões da condição de sexo feminino, as definições contidas na Lei nº 11.340/2006 sinalizam contexto de violência de gênero, consubstanciando este um quadro fático-objetivo, e não subjetivo.
Noutra ponta, ao analisar o inciso II do §2º-A, os autores sustentam que o menosprezo ou a discriminação à condição de mulher configuram o motivo imediato do crime, independentemente do cenário no qual se deu o delito, revelando a natureza subjetiva da circunstância identificada no inciso. Nessa hipótese, o feminicídio poderia se conjugar com as qualificadoras objetivas de meio e de modo de execução do delito, mas nunca com aquelas indicativas de outros motivos diretos do crime.
Além disso, sendo as causas de diminuição de pena votadas pelos jurados antes das qualificadoras, conforme o disposto no artigo 483 do Código de Processo Penal, eventual acolhimento de tese de homicídio privilegiado prejudicaria o quesito concernente à qualificadora do feminicídio caso o crime tenha sido perpetrado nos termos do artigo 121, §2º-A, inciso II do Código Penal. Todavia, no caso de feminicídio decorrente de violência doméstica ou familiar, a solução é outra, eis que a qualificadora de ordem objetiva pode coexistir com a minorante, que possui natureza subjetiva.
De mais a mais, o coautor ou partícipe de feminicídio responderá pela modalidade qualificada se o crime for cometido em contexto de violência doméstica ou familiar, desde que tal cenário tenha ingressado na sua esfera de conhecimento. Sob outro prisma, a conduta motivada pelo menosprezo ou discriminação à condição de mulher não se comunica ao concorrente, visto que se trata de circunstância de caráter pessoal. Em decorrência disso, o agente, ainda que impelido pela mesma razão, concorre no feminicídio por motivo próprio e não em virtude das regras de comunicabilidade constantes do artigo 30 do Código Penal.
Além do reconhecimento da natureza híbrida da qualificadora do feminicídio, há uma outra possível solução à controvérsia observada na doutrina. A hipótese foi levantada por Francisco Dirceu Barros, Procurador Geral de Justiça do Estado do Pernambuco, filiado à corrente segundo a qual o feminicídio é uma qualificadora de índole subjetiva, estando umbilicalmente ligado à motivação do agente.
Aponta o autor que, nada obstante a adoção da natureza objetiva do feminicídio pareça interessante para fortalecer o combate à morte de mulheres, ele conduziria a duas conclusões práticas perigosas. Em primeiro lugar, sendo o feminicídio uma circunstância de natureza objetiva, seria possível a sua imputação conjunta com qualificadoras de ordem subjetiva, dentre elas a relativa ao motivo torpe.
Partindo da definição da torpeza como o fundamento baixo, desprezível, abjeto, que repugna a coletividade, pergunta o autor: matar uma mulher por razões da condição de sexo feminino, revelando um menosprezo ou discriminação à condição de gênero, já não seria algo desprezível? Caso se entenda que sim, deve-se concluir que o feminicídio já traz em sua essência o conceito de torpeza, acarretando bis in idem a cumulação das duas qualificadoras.
Ademais, tendo em vista que o concurso entre a causa de diminuição de pena prevista no §1º do artigo 121 do Código penal e as qualificadoras objetivas é aceito pela jurisprudência dos tribunais superiores, defender o caráter objetivo do feminicídio abriria espaço para o que o autor chama de “inaceitável e maquiavélica consolidação do feminicídio privilegiado: o privilégio de matar mulheres”.
Ante o exposto, entende o Procurador-Geral que a única solução plausível para que matar mulher por razões de gênero não seja um fato fomentador de privilégio é a retirada da circunstância das qualificadoras do homicídio, tornando-se um crime autônomo com pena igual à do latrocínio, isto é, de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos de reclusão.
Dessa forma, não haveria a possibilidade de incidência do privilégio, tampouco de coexistência com a qualificadora alusiva à torpeza, eis que as circunstâncias previstas pela Parte Especial do Código Penal somente se aplicam aos tipos fundamentais a que estão atreladas. Por mais esdrúxula que possa parecer a solução proposta por Barros, essa pode se apresentar como a única forma de garantir maior punição aos agressores de mulheres, sem, contudo, admitir o disparate revelado por um feminicídio privilegiado.
Assim como a doutrina, a jurisprudência também diverge em relação à natureza jurídica da qualificadora do feminicídio. Enquanto alguns tribunais entendem se tratar de uma circunstância subjetiva, relacionada à motivação do agente, outros concebem o feminicídio como uma qualificadora estritamente objetiva.
Desde o primeiro ano de vigência da Lei nº 13.104, há registros de decisões defendendo uma ou outra natureza. No dia 15 de março de 2015, apenas uma semana após a inserção do feminicídio no ordenamento jurídico brasileiro, ocorreu, na Ceilândia, região administrativa do Distrito Federal, um homicídio cometido por razões de gênero.
