MARIA JÚLIA CAMPELO RODRIGUES[1]
(coautora)
RESUMO: No presente artigo se pretende analisar o instituto da arbitragem, no âmbito da Administração Pública, positivado pela Lei nº 14.133/21, e o contexto de consensualidade que impulsiona o crescimento dessa forma alternativa de solução de controvérsias. Será feita uma digressão do instituto da arbitragem, para analisar sua evolução dentro do direito público e suas características, bem como a conjuntura que possibilitou a ampliação da sua base legal, mais especificamente, com o Código de Processo Civil de 2015. Por fim, o estudo analisa o arcabouço principiológico que atua como fundamento da arbitragem, adentrando brevemente em princípios indispensáveis que norteiam o instituto no direito público.
Palavras-chave: Arbitragem; Consensualidade; Administração Pública; Nova Lei de Licitações.
ABSTRACT: This study intends to analyze the institute arbitration, within the scope of public administration, regulated by the Law no. 14.133/21, and the consensus context that boosts this alternative form of dispute settlement. The institute will be deconstructed so that an analysis of its evolution within public administration, its characteristics and the conjecture that enabled the expansion of its legal base, particularly with the Code of Civil Procedure. Finally, the study analyzes the principle framework that operates as the basis of the arbitration procedures, briefly evaluating each principle that guides the institute.
Keywords: Arbitration; Consensus; Public Administration; New Bidding Law.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Metodologia 3. Princípio da Supremacia do Interesse Público Sobre o Privado. 4. Consensualidade na Administração Pública. 5. Arbitragem na Nova Lei de Licitações. 6. Considerações Finais. 7. Bibliografia
Neste estudo pretende-se analisar o instituto da arbitragem e sua aplicação na Administração Pública, assim como os princípios que subsidiam sua aplicação no direito brasileiro. De início, será feita uma digressão do princípio da supremacia do interesse público, norteador da atividade estatal.
Adiante, será feita a análise do contexto que possibilitou a ascensão dos mecanismos de solução alternativas de controvérsias dentro do ambiente normativo nacional com o Poder Público, impulsionado pelo Código de Processo Civil de 2015 e pela Nova Lei de Licitações.
Conforme se demonstrará, o CPC/15 estimula um ambiente de desjudicialização, pautado na cooperação entre as partes e busca atingir uma maior eficiência na resolução de conflitos. Tal evolução, de certo modo, pavimentou o caminho para a aplicação mais ampla da arbitragem em controvérsias envolvendo o Poder Público.
A crescente situação de atribulação enfrentada pelo Poder Judiciário dada a elevada monta de processos ajuizados, principalmente decorrentes de contratações públicas, bem como a morosidade e dificuldade enfrentada pela Administração Pública nos procedimentos administrativos para sanar problemas decorrentes dos contratos firmados com entes privados são problemas enfrentados pela Administração Pública.
Nesse sentido, está em constante ascensão a utilização dos meios alternativos de resolução de controvérsia no país, principalmente, o instrumento da arbitragem.
A arbitragem é um mecanismo bastante utilizado para a solução de controvérsias privadas, e cada vez mais, invade o campo do direito público, para se tornar uma alternativa para resolver controvérsias que envolvam a Administração Pública, como forma de garantir mais eficiência.
A nova Lei de Licitações, principal código quando se trata de contratações públicas, trouxe em seu texto a previsão expressa que possibilita a resolução de controvérsias utilizando o mecanismo da arbitragem.
Diante disso, objetiva-se analisar suas dimensões e principais características, dentro dos limites principiológicos que regem o Direito a efetividade da utilização desse mecanismo no âmbito do Poder Público.
Portanto, a relevância do presente trabalho se justifica pela investigação de um instituto que, apesar de não ser recente no Direito, comumente utilizado em seu âmbito privado, vem ganhando destaque em matéria de direito público. Há uma pungente e constante evolução legislativa que regulamenta a utilização da arbitragem na Administração Pública e subsidiam sua aplicação.
