WALTER MULLER
(orientador)
RESUMO: O tema desenvolvido neste artigo é de grande relevância de estudo, tratando-se de um tópico de grandes controvérsias na atualidade, com diversos entendimentos e perspectiva de doutrinadores, sendo a negociação na Justiça Penal uma novidade para o direito brasileiro, advinda da legislação estrangeira, e sem tradução solidificada no Brasil, passou a ser tratado como uma transação penal. Apesar dos pontos doutrinários de divergências, certo é que o processo penal moderno é composto por princípios máximos que asseguram o reconhecimento da não culpabilidade do acusado, sendo seu, exclusivamente, o direito também de utilizar o instituto da negociação penal, confessando a prática delituosa em troca de uma composição para o cumprimento da pena. O instituto da negociação penal não só é válido como também traz benefícios ao direito penal brasileiro, pois com a negociação penal, haverá uma diminuição notória do trâmite para a resolução de processos criminais, além da própria economia gerada ao Poder Judiciário. Além disso, diversos fatores reflexos poderão ser observados com a negociação penal, como o encerramento célere de processo e a possibilidade de o réu seguir sua vida adiante, sem se preocupar com o peso de carregar um processo com desfecho incerto. O artigo foi desenvolvido com base em análises de monografias, discussões em grupos e por meio de pesquisas em sítios idôneos da internet.
Palavras-chave: Direito Penal. Direito Processual Penal. Negociação na Justiça Penal. Plea Bargain.
ABSTRACT: The theme developed in this article is of great relevance of study, being a topic of great controversies nowadays, with diverse understandings and perspective of doctrinators, being the negotiation in the Criminal Justice a novelty for the Brazilian law, coming from the legislation foreign, and without solidified translation in Brazil, started to be treated as a criminal transaction. Despite the doctrinal points of divergence, it is certain that the modern criminal process is composed of maximum principles that ensure the recognition of the accused's non-culpability, being his exclusively the right also to use the criminal negotiation institute, confessing the criminal practice in exchange of a composition for serving the sentence. The institute of criminal negotiation is not only valid but also brings benefits to Brazilian criminal law, as with criminal negotiation, there will be a noticeable decrease in the procedure for resolving criminal cases, in addition to the savings generated by the Judiciary. In addition, several reflex factors may be observed with the criminal negotiation, such as the speedy termination of proceedings and the possibility that the defendant can go on with his life, without worrying about the burden of carrying a case with an uncertain outcome. The article was developed based on analysis of monographs, group discussions and through research on suitable internet sites.
Keywords: Criminal Law. Criminal Procedural Law. Negotiation in Criminal Justice. Plea Bargain.
1. INTRODUÇÃO
Para que se entenda o que é a negociação penal, são necessárias algumas considerações acerca da própria justiça penal e sobre os motivos que tornam a justiça consensuada como uma alternativa moderna, sobretudo frente aos elevados custos do processo judicial, da máquina judicial cada vez mais sufocada, e da morosidade na resolução de processos.
Plea bargain ou negociação penal, é um estatuto jurídico que originou dos Estados Unidos da América, sendo bem verdade que existem diferenças entre o federalismo que se vive no Brasil e o dos norte-americanos.
O federalismo americano foi resultante de um processo de emancipação das treze colônias, que perfez a constituição de dois grupos divididos entre os republicanos e os federalistas, estes pregavam que o fortalecimento do poder central, visando conservar a união política dos estados reformulação do sistema judicial criminal norte-americano, em virtude dos corriqueiros acordos celebrados entre acusação e defesa, evidenciados na realidade da prática forense, em que pese as regras procedimentais impedirem a admissão de culpa em troca de benefícios, e aqueles defendiam que o governo centralizador não poderia se sobrepor à autonomia dos estados.
