INAÊ MUNIZ PIRES DE QUEIROZ[1]
(coautora)
SUMÁRIO: Introdução. Capítulo 1. Breve Esboço Evolutivo dos Direitos Fundamentais no Texto Fundamental de 1988. Capítulo 2. Limitações ao Poder de Tributar: A Concessão de Benefícios Fiscais e a Instituição de Tributos Durante a Pandemia da COVID-19. Capítulo 3. A Preservação dos Direitos Fundamentais sob a Ótica do Poder de Arrecadar. 3.1. A Preservação do Mínimo Vital e Existencial como Pressupostos para a Proteção e Efetivação dos Direitos Fundamentais. 4. Conclusão. 5. Bibliografia Consultada.
INTRODUÇÃO
Este artigo pretende estabelecer a relação entre os direitos fundamentais e o poder estatal de tributar como direitos e poderes consolidados pela Lei Fundamental de 1988. Abordaremos a evolução histórica desses direitos sob o ponto de vista da doutrina até que ciência do direito os dividissem em gerações.
Como forma de aproximar os direitos fundamentais da temática da tributação vigente, abordaremos as limitações do poder estatal ao preservar o mínimo existencial e vital do cidadão contribuinte onde a liberdade e a propriedade privada são alcançadas, direta ou indiretamente, pelo ente tributante.
Abordaremos quais seriam as medidas e benefícios fiscais que o governo pode se valer nesta época de pandemia vivenciada globalmente sob esse aspecto, algumas medidas tributárias merecem destaque, como a concessão de Moratória que consiste na prorrogação legal do prazo para o pagamento de tributos, o diferimento das obrigações acessórias e a redução da carga tributária.
O artigo abordará a força normativa e cogente dos direitos fundamentais após a declaração da Pandemia da Covid-19 e a sua inobservância em um estado democrático de direito, seja diante da tentativa dos Poderes Executivo e Legislativo em instituir novas fontes de custeio seja com a criação da inédita e mais atual Contribuição sobre Bens e Serviços Digitais - que nos levam crer pelo ressurgimento, sob nova roupagem, da Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira ou antiga CPMF - seja pelo surgimento de novos projetos de lei que tramitam nas casas legislativas com o objetivo de fomentar o debate acerca da instituição do Imposto sobre as Grandes Fortunas devido apenas pelas pessoas jurídicas, utilizando bases econômicas inconstitucionais e confiscatórias.
O artigo abordará também a dualidade entre a pessoa física ou jurídica que em face de uma recessão econômica encontra dificuldade para satisfazer suas despesas relativas a salários, fornecedores e, especialmente, tributos, no outro temos o governo frente a uma crise internacional em que medidas afirmativas são essenciais para superação da crise e, neste contexto, entra a tributação e a manutenção do emprego e das empresas como prioridade e do fisco que face ao impacto da crise, sofre com a diminuição das receitas tributárias, a decretação da calamidade pública faz com que os entes federados se sujeitem aos ditames do artigo 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/00), podendo aumentar os gastos públicos e deixar de cumprir as metas fiscais para 2020, todavia, a criação de dois tributos tem sido apregoada como forma para o aumento das receitas tributárias.
1. Breve Esboço Evolutivo dos Direitos Fundamentais no Texto Fundamental de 1988
A Carta Constitucional consagra a ordem econômica em seu artigo 170, mostrando que esta é fundada na valorização do trabalho humano e na livre inciativa, e que tem por fim, assegurar a todos uma vida digna conforme os fundamentos da República Federativa do Brasil.
Assim, o desenvolvimento do Estado consubstancia-se na liberdade de iniciativa econômica ao considerar que é substrato da realidade econômica da empresa, a qual tem se projetado em diversos ângulos da normatividade jurídica e constitui um dos suportes fundamentais do processo de desenvolvimento econômico e social.
É enfatizado o princípio basilar do sistema econômico em completude com a valorização do trabalho humano, assim a figura do contribuinte ganha destaque ao mencionarmos a livre iniciativa, pois o sujeito passivo (contribuinte) responde pelo recolhimento do tributo e o faz em favor do sujeito ativo, União, Estados, Distrito Federal e Municípios, formando-se assim a relação jurídico- tributária.
Ao prestigiar o primado da livre iniciativa e da livre concorrência, a Carta Federal, destaca a importância dos meios de produção de natureza capitalista e, por consequência, vem privilegiando diversos valores, quais sejam: a liberdade a todas as formas de organização econômicas (individuais e coletivas), a liberdade contratual, a proteção à propriedade privada e o domínio dos bens de produção, entre tantos outros direitos não sujeitos a intervenção estatal, senão em razão de postulado legal limitador.
Didaticamente temos um desenvolvimento racional, a partir do termo “Estado de Direito” para posterior compreensão do verdadeiro significado dos direitos fundamentais. o Estado de Direito deve se subordinar ao próprio direito, assegurando sua atuação e a liberdade de seus cidadãos na esfera do Direito[2]. Tal definição vai de encontro com a assertiva que afirma que o Estado não possui nenhum poder em face do indivíduo que não lhe seja concedido pelo próprio direito[3]. Complementando, coloca se como características do Estado de Direito, a submissão ao império da lei, a divisão dos poderes e a garantia dos direitos individuais.