Segundo consta nos autos, o acusado esfaqueou a própria companheira por não gostar que ela trabalhasse à noite em um local frequentado por homens. No entanto, o Tribunal do Júri da Ceilândia o pronunciou por infringir o artigo 121, §2º, inciso I do Código Penal, afastando o feminicídio por entender que a condição feminina já estaria incluída no contexto da torpeza, de modo que não seria possível reconhecer a qualificadora do feminicídio sem incidir em bis in idem, isto é, sem impor mais de uma punição pelo mesmo fato.
O Ministério Público, contudo, recorreu de tal decisão, pleiteando a sua reforma para incluir o feminicídio nas qualificadoras do delito. Ao dirimir a controvérsia, a 1ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios decidiu pelo caráter objetivo do feminicídio, admitindo, assim, a sua cumulação com a qualificadora alusiva ao motivo torpe, que tem natureza subjetiva. Veja-se abaixo:
PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. RÉU PRONUNCIADO POR HOMICÍDIO COM MOTIVO TORPE. MORTE DE MULHER PELO MARIDO EM CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR. PRETENSÃO ACUSATÓRIA DE INCLUSÃO DA QUALIFICADORA DO FEMINICÍDIO. PROCEDÊNCIA. SENTENÇA REFORMADA. 1 Réu pronunciado por infringir o artigo 121, § 2º, inciso I, do Código Penal, depois de matar a companheira a facadas motivado pelo sentimento egoístico de posse. 2 Os protagonistas da tragédia familiar conviveram sob o mesmo teto, em união estável, mas o varão nutria sentimento egoístico de posse e, impelido por essa torpe motivação, não queria que ela trabalhasse num local frequentado por homens. A inclusão da qualificadora agora prevista no artigo 121, § 2º, inciso VI, do Código Penal, não poderá servir apenas como substitutivo das qualificadoras de motivo torpe ou fútil, que são de natureza subjetiva, sob pena de menosprezar o esforço do legislador. A Lei 13.104/2015 veio a lume na esteira da doutrina inspiradora da Lei Maria da Penha, buscando conferir maior proteção à mulher brasileira, vítima de condições culturais atávicas que lhe impuseram a subserviência ao homem. Resgatar a dignidade perdida ao longo da história da dominação masculina foi a ratio essendi da nova lei, e o seu sentido teleológico estaria perdido se fosse simplesmente substituída a torpeza pelo feminicídio. Ambas as qualificadoras podem coexistir perfeitamente, porque é diversa a natureza de cada uma: a torpeza continua ligada umbilicalmente à motivação da ação homicida, e o feminicídio ocorrerá toda vez que, objetivamente, haja uma agressão à mulher proveniente de convivência doméstica familiar. 3 Recurso provido. (TJDFT - RSE 20150310069727, Relator Desembargador George Lopes Leite, 1ª Turma Criminal, julgado em 29/10/2015, publicado no DJe em 11/11/2015 – destaques não originais)
Em sentido contrário, a natureza subjetiva do feminicídio foi reconhecida pela 14ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo em decisão proferida em 10 de novembro de 2016. No julgado, o Relator Laerte Marrone asseverou que não se trata de uma qualificadora cujo suporte fático limita-se à mulher como vítima, o que lhe daria feição objetiva. Segundo o Desembargador, o tipo penal exige que o sujeito ativo aja movido pela intenção de cometer o crime em razão do gênero, imiscuído na ideia de submissão e inferioridade feminina[3].
Noutra ponta, a 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça da Bahia, em decisão prolatada em 10 de novembro de 2017, entendeu pelo cunho objetivo da novel qualificadora. De acordo com o Desembargador João Bosco de Oliveira Seixas, o que se pretende no feminicídio é, objetivamente, punir de forma mais severa o agente que se aproveita de uma cultura de inferioridade da mulher para retirar-lhe a vida.
Dessa forma, se, além dessa circunstância, o crime for motivado pela torpeza ou pela futilidade, deve ser mais uma vez qualificado. Para o Magistrado, o feminicídio é aferível de forma pragmática, bastando que a morte esteja vinculada à violência doméstica e familiar ou ao menosprezo ao gênero feminino, ao passo que a torpeza e a futilidade são extraídas do motivo do crime, possuindo, portanto, natureza subjetiva[4].
No Tribunal de Justiça de Minas Gerais, nada obstante já tenham sido defendidas ambas as correntes[5], preponderava, nos primeiros anos de vigência da Lei nº 13.104/2015, o entendimento de que a qualificadora do feminicídio teria caráter subjetivo. Em diversos julgados[6], decidiu-se pela ocorrência de bis in idem na cumulação das qualificadoras do motivo fútil ou do motivo torpe com o feminicídio, sendo todas ligadas à motivação do agente, o que impediria que elas fossem concomitantemente reconhecidas.