Este contexto histórico é importante para compreender o começo da solidificação do instituto plea bargain, termo que ainda sequer possui uma tradução solidificada no Brasil, mas que o Dicionário de Direito, Economia e Contabilidade de Marcílio Moreira de Castro sugere traduzir para “transação penal”.
A doutrina, por sua vez, preferiu uma explicação mais aprofundada para o instituto do plea bargain, como se fosse um acordo entre a acusação e a defesa, no qual o réu faz uma confissão judicial da prática de determinado delito, e em troca recebe uma pena mais branda, para evitar o julgamento.
Porém, o entendimento de plea bargain nos EUA conflita com o conceito de transação penal no Brasil, pois no Brasil, por exemplo, a transação penal é uma medida despenalizadora. Já nos Estados Unidos é uma medida penalizadora — embora amenizadora da pena. No Brasil, a transação penal se aplica a infrações penais de menor potencial ofensivo.
Nos Estados Unidos, para qualquer crime. No Brasil, a lei só cobre infrações com pena máxima de até dois anos. Nos Estados Unidos, pode incluir até prisão perpétua, em outros termos, um réu pode aceitar uma pena de prisão perpétua para escapar da pena de morte.
Apesar das diferenças entre os sistemas, e até mesmo divergências apontadas no instituto da plea bargain com o direito brasileiro, são inúmeras as vantagens da implementação do instituto no Brasil, sendo a mais notória a eliminação de numerosos e demorados processos, com a economia de recursos e enxugamento do Poder Judiciário.
Não obstante, certo é que a negociação penal é espécie de medida despenalizadora, aproximando-se dos institutos como o da suspensão condicional do processo e como o da transação penal, já existentes e dispostos há muitos anos no ordenamento jurídico pátrio.
Inserindo-se como um raciocínio legislativo fundado em um modelo consensual de solução de conflitos, é patente a constituição de um relevante marco para aliviar o Poder Judiciário e, por conseguinte, melhorar a efetividade da jurisdição penal, que ocorrerá sem prejudicar os direitos fundamentais do cidadão, com a efetividade reclamada pela sociedade.
2. AS DIVERGÊNCIAS DA NEGOCIAÇÃO PENAL COM O DIREITO BRASILEIRO E A POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO
Apesar de ter sido aprovado e já estar inserido no art. 395-A do Código de Processo Penal, o modelo negocial proposto e inspirado no instituto estrangeiro plea bargain causou grandes discussões entre os doutrinadores e estudiosos do direito no Brasil, pois se vislumbrou que o modelo negocial permitiu o retorno do valor probatório da confissão, que já tinha sido enfraquecido no perpassar da história do processo penal brasileiro, e a confissão passa a ser reputada de modo que basta a negociação com a confissão do acusado.
A respeito da confissão, não é nenhuma novidade para o mundo jurídico, mas seu caráter de prova persiste até os dias de hoje, afirmando a doutrina que a confissão é um dos instrumentos disponíveis para que o magistrado possa chegar à veracidade das afirmações feitas pelas partes.
Possuindo capítulo próprio, a confissão no Código de Processo Penal se encontra no título de provas. Além disso, tem-se como exemplo a citação do artigo 197 do referido diploma instrumental, determinando como será o valor da confissão, ao expor que a confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e existe compatibilidade ou concordância.
Ademais, a própria norma prevê um benefício ou agraciamento com aquele que contribui com a justiça. De fato, o Código Penal estabelece no artigo 65, inciso III, alínea “d”, que a confissão espontânea de autoria é circunstância atenuante da pena, desde que realizada perante a autoridade.
Logo, a confissão não é algo inovador no processo penal, mas é reconhecida como uma cooperação com a Justiça, encontrando origem e lógica de funcionamento no interior de toda legislação que permite uma negociação para a resolução criminal.