Em termos metodológicos, para atingir os objetivos do trabalho que se pretende desenvolver, utilizar-se-á o método analítico-dedutivo, pautado na pesquisa jurídico-normativa bibliográfica descritiva, de cunho qualitativo. Será revisada a produção doutrinária referente à arbitragem e os princípios que regem a administração pública, em geral, e da discussão acerca da utilização do instrumento no direito público, com fundamento da Lei de Licitações, em particular.
3.PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE O PRIVADO
Existem diversos princípios constitucionais que regem a atuação da administração pública, porém, dentre eles, merecem ser destacados para o presente estudo, os da legalidade e da supremacia do interesse público.
A legalidade, pela qual devem ser pautados todos os atos produzidos pela Administração Pública já foi um obstáculo à utilização dos meios alternativos de resolução de controvérsias. Porém, deixou de ser um óbice à aplicação da arbitragem desde sua previsão em legislações esparsas, e principalmente, quando foi prestigiada com a edição da Lei 13.129/2015, a qual previu expressamente, a possibilidade de se utilizar o instrumento para dirimir conflitos que estejam relacionados com direito patrimoniais disponíveis.[2]
Conforme já afirmado, a atuação estatal deve ser pautada pelos princípios que regem a Administração Pública. Eventualmente, dentro da discricionariedade concedida pela legislação, será possível agir com certa autonomia, desde que os princípios permaneçam guiando as decisões tomadas. Assim leciona:
É evidente que o direito cria e atribui poderes para o atingimento de certos fins de interesse coletivo. No entanto, isso não afasta o cabimento de o direito dotar o agente público de margem de autonomia no tocante a decisão a ser adotada.[3]
Também é certo que a Administração Pública deve ter seus atos pautados na persecução do interesse público, princípio previsto na Constituição, e de modo a garantir a efetividade da prestação estatal e o bem da coletividade.
Não se pode olvidar da indisponibilidade do interesse público, a qual decorre diretamente do princípio da supremacia do interesse público, consagrando que devem prevalecer os interesses coletivos da sociedade sobre aqueles individuais.
Nesse sentido, faz-se necessária a ponderação de que a indisponibilidade não é absoluta, no sentido de que já há no ordenamento pátrio previsão de renúncia justificada na persecução de interesses de maior amplitude, até como forma de garantir maior efetividade na atividade estatal.
Contudo, quando da escolha da arbitragem para solucionar uma controvérsia, a Administração Pública não renuncia aos seus direitos, pelo contrário, está buscando uma maneira mais célere e especializada para pleitear seus interesses.
Ocorre que, conforme já afirmado, para além de haver a permissibilidade legal do instituto da arbitragem, este ainda pode vir a ser uma maneira de oferecer proteção ao interesse público.
Ou seja, como forma de garantir a viabilidade da atuação estatal, a suposta violação à indisponibilidade do interesse público, pela utilização de formas alterativas de solução de conflitos, na verdade, atua como garantidora do interesse público, na medida em que proporciona uma solução com maior eficácia e celeridade, em oposição a um litígio perpetrado no tempo.
Ainda, a flexibilização das formas de solução dos conflitos jurídicos, antes rodeada de preconceitos, aos poucos, à luz das novas formas de solução, vem sendo fortalecida, tornando o seu estudo inovador e relevante.
Contudo, importante destacar que todos os atos devem ser pautados pela publicidade intrínseca à atuação estatal. Todos aqueles atos praticados pela Administração Pública, exceto quando houver justificativa para tal, não poderão ser mantidos em sigilo, devendo ser publicados para o conhecimento geral.
Assim, visa-se proteger princípios basilares da administração pública, como a eficiência e moralidade, utilizando-se da proporcionalidade e razoabilidade na resolução do conflito. Cada situação específica deve ser analisada de acordo com suas idiossincrasias, de forma a garantir a prevalência do interesse público.
