Resumo: O presente trabalho versará sobre o contrato de fiança prestada de forma adjeta ao contrato de locação, bem como os efeitos daí emergentes para o fiador. O objetivo primordial desta pesquisa é verificar se a excussão do único imóvel residencial do fiador, que serve para a sua moradia e de sua família, visando satisfazer interesse exclusivamente patrimonial do credor, na hipótese de o devedor principal – o locatário – não adimplir com a obrigação pactuada, encontra supedâneo jurídico no nosso sistema. Este estudo propiciou, de forma sucinta e despretensiosa, estender os conhecimentos da matéria abordada, refutando a possibilidade de constrição judicial sobre o único bem de família do fiador, sobretudo frente os princípios veiculados nas disposições constante dos artigos 1º, III, e 6º, ambos da Constituição Federal de 1988.
Palavras-chave: Contrato de fiança locatícia. Penhora. Único bem de família. Dignidade da pessoa humana. Direito fundamental à moradia.
Summary: the following document will address the subject of the bail contract provided in the adjective manner to the tenancy agreement, as well as the effects for the guarantor. The primary goal of this research is to verify if the foreclosure of the guarantor's only residential property, wich serves as his and his family habitation, if you have interest exclusively in the lenders's property, in the case of the main debtor – the tenant – does not pay with his contractual obligations, he will find legal precedence in our legal system. This study provided, in a succint and unpretentious way, to extend the knowledge of the matter addressed, refuting the possibility of legal pledge on the guarantor's only family property, especially in front of the principals presented at articles 1st, III and 6th, both of the Brazilian Constitution written in 1988.
Keywords: lease guarantee agreement. Foreclosure. Family's only house. Human dignity. Fundamental right to housing.
Sumário: Introdução. 1. Aspectos gerais do contrato de fiança. 1.1. Da fiança locatícia. 1.1.1. Caráter adesivo do fiador ao contrato de locação. 2. Princípio da dignidade da pessoa humana. 3. Direitos sociais. 3.1. A moradia como direito fundamental. 4. Os efeitos do direito à moradia no ordenamento jurídico. 4.1. Da inconstitucionalidade inciso VII do artigo 3º da Lei 8.009/90. Conclusão. Referências bibliográficas.
Introdução
O contrato de fiança possui importância incontrastável na atualidade, porquanto se constitui numa espécie de garantia, em que se busca reforçar o cumprimento de uma determinada relação obrigacional. Por meio dele, como se sabe, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra. Ou seja: o fiador fica responsável pelo cumprimento de determinada obrigação. Foi criado para este específico escopo: garantir o cumprimento da relação obrigacional.
Atualmente, todavia, é o contrato de fiança prestado sob a forma adjeta ao contrato de locação imobiliária que vem despertando maior interesse e atenção por parte dos juízes, advogados, empresários, enfim, da comunidade em geral. Isso porque grande parte da população não tem acesso ao que comumente se designou de ‘casa própria’, razão pela qual o aluguel de um imóvel se torna medida cogente.
Como se sabe, em que pese seja a relação locatícia inserida no gênero negócio jurídico – relação contratual –, as regras e os princípios da clássica teoria contratualista não mais condiziam com as exigências sociais. Os princípios da autonomia privada e da liberdade contratual, máximas da teoria clássica, criavam um certo desequilíbrio nas relações locatícias, pois, ante a escassez de oferta de imóvel para locação e da enorme procura por um lugar onde morar, aquele que detinha uma parcela maior de poder, geralmente o locador, ditava as condições do contrato, cabendo à parte mais fraca – hipossuficiante, o locatário – apenas aderir ao contrato oferecido, pois, do contrário, não teria um imóvel para morar.
Ante o abuso de determinadas pessoas, em vista do poder econômico que detém, ao Estado não restou outra alternativa senão a de editar legislações que fossem mais incisivas, de forma a incidir imperativamente nas relações obrigacionais locatícias, com o fito de equilibrá-las, além de restringir profundamente a liberdade contratual. Assim, nasceram as legislações esparsas, em que o direito à moradia dos locatários vem sendo, há muito tempo, objeto de proteção e de importância curial por parte do poder público[1].