Mas não são todos os autores que concordam positivamente com o instituto da negociação penal. John Langbein, por exemplo, compara a plea bargain com o método medieval de tortura para extração da confissão, pois segundo sua visão o cidadão preferirá confessar e cumprir uma pequena condição imposta na negociação, do que ter que enfrentar um longo processo criminal, do qual o resultado final dependerá de um conjunto de fatores que nem sempre são previsíveis. (LANGBEIN, 2017, p.141)
Apesar da desigualdade entre a intensidade da coação suportada, há semelhança no procedimento da negociação de sentença com o procedimento do interrogatório a fim da condenação definitiva, pois nos tempos medievais, durante o interrogatório e através da tortura, eram mostradas as ferramentas de tortura ao acusado, fazendo com que tivesse a oportunidade da confissão espontânea.
Caso não fosse possível obter a confissão espontânea, realizava-se a tortura, que podia durar dias, conforme a gravidade da heresia reconhecida. Já na negociação penal, o acusado é também recompensado com uma pena diminuída caso espontaneamente confesse seu crime, poupando o trabalho da acusação na busca de provas que incriminam.
Na condição de não querer colaborar, sofrerá o processo, podendo ser obrigado às medidas cautelares, como por exemplo a prisão preventiva, deixando de ser uma medida excepcional virando regra, de acordo com os números do sistema carcerário. Tais semelhanças representam a natureza inquisitiva da negociação da sentença criminal como modo de imposição buscando a confissão.
De outra face, não se pode suscitar em extinção da punibilidade, ou qualquer produção de efeitos sobre o direito de punir do Estado, pois segundo Albergaria o plea bargain é:
A negociação entre arguido e o representante da acusação, com ou sem participação do juiz, cujo objecto integra recíprocas concessões e que contemplará, sempre, a declaração de culpa do acusado (guilty plea) ou a declaração dele de que não pretende contestar a acusação (plea of nolo contendere) (ALBERGARIA, 2007, p. 20).
Apesar dos pontos de divergência, e das duras críticas de diversos autores, não se pode confundir o mundo moderno com os fatos relacionados aos tempos medievais. Ocorre que, agora, o processo penal é composto por diversos princípios que asseguram o reconhecimento da não culpabilidade do acusado, bem como mecanismos de defesa, que possibilitam que todo cidadão tenha o direito de responder o processo criminal de forma a assegurar todos os seus direitos, sendo que a confissão virá do próprio acusado, sendo que o acordo passará pela necessária homologação na justiça penal.
2.1 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
O princípio da dignidade da pessoa humana está preconizado no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal, conforme segue:
Art.1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Munícipios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[...]
III – a dignidade da pessoa humana (BRASIL, 1988).
Nesse sentido, verifica-se que a finalidade do princípio da dignidade da pessoa humana é expressar o conjunto de valores essenciais dos direitos fundamentais, garantindo assim, a tutela da liberdade e da igualdade.
Da mesma forma destaca o doutrinador Marcelo Novelino (2014) sobre o assunto:
A consagração da dignidade humana no texto constitucional reforça, ainda, o reconhecimento de que a pessoa não é simplesmente um reflexo da ordem jurídica, mas, ao contrário, deve constituir o seu objetivo supremo, sendo que na relação entre o indivíduo e o Estado deve haver sempre uma presunção a favor do ser humano e de sua personalidade.
Entende-se assim, que o princípio da dignidade da pessoa humana contém valor de ordem constitucional, sendo vista como um dos princípios de maior relevância resguardados pela Constituição.
Por esse caminho o Estado, como órgão supremo tem a incumbência de manter resguardado este direito inerente a pessoa, com objetivo de manter a ordem social.
No que tange na plea bargain, tem de se perceber uma evidente investigação quanto a indagação da fonte do plea bargaining e da sua natureza, assim sendo de suma importância compreender o objetivo e sua natureza jurídica, qual o objetivo que se busca em um sistema negocial.
Seja qual for a natureza jurídica de um decidido sistema deve ser verificado o princípio da humanidade. Para Cezar Roberto Bitencourt (2015, p. 70) “o Princípio da humanidade sustenta que o poder punitivo estatal não pode aplicar sanções que atinjam a dignidade da pessoa humana”.