4.DA LEGALIDADE E DA CONSENSUALIDADE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
A consensualidade vem ganhando espaço no Brasil como técnica de soluções de conflitos, possibilitando soluções mais céleres aos conflitos, ao mesmo tempo em que proporciona economia de gastos processuais, desafogamento do Poder Judiciário, e reparações de danos mais céleres. Em relação a litígios entre particulares envolvendo transações acerca de bens jurídicos disponíveis não há dúvidas em relação à viabilidade dos instrumentos conciliatórios.
O uso da conciliação e de outros meios alternativos de autocomposição de conflitos já são utilizados há muito tempo, no entanto, o Novo Código de Processo Civil pode ser considerado um dos principais marcos legais no sentido de incentivo e ampliação dos instrumentos conciliatórios, inclusive em litígios envolvendo a administração pública.
Antes do Novo CPC, a consensualidade no âmbito administrativo era tratada de forma esparsa em legislações específicas como a Lei de Ação Civil Pública que estabeleceu a possibilidade de uso do compromisso de ajustamento de conduta ou acordos substitutivos. O mesmo pode ser dito acerca da Lei da Concorrência ou a Lei da Comissão de Valores Mobiliários.
Além disso, essa modalidade de solução de conflitos também passou a ser usada de forma progressiva e em substituição ao modelo contencioso pelas procuradorias, autarquias, e órgãos como o Ministério Público, nos mais variados temas como proteção ao consumidor, defesa da concorrência, livre mercado, e meio ambiente.[4]
Como vimos, em se tratando da administração pública, havia um questionamento inicial devido a indisponibilidade do interesse público, no entanto, atualmente a consensualidade é não só permitida como também estimulada. Em verdade, em determinadas situações a utilização da conciliação é o instrumento próprio para se alcançar o interesse público tendo em visto as vantagens para a administração na utilização dos instrumentos conciliatórios.
O uso da consensualidade é salutar no atual contexto, uma vez que houve um remodelamento da atuação administrativa com a valorização de uma administração pública dialógica, em contraposição a um perfil monológico e refratário à comunicação com a sociedade em que o poder público atuava de modo impositivo e unilateral.
Em razão do princípio da legalidade, a Administração Pública tem o dever de exercer os seus atos de acordo com a lei e a Constituição Federal. Tal princípio é aplicado de maneira distinta em relação aos particulares e a administração pública, uma vez os particulares podem fazer tudo aquilo que a lei não proíba, e a administração pública somente pode agir de acordo com lei.
Os atos administrativos, podem ser classificados em vinculados e discricionários, conforme a margem de liberdade de atuação do agente. Os atos vinculados são aqueles em que os pressupostos e requisitos já se encontram previamente definidos na lei, enquanto os atos discricionários são caracterizados por conferirem ao agente público certa margem de atuação de acordo com a conveniência e oportunidade, já que a lei não traz com antecipação todos os requisitos e condições para a sua prática.
Nesse sentido, vejamos o entendimento de Celso Antonio Bandeira de Mello:
“A margem de liberdade conferida pela lei ao administrador a fim de que este cumpra o dever de integrar com sua vontade ou juízo a norma jurídica, diante do caso concreto, segundo critérios subjetivos próprios, a fim de dar satisfação aos objetivos consagrados no sistema legal”.[5]
Após essa breve análise do princípio da legalidade e da atuação de acordo com a lei, verifica-se, portanto, que em se tratando de consensualidade, é importante buscar as fontes do ordenamento jurídico que a autorizem, além da verificação de se tratar de ato administrativo ou vinculado.
A uma primeira vista, ao enfrentar o tema da consensualidade esta se contrapõe a concepção clássica segundo a qual por não poder dispor do interesse público caberia ao administrador apenas a tarefa de aplicar a lei, de forma que ao administrador caberia mediante ato unilateral e impositivo dar cumprimento ao comando legal.[6]
Na atualidade, contudo, a atuação unilateral, impositiva, não tende ao princípio da eficiência administrativa, o qual muitas vezes somente pode ser melhor alcançado por meio de uma atuação dialógica, contrária a um modelo de atuação monológico e refratária ao diálogo com a sociedade.[7]
Como restará abordado no tópico seguinte, a nova Lei de Licitações não só prevê a possibilidade de utilização dos métodos alternativos, como especificou que demandas relacionadas ao restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos ou inadimplemento de obrigações contratuais podem ser solucionados pelos mecanismos consensuais.