A atual legislação que disciplina as relações locatícias, Lei 8.245/91, em que pese buscar o equilíbrio da relação estabelecida entre locador e locatário, em perfeita harmonia com os ditames constitucionais – em particular com princípio da dignidade da pessoa humana, de modo que a estabilidade do inquilino na comunidade familiar, em seu local de trabalho e em sua moradia, adquirem valor prioritário na solução dos conflitos de interesse, além dos objetivos fundamentais de construir uma sociedade livre, justa e solidária e erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais – acrescentou, por meio do seu artigo 82, o inciso VII no artigo 3º da Lei 8.009/90, dispondo que a impenhorabilidade da residência do devedor é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.
Dessa forma, em que pese, num primeiro momento, o legislador infraconstitucional, por meio da Lei 8.009/90, ter estendido ao fiador a proteção do bem de família, a Lei 8.245/91, por um problema habitacional que vinha ultimamente se agravando, alterou substancialmente a figura do fiador de locação imobiliária, ao passar a admitir a penhora do seu único bem imóvel para garantir a satisfação do credor, qual seja, o recebimento dos aluguéis. Assim, perdeu o fiador de locação locatícia a proteção ao seu direito à moradia.
O objeto do presente trabalho visa, justamente, analisar o contrato de fiança locatícia, por meio de uma releitura à luz do direito fundamental à moradia, que encontra sua fundamentalidade material radicada no mínimo existencial.
1. Aspectos gerais do contrato de fiança
As relações entre sujeitos de direito geram direitos e, correlativamente, obrigações, cujo cumprimento é assegurado, na maioria das vezes, e em virtude de lei, pelo patrimônio do devedor[2]. Tem-se, no patrimônio do devedor, uma garantia genérica da satisfação do interesse do credor. Todavia, por ser uma garantia geral, torna-se, não raras vezes, precária, seja porque o devedor tem um patrimônio reduzido [muitas vezes nem possui patrimônio], seja porque possui muitas dívidas. Em vista disso, faculta-se às partes estabelecer garantias específicas, que asseguram de modo particular, com algum reforço, as expectativas do credor. Será este reforço conferido pelas garantias que assegurará maior possibilidade de satisfação, ainda que coativamente[3], da prestação no caso de não haver cumprimento voluntário. Essas garantias compreendem as chamadas garantias reais e pessoais. Dentre as pessoais ou fidejussórias, encontra-se o instituto da fiança, ao lado do aval. Ficaremos somente com a fiança, por se consistir em objeto fundamental para o presente estudo.
O termo fiança como lembra Antônio Chaves, provém do latim – fido, fidis, fidere, fisus, fisum –, sendo empregado nas acepções, de “ter confiança em”, “confiar em”, “fiar-se em”, “contar com”, “garantir”, “abonar”[4]. Em termos comuns, fiança significa garantia, segurança, responsabilidade.
Voltando-se os olhos para a história, percebe-se que o instituto da fiança não é recente, embora nada se encontre sobre essa garantia no Código de Hamurabi[5]. Todavia, assinala Pontes de Miranda que afiançar, nos documentos em que há qualquer referência à fiança, “é sustentar a cabeça do devedor”[6]. O autor recorda que, no direito germânico, uma das formas de fiança era a dação de refém, ou seja, o homem livre era entregue ao poder do credor enquanto a obrigação não era cumprida. Somente quando cumprida a obrigação, saía ele do poder do credor. Todavia, se ocorria a mora, perdia a liberdade e passaria a ser propriedade do credor, que podia vendê-lo, matá-lo, ou tê-lo a seu serviço[7].
Sem maiores explicações históricas, importante é que a fiança se apresenta como um compromisso perante o credor, isto é, “o fiador garante o adimplemento do afiançado e firma o compromisso de solver, se o não fizer o devedor”[8], com todo o seu patrimônio. O que se promete é o adimplemento da obrigação [contrato][9].