Deste modo há de se consumar que toda via estatal de punibilidade, não importando qual o sistema operante em determinado Estado, deve ser analisado a dignidade da pessoa humana, o plea bargaining está acrescido neste conceito de sanção célere.
Nos demais institutos, não se verifica com exatidão o início primordial da formação da plea bargaining norte-americana.
Contudo, com a finalidade de fazer entender a consolidação desse instituto tão sucateado no passado, é que se deve ter atenção para as conjunturas que prestaram de pano de fundo. No mesmo contexto, é necessário reportar-se ao conturbado século XIX.
Para Ronaldo de Figueiredo Medina (2020, p. 57):
Os fatores históricos e explicativos da consolidação da pleabargaining, antes demonstrados, são relevantes, porém não podem ser vistos separadamente da análise da estrutura do modelo de processo penal desse país. Tal afirmação mostra-se pertinente, pois esse modelo de natureza adversarial favoreceu justamente a possibilidade de adaptação da declaração de culpa no cotidiano desta justiça.
Pode-se concluir que a atual configuração deste instituto está pautada na transformação de vários fatores históricos.
3. AS VANTAGENS E DESVANTAGENS DA NEGOCIAÇÃO PENAL
Avançando, com o instituto da plea bargain em ação, há a eliminação de numerosos e demorados julgamentos, sendo este evidentemente o maior benefício do acordo, com o enxugamento dos fóruns criminais e dos tribunais superiores.
Além disso, o trâmite para a resolução dos procedimentos se torna exponencialmente mais veloz, com custos, pressões e cargas de trabalho menores e simplificados.
Com a negociação penal, haverá uma diminuição dos julgamentos, necessidade de demoradas audiências e, por reflexo, os demais processos também terão uma tramitação mais rápida, salientando que julgamentos podem demorar dias, meses e até mesmo anos, ao passo que o acordo penal pode ser realizado e concluído em minutos ou horas.
Evita-se os custosos julgamentos, economizando tempo, recursos humanos e financeiros e com isso há uma melhora no desenvolvimento dos entes que custeiam a Justiça e uma melhora na própria administração dos tribunais.
E muitas das vezes o acordo penal pode ser estrategicamente mais interessante ao próprio acusado, pois determinados advogados também têm a preferência de fechar um bom acordo do que ter que enfrentar um dificultoso julgamento, com muitas das vezes necessidade de promover recurso.
Assim, pode ser considerado como uma boa troca para os réus que já se consideram culpados, em que penas rigorosas podem ser reduzidas pelo acordo, ou até mesmo realizado o acordo com relação à um crime e a exclusão com relação a outro delito, dentro de um mesmo contexto.
Como reflexo também se terá o enxugamento das prisões, pois na maioria dos casos a pena será inferior com a negociação penal, aumentando assim o rotativismo e, por resultado, diminuindo o tempo dos réus nas prisões.
Em muitos casos, a resolução do processo ocorre em tempo recorde, evitando maiores transtornos para o acusado. Assim sendo, se as partes fazem um acordo e ele é deferido pelo juiz, o caso já está encerrado e o réu pode seguir com sua vida.
Também alivia a ansiedade motivada pela incerteza de um desfecho ruim no julgamento, principalmente não tendo a ideia do que se pode acontecer, permitindo com que o réu lide com a consequência de seu crime de imediato, ao invés de se preocupar com isso durante meses ou até anos.
Por fim, há um reflexo da negociação penal também para as vítimas e para as testemunhas, que podem escapar da pressão que é depor ou participar de uma audiência.
3.1 OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL E A NEGOCIAÇÃO DA SENTENÇA.
A Constituição Federal encarregou-se em determinar as garantias a quem viesse a sofrer um processo criminal. Para se explicar essa anotação expressa de princípios em sua redação é de sinete da origem histórica das garantias individuais como uma forma de se defender das arbitrariedades do Estado, como também a magnitude do bem jurídico posto em julgamento: a liberdade.