5. DA LEGITIMIDADE E INOVAÇÃO DO USO DA ARBITRAGEM NA NOVA LEI DE LICITAÇÕES PÚBLICAS
Na linha do fortalecimento de uma administração dialógica, a nova Lei de Licitações (Lei 14.133/21) inovou ao enfrentar os meios alternativos de soluções de controvérsias como a conciliação, a mediação e a arbitragem. Nesse sentido, cumpre transcrever o art. 151 da lei mencionada: “Nas contratações regidas por esta Lei, poderão ser utilizados meios alternativos de prevenção e resolução de controvérsias notadamente a conciliação, a mediação, o comitê de resolução de disputas e a arbitragem.”
Trata-se, como já dito, de uma inovação, uma vez que a lei anterior de licitações (Lei 8666/93), na Lei do Pregão e na Lei do Regime Diferenciado de Contratação não havia a previsão da possibilidade de utilização de meios alternativos de solução de conflitos. Na arbitragem que é um dos meios alternativos, as partes escolhem um árbitro que deve examinar os argumentos de ambas as partes para adotar uma decisão arbitral. Essa decisão não é passível de recurso judicial.
A arbitragem é regulamentada pela Lei 13140/2015, e em 2015 a Lei 13.129 autorizou o uso da arbitragem na administração pública direta e indireta para dirimir controvérsias relacionadas a direitos patrimoniais disponíveis.
Além da arbitragem, chama a atenção também os disputes boards que podem tratar de quaisquer questões ligadas a direitos patrimoniais disponíveis oriundas dos contratos licitatórios. Os disputes boards tem por função evitar que sejam levadas ao Poder Judiciário demandas que certamente exigiriam dispêndio de energia e recursos, de modo que o comitê de disputas tem essa função de resolver conflitos patrimoniais sem a necessidade de demandas contra as partes envolvidas na execução do contrato.
A nova Lei de Licitações acrescentou o art. 44-A na lei do RDC, admitindo o emprego dos mecanismos privados de solução de controvérsias, dentre elas a arbitragem para dirimir conflitos decorrentes da sua execução.
A despeito da inovação legislativa, o legislador tratou de delimitar a utilização da arbitragem ao prever no parágrafo único do art. 151 que "será aplicado o disposto no caput deste artigo às controvérsias relacionadas a direitos patrimoniais disponíveis, como as questões relacionadas ao restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, ao inadimplemento de obrigações contratuais por quaisquer das partes e ao cálculo de indenizações".
A inovação legislativa vai na mesma linha do Enunciado nº 19, aprovado na I Jornada de Direito Administrativo, realizada, em 2020, pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (CEJ/CJF), senão vejamos: “As controvérsias acerca de equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos integram a categoria das relativas a direitos patrimoniais disponíveis, para cuja solução se admitem meios extrajudiciais adequados de prevenção e resolução de controvérsias, notadamente a conciliação, a mediação, o comitê̂ de resolução de disputas e a arbitragem”.