O Código Civil, ao tratar do assunto, definiu o contrato de fiança como um contrato por intermédio do qual uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra[10]. Portanto, caso o devedor não cumpra a obrigação, todo o patrimônio do fiador soma-se ao daquele, ficando as duas massas patrimoniais assegurando a realização coativa do direito do credor. A fiança, diferentemente das garantias reais, que recaem sobre determinado imóvel, é assegurada por todo o patrimônio do fiador, garantindo a realização da prestação[11]. Pertinente a lição de Antunes Varela:
O fiador, ao assegurar o cumprimento do devedor, obriga-se pessoalmente perante o credor. Isso significa, não que seja a pessoa coisificada do fiador o objeto da garantia, como sucederia na primitiva fase do direito romano, mas ser a pessoa do fiador, com toda a projecção material da pessoa sobre os bens, que é o seu patrimônio, quem garante a realização da prestação debitória.[12]
Com o objetivo de se consistir numa medida acautelatória, à proporção que visa a “reforçar o direito do credor, propiciando maior facilidade para a realização do crédito”[13], percebe-se que em muitas hipóteses acarreta sérios e graves inconvenientes ao fiador, pois todo o seu patrimônio fica atrelado ao cumprimento da obrigação. Justamente por essa característica [totalidade do patrimônio do fiador garante o cumprimento da obrigação], o contrato de fiança é muito frequente na vida do homem comum, do empresário, dos bancos, das entidades civis, em síntese, da comunidade em geral. No entanto, é no mercado imobiliário que a sua importância vem despertando maior atenção, tanto por parte dos estudiosos do Direito, quanto por parte dos tribunais brasileiros, e isso porque, se, de um lado, conforta a situação do locador [credor], por outro viés, compromete sobremaneira a situação do garante, visto que, em consonância com a atual legislação brasileira, o seu único imóvel pode ser constrito a fim de satisfazer a dívida oriunda de contrato de locação – contrato que, em princípio, é benéfico. Como muito bem asseverou Arnaldo Marmitt, “a prestação de fiança é hoje em dia algo muito ingrato e de alto risco”[14], especialmente quando adjeta ao contrato de locação, pois, não raro, envolve inconvenientes para o fiador[15].
1.1. Da fiança locatícia
A fiança locatícia sempre despertou o interesse jurídico-social na sociedade brasileira, e isso pela circunstância de grande parte da população não ter acesso ao que comumente se designou de “casa própria”[16]. Vale dizer que, da ausência de uma ampla e eficiente política habitacional por parte do poder público, o tema “locação” foi objeto de inúmeras e sucessivas leis[17]. Todo ser humano, necessitando morar e, não raras vezes, sem meios de tornar-se proprietário de um imóvel, vê-se impelido a formalizar um contrato de locação[18]. É a solução mais viável para quem não possui “casa própria”, pois os recursos requeridos para locar um imóvel são larga e infinitamente inferiores aos necessários para adquirir uma moradia.
A atual legislação inquilinária [Lei 8.245/91] ao tratar das garantias locatícias[19], adotou, da mesma forma que a legislação anterior [Lei 6.649/79], o instituto da fiança como uma das modalidades de garantia do crédito, ao estabelecer, no seu artigo 37, que, “no contrato de locação, pode o locador exigir do locatário as seguintes modalidades de garantia: I – caução; II – fiança; III – seguro de fiança locatícia, IV – cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento”.
Das quatro modalidades, a fiança é a mais utilizada na prática[20] do mercado imobiliário, isto é, a fiança constitui a garantia mais comum nos contratos de locação de imóveis urbanos, e os motivos, além dos já destacados acima, incluem-se, ainda, em primeiro lugar, o fato de ser ela um ato de liberalidade – é gratuita. Não envolve excessivos gastos.