Além do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, outras Cortes divergiam internamente sobre o tema. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decidiu, em algumas oportunidades[7], pela natureza subjetiva do feminicídio, inadmitindo, por conseguinte, a sua cumulação com as qualificadoras concernentes aos motivos torpe e fútil, eis que o elemento subjetivo já seria aferido pela circunstância do feminicídio.
Conforme decisão exarada pela 1ª Câmara Criminal em 29 de novembro de 2017, o cometimento do crime por ciúme derivado do sentimento de posse do acusado em relação à vítima revela a subjugação da mulher, fazendo com que o delito seja considerado praticado em razão da condição de sexo feminino. Nesse viés, em atenção aos princípios da especialidade e do non bis in idem, as qualificadoras do motivo torpe e do feminicídio não poderiam coexistir.
Por outro lado, a 2ª Câmara Criminal do mesmo Tribunal defendeu, em outra ocasião[8], a natureza objetiva da circunstância. De acordo com a Desembargadora Rosaura Marques Borba, as qualificadoras do motivo torpe e do feminicídio podem sim conviver, pois esta é de ordem objetiva, devendo incidir sempre que o crime estiver atrelado à violência doméstica e familiar, enquanto aquela tem caráter subjetivo, ficando adstrita aos motivos que levaram à prática delitiva.
Diante de tantas divergências, se fazia necessário que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), órgão do Poder Judiciário responsável por assegurar a uniformidade da interpretação da legislação federal, se pronunciasse sobre a matéria. O primeiro julgado da Corte a enfrentar efetivamente a questão sobreveio ao final do ano de 2017 por ocasião de decisão monocrática enunciada pelo Ministro Felix Fischer, relator do Recurso Especial nº 1.707.113/MG[9].
Cuida-se de recurso ministerial interposto contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais em que foi afastada a qualificadora do motivo torpe sob o argumento de que a sua imputação simultânea com a circunstância do feminicídio comprometeria os princípios da especialidade e do non bis in idem. Consta da decisão recorrida que a qualificadora prevista pelo inciso VI do §2º do artigo 121 do Código penal se refere à motivação do crime, assim como aquelas previstas nos incisos I, II e V do mesmo dispositivo legal.
Narra a Denúncia que o réu, inconformado com o fim do relacionamento afetivo, praticou o crime movido por sentimento de posse, restando apurado o contexto de violência doméstica e o menosprezo à condição de mulher da vítima. Diante disso, entendeu o juízo primevo que a motivação, mesmo sendo torpe, amoldava-se melhor como feminicídio, não podendo o mesmo motivo ensejar duas qualificadoras, sob pena de bis in idem.
Nas razões recursais, o Ministério Público argumentou que o Tribunal não poderia extirpar prematuramente a qualificadora do motivo torpe, visto que ela não é manifestamente improcedente. Segundo o Parquet, a solução deveria ser deixada a cargo do Conselho de Sentença do Tribunal do Júri, juízo natural da causa, além de vigorar, na fase de pronúncia, o brocardo in dubio pro societate.
Em sua decisão, o Ministro Felix Fischer entendeu ser possível coexistirem as qualificadoras do motivo torpe e do feminicídio. Argumentou o relator que a qualificadora alusiva ao motivo torpe tem natureza subjetiva, porquanto de caráter pessoal, ao passo que o feminicídio é uma qualificadora de ordem objetiva, incidindo nos crimes praticados contra a mulher por razão do seu gênero ou quando o delito estiver vinculado à violência doméstica e familiar, não sendo objeto de análise o animus do agente.
A este respeito, impende destacar o entendimento do STJ de que somente é autorizado o decote de qualificadoras em sede de pronúncia quando elas forem completamente destituídas de amparo nos elementos dos autos. Assim, eventual dúvida nesta fase processual deve ser resolvida pelo Conselho de Sentença, órgão competente para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.
Foi com base nesse argumento que o relator deu provimento ao recurso ministerial. Cumpre frisar, contudo, que a admissão da imputação conjunta de duas qualificadoras não implica, propriamente, em um crime duplamente qualificado. Dispõe a jurisprudência da Corte[10] que, no delito de homicídio, quando existir mais de uma qualificadora, uma delas formará o tipo qualificado, enquanto as demais poderão indicar uma circunstância agravante, se expressamente prevista pelo artigo 61 do Código Penal, ou, de forma residual, majorar a pena-base na condição de circunstância judicial.