A eficiência e a duração razoável do processo são objetivos centrais do Código de Processo Civil de 2015. Além disso, o Poder Público está presente em mais da metade de todos os processos em tramitação, o que leva à conclusão de que devem ser adotadas posturas de valorização dos meios alternativos de solução de conflitos.[8]
De acordo com a doutrina, foi inegável que houve, na Nova Lei de Licitações, um significativo avanço legislativo ao estabelecer as mais variadas medidas conciliatórias como formas alternativas de resolução de conflitos envolvendo a Administração Pública e os contratados, designadamente quando se leva em consideração o esgotamento da capacidade do Poder Judiciário em solucionar, a tempo e a contento, os litígios que lhe são submetidos.[9]
Há quem afirme que o recurso aos meios de autocomposição pelo Poder Público parece evidenciar uma espécie de movimento de “fuga para o direito privado” (Flucht ins Privatrecht)[10], De acordo com essa doutrina, haveria uma interpenetração e complementaridade entre Direito Público e Direito Privado, uma vez que as fronteiras que dividiriam o direito nesses dois grandes ramos não seriam tão nítidas.[11] Fala-se até mesmo em uma “fuga do direito”, dada a utilização de mecanismos contratuais que neutralizam a via judicial, com o recurso a garantias e não a ações judiciais em face do inadimplemento, de modo a estabelecer certas condições ou até mesmo impedir a ação judicial.
Com efeito, não há que se falar aqui em fuga do direito privado no sentido de afastar a submissão ao regime de direito público para dar espaço a corrupção e desmandos na administração pública. Em verdade, a previsão da arbitragem e a delimitação de seu alcance em relação às demandas relativas a direitos patrimoniais disponíveis representa inegável avanço ao Estado de Direito, propiciando as partes uma solução célere às controvérsias, e ao mesmo tempo possibilitando maior economia de gastos.
É inegável que nos últimos anos houve uma expansão da atuação administrativa através dos contratos pois os atos unilaterais por si só não dão conta de atendar a novas demandas, sendo o contrato um importante instrumento de cooperação e diálogo com grupos econômicos, grupos sociais, empresas e cidadãos.
Embora a arbitragem tenha uma aplicabilidade mais ampla no âmbito privado, é fora de dúvidas o avanço desse expediente em controvérsias jurídicas envolvendo a Administração Pública. Assim sendo, caso o contrato administrativo traga uma cláusula compromissória, ou se as partes decidirem celebrar um compromisso arbitral, por exemplo, as eventuais controvérsias instauradas durante a sua execução deverão ser solucionadas por arbitragem.
A participação da Administração Pública no processo arbitral, no entanto, atrai algumas peculiaridades jurídicas.
Com efeito, ainda que a arbitragem seja um mecanismo alternativo de resolução de controvérsias, a Administração Pública obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, conforme art. 37, caput, da Constituição Federal, bem como aos princípios que decorrem dos incisos e parágrafos do aludido dispositivo constitucional. A atividade estatal que não esteja em consonância com os princípios mencionados restará eivada de nulidade que poderá ser reconhecida tanto pela própria Administração Pública quanto pelo Poder Judiciário.[12]
Embora possa parecer no primeiro momento que o poder público estaria se despindo de suas prerrogativas para dispor do interesse público através da utilização dos mecanismos consensuais, muitas vezes ocorre exatamente o contrário. Em verdade, o uso moderado da consensualidade é que melhor atende ao interesse público possibilitando ganhos de eficiência na reparação dos danos ao erário, colheita de provas, responsabilização dos infratores e cessação da prática delituosa.
Em face dos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e eficiência, a administração pública deve ponderar as vantagens e desvantagens de uma solução consensual. É certo que na interpretação das leis na maioria dos casos há uma zona de certezas e incertezas que decorrem naturalmente do processo interpretativo, no entanto, entre essas zonas verificam-se zonas de incertezas.
Nesse sentido, existem casos em que o uso da consensualidade não satisfaz ao interesse público, seja pelo nível avançado das investigações, gravidade da conduta apurada, reduzido potencial colaborativo do agente infrator, facilidades na persecução administrativa, dentre outros. Nesse caso teríamos uma zona de certeza negativa em relação à utilização dos mecanismos conciliatórios.
Por outro lado, em determinadas situações a utilização de meios alternativos, especialmente a arbitragem, possibilita uma reparação mais rápida dos danos causados ao erário, além da responsabilização dos envolvidos na prática de atividades ilícitas, soluções mais céleres e que possibilitam ao mesmo tempo menos dispêndio de tempo e recurso, o que garante ganhos de eficiência no caso das contratações públicas.