Assim, quem desejar alugar um determinado imóvel para residir deverá[21] apresentar uma das modalidade de garantia prevista no artigo 37 do Lei 8.245/91. Na maioria dos casos, senão na totalidade, a garantia ofertada é a fiança. Aí é que surgem os questionamentos e as controvérsias jurídicas, ou seja, a partir do momento em que existe um fiador disposto a se comprometer com as obrigações – decorrentes do contrato de locação – do locatário [afiançado], advêm algumas consequências que, não raras vezes, vão desembocar no Poder Judiciário, sendo a extensão da responsabilidade do garante [fiador] a principal delas[22], além de outras, como a exoneração da fiança e da possibilidade ou não de o fiador poder figurar no pólo passivo em ação de execução se não integrou a relação processual formada na competente ação de despejo[23]. E, isso tudo, por inexistir, na legislação brasileira, uma regulamentação específica da fiança locatícia[24], somado à circunstância de que ao fiador não é dada nenhuma possibilidade de discutir ou, até mesmo, modificar as cláusulas do contrato que lhe é apresentado.
1.1.1. Caráter adesivo do fiador ao contrato de locação
O contrato de locação de imóvel urbano [Lei 8.245/91] caracteriza-se pela paridade entre locador e locatário, na medida em que se encontram em pé de igualdade – negociam de igual para igual as condições do contrato que irão reger a relação contratual obrigacional[25]. Caracteriza-se, ainda, por ser um contrato oneroso, de trato sucessivo, além de ser marcado pelo traço da informalidade – pode ser escrito, ou meramente verbal. Todavia, no mercado imobiliário, em vista da segurança que vorazmente se persegue, adota-se a forma escrita.
Não obstante isso, na sociedade de massa atual, a característica da paridade desses contratos pode, de certa forma, ser questionada, pois o mercado imobiliário, pela posição econômica, pela sua atividade de distribuição de bens e serviços e pela busca da racionalização da sua atividade, vê-se impelido a estabelecer uma série infinita de contratos no mercado. Esses contratos, pela característica da homogeneidade do seu conteúdo, são confeccionados para uma série indefinida de contratantes. Desse modo, por uma questão de economia, de racionalização, de praticidade e mesmo de segurança, a imobiliária predispõe antecipadamente um esquema contratual que é oferecido à simples adesão dos pretensos locatários.
Essa prática contratual, categorizada juridicamente como contrato de adesão[26], representou, sob diversas perspectivas, uma ruptura na ordem contratual clássica. Tal técnica caracteriza-se pela forma com que o vínculo obrigacional surge. Sua característica principal é que todos os termos da relação obrigacional são previamente estipulados por uma das partes de modo que à outra parte não é dada nenhuma possibilidade de debater as condições, muito menos, introduzir ou alterar substancialmente as cláusulas no esquema proposto, e isso pela circunstância do poder que uma das partes dispõe. É própria do contrato de adesão a discrepância da força econômica entre os contratantes.
É isso o que exatamente ocorre na fiança prestada de forma adjeta à locação de imóvel urbano. O fiador recebe pronta e devidamente regulada a relação contratual, não lhe sendo possível discutir, muito menos, aditar o contrato com outras cláusulas que melhor lhe convêm. Limita-se a aceitar em bloco “(muitas vezes sem sequer as conhecer completamente)” as cláusulas, que foram unilateral e uniformemente pré-elaboradas pela imobiliária[27]. A corroborar tal entendimento, acresce-se, ainda, a circunstância de que inexiste a fase das tratativas, a falta de um debate prévio – que possibilitaria às partes transigirem acerca de quais as cláusulas que vão ser aceitas ou rejeitadas para reger a relação contratual. Somente cabe ao fiador a mera alternativa de aceitar ou rejeitar o contrato, não podendo modificá-lo de maneira relevante. As renúncias que o fiador faz nos formulários têm caráter adesivo, na medida em que não há nenhuma possibilidade de discussão das suas cláusulas. São simplesmente impostos ao pretenso fiador, de modo que cabe a este aceitar o contrato como exatamente lhe é imposto (apresentado), ou negá-lo, prejudicando, assim, o afiançado que aguarda uma locação[28], uma moradia.