Para que um Estado esteja sob a égide da lei é necessário que sua estrutura comporte a separação dos poderes, pautada na especialização funcional e independência orgânica, ou seja, a presença de autoridades distintas ao exercício das funções do executivo, legislativo e judiciário, sem que qualquer tipo de hierarquia ou subordinação entre elas. Tais estruturas não podem ser alteradas pelo legislativo através da lei, já que é necessária uma norma superior que preserve a organização do Estado e que, ao mesmo tempo, garanta os direitos individuais. A norma superior a qual nos referimos aqui é a Constituição.
A necessidade da separação dos poderes já era visualizada por Aristóteles e, mais adiante por Montesquieu, mas foi a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 que efetivamente consolidou tal necessidade quando positivou, em seu artigo 16º que a separação dos poderes é condição ao Estado Constitucional[4].
Na esteira das considerações acerca dos princípios ínsitos no art. 170, ordem econômica e direito de tributar, na lição de Eros Grau[5], a definição posta pelo texto constitucional traz um sentido de uma unidade soberana forma federativa-, sendo o Estado uma entidade política organizada, elegendo valores primordiais como a dignidade da pessoa humana, a soberania, a livre iniciativa e a livre concorrência e, neste contexto, a Ordem Econômica preconiza que as relações econômicas devem estar em convergência a promover a existência digna de todos.
Propõe-se a compreensão da superioridade da lei, e que esta adquiriu uma característica humana com o Estado de Direito, sendo ela a expressão da vontade geral e superior aos atos administrativos e às sentenças. A compreensão da existência de uma hierarquia e essencial manutenção da separação dos poderes é imprescindível para a análise das decisões proferidas pelas Cortes Superiores. É preciso ter em mente que a estrutura foi feita para assegurar que a lei seja aplicada para realizar a vontade geral impedindo, ao mesmo tempo, que a vontade particular (subjetivismo), interfira nesse processo: “A atividade pública deixa assim de ser vista como propriedade de quem a exerce, passando a significar apenas o exercício de um dever-poder, indissoluvelmente ligado a finalidade estranha ao agente”[6].
Também é tarefa da Constituição a manutenção das garantias dos direitos individuais que, nas palavras de Ari Sundfeld, “ainda que o interesse público prevaleça sobre o interesse particular, isto nunca poderá se dar em prejuízo dos direitos previstos na Constituição”, sendo que a proteção do indivíduo contra o Estado deve ser o fim almejado pela estrutura jurídica[7]. Georges Abboud vai além ao propor que os direitos fundamentais, que englobam em seu conceito a garantia dos direitos individuais, devem ser vistos sob o paradigma historicista, proposto por Maurizio Fioravanti (conforme discutiremos adiante), segundo o qual “ainda que tenham sua normatividade diretamente proveniente do texto constitucional, têm a existência como fruto do desenvolvimento histórico de cultura de cada sociedade”, ou seja, é direito fundamental não somente o disposto no artigo 5º da Constituição, mas também todas as garantias e direitos que decorrem do regime e dos princípios constitucionalmente assegurados, bem como outros presentes em tratados internacionais, nos quais a República Federativa do Brasil seja parte[8], como disposto no §2º, artigo 5º da Carta Maior[9].
Especificamente, o artigo 1º da nossa Constituição [10], trata de Estado Democrático de Direito (Estado Constitucional). Este conceito não se trata de simples absorção das características do Estado Democrático pelo Estado de Direito e sim, trata-se de uma transformação completa do status quo, sendo que o termo “democrático” qualifica o Estado de Direito, e este deverá se ajustar para atender ao interesse coletivo e a vontade do povo somando-se ao constitucionalismo, a república, a separação dos poderes e a legalidade, a participação popular e o resguardo dos direitos individuais e coletivos. O Estado Constitucional é uma evolução do Estado de Direito, porque assegura, em última instancia, seja contra outros particulares ou qualquer segmento do Poder Público, a proteção dos direitos fundamentais [11].
A partir do desenvolvimento de todos os pontos acima, torna-se pertinente definir o conceito de direitos fundamentais conforme o contexto atual, sob o paradigma historicista e consoante ao pensamento de que os direitos fundamentais englobam tanto os direitos humanos universais, quanto os direitos nacionais dos cidadãos garantidos pelo pleno funcionamento do princípio da legalidade, vinculando o funcionamento da divisão dos poderes à garantia e defesa dos direitos fundamentais. Comportando funções múltiplas, tais direitos possuem a prerrogativa de assegurar diversas posições jurídicas ao cidadão, constituem limites à própria soberania do Estado - estando esta limitada também pelo contexto histórico - e, protegem contra a formação de eventuais maiorias (função contramajoritária), essencial ao controle e proteção da democracia.
Assim, é importante observar que o cumprimento dos ditames constitucionais supracitados acima, bem como princípios referentes a ordem econômica e o desenvolvimento dos direitos fundamentais no estado constitucional, requer a efetiva participação estatal. Logo, o dever-poder de implementação desses valores, proporciona a vida a digna e o desenvolvimento social pleno, desde que respeitada à prática de políticas públicas, o que traz a implementação de programas com finalidade de reduzir as desigualdades e, proporcionando, por conseguinte, a justiça social. Tal constatação, segundo consta Luiz Roberto Barroso, ao explicitar sobre o papel do Estado, tem por missão ser o gestor e mentor da criação de incentivos e mecanismos de estímulo fiscal à iniciativa privada, para que esta contribua de forma positiva à consecução dos princípios da ordem econômica, somente é possível com políticas de indução de condutas, incentivos fiscais, fomento, financiamento público e redução de alíquotas de impostos.[12]
O movimento constitucionalista moderno teve início sobre tudo com as revoluções ocorridas na Inglaterra (Revolução Gloriosa), EUA (Independência Americana) e França (revolução Francesa) – as chamadas Revoluções Liberais – em que o objetivo era instaurar um Estado de Direito, que limitasse os ilimitados poderes do Estado absolutismo vigente na época.