Em diversas oportunidades[11], o Tribunal voltou a se posicionar no sentido de ter a qualificadora do feminicídio natureza objetiva. Já se afirmou, inclusive, que nos casos em que o sujeito ativo age movido por sentimento de posse em relação à vítima, deve incidir também a qualificadora do motivo torpe. Isso porque o fato de o agente valer-se do relacionamento que mantinha com a vítima é aferível de maneira objetiva, não se confundindo com a circunstância de ter cometido o delito em razão de acreditar que tinha posse sobre ela.
Contudo, somente em junho de 2018 o tema foi abordado por um Informativo de Jurisprudência da Corte – periódico que destaca teses jurisprudenciais firmadas pelos órgãos julgadores, selecionadas pela repercussão e novidade no meio jurídico. Aponta o Informativo nº 625 que a Sexta Turma, no julgamento do HC nº 433.898/RS[12], entendeu, por unanimidade, que não caracteriza bis in idem o reconhecimento das qualificadoras do motivo torpe e do feminicídio em casos de homicídios perpetrados contra mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
O habeas corpus foi impetrado em face de decisão exarada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que deu provimento a um recurso ministerial pugnando pelo reconhecimento do feminicídio em um caso de homicídio já qualificado pelo motivo torpe. Alegou o impetrante a ocorrência de constrangimento ilegal decorrente do reconhecimento de ambas as circunstâncias, requerendo a concessão da ordem constitucional para que seja afastada a qualificadora alusiva ao motivo torpe.
No caso sub judice, a vítima era companheira da autora, com quem vivia há dois anos, mas estavam se separando à época dos fatos. Para o STJ, a imputação conjunta do motivo torpe (homicídio motivado pela separação) e do feminicídio não significa que o mesmo fato foi considerado duas vezes, como veda o princípio do non bis in idem.
A possibilidade de coexistência das qualificadoras se deve à natureza distinta delas: o feminicídio é de ordem objetiva, devendo incidir sempre que o crime ocorrer em um contexto de violência doméstica e familiar, enquanto a torpeza tem caráter subjetivo, restringindo-se aos motivos que levaram à prática do crime. Nesse diapasão, decidiu a Turma pela manutenção da qualificadora do feminicídio.
Até os dias atuais, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça caminha no sentido de compreender o feminicídio como uma circunstância de natureza objetiva, incidindo nos crimes praticados contra a mulher por razão do seu gênero e/ou sempre que o crime estiver atrelado à violência doméstica e familiar propriamente dita, o que dispensa a análise do animus do agente[13].
Nada obstante o Superior Tribunal de Justiça venha decidindo pela natureza objetiva da qualificadora do feminicídio desde 2017, pouco se discutiu acerca do inciso II do §2º-A do artigo 121 do Código Penal, que trata do feminicídio praticado com menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Em todas as decisões mencionadas pelo presente capítulo, o caso levado à apreciação da Corte estava ligado à situação de violência doméstica e familiar.
Diante disso, poder-se-ia questionar se o STJ não defende, na verdade, a natureza híbrida da qualificadora do feminicídio, corrente segundo a qual verifica-se, no inciso I do dispositivo supracitado, um caráter objetivo e, no inciso II, um cunho subjetivo. Recentemente, no dia 18 de junho de 2020, o Ministro Felix Fischer proferiu decisão monocrática acerca do HC nº 588.862/SP[14], que propôs uma reflexão acerca do tema.
No remédio constitucional, o paciente, pronunciado como incurso no artigo 121, §2º, I e IV do Código Penal, apontou como autoridade coatora o Tribunal de Justiça de São Paulo, que deu provimento a um recurso ministerial pugnando pela inclusão, na pronúncia, da qualificadora prevista no §2º, VI c/c §2º-A, II do mesmo dispositivo legal. Seguindo o precedente fixado pelo STJ, o Tribunal paulista deu provimento ao recurso, salientando a inexistência de incompatibilidade da qualificadora do feminicídio, de natureza objetiva, com a do motivo torpe, de cunho subjetivo.
Na exordial, aduziu o impetrante que o réu não foi pronunciado por crime praticado dentro de um contexto de violência doméstica e familiar, mas sim por feminicídio envolvendo menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Para ele, além de a acusação não ter descrito na inicial em que consistiria a discriminação ou o menosprezo, limitando-se a copiar o texto legal, verifica-se a ocorrência de bis in idem na imputação conjunta do motivo torpe e do feminicídio na modalidade prevista pelo inciso II da norma explicativa do §2º-A.
Nesse sentido, asseverou que o acórdão, ignorando as contrarrazões defensivas, apenas afirmou que a qualificadora do feminicídio possui natureza objetiva, enquanto o a do motivo torpe tem caráter subjetivo. Alegando que o paciente padecia de manifesto constrangimento ilegal, requereu o impetrante a concessão liminar da ordem de habeas corpus para que o paciente aguarde em liberdade a prestação jurisdicional.