Por conta dessas desvantagens do contratante mais fraco, bem como pela necessidade de se evitarem abusos que esse tipo de contratação tende a perpetrar, é que se exige a intervenção do Estado em tais negócios. Pertinente, nesse sentido, a lição de Cesare Massimo Bianca:
L’ordinamento non puó rimanere indifferente di fronte ao fenomino delle condizioni generali poiché l’incontrolato potere di manipolazione dei rapporti contrattuali non è casuale ed episodico ma caraterizza ormai tutta lattività imprenditoriale ed esprime uma situazione di diseguaglianza socio-economica delle categorie [...] che esige um intervento dello Stato in attuazione del principio costituzionale di eguaglianza sostanziale (3 Cost.).
Il problema che si pone è allora quello di um controllo sostanziale delle condizioni generali che valga a tutelare gli aderenti contro la regolamentazione abusiva dei rapporte contrattuali, e cioè contro l’abusivo aggravamento della posizione del contraente debole.[29]
O contrato, há muito, deixou de ser entendido como aquele instrumento com a possibilidade de obtenção de lucros arbitrários, obtidos à custa e em detrimento de uma das partes. É inspirado, atualmente, por princípios éticos e disciplinado conforme os interesses da sociedade na manutenção da justiça social, na distribuição mais justa das riquezas e na promoção do progresso econômico[30]. Tal qual a propriedade, não pode ser manejado com abuso, devendo cumprir sua função social, ou melhor, tem a seu cargo a terefa de tutelar a pessoa humana, nos termos em que determina a Constituição Federal. Dinamiza a circulação de bens e riquezas em uma sociedade. Não pode o homem ser visto como ser individual, cujos atos praticados digam respeito, tão-somente, a sua esfera patrimonial e moral, sem atentar-se para as consequências, num aspecto coletivo, de seus atos [dever jurídico para com os demais indivíduos que compõem a sociedade]. Como adverte Mosset Iturraspe, “o contrato não pode ser o reino do egoísmo, do puro interesse individual, sem pôr em grave risco o bem comum e a paz social”[31].
O ordenamento jurídico atual demonstra sua feição nitidamente solidarista, ao estabelecer como fundamentos da sociedade brasileira a dignidade da pessoa humana, a redução das desigualdades sociais, na tentativa de atingir uma melhor justiça social[32]. Peremptória é a afirmação de Teresa Negreiros, nesse particular:
A função social convida o intérprete a deixar de lado uma leitura do direito civil sob a ótica voluntarista, e a buscar em valores sociais que o ordenamento institui como fundamento de todos os ramos do Direito – sejam eles predominantemente públicos ou privados – novos horizontes de aplicação dos tradicionais princípios norteadores do direito dos contratos. Assim, muito além da liberdade individual, passam a integrar a axiologia contratual a justiça, a igualdade, a solidariedade e demais valores que, sob a ótica civil-constitucional, são essenciais à tutela da dignidade da pessoa humana no âmbito da ordem econômica.[33]
Nesse aspecto, parece que ao operador do direito é incumbido o dever de, a par dos elementos fáticos, primar diuturnamente o compromisso com a justiça no caso concreto[34], seja valendo-se tanto das normas principiológicas quanto das normas regras. Todavia, para que isso ocorra, não pode o aplicador do direito ficar jungido às normas [princípios e regras] específicas de determinada disciplina jurídica[35]. É preciso buscar, em virtude da primazia que ocupa dentro do sistema jurídico, na Constituição o fundamento de validade e de justificação dos dispositivos contidos nas demais áreas do direito. É o que ensina Jorge Miranda, ao asseverar que “cada disposição legal não tem somente de ser captada no conjunto das disposições da mesma lei e no conjunto da ordem legislativa; tem outrossim de ser considerar no contexto da ordem constitucional”[36].