Na Inglaterra, por exemplo, a Revolução Gloriosa (1988-1689) permitiu a formação de uma estrutura legal de democracia parlamentar em que a base exigia que todos os membros da sociedade devessem obedecer a leis únicas, comuns e obrigatórias.
A experiência do passado levou a luta pela proteção dos indivíduos perante o Estado Absolutista cujos poderes ilimitados transgrediram todo e qualquer direito fundamental do cidadão em detrimento dos interesses do Estado. Tal esforço - movimento constitucionalista - resultou no Estado de Direito, que influenciou a formação do Estado Democrático de Direito, hoje presente em nossa Constituição, no artigo 1º, caput.[13]
O conceito de Estado de Direito, como já dito acima, engloba basicamente três características fundamentais: Governantes e cidadãos estão submissos a lei (que, no caso brasileiro, acima da lei há a Constituição), separação dos poderes legislativo, executivo e judiciário e, finalmente, garantia dos direitos fundamentais.
Como podemos ver, os direitos fundamentais consistem em um dos pilares tanto do Estado de Direito quanto do Estado Democrático de Direito, constituindo-se em uma reserva de direitos aos cidadãos, os quais não podem ser atingidos nem pelo Poder Público nem pelos próprios particulares.
Com relação a sua efetiva origem, tais direitos não possuem efetivamente um surgimento definido e consolidado, mas são, na realidade, fruto de um processo histórico evolutivo, como defendido pela corrente historicista descrita no capítulo 1 do presente trabalho. No Brasil, os direitos fundamentais evoluíram de maneira gradual perante suas Constituições, além do que, os valores fundamentais do homem evoluem através da luta da humanidade contra as diversas opressões, surgindo, assim, os direitos tidos como fundamentais de primeira, segunda ou terceira geração e refletindo a realidade histórica e cultural daquele período.
Podemos apontar dois princípios que foram norteadores dos direitos fundamentais. São eles: o princípio da dignidade humana e o Estado de Direito.
O Estado de Direito baseia-se no ideal de que o poder do Estado deve ser limitado, ou seja, seria o oposto ao Estado Absolutista. O conceito clássico de Estado de Direito abrange a submissão dos governantes e dos cidadãos ao império da lei; separação dos poderes e a garantia dos direitos fundamentais. Com isso a concepção liberal do Estado de Direito servira de apoio dos direitos do homem, convertendo súditos em cidadãos livres.
Quanto ao princípio da dignidade humana, a doutrina constitucionalista majoritária tem adotado o posicionamento de que tal princípio deu o embasamento para o surgimento dos direitos fundamentais. Seu conceito é amplo e aberto, mas baseia-se no ideal de reconhecimento de todos os seres humanos pelo simples fato de o serem.
Por muito tempo, pensou-se que os direitos fundamentais incidiam apenas nas relações entre cidadão e Estado, logo, tratava-se da chamada “eficácia vertical”, contudo, em meados do século XX, surgiu na Alemanha à chamada “Teoria da Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais”, teoria essa que também defendia a incidência destes nas relações entre particular e particular, ou seja, nas relações privadas.
O Título II da Constituição Federal de 1988 dispõe sobre os direitos fundamentais os quais subdividem-se em cinco capítulos: Direitos individuais e coletivos, direitos sociais, direitos de nacionalidade, direitos políticos e os direitos relativos aos partidos políticos.
2. Limitações ao Poder de Tributar: A Concessão de Benefícios Fiscais e a Instituição de Tributos Durante a Pandemia da COVID-19
Se por um lado temos a pessoa física ou jurídica que em face de uma recessão econômica encontra dificuldade para satisfazer suas despesas relativas a salários, fornecedores e, especialmente, tributos, no outro temos o governo frente a uma crise internacional em que medidas afirmativas são essenciais para superação da crise e, neste contexto, entra a tributação e a manutenção do emprego e das empresas como prioridade.
No Brasil foi publicada a Lei Complementar nº 173, de 27 de maio de 2020, que cria o “Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus”, que garante auxílio financeiro de até R$ 125 bilhões aos entes, suspensão do pagamento de dívidas e a renegociação com bancos e organismos internacionais.Com o intuito de auxiliar os Estados, os Municípios e o Distrito Federal quanto às despesas extraordinárias decorrentes da pandemia.
Além do Brasil não só o sofre com as consequências, mas também vários Países enfrentaram crise semelhante em como decorrência da Pandemia da COVID-19, sob esse aspecto, algumas medidas tributárias merecem destaque, como a concessão de Moratória que consiste na prorrogação legal do prazo para o pagamento de tributos, o diferimento das obrigações acessórias e a redução da carga tributária.
A moratória, que seria uma causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, e que está prevista no artigo 151, inciso I, do Código Tributário Nacional, cuida de prorrogação, dilação, do prazo para pagamento do tributo, veiculada por lei concessiva emanada pelo ente competente para exigir o tributo e que pode se justificar diante de situação excepcional, a exemplo de crise econômica, da qual presume-se que os contribuintes não conseguirão quitar suas obrigações principais e acessórias e, neste contexto, é certo que tais tributos serão recolhidos em favor do ente competente, em momento posterior, havendo, portanto, uma espécie de mitigação provisória dos encargos.