O Relator Felix Fischer, porém, indeferiu a liminar por entender que a análise do pleito excede os limites cognitivos, eis que a demanda possui natureza satisfativa, devendo ser analisada após a verificação mais detalhada dos dados constantes do processo. Ademais, não foi possível constatar indícios suficientes para a configuração do fumus boni juris, não se configurando flagrante ilegalidade apta a ensejar a concessão da medida.
Assim, diante da dificuldade de constatação do menosprezo ou discriminação à mulher fora do âmbito da Lei Maria da Penha, ainda se aguarda um posicionamento do Superior Tribunal de Justiça em um caso envolvendo exclusivamente o inciso II do §2º-A do artigo 121 do estatuto repressivo. Todavia, os demais julgados proferidos sobre o tema permitem concluir que a Corte entende pela natureza unicamente objetiva da qualificadora do feminicídio, já tendo se pronunciado de forma genérica nesse sentido.
Nada obstante a problemática da violência contra a mulher por razões de gênero tenha ganhado visibilidade apenas nas últimas décadas, cuida-se de um fenômeno histórico que se perpetua graças à ordem sociocultural patriarcal, responsável por supervalorizar os papéis sociais masculinos em detrimento dos femininos. Em se tratando de uma violência que costuma se revelar de forma cíclica, não é incomum que o ciclo seja encerrado com a eliminação da vida da mulher.
Diante da pressão exercida pelo movimento feminista a partir dos anos 60, diplomas normativos concernentes aos direitos das mulheres passaram a integrar o ordenamento jurídico de diversos países, tendo o Brasil editado uma norma exclusivamente destinada ao combate à violência contra a mulher: a Lei Maria da Penha. No entanto, a criação desta norma não foi suficiente para fazer cessar a curva ascendente de homicídios de mulheres em decorrência do gênero, explicitando a urgência de uma legislação ainda mais específica.
Nessa conjectura, surgiu a Lei nº 13.104/2015, que incluiu o feminicídio nas qualificadoras do crime de homicídio, exasperando a faixa de fixação da pena quando o delito envolver violência doméstica e familiar contra a mulher ou for praticado com menosprezo ou discriminação à mulher. A novel qualificadora, contudo, gerou controvérsia entre os estudiosos do Direito, que divergiram em relação à sua natureza jurídica, isto é, quanto ao princípio ou a essência do instituto, permitindo situá-lo dentro de determinada categoria.
Embora a discussão aparente ser meramente didática, dela decorrem diversas consequências práticas. A depender da natureza jurídica adotada, modificam-se questões alusivas à comunicabilidade da qualificadora a eventuais coautores ou partícipes do crime; à possibilidade de incidência da causa especial de diminuição de pena prevista pelo §1º do artigo 121 do Código Penal ao feminicídio; à quesitação no Tribunal do Júri; e à coexistência do feminicídio com as qualificadoras do motivo torpe ou do motivo fútil, que são subjetivas.
Diante de tantas implicações, a presente pesquisa se propôs, como objetivo geral, a investigar os apontamentos doutrinários e jurisprudenciais alusivos à natureza jurídica do feminicídio a fim de constatar qual é a mais correta aplicação da qualificadora segundo a atual jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, órgão do Poder Judiciário responsável por assegurar a uniformidade da interpretação da legislação federal.
O primeiro passo do trabalho foi apresentar a problemática da violência de gênero e sua histórica construção patrocinada pela estrutura patriarcal. Nesse sentido, foi abordado o conceito de gênero, a violência presente nas relações de gênero e a luta contra essa violência encabeçada pelo movimento feminista. Além de convenções e legislações representativas do avanço na igualdade de gênero, foi apresentada a história de Maria da Penha Maia Fernandes, mulher cujos direitos humanos foram violados de forma tão severa ao ponto de ocasionar a condenação internacional do Brasil frente a sua inércia jurídica, culminando na edição da Lei nº 11.340/2006, marco histórico do direito das mulheres no país.
O segundo objetivo específico cuidou da análise do feminicídio no ordenamento jurídico pátrio, explorando o contexto da promulgação da Lei nº 13.104/2015, resultado do árduo trabalho realizado pela CPMI da Violência Contra a Mulher instaurada em 2012. Após um breve panorama da positivação do feminicídio nos Estados ibero-americanos, descreveu-se as circunstâncias em que restará configurada a qualificadora: delito envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher ou praticado com menosprezo ou discriminação à mulher.
Na sequência, foram examinados os posicionamentos doutrinários relativos à natureza jurídica do feminicídio. Para uma melhor cognição do item, foi realizada, inicialmente, uma apresentação da classificação das qualificadoras do crime de homicídio. Depois, passou-se propriamente à análise das correntes doutrinárias relacionadas à natureza jurídica da qualificadora, que se dividem em objetiva, subjetiva e híbrida, demonstrando-se, ainda, uma possível solução ao dissenso doutrinário.