Por fim, existem situações que se localizam na chamada zona de incerteza, em que o administrador deve usar a discricionariedade para alcançar a melhor solução seja pela via consensual ou de forma impositiva e unilateral.
Com relação aos aspectos jurídicos, é inegável que o novo Código de Processo Civil confere maior relevância à arbitragem no ordenamento jurídico brasileiro, instituindo-a em seu art. 3º, §1º como jurisdição e confirmando esse instituto como jurisdicional pelo seu art. 42. De igual modo, a nova Lei de Licitações não só autoriza a utilização do mecanismo citado, como delimita a sua atuação ao campo dos direitos patrimoniais disponíveis, afastando argumentações com relação à inconstitucionalidade do instituto.
Nesses casos, a autoridade competente e o contratante devem sopesar as vantagens da arbitragem, ponderando o arcabouço probatório, as vantagens a serem obtidas, a própria morosidade do aparato judicial muitas vezes justificada por falta de investimentos e estrutura deficitária, a necessidade de se prosseguir com a execução contratual para que os serviços ou as obras públicas não sofram solução de continuidade, além de outras circunstancias que devem ser valoradas caso a caso pelo poder público, sendo impossível definir soluções apriorísticas.
Em se verificando que o uso da arbitragem trará economicidade, eficiência e segurança jurídica, além de alcançar os fins visados pela administração pública, esse mecanismo deve ser estimulado, uma vez que será através dele que se alcançará o interesse público. Em verdade, o aparente paradoxo da flexibilização da indisponibilidade/supremacia do interesse público revela que a utilização de meios que foram pensados primordialmente para disputas envolvendo interesses privados se revela como a melhor saída para o Poder Público e o particular.
6.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como vimos, embora na arbitragem seja valorizada a autonomia da vontade, a administração pública deve sempre pautar sua atuação nos princípios aplicáveis ao regime jurídico de direito público.
É inegável que nos últimos anos houve uma expansão da atuação administrativa através dos contratos, pois os atos unilaterais por si só não dão conta de atendar a novas demandas, sendo o contrato um importante instrumento de cooperação e diálogo com grupos econômicos, grupos sociais, empresas e cidadãos.
Com relação aos aspectos jurídicos, é inegável que o novo Código de Processo Civil de confere maior relevância à arbitragem, instituindo-a em seu art. 3º, §1º como jurisdição e confirmando esse instituto como jurisdicional em seu art. 42. De igual modo, a nova Lei de Licitações não só autoriza a utilização do mecanismo citado como delimita a sua atuação ao campo dos direitos patrimoniais disponíveis, afastando argumentações com relação à inconstitucionalidade do instituto.
Embora a arbitragem tenha uma aplicabilidade mais ampla no âmbito privado, é fora de dúvidas o avanço desse expediente em controvérsias jurídicas envolvendo a Administração Pública. Assim sendo, caso o contrato administrativo traga uma cláusula compromissória, ou se as partes decidirem celebrar um compromisso arbitral, por exemplo, as eventuais controvérsias instauradas durante a sua execução deverão ser solucionadas por arbitragem. A participação da Administração Pública no processo arbitral, no entanto, atrai algumas peculiaridades jurídicas.
Com efeito, ainda que a arbitragem seja um mecanismo alternativo de resolução de controvérsias, a Administração Pública obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, conforme art. 37, caput, da Constituição Federal, bem como aos princípios que decorrem dos incisos e parágrafos do aludido dispositivo constitucional. A atividade estatal que não esteja em consonância com os princípios mencionados restará eivada de nulidade que poderá ser reconhecida tanto pela própria Administração Pública quanto pelo Poder Judiciário.[13]
Embora possa parecer no primeiro momento que o poder público estaria se despindo de suas prerrogativas para dispor do interesse público através da utilização dos mecanismos consensuais, muitas vezes ocorre exatamente o contrário. Em verdade, o uso moderado da consensualidade, notadamente a arbitragem, é o que melhor atende ao interesse público possibilitando ganhos de eficiência na reparação dos danos ao erário, colheita de provas, responsabilização dos infratores e cessação da prática delituosa.