Trazendo a discussão em âmbito nacional encontramos medidas que visam minimizar o impacto econômico tributário: diferimento do pagamento de tributos federais, inclusive no âmbito do simples nacional, do pagamento do FGTS, suspensão dos atos de cobrança das dívidas tributárias e prorrogação do prazo de validade das certidões negativas de débito, como algumas delas.
Assim, em um cenário econômico desfavorável, a redução da carga tributária é a melhor alternativa para o contribuinte, vez que não gerará passivo a ser por ele cumprido.
A concessão de benefício fiscais, como, por exemplo, algumas isenções, redução da base de cálculo, remissão, anistia mostram-se essenciais neste momento, todavia é imprescindível a previsão em lei específica e a observância dos ditames da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/00). Assim, podemos citar a redução à zero das alíquotas do Imposto de Importação (II) para produtos médico-hospitalares, das contribuições obrigatórias das empresas para o sistema S, redução a zero do Imposto sobre as Operações Financeiras (IOF) para certas operações e desoneração temporária do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para produtos e insumos destinados ao combate à COVID-19.
Diante do impacto da crise, os cofres públicos sofrem com a drástica diminuição da arrecadação tributária e a decretação da calamidade pública faz com que os entes federados se sujeitem aos ditames do artigo 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/00), podendo aumentar os gastos públicos e deixar de cumprir as metas fiscais para 2020, todavia, a instituição de dois tributos já previstos no texto constitucional de 1988, tem sido apregoada pelo poder legislativo como um dos caminhos que culminaria no (necessário) imediato aumento das receitas tributárias: os Empréstimos Compulsórios e o Imposto sobre as Grandes Fortunas.
A União, utilizando-se de sua competência extraordinária, através de Lei Complementar, poderá instituir Empréstimos os Compulsórios diante da situação de calamidade pública e guerra externa (iminente ou declarada) e quando da necessidade de realização de investimentos de caráter urgente e de relevante interesse nacional conforme art.148, incisos I e II do texto constitucional.
Nos interessa apenas uma das situações previstas no inciso I, qual seja, a calamidade pública que, não revela o fato gerador do tributo já que esse será eleito pelo legislador infraconstitucional, podendo ser qualquer situação que revele capacidade econômica do sujeito passivo, pessoa física e/ou jurídica que, imediatamente à data de publicação da lei instituidora, vincularia União e contribuinte, já que a espécie é exceção absoluta ao Princípio da Anterioridade da Lei Tributária, ao afastar a observância do limite constitucional de tributar estabelecido para a maioria dos tributos: a anterioridade do exercício financeiro e nonagesimal.
A receita dos Empréstimos Compulsórios seria, na sua totalidade, destinada à situação que se prestaria a socorrer: a imediata destinação de fomento para criação de grupos nacionais de pesquisas científicas que buscariam uma vacina imunizante ou medicamentos que amenizassem a dor dos paciente diagnosticados, sem desconsiderar a urgente intervenção do Estado na economia estimulando a criação de empregos com a concessão de crédito às pessoas jurídicas estimulando manutenção das médias e pequenas empresas, as empresas de economia familiar ou do pequeno empresário individual, aos agricultores que exploram a pequena gleba rural para garantir a subsistência familiar com a concessão de crédito rural facilitado entre outras medidas que abrandassem os efeitos devastadores da situação estabelecida durante e pós- pandemia, já que o desvio de receita resulta no desvio de sua finalidade e inconstitucionalidade de exigência do tributo extraordinário.
O Imposto sobre as Grande Fortunas (IGF), diferente dos Empréstimos Compulsórios, e como os demais tributos daquela espécie, por força constitucional ao respeitar o Princípio da Não-Afetação estabelecido pelo art. 167, IV da Carta Política de 1988, não terão receitas vinculadas a nenhum órgão, fundo ou despesa e por isso, a arrecadação do tributo destinar-se-ia a manutenção do erário público. No entanto, tramitam no Senado Federal[14] quatro Projetos de Lei Complementar que objetivam a instituição do tributo sob a justificativa de que esse seria o imposto da justiça social. Em todos eles, saltam as inconstitucionalidades. Vejamos com brevidade os quatro projetos de lei complementar veiculadora do IGF:
A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) PLP 50/2020. Além da criação do IGF, seu projeto sugere uma medida que poderia gerar efeitos imediatos: o Empréstimo Compulsório aplicado às grandes fortunas, relevando a dupla incidência ou bis in idem, vedado pela Constituição Federal.
No projeto, ao Empréstimo Compulsório aplicar-se ia a alíquota de 4% sobre a mesma base tributária do IGF sobre os patrimônios acima de 12.000 (doze mil) vezes o limite de isenção do imposto de renda. O valor arrecadado seria objeto de restituição a partir de 2021, remunerado pela Taxa Referencial (TR) – mesmo índice usado na atualização dos valores do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). O projeto ainda prevê primeiro a criação do Empréstimo Compulsório, vigente durante o período da calamidade pública e após, a instituição do IGF como forma de amenizar o período pós-pandemia sob a justificativa de que o Estado deverá buscar recursos acumulados no passado.
O projeto, no entanto, não definiu o conceito de “fortuna” e nem de “grandes fortunas”, função outorgada pela Constituição Federal, à Lei Complementar.
O PLP 183/2019, do senador Plínio Valério (PSDB-AM), foi apresentado no ano passado, mas ainda não tem parecer de comissão. O projeto que é anterior à Pandemia trata apenas do IGF, sem fazer referência a Empréstimos Compulsórios.