A corrente defensora da natureza objetiva do feminicídio funda-se no rigor punitivo da qualificadora, afirmando que, para a sua configuração, basta que a prática do delito se dê em um contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher ou que o crime seja perpetrado com menosprezo ou discriminação à condição de gênero. Dessa maneira, torna-se viável a imputação conjunta do feminicídio com outras circunstâncias de cunho subjetivo, como as qualificadoras alusivas à torpeza ou à futilidade ou mesmo o privilégio enunciado pelo §1º do artigo 121 do estatuto repressivo.
Por outro lado, os estudiosos que concebem o feminicídio como uma qualificadora de ordem subjetiva acreditam que ela está umbilicalmente vinculada à motivação do sujeito ativo para a prática do crime. Segundo essa corrente, o feminicídio não poderia coexistir com outras circunstâncias de caráter subjetivo, sob pena de bis in idem, o que representa uma vantagem defensiva ao acusado. Dessa maneira, caso o Conselho de Sentença do Tribunal do Júri reconheça o privilégio, a qualificadora do feminicídio sequer chegaria a ser votada.
Já a corrente defensora da natureza híbrida da circunstância afirma que, estando o crime atrelado à violência doméstica e familiar contra a mulher, a qualificadora tem caráter objetivo, ao passo que o feminicídio perpetrado com menosprezo ou discriminação à condição de gênero conduziria à índole subjetiva da circunstância. Seguindo essa vertente, para se enquadrar como feminicídio um homicídio perpetrado por um desconhecido da vítima, haveria a exigência de se analisar se o móvel do crime foi o preconceito contra o sexo feminino.
Para resolver a dissidência da doutrina em relação à natureza jurídica do novel instituto, há quem sustente a viabilidade de transformar o feminicídio em um delito autônomo, desprendendo-se do crime de homicídio. Desse modo, não haveria a possibilidade de incidência do privilégio, tampouco de coexistência com as qualificadoras alusivas à torpeza e à futilidade, eis que as circunstâncias previstas pela Parte Especial do Código Penal somente se aplicam aos tipos fundamentais a que estão atreladas.
Por fim, o quarto capítulo de desenvolvimento da presente monografia demonstrou o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema. O tópico se iniciou com a explanação do entendimento dos tribunais pátrios, que tanto divergiram até que o STJ se pronunciasse, passando-se à descrição do contexto em que se deram as primeiras manifestações da Corte sobre a natureza jurídica da qualificadora do feminicídio, apontando, ainda, em que sentido caminha a sua jurisprudência até os dias atuais.
Uma vez atendidos todos os objetivos específicos delineados para essa pesquisa, foi possível concluir que, a despeito do dissenso doutrinário, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme em entender pelo caráter objetivo do feminicídio. Em diversos julgados, a Corte decidiu pela irrelevância do animus do agente, não ocasionando bis in idem a imputação conjunta do feminicídio com qualquer circunstância de cunho subjetivo, como as qualificadoras alusivas à torpeza ou a futilidade, ou mesmo com a minorante constante do §1º do artigo 121 do Código Penal, possibilitando o reconhecimento do chamado feminicídio privilegiado.
Nota-se, assim, que a hipótese inicial foi refutada, sendo certo que reconhecer a natureza subjetiva do feminicídio acarretaria a impossibilidade de imputá-lo simultaneamente com outras qualificadoras de igual caráter, além de inviabilizar a votação do quesito a ele atinente se acolhida a tese do privilégio pelo Conselho de Sentença do Tribunal do Júri. Nesse viés, constata-se que a adoção de uma ou outra natureza deve, além de coadunar com a boa técnica jurídica, garantir que os efeitos decorrentes do posicionamento eleito façam jus à essência da criação do feminicídio, qual seja tutelar a mulher de forma ampla e irrestrita.
A abordagem dessa pesquisa se valeu do método qualitativo, tratando-se de estudo baseado em dados secundários extraídos da doutrina, da jurisprudência, de artigos científicos e jornalísticos, bem como da legislação vigente acerca do tema. Para alcançar a finalidade almejada, foi realizado levantamento bibliográfico sobre a violência contra a mulher, a inserção do feminicídio no ordenamento jurídico brasileiro e, por fim, os posicionamentos relativos à natureza jurídica da circunstância.