Tendo como principal princípio, o do devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF/88) que “traduz-se em garantir o direito de não ter a sua liberdade e seus bens privada, sem a prerrogativa de um processo desenvolvido na forma que estabelece a lei.”
Este princípio assegura ao acusado a totalidade de sua defesa, bem como está interiormente conectado aos demais princípios constitucionais que será tratado na sequência.
Cesare Beccaria, em 1764, já advertia que “um homem não pode ser chamado de réu antes da sentença do juiz, e a sociedade só lhe pode retirar a proteção pública após ter decidido que ele violou os pactos por meio dos quais ela lhe foi outorgada”.
Narrado a concepção foi recepcionado em diversas convenções e declarações, por exemplo a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão (1789), Declaração Universal de Direitos Humanos (1948), Convenção Europeia para Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdade Fundamentais (1953), Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966) e Convenção Americana de sobre Direitos Humanos (1969).
No Brasil, tal ideia, era tratada de forma disfarçada até a promulgação da Constituição Federal de 1988. Com o art. 5º, inciso LVII, da CF/88 pronunciando o princípio da presunção de inocência (BRASIL, 1988):
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo- se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;
Com o decorrer o acusado mesmo que tenha se utilizado a ampla defesa e do contraditório. O princípio da presunção de inocência concerne em três aparição no conjunto. A primeira, como princípio fundamental. A segunda como regra de utilização da sentença. A terceira, na forma de uma premissa relacionado ao tratamento do imputado durante a persecução.
O doutrinador Aury Lopes Jr. (2012, p . 778) ensina que o princípio da presunção de inocência estabelece uma obrigação de tratamento ao acusado:
Na dimensão interna, é um dever de tratamento imposto- inicialmente - ao juiz, determinando que a carga da prova seja inteiramente do acusador (pois, se o réu é inocente, não precisa provar nada) e que a dúvida conduza inexoravelmente à absolvição (in dubio pro reo); ainda na dimensão interna, implica severas restrições ao (ab)uso das prisões cautelares (como prender alguém que não foi definitivamente condenado?). Enfim, na dimensão interna, a presunção de inocência impõe regras de julgamento para o juiz. Externamente ao processo, a presunção de inocência exige uma proteção contra a publicidade abusiva e a estigmatização (precoce) do réu. Significa dizer que a presunção de inocência (e também as garantias constitucionais da imagem, dignidade e privacidade) deve ser utilizada como verdadeiros limites democráticos à abusiva exploração midiática em torno do fato criminoso e do próprio processo judicial. O bizarro espetáculo montado pelo julgamento midiático deve ser coibido pela eficácia da presunção de inocência.
Derivando-se do in dubio pro reo, a presunção de inocência, que ordena, a parte acusatória possui o ônus de comprovar a culpabilidade do acusado além de alguma dúvida razoável, e não esse de provar sua inocência.
Gustavo Henrique Badaró (2003, p. 285) declara que essa definição probatória se estabelece numa exigência para necessidade da sentença condenatória, que só será capaz se proferida após anulada qualquer dúvida razoável.
Essa regra de julgamento dada pela presunção de inocência indica que o juiz ao analisar o conjunto probatório anexo aos autos, deve se certificar da comprovação de autoria e materialidade do crime, de modo que desbaste a presunção de que o acusado seja inocente. Necessário ressaltar, até então, os princípios do contraditório e ampla defesa, previstos no art. 5º, inciso LV, da CF/88 (BRASIL, 1988):
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
Explanadas atenções quanto a presunção de inocência, contraditório e ampla defesa são relevantes, dado que o acordo previsto no artigo 395-A será efetuado antes de iniciada a instrução processual, perdurando no processo apenas os elementos da fase investigativa.