A Constituição Federal de 1998 já não é novidade. Em face à regulamentação explícita relativa aos institutos de direito civil, trouxe princípios e normas de conteúdo valorativo, que interferem diretamente no campo das relações entre os indivíduos. Dentre as inovações, as referências constitucionais mais frequentes são: dignidade da pessoa humana, valor social do trabalho e da livre iniciativa, defesa do consumidor, função social da propriedade, paternidade responsável, solidariedade social, igualdade substancial, justiça social. Todas essas inovações, e muitas outras não citadas, são agora trazidas ao cotidiano das relações jurídicas privadas, ganhando densidade normativa e informando o complexo normativo infraconstitucional.
Diante de tais considerações, surge o seguinte questionamento: se, por um lado, o contrato de locação, que possui a finalidade de conceder, por meio de uma retribuição, uma moradia àqueles que não a possuem, concretizando, dessa forma, os objetivos proclamados na Constituição Federal, por outro viés, como se pode explicar o fato de esse mesmo contrato poder vir a causar lesão ao direito de moradia do fiador? Ao que tudo indica, parece que o dispositivo legal [Lei 8.009/90, artigo 3, VII] que permite a expropriação do bem de família do fiador não está em sintonia com os fundamentos e objetivos proclamados pelo constituinte de 1998, sobretudo com o direito fundamental à moradia, que, em última análise, concretiza o princípio da dignidade da pessoa humana.
2 Dignidade da pessoa humana na Constituição Federal
Dentre os fundamentos que alicerçam o Estado Democrático de Direito brasileiro destaca-se o da dignidade da pessoa humana[37]. Escreve Flademir Jerônimo que,
dentre os valores, ao menos na Constituição brasileira, sobressai o da dignidade da pessoa humana, dotado de proeminência axiológica sobre os demais. Assim, o expresso reconhecimento da dignidade da pessoa humana como princípio fundamental traduz, em parte, a pretensão constitucional de transformá-lo em um parâmetro objeto de harmonização dos diversos dispositivos constitucionais (e de todo o sistema jurídico), obrigando o intérprete a buscar uma concordância prática entre eles, na qual o valor acolhido no princípio, sem desprezar os demais valores constitucionais, seja efetivamente preservado.[38]
A dignidade da pessoa humana constitui verdadeiro núcleo básico e informador[39] de todo o ordenamento jurídico, ou seja, como valor[40] inserto em princípio fundamental, a dignidade da pessoa humana serve de baliza para a aplicação, interpretação e integração de todo o ordenamento jurídico, o que evidencia seu caráter instrumental.
Tomando por referencial o que já foi exposto, pode-se concluir que o constituinte, inspirando-se, sobretudo, no sistema constitucional lusitano e hispânico, alçou a dignidade da pessoa humana em “condição de princípio (e valor) fundamental (art. 1º, inciso III)”. Significa dizer que tal princípio
atua como mandamento de otimização, ordenando algo (no caso, a proteção e a promoção da dignidade da pessoa) que deve ser realizado na maior medida do possível, considerando as realidades fáticas e jurídicas existentes.[41]
Sendo assim, parece evidente que o princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento da Constituição, irradia-se em todo o ordenamento jurídico brasileiro, fazendo com que as disposições com ele confrontantes sejam moldadas aos seus postulados, sob pena de violarem escancaradamente os objetivos do constituinte de 1998. Todavia, não se pode deixar de registrar que, desde o início da vigência da nossa Constituição até fins da década de 90, tal princípio não foi investigado com profundidade na dogmática constitucional brasileira e isso talvez pela circunstância de a expressão ‘dignidade da pessoa’ – ou ‘dignidade humana’ – ser vaga. Em razão disso, e abstraindo-se aqueles casos em que a violação a tal princípio é evidente, muitos são os casos em que há dúvidas sobre a violação ou não da dignidade da pessoa – se o princípio se aplica ou não. Seu conteúdo não é fácil precisar[42], sendo possível afirmar, amparado em Ingo Wolfgang Sarlet, que a sua complexidade “decorre certamente (ao menos também) da circunstância de que se cuida de conceito de contornos vagos e imprecisos, caracterizado por sua ‘ambigüidade e porosidade’ assim como por sua natureza necessariamente polissêmica”[43].