Cumpre destacar que a presente monografia não teve a pretensão de exaurir todo o assunto pesquisado, o que sequer seria exequível dada a dimensão do tema em apreço e as limitações encontradas durante o estudo. A partir de uma revisão de literatura mais ampla dentro de um maior intervalo temporal, poder-se-ia discorrer acerca da necessidade de tipificação do feminicídio, dos diversos resultados encontrados pela CPMI da Violência Contra a Mulher, que culminou na edição da Lei nº 13.104/2015, do entendimento pormenorizado dos tribunais pátrios acerca da natureza jurídica do feminicídio, dentre outras ponderações.
A contribuição deste trabalho à área do Direito Penal abre um fértil terreno para novas pesquisas concernentes ao assunto em epígrafe, as quais podem ser desenvolvidas na sequência dos estudos. Sugere-se, para trabalhos futuros, a utilização da técnica de direito comparado para investigar como os direitos das mulheres são tratados ao redor do mundo, e de pesquisa de campo para verificar se a Lei Maria da Penha é de fato aplicada por todo o Brasil, visto que o Poder Público não é imune à influência do machismo que permeia a sociedade.
Noutra ponta, uma ampla pesquisa jurisprudencial pode revelar como os homicídios de mulheres por razões de gênero vêm sido tratados pelos tribunais brasileiros, posto que o entendimento do Superior Tribunal de Justiça não vinculou os magistrados. Acredita-se, ainda, que a partir do acompanhamento de sessões de julgamento de feminicídios seja possível demonstrar como as correntes alusivas à natureza jurídica da novel qualificadora são utilizadas em favor da defesa ou da acusação, bem como a forma que os papéis sociais de gênero influenciam o veredicto dos jurados. Enfim, essas e muitas outras abordagens estão a partir de agora abertas aos trabalhos que virão.
BAHIA. Tribunal de Justiça. Recurso em Sentido Estrito 00062221820168050063. Recorrente: José Souza do Carmo. Recorrido: Ministério Público do Estado da Bahia. Relator Desembargador João Bosco de Oliveira Seixas. 2ª Câmara Criminal. Diário da Justiça, Porto Seguro, BA, 10 de novembro de 2017. Disponível em: <https://tj-ba.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/519782300/recurso-em-sentido-estrito-rse-62221820168050063/inteiro-teor-519782310>. Acesso em: 21 nov. 2020
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MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Recurso em Sentido Estrito 10024151883493001. Recorrente: Luiz Felipe Diniz do Espírito Santo. Recorrido: Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Relator Desembargador Paulo Calmon Nogueira da Gama. 7ª Câmara Criminal. Belo Horizonte, MG, 7 de abril de 2016. Diário da Justiça, Belo Horizonte, MG, 15 de abril de 2016. Disponível em: <https://tj-mg.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/338962432/rec-em-sentido-estrito-10024151883493001-mg>. Acesso em: 21 nov. 2020
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Recurso em Sentido Estrito 10035160028409001. Recorrente: Diego Alves de Azevedo. Recorrido: Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Relator Desembargador Jaubert Carneiro Jaques. 6ª Câmara Criminal. Belo Horizonte, MG, 28 de março de 2017. Diário da Justiça, Belo Horizonte, MG, 5 de abril de 2017. Disponível em: <https://tj-mg.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/446367947/rec-em-sentido-estrito-10035160028409001-mg>. Acesso em: 21 nov. 2020
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Recurso em Sentido Estrito 10118150015782001. Recorrente: Edvaldo Pereira dos Santos. Recorrido: Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Relator Desembargador Eduardo Brum. 4ª Câmara Criminal. Belo Horizonte, MG, 8 de março de 2017. Diário da Justiça, Belo Horizonte, MG, 15 de março de 2017. Disponível em: < https://tj-mg.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/438496091/rec-em-sentido-estrito-10118150015782001-mg>. Acesso em: 21 nov. 2020
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Recurso em Sentido Estrito 10453150029180001. Recorrente: Luiz de Jesus Martins de Souza. Recorrido: Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Relator Desembargador Nelson Missias de Morais. 2ª Câmara Criminal. Belo Horizonte, MG, 7 de julho de 2017. Diário da Justiça, Belo Horizonte, MG, 18 de julho de 2017. Disponível em: <https://tj-mg.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/362739907/rec-em-sentido-estrito-10453150029180001-mg>. Acesso em: 21 nov. 2020
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Recurso em Sentido Estrito 10518150145960001. Recorrente: Paulo Henrique de Lima. Recorrido: Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Relator Desembargador Furtado de Mendonça. 6ª Câmara Criminal. Belo Horizonte, MG, 21 de março de 2017. Diário da Justiça, Belo Horizonte, MG, 31 de março de 2017. Disponível em: <https://tj-mg.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/942960667/rec-em-sentido-estrito-10518150145960001-pocos-de-caldas>. Acesso em: 21 nov. 2020
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Recurso em Sentido Estrito 10572150028221001. Recorrente: Leonardo Thalles Batista. Recorrido: Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Relatora Desembargadora Beatriz Pinheiro Caires. 2ª Câmara Criminal. Belo Horizonte, MG, 22 de setembro de 2016. Diário da Justiça, Belo Horizonte, MG, 3 de outubro de 2016. Disponível em: <https://tj-mg.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/390617898/rec-em-sentido-estrito-10572150028221001-mg>. Acesso em: 21 nov. 2020
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[1] De acordo com o exposto no §3º do artigo 58 da Constituição da República, as Comissões Parlamentares de Inquérito são dotadas de poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, podendo ser criadas pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, órgão responsável por promover a responsabilidade civil ou criminal dos infratores. Quando criadas em conjunto por ambas as casas legislativas, recebem o nome de Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI).