O Senador entende que o tema da tributação de grandes fortunas ainda é de difícil debate e por isso não foi regulamentado nos mais de 30 anos que se seguiram à promulgação da Constituição. No entanto, ele vê espaço para a aprovação da proposta no Senado, especialmente diante das dificuldades exacerbadas pela atual pandemia
Dos quatro projetos em tramitação, o mais antigo é o PLS 315/2015, do senador Paulo Paim (PT-RS), que também não passou pela análise de comissões. A outra iniciativa sobre o tema, do senador Reguffe (Podemos-DF), é o PLP 38/2020, que propõe a vigência imediata do imposto — expressamente pela Constituição, pois o tributo atende ao Princípio da Anterioridade, artigo 150, III, b (do exercício financeiro) e c da CF (nonagesimal).
Na Câmara dos Deputados, de iniciativa do Deputado Assis Carvalho (PT-PI), tramita o projeto que prevê a instituição do Imposto sobre as Grandes Fortunas com destinação exclusiva ao combate da pandemia do Covid-19 (Coronavírus), portanto, inconstitucional, em razão do Princípio da Não-Afetação aplicado aos impostos e aqui já desposado e prevê como fato gerador do imposto a titularidade de bens e direitos de qualquer natureza, no Brasil ou no exterior, no dia 31 de dezembro de cada ano, em valor global superior a R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais), sendo atualizado anualmente pelo Poder Executivo que também regulamentará os critérios de avaliação do valor dos bens móveis e imóveis. Como contribuintes, o Projeto prevê que pessoas físicas domiciliadas no Brasil e pessoas físicas ou jurídicas domiciliadas no exterior, em relação ao patrimônio que tenha no Brasil, e os espólios, prevendo que cada cônjuge ou companheiro será tributado com base no seu patrimônio individual acrescido da metade do patrimônio comum, na constância da sociedade conjugal ou união estável e ainda estabelece que o patrimônio dos filhos menores será tributado juntamente com o dos pais.
Prevê, ao final, a Repartição das Receitas do IGF entre a União e os Estados e Distrito Federal (na proporção de trinta e cinco por cento) e União e Municípios (na proporção de trinta e cinco por cento) usurpando tema de matéria exclusivamente constitucional, além de ignorar o observância ao Princípio da Anterioridade ao determinar a vigência da lei (inconstitucional) na data da sua publicação.
A possibilidade de instituição de tributos no momento pandêmico e pós-pandêmico revela o descompasso do Poder Legislativo com a compreensão das limitações constitucionais ao poder de tributar e a não-observância aos direitos fundamentais do contribuinte na criação de normas tributárias. Seja porque os Projetos de Lei não compreendem a vedação da atividade arrecadatória confiscatória protetora das pessoas físicas e jurídicas e, portanto, os destinatários da norma vindoura, seja porque justifica a instituição de imposto que jamais será utilizado para amenizar os tristes efeitos causados pela COVID-19, seja porque prevê novas fontes (inconstitucionais) de custeio do Estado afastando os Princípio da Isonomia, Anterioridade e Irretroatividade da Lei Tributária.
3. A Preservação dos Direitos Fundamentais sob a Ótica do Poder de Arrecadar
Passamos a análise do dever de recolher tributos e o exercício dos direitos fundamentais, questão pouco desenvolvida pelos estudiosos do direito tributário tanto sob o ponto de vista acadêmico, doutrinário, jurisprudencial quanto sob o ponto de vista dos poderes que democraticamente nos representam.
Isso porque a concentração da matéria no estudo do direito tributário gira em torno, de um lado, de dar à arrecadação, cada vez mais eficiência através da criação de mecanismos legais que garantam a diminuição de evasões fiscais pelos sujeitos passivos das obrigações tributárias e de outro, a tentativa de localizar os vícios, as lacunas ou falhas nas normas que impõem os deveres de observância e fiel cumprimento às obrigações tributárias principais e acessórias.
Uma das atividades típicas do Estado é o poder de instituir, tributos em conformidade com os artigos 150, I, 5º, II da CRFB e 97 do CTN e o interesse pela arrecadação segura, eficaz, eficiente concentrou os estudos dos cientistas do direito ao interpretarem que o recolhimento de tributos é o meio que o sujeito ativo da obrigação tributária se instrumenta financeiramente para alcançar os fins previstos na Lei Fundamental e nas leis tributárias.
No entanto, por vezes, as discussões a respeito da instituição de tributos e sua inexcusável exigência, ignoram a ideia de que a tributação esteja associada a noção de que o cidadão é contribuinte e que cada vez mais, o exercício da tributação deva estar, indubitavelmente associado, também, ao exercício dos direitos fundamentais como elucida a Ilustre Professora Regina Helena Costa:
Consideramos importante remarcar que a compreensão do Direito Tributário, cada vez mais, está voltada à preocupação concernente à adequação da tributação ao exercício dos direitos fundamentais. De fato, universalmente vem se afirmando uma visão humanista da tributação, a destacar que essa atividade estatal não busca apenas gerar recursos para o custeio de serviços públicos, mas, igualmente, o asseguramento do exercício de direitos públicos subjetivos.[15]
Não negamos a ideia da necessidade de tributação já que em todas as sociedades organizadas, desde a antiguidade, os tributos já possuíam o objetivo de financiar determinadas situações planejadas pelo Estado, e a história nos ensina que a evolução das relações sociais resultou no liame entre o poder estatal de arrecadar tributos e o exercício da cidadania aperfeiçoado na contribuição com as despesas estatais.