Com efeito, não há que se falar aqui em fuga do direito privado no sentido de afastar a submissão ao regime de direito público para dar espaço a corrupção e desmandos na administração pública. Em verdade, a previsão da arbitragem e a delimitação de seu alcance em relação às demandas relativas a direitos patrimoniais disponíveis representa inegável avanço ao Estado de Direito, propiciando as partes uma solução célere às controvérsias, e ao mesmo tempo possibilitando maior economia de gastos.
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[1] Mestranda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Recife/PE.
[2] Lei 13.129/2015 – art. 1º A Administração Pública direta e indireta poderá utilizar-se da Arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
[3] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. Revista dos Tribunais. Ed. 2015. Livro Digital. Disponível em: https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/monografias/91049397/v11/document/104531640/anchor/a-104531640
[4] FERNANDES, Jorge Ulisses Jacobo & Scholze, Victor. A Solução Consensual de Conflitos na Administração Pública Promovida pelo Novo Código de Processo Civil, 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/44481/a-solucao-consensual-de-conflitos-na-administracao-publica-promovida-pelo-novo-codigo-de-processo-civil. Acesso em 22 de setembro de 2021.
[5] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio, Curso de Direito Administrativo, 17. ed., São Paulo: Malheiros, 2004, p. 396.
[6] ZARDO, Francisco. Infrações e Sanções em Licitações e Contratos Administrativos. Editora Revista dos Tribunais, Ltda, 2015, p. 195-196.
[7][7] OLIVEIRA, Gustavo Justino; SCHWANKA, Cristiane. A administração consensual como a nova fase da administração pública no séc. XXI: fundamentos dogmáticos, formas de expressão e instrumentos de ação. Revista de Direito do Estado. Ano 3, n. 10,0.276, abr-jun. 2008.
[8] FLUMIGNAN, Silvano José Gomes. Os negócios jurídicos processuais e a fazenda Pública. In: Revista de Processo, vol. 280, p. 353-375, Jun./2018.
[9] Carvalho, Guilherme. As Medidas Conciliatórias da Nova Lei de Licitações. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-abr-30/licitacoes-contratos-medidas-conciliatorias-lei-licitacoes, consulta em 18 de setembro de 2021.
[10] FLEINER, Fritz. Institutionen des Deutschen Verwaltungsrechts. 8 ed. Tübingen: J. C. B. Mohr, 1928, p. 326.
[11] COSTA FILHO, Venceslau Tavares , FLUMIGNAN, Silvano José Gomes, FLUMIGAN, Ana Beatriz. Uma Reflexão Sobre a Autocomposição e Indisponibilidade dos Direitos do Estado, 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-jan-13/reflexao-autocomposicao-direitos-estado. Acesso em 20 de setembro de 2021.
[12] OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Especificidades do Processo Arbitral envolvendo a Administração Pública, Enciclopédia Jurídica da PUC, Tomo Direito Administrativo e Constitucional, Edição 1, Abril de 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/49/edicao-1/especificidades-do-processo-arbitral-envolvendo-a-administracao-publica. Acesso em 21 de Setembro de 2021.
[13] OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Especificidades do Processo Arbitral envolvendo a Administração Pública, Enciclopédia Jurídica da PUC, Tomo Direito Administrativo e Constitucional, Edição 1, Abril de 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/49/edicao-1/especificidades-do-processo-arbitral-envolvendo-a-administracao-publica. Acesso em 21 de Setembro de 2021.
Graduação em Direito pela Universidade Federal da Bahia-UFBa, mestrando em Direito Administrativo pela PUC-SP. Prof da Faculdade Estácio de Sá. Defensor Público Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Isaac VIllasboas de. (Des) vantagens da utilização da arbitragem na nova lei de licitações Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 out 2021, 04:27. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57257/des-vantagens-da-utilizao-da-arbitragem-na-nova-lei-de-licitaes. Acesso em: 23 dez 2024.
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