[2] Segundo Marcelo Mazotti (2010), é o método de interpretação que visa coordenar a norma interpretada com todo o ordenamento jurídico, com o fito de manter a integridade e a coerência da legislação.
[3] TJSP - RSE 0031284720158260052, Relator Desembargador Laerte Marrone, 14ª Câmara de Direito Criminal, julgado em 10/11/2016, publicado no DJe em 30/11/2016.
[4] TJBA - RSE 00062221820168050063, Relator Desembargador João Bosco de Oliveira Seixas, 2ª Câmara Criminal, publicado no DJe em 10/11/2017.
[5] TJMG - RSE 10024151883493001, Relator Desembargador Paulo Calmon Nogueira da Gama, 7ª Câmara Criminal, julgado em 07/04/2016, publicado no DJe em 15/04/2016.
TJMG - RSE 10024151168408001, Relator Desembargador Agostinho Gomes de Azevedo, 7ª Câmara Criminal, julgado em 26/07/2017, publicado no DJe em 04/08/2017.
[6] TJMG - RSE 10453150029180001, Relator Desembargador Nelson Missias de Morais, 2ª Câmara Criminal, julgado em 07/07/2016, publicado no DJe em 18/07/2016.
TJMG - RSE 10572150028221001, Relatora Desembargadora Beatriz Pinheiro Caires, 2ª Câmara Criminal, julgado em 22/09/2016, publicado no DJe em 03/10/2016.
TJMG - RSE 10118150015782001, Relator Desembargador Eduardo Brum, 4ª Câmara Criminal, julgado em 08/03/2017, publicado no DJe em 15/03/2017.
TJMG - RSE 10518150145960001, Relator Desembargador Furtado de Mendonça, 6ª Câmara Criminal, julgado em 21/03/2017, publicado no DJe em 31/03/2017.
TJMG - RSE 10035160028409001, Relator Desembargador Jaubert Carneiro Jaques, 6ª Câmara Criminal, julgado em 28/03/2017, publicado no DJe em 05/04/2017.
[7] TJRS - RSE 70071042782, Relator Desembargador Ingo Wolfgang Sarlet, 3ª Câmara Criminal, julgado em 19/10/2016, publicado no DJe em 18/11/2016.
TJRS - RSE 70075355669, Relator Desembargador Jayme Weingartner Neto, 1ª Câmara Criminal, julgado em 29/11/2017, publicado no DJe em 07/12/2017.
[8] TJRS - RSE 70070800818, Relatora Desembargadora Rosaura Marques Borba, 2ª Câmara Criminal, julgado em 10/11/2016, publicado no DJe em 18/11/2016.
[9] STJ - RE 1707113 MG 201702828950, Relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 29/11/2017, publicado no DJe em 07/12/2017.
[10] STJ – AgRg no REsp 1644423/MG, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 07/03/2017, publicado no DJe em 17/03/2017.
[11] STJ – HC 430222 MG 201703306786, Relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 15/03/2018, publicado no DJe em 22/03/2018.
STJ – AgRg no REsp 1741418/SP, Relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 07/06/2018, publicado no DJe em 15/06/2018.
STJ – AgRg no HC 440945/MG, Relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 05/06/2018, publicado no DJe em 11/06/2018.
[12] STJ – HC 433898/RS, Relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 24/04/2018, publicado no DJe em 11/05/2018.
[13] STJ - HC 574833/SC, Relator Ministro Rogério Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 21/05/2020, publicado no DJe em 26/05/2020.
[14] STJ - HC 588862/SP, Relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 18/06/2020, publicado no DJe em 22/06/2020.
Artigo publicado em 27/09/2021 e republicado em 10/07/2024
Bacharela em Direito pelo Centro Universitário de Belo Horizonte.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DANIELLE FERREIRA SIMõES, . A natureza jurídica da qualificadora do feminicídio à luz da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 jul 2024, 04:27. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57230/a-natureza-jurdica-da-qualificadora-do-feminicdio-luz-da-jurisprudncia-do-superior-tribunal-de-justia. Acesso em: 22 nov 2024.
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