Os direitos fundamentais estão reconhecidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos e como já tratado aqui, foi objeto de proclamação em 1948 pela Assembleia Geral da Nações Unidas em 1948, proclamando no item 1, do artigo XXV:
Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.
Na Constituição Federal de 1988, a alguns direitos foram outorgados status de direitos fundamentais e, consequentemente, lhes foi outorgado um regime jurídico especial, rígido, de aplicação imediata e proteção especial, já que os direitos ali protegidos - materializados pelas normas constitucionais - são cláusulas pétreas e devem, portanto, ser objeto de observância pelo legislador infraconstitucional ao eleger determinados fatos na apreensão da regra matriz de incidência tributária.
Entendemos pelo princípio da não-obstância do exercício de direitos fundamentais por via da tributação. Explicamos com base nos brilhantes ensinamos da Professora Regina Helena Costa[16]:
Assim, se a Lei Maior assegura o exercício de determinados direitos, que qualifica como fundamentais, não pode tolerar que a tributação, também constitucionalmente disciplinada, seja desempenhada em desapreço com esses mesmos direitos.
Há, nesse sentido, uma relação de observância estabelecida em que o Estado no papel de sujeito ativo da competência tributária, exerce sua atividade tributante constitucionalmente prevista, abstendo-se de restringir, inviabilizar, intimidar ou diminuir os direitos fundamentais, inspirando-se no texto fundamental ao impedir que as normas ali contidas ou aquelas que serão objeto de inserção via emenda, não signifiquem a relativização desses direitos.
Durante a elaboração das normas que regem o poder estatal de arrecadar, tanto o legislador infraconstitucional como o administrador fiscal assumem papel fundamental na relação discricionária que une os sujeitos ativo e passivo da relação obrigacional e, ao estabelecer e regulamentar normas tributárias, assumem o papel de destinatários diretos da observância dos direitos fundamentais desde que não signifiquem a imposição de práticas de eficiência na arrecadação e resultem na restrição desses direitos.
Espera-se, portanto, que sistema tributário nacional, inspire-se, verdadeiramente, na garantia dos direitos fundamentais, ainda que a tributação atinja dois desses direitos do contribuinte: o direito à liberdade e o direito à propriedade privada. Nesse sentido, nos ensina o Professor Roque Antônio Carrazza ao tratar dos limites da competência tributária:
Além disso, a pessoa política, ao exercitar sua competência tributária, é obrigada a levar em conta os direitos fundamentais dos contribuintes, pois do contrário o tributo acabaria por se transformar em mero instrumento de financiamento do Estado, quando, como se sabe, nosso ordenamento jurídico exige que ele seja também utilizado para induzir comportamentos individuais e para fazer com quem prevaleçam os primados da igualdade, da liberdade e da proibição do excesso.[17]
A tributação não é mais enxergada como um ato de império do Estado que obrigava os cidadãos, em passado recente, a custear o seu financiamento e ainda que em nome da praticabilidade e eficiência da arrecadação, os direitos subjetivos do contribuinte não o faz ser visto apenas como súdito, mas como aquele que tem seus direitos individuais garantidos, a exemplo do direito à saúde, à educação, ao meio ambiente ecologicamente adequado, assim como o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade e o exercício desses direitos, em síntese conclusiva, cria as situações jurídicas oponíveis a qualquer pessoa, inclusive ao Estado.
Da ideia de que o contribuinte mantém uma relação de igualdade jurídica e não de subordinação com o Fisco surgiu e tramita desde 1999 o Projeto de Lei Complementar 646/1999 cria o Código de Defesa do Contribuinte e objetiva concretizar os valores constitucionalmente consagrados no sistema constitucional brasileiro. Se a tributação se desenvolve dentro dos limites da competência e do poder de tributar, esse objetivo será alcançado respeitando-se os direitos fundamentais do contribuinte a faixa da liberdade das pessoas na qual a tributação não pode se desenvolver.
Nesse raciocínio, a Constituição delimitou o conteúdo possível das leis tributárias e por via reflexa, dos regulamentos, das portarias, dos atos administrativos tributários. À União, aos Estados-membros, ao Distrito Federal e aos Municípios é obrigatório, no exercício da competência tributária, o respeito das garantias e direitos individuais dos contribuintes que merecem proteção e respeito aos seus direitos públicos subjetivos constitucionalmente garantidos e aqui está estabelecida a restrição ao exercício da competência tributo com o fim de proteger os direitos fundamentais ao abriga-los dos abusos do poder. Caso contrário, os direitos fundamentais do homem seriam apenas formalmente reconhecidos, mas sem qualquer concretização.
Exemplar da concretização desses direitos é a sua aplicação imediata como previsto pelo art. 5, § 1º da CF e sua inclusão no rol das cláusulas pétreas, o que nos leva a concluir que a arrecadação tributária e os direitos fundamentais não se suprimem, mas se complementam ao desvelar o dever de arrecadação como meio de obtenção para o financiamento estatal e a concretização dos direitos fundamentais do contribuinte.
Em suma, é impossível que o estudo das competências tributárias se realize sem uma análise profunda do Texto Magno, em especial no que se destina a assegurar os direitos fundamentais como meio hábil para rechaçar ação arbitrária do Estado de Direito que rege suas condutas de acordo com as regras que veiculam os direitos fundamentais.