Além do mais, pontua-se que o inciso III do citado artigo institui, até o momento, como circunstância de aceitação do acordo, a expressa demonstração da parte no sentido de renunciar a produção de prova.
Dessa maneira, antes da eventualidade, trazida pelo acordo penal, de condenação com fundamento em averiguações colhidas na fase investigativa agrupada à confissão, Vinícius Vasconcellos (2018, p. 176 – 177), talentosamente, declara que há uma óbvia fragilização do princípio da presunção de inocência, uma tornada ao passado, que desconceitua a regra de necessidade de provas sólidas e lícitas para necessidade de sentença penal condenatória. Prontamente, se o acordo será celebrado antes da produção de provas e o inquérito policial não dispõe a capacidade de facilitar a condenação criminal, apenas pode ser usado subsidiariamente, retornará a confissão a se oferecer como rainha das provas, o que nos traz de volta ao tempo da Inquisição e ao processo inquisitivo.
Dado que, o standard proposto no 395-A, tornando a confissão valor probatório que se encontrava enfraquecido no escoar cronológico do processo penal.
A confissão possui seu próprio capítulo no Código de Processo Penal, abordando se no título as provas. Como exemplo, cita-se o art. 197, que determina como se aferirá o valor da confissão:
Art. 197. O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância.
No Codigo Penal, contribuindo com a justiça, em seu artigo 65, III, d, a confissão espontânea como atenuante da pena, mas desde que executada diante de autoridade.
Com a Plea Bargaing, o acusado recebe uma pena abrandada também, com a condição de que confesse, abstendo a ocupação da acusação de buscar provas incriminadoras. Na hipótese de não colaboração, será processado, sendo capaz de ser obrigado as medidas cautelares.
Essas similitudes representam o meio inquisitivo da negociação da sentença criminal de que modo de coerção para buscar a confissão.
Como particularidade de processo inquisitivo, cita-se Renato Brasileiro (2018, p. 39):
Em síntese, podemos afirmar que o sistema inquisitorial é um sistema rigoroso, secreto, que adota ilimitadamente a tortura como meio de atingir o esclarecimento dos fatos e de concretizar a finalidade do processo penal. Nele, não há que se falar em contraditório, pois as funções de acusar, defender e julgar estão reunidas nas mãos do juiz inquisidor, sendo o acusado considerado mero objeto do processo, e não sujeito de direitos. O magistrado, chamado de inquisidor, era a figura do acusador e do juiz ao mesmo tempo, possuindo amplos poderes de investigação e de produção de provas, seja no curso da fase investigatória, seja durante a instrução processual.
Devido aos abusos dispostos no sistema inquisitorial, a Constituição Federal de 1988 admitiu de forma explícita o sistema acusatório em seu texto, invocando exclusiva a individualidade do Ministério Público para propor a ação penal (art. 129, I, da CF/88). Em vista disso acham-se bem definido os papéis dos envolvidos no processo, não sendo capaz o juiz começar um processo penal de ofício, bem como promover atos investigativos, ficando tão somente às partes a produção das provas que subsequentemente serão analisadas pelo magistrado.
O modelo acusatório prima pela separação das funções entre quem acusa e de quem julga.
4. CONCLUSÃO
Conclui-se que com o instituto da plea bargain em ação existe há eliminação de numerosos e demorados julgamentos. Além disso, o trâmite para a resolução dos procedimentos se torna exponencialmente mais veloz.
O modelo negocial plea bargain causou grandes discussões entre os doutrinadores e estudiosos do direito no Brasil, pois se vislumbrou que o modelo negocial permitiu o retorno do valor probatório da confissão, que já tinha sido enfraquecido na história do processo penal brasileiro.
A doutrina, preferiu uma explicação mais aprofundada para o instituto do plea bargain, como se fosse um acordo entre a acusação e a defesa, no qual o réu faz uma confissão judicial da prática de determinado delito, e em troca recebe uma pena mais branda, para evitar o julgamento.