3.1A Preservação do Mínimo Vital e Existencial como Pressupostos para a Proteção e Efetivação dos Direitos Fundamentais
Os recursos econômicos indispensáveis à satisfação das necessidades básicas das pessoas, conhecido como mínimo vital, são garantidas pela Lei Maior, especialmente em seus arts.6º e 7º não podem ser alcançados pela tributação de impostos. O mínimo existencial, também nesse sentido, está intimamente relacionado com a realização dos direitos fundamentais, que representa a concretização do princípio da dignidade da pessoa humana e revela a garantia das condições e exigências mínimas de uma existência digna ou seja, o direito ao mínimo existencial é alicerçado no direito à vida e na dignidade da pessoa humana e é dever do Estado que a promova e proteja.
Nas lições de John Rawls[18], essa garantia encontra efetividade por meio dos “bens primários”: aquilo que as pessoas livres e iguais precisam como cidadãos. O mínimo existencial não se mantém restrito à satisfação das necessidades físicas dos indivíduos como se a preocupação se esgotasse em sua sobrevivência ou no mínimo vital.
Tratemos, pois, do princípio da capacidade contributiva ao assegurar que as pessoas não deverão recolher tributos aos cofres públicos caso seus direitos fundamentais sejam comprometidos. O princípio da capacidade está intimamente ligado ao princípio da igualdade, seguimos entendendo que é um dos mecanismos mais eficazes para que se alcance, em matéria de impostos, a justiça na tributação ou justiça fiscal.
Segundo o princípio da capacidade contributiva, insculpido no art. §1º do artigo145 da CRFB, quem tem mais riqueza deverá, proporcionalmente, recolher mais imposto do que aqueles que tem maior riqueza, devendo contribuir mais para a manutenção da coisa pública.
Por essa razão, as cargas impositivas originadas pelo dever de recolher, mediante lei, tributos aos cofres públicos das pessoas jurídicas competentes, deverão considerar as possiblidades econômicas de cada uma das pessoas para que o princípio da isonomia, previsto pelo inciso I, do art.150, da Carta Política vigente afaste a exigência confiscatória, irrazoável ou que atente contra os direitos e garantias fundamentais daquele que não afetariam o mínimo vital: alimentação, vestuário, cultura, lazer, saúde, educação, previdência social, transporte.
Estendemos o entendimento acima esposado aos tributos indiretos, entendendo que os bens essenciais que compõem a cesta básica do brasileiro deverão ser alcançados pelos mecanismos que desoneram os bens que garantem o mínimo existencial, asfaltando, do consumidor final, a carga econômica.
No mesmo sentido, tanto a tributação direta quanto a tributação indireta deverá ser afastada dos gastos necessários com a alimentação, remédio, vestuário, educação e higiene, das pessoas que se encontrem em situação de pobreza e com dificuldades para manter suas famílias e dependentes econômicos, sob o risco do tributo assumir feição confiscatória, situação expressamente vedada pela Lei Maior e materializada em nosso ordenamento interno pelo princípio do Não-Confisco, previsto pelo art. 150, IV da Constituição, devendo existir uma proteção entre o mínimo existencial e a atividade confiscatória.
Consideramos, assim, que é requisito de validade das normas jurídicas a criação de impostos, que não subtraiam, do contribuinte pessoa física, o mínimo vital, ou coloquem em risco a liberdade de exercício das atividades produtivas lícitas das pessoas jurídicas, reduzindo-lhe a sua capacidade de produção e exploração das atividades econômicas.
A análise de cada caso concreto, levando em consideração os princípios da igualdade, da capacidade contributiva, da função social da propriedade e da dignidade da pessoa humana, são imprescindíveis para relevar se um imposto representa ou não atividade confiscatória do Estado.
Com base na preservação dos direitos fundamentais consagrados na ordem interna e humanos, previstos nos instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos, o legislador ordinário deverá atender, nas eleições dos fatos tributários, os princípios da capacidade contributiva, graduando os impostos conforme a capacidade econômica do contribuinte, observando o mínimo vital e existencial para a concretização de uma vida digna.
A garantia de um mínimo econômico, não alcançado pela tributação, é o caminho para o atendimento das demais garantias constitucionais básicas para a sobrevivência e desenvolvimento do indivíduo em sua plenitude.
O direito familista passa a estudar os limites da tributação de IRPF sobre as verbas de natureza alimentícia ao considerar com louvor, que os alimentantes, na condição de credores da pensão alimentícia são os antecedentes dependentes do provedor alimentar, mas os alimentados não podem ser considerados contribuintes de impostos que tem traçado sua norma impositiva no acréscimo patrimonial, ou seja, não é capaz e nem tem o dever de suportar carga fiscal aquele recebe os alimentos, já que o direito ao alimento não sugere a capacidade contributiva ao alimentado.
A legislação que estabelece a tributação incidente sobre o pensionamento e a quem, de forma antagônica, tem assegurado pelo ordenamento a garantia do sustento e o Estado passa a admitir, que a norma em vigor afaste a garantia do sustento e autoriza a usurpação do acesso à bens básicos e que pode deixar de garantir o mínimo existencial ao alimentado.
Se a Emenda Constitucional 64/2010 introduziu a alimentação direito social, não faz sentido que um Regulamento a considere acréscimo patrimonial para efeitos de incidência e tributação de IRPF devido pelo alimentado. Isso porque, o Regulamento do Imposto de Renda, instituído pelo e Decreto 3.000 de 26 de março de 1.999 prevê em seu art. 5º que os valores percebidos a título de alimentos ou pensões em cumprimento com acordo homologado judicialmente ou fruto de sentença, incluindo os alimentos provisórios ou provisionais e diante da incapacidade civil do alimentado, a tributação será realizada em nome do tutor, curado ou responsável pela sua guarda.
Mais do que a análise de inconstitucionalidade da cobrança que aguarda apreciação da ação de inconstitucionalidade (ADI 5.422) ajuizada pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família, (IBDFAM) em 25 de novembro de 2015, que objetiva suspender e impedir a exigência do IRPF sobre verbas de pensões alimentícias e diante dos princípios implícitos e expressos que garantidores do mínimo existencial, propõe-se, uma crítica a respeito analítica a respeito de tal previsão normativa sob o aspecto das garantias individuais e fundamentais dos sujeitos de direito.
A dignidade da pessoa humana é umas das escolhas da Carta Política de 1988 e está associada ao objetivo de erradicação da pobreza, da redução da marginalização e das desigualdades sociais. É o que estabelece o § 2ºdo artigo 5º ao não excluir quaisquer direitos e garantias decorrentes dos princípios inseridos expressa ou implicitamente pelo Texto Fundamental e, portanto, configuram uma verdadeira “cláusula geral”[19] de tutela da pessoa humana, tomada como valor máximo pelo ordenamento, não podendo ser perdido, alienado, diminuído pelo Estado de Direito que deverá nortear suas ações no sentido de preservar, do poder estatal de tributar, os mínimos existencial e vital.
Conclusão
A tributação passou a se desenvolver dentro dos limites que a Carta Suprema de 1988 traçou e os legislador ordinário dos entes políticos encontra as delimitações da área e que a tributação pode ser exercida.
É evidente que os direitos fundamentais amparam o contribuinte contra os Poderes do Estado, incluindo o Legislativo. Os Direitos consagrados no art. 5º do Diploma Magno são tão ou mais relevantes que os outorgados à União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios para instituir impostos, taxas, contribuições de melhorias e especiais e os empréstimos compulsórios, por isso, sob a justificativa de exercitarem competências tributárias, não podem tolher a os direitos públicos subjetivos do contribuinte.
A pessoa política não poderá, assim, agir abusando do poder discricionário que lhe foi outorgado, seja pela observância do exercício dos direitos fundamentais que tem como destinatários o legislador infraconstitucional, ordinário, e ao administrador, seja porque todos estão, como representantes do poder estatal de tributar, submetidos a um regime jurídico rígido que regem suas condutas de acordo com as regras que veiculam aqueles direitos.
As leis tributárias não podem instrumentalizar embaraços abusivos ao livre exercício do trabalho já que se subordinam à ordem jurídica e as limitações constitucionalmente estabelecidas, não podendo compelir, conforme ditames do art. 5º, XIII, da CF.
A ideia de que os direitos fundamentais, constitucionalmente reconhecidos, reafirmam e delimitam as competências que as pessoas políticas receberam para tributar e nosso Estado Democrático de Direito exige que a arrecadação reforce os direitos fundamentais do contribuinte.
BIBLIOGRAFIA
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RAWLS, John. O Liberalismo Político. Tradução de Dinah de Abreu Azevedo. São Paulo: Ática, 2000.
[1] Mestranda em Direito Constitucional pela PUC-SP
[2] SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direitos Público. 4ª Edição, 10ª tiragem. São Paulo: Editora Malheiros, 2009.(p. 37)
[3] ABBOUD, Georges. Introdução à Teoria e à Filosofia do Direito. 3ª edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.(p. 284).
[4] Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Artigo 16º “A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição.” Disponível em: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/declaracao-de-direitos-do-homem-e-do-cidadao-1789.html
[5] GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 13.ed., São Paulo: Malheiros, 2008
[6] SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direitos Público. 4ª Edição, 10ª tiragem. São Paulo: Editora Malheiros, 2009.(p. 45-46)
[7] SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direitos Público. 4ª Edição, 10ª tiragem. São Paulo: Editora Malheiros, 2009.(p. 45-46)
[8] ABBOUD, Georges. Introdução à Teoria e à Filosofia do Direito. 3ª edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.(p. 286-295).
[9] Constituição Federal. Artigo 5º, §2º: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.” Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm.
[10] Constituição Federal. Artigo. Artigo 1º: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...)”
[11] ABBOUD, Georges. O Processo Constitucional Brasileiro. 2ª edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2018. (p. 727).
[12] BARROSO, Luis Roberto. A ordem econômica constitucional e os limites à atuação Estatal no controle de preços.Revista de DireitoAdministrativo. Rio de Janeiro: RDT, n. 226, out./dez., 2001, p. 187-212.
[13] “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito (...).”
[14] Fonte: Agência Senado: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/141223. Acessado em 23 de agosto de 2020.
[15] COSTA. Curso de Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional, p.34.
[16] COSTA. Imunidades Tributárias e Direitos Fundamentais, p. 77-81.
[17] CARRAZZA. Curso de Direito Constitucional Tributário, p. 430.
[19] DA ROSA, Conrado Paulino. Curso de Direito de Família Contemporâneo. Salvador: Juspodium, 2019. P. 639-645.
Mestranda em Direito Constitucional e Processual Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Professora de Curso Preparatório para Concursos Públicos e Exame de Ordem.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANJOS, Roberta Boldrin dos. O poder de tributação do estado democrático de direito como garantidor dos direitos fundamentais do contribuinte Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 set 2021, 04:47. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57231/o-poder-de-tributao-do-estado-democrtico-de-direito-como-garantidor-dos-direitos-fundamentais-do-contribuinte. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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