A respeito da confissão, não é nenhuma novidade para o mundo jurídico, mas seu caráter de prova persiste até os dias de hoje, afirmando a doutrina que a confissão é um dos instrumentos disponíveis para que o magistrado possa chegar à veracidade das afirmações feitas pelas partes.
Visto os pontos de divergência, não se pode confundir o mundo moderno com os fatos relacionados aos tempos medievais. Ocorre que, agora, o processo penal é composto por diversos princípios que asseguram o reconhecimento da não culpabilidade do acusado, bem como mecanismos de defesa, que possibilitam que todo cidadão tenha o direito de responder o processo criminal de forma a assegurar todos os seus direitos, sendo que a confissão virá do próprio acusado, sendo que o acordo passará pela necessária homologação na justiça penal.
Com a negociação penal, haverá uma diminuição dos julgamentos, necessidade de demoradas audiências e, por reflexo, os demais processos também terão uma tramitação mais rápida, ao passo que o acordo penal pode ser realizado e concluído em minutos ou horas.
Dado que muitas das vezes o acordo penal pode ser estrategicamente mais interessante ao próprio acusado, pois determinados advogados também têm a preferência de fechar um bom acordo do que ter que enfrentar um dificultoso julgamento, com muitas das vezes necessidade de promover recurso e procrastinar o processo.
REFERÊNCIAS
ALBERGARIA, Pedro Soares de. Plea Bargaining: Aproximação à justiça negociada nos E.U.A. Coimbra: Almedina. 2007, p. 21.
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Ônus da prova no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 285.
BARROSO, Erica Montenegro Alves. Justiça penal negociada sob a ótica do sistema garantista penal. Disponível em: <https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-172/justica-penal.
BITENCOURT, Cezar. Tratado de direito penal – parte geral. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p.70.
BRASIL. Constituição Federal. Brasília. DF. 05 de out. de 1988.
CASTRO, Marcílio Moreira de Marca, Dicionário de Direito, Economia e Contabilidade - Inglês-português/português-inglês - 4ª Ed. 2013: Forense Jurídico Didático.
BECCARIA, Cesare Bonesana. Dos delitos e das penas. Tradução: Lucia Guidicini. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 69
LANGBEIN, John H. Tortura e Plea Bargaining. Sistemas Processuais Penais. Org. Ricardo Jacobsen Gloeckner. Florianópolis, Ed. Empório do Direito, 2017, p. 141.
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. 6 ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Ed. Juspodivm, 2018. p. 39.
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 16. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 8 ed. V 1. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
MELO, João Ozorio. Funcionamento, vantagens e desvantagens do plea bargain nos EUA. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-jan-15/funcionamento-vantagens-desvantagens-plea-bargain-eua >. Acesso em: 31 jul. 2020
NOVELLINO, Marcelo. Manual De Direito Constitucional - 9ªED. (2014) Volume Único Editora Metodo.
PEDROSA, Ronaldo Leite. Direito em História. 6º edição. Editora Lumen Juris. Rio de Janeiro, 2008.
RODAS, Sérgio. Nos EUA plea-bargain foi instituído para desafogar tribunais. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-fev-19/eua-plea-bargain-foi-instituido-desafogar-tribunais>. Acesso em: 10 ago. 2020.
VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Barganha e Justiça Criminal Negocial: análise das tendências de expansão dos espaços de consenso no processo penal brasileiro. 2. ed. Belo Horizonte: D´plácido, 2018.176-177.
Bacharelando em Direito pelo Centro Universitário de Santa Fé do Sul UNIFUNEC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERNANDES, Luiz Guilherme de Souza. Negociação na Justiça Penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 out 2021, 04:25. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57245/negociao-na-justia-penal. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Nathalia Sousa França
Por: RODRIGO PRESTES POLETTO
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Precisa estar logado para fazer comentários.