Não obstante essas constatações, que, na teoria geral do direito, chama-se de ‘zona de penumbra’ ou ‘zona cinzenta’, importante destacar que é nos direitos fundamentais que a dignidade da pessoa humana se concretiza, num primeiro momento[44]. Está-se a afirmar, de outro modo, a ampla relação da dignidade da pessoa humana com os direitos fundamentais. Não por acaso, Edilsom Pereira de Farias escreveu que “o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana cumpre um relevante papel na arquitetura constitucional: o de fonte jurídico-positiva de direitos fundamentais”. Esclarece, ainda, o autor que a dignidade da pessoa humana
é o valor que dá unidade e coerência ao conjunto dos direitos fundamentais. Dessarte o extenso rol de direitos e garantias fundamentais consagrados no título II da Constituição Federal de 1988 traduz uma especificação e densificação do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III). Em suma, os direitos fundamentais são uma primeira e importante concretização desse último princípio, quer se trata dos direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5º), dos direitos sociais (art. 6º a 11) ou dos direitos políticos (arts. 14 a 17). Ademais, aquele princípio funcionará como uma ‘cláusula aberta’ no sentido de respaldar o surgimento de ‘direitos novos’ não expressos na Constituição de 1988, mas nela implícitos, seja em decorrência do regime e princípios adotados, ou em virtude de tratados internacionais em que o Brasil seja parte, reforçando, assim, o disposto no art. 5º, § 2º. Estreitamente relacionada com essa função, pode-se mencionar a dignidade da pessoa humana como critério interpretativo do inteiro ordenamento constitucional.[45]
Forçoso concluir, dessa forma, a relação de reciprocidade, em que o princípio da dignidade da pessoa humana se concretiza através dos direitos fundamentais, que, por sua vez, se justificam por uma união perfeita com tal princípio[46], isto é, imperioso reconhecer que existe uma unidade sistêmica – que não é monolítica[47] – relativamente aos direitos fundamentais que têm por base o valor primordial da dignidade da pessoa humana.
Sarlet, em trabalho específico sobre o tema objeto de análise, é enfático ao salientar que “a dignidade da pessoa humana, na condição de valor (e princípio normativo) fundamental [...] exige e pressupõe o reconhecimento e proteção dos direitos fundamentais de todas as dimensões”. E acaba por concluir que, “sem que se reconheçam à pessoa humana os direitos fundamentais que lhe são inerentes, em verdade, estar-se-á negando-lhe a própria dignidade”[48]. Dessa forma, pode-se afirmar que a dignidade da pessoa humana guarda relação não só com os direitos fundamentais ditos de primeira geração – direito à liberdade, por exemplo –, mas fundamentalmente com os demais direitos, sejam eles sociais, culturais ou econômicos[49]. Isso porque, no constitucionalismo contemporâneo, “os direitos sociais são compreendidos como autênticos ‘direitos subjetivos’ inerentes ao espaço existencial do cidadão”[50], o que, de certa forma, faz nascer, em favor da pessoa, um direito de atuação positiva na criação de pressupostos materiais.
Nessa linha de raciocínio, os direitos fundamentais sociais previstos no artigo 6º da nossa Constituição, sejam eles compreendidos na condição negativa, sejam na dimensão positiva, “constituem exigência e concretização da dignidade da pessoa humana”[51].
3 Direitos sociais
A mais séria e grave querela a respeito dos direitos sociais, e que se configura como ponto capital para a apresente análise, refere-se justamente ao seu tratamento como direitos fundamentais ou não. Salienta-se, contudo, que os argumentos de ambos os entendimentos são contundentes[52], motivo pelo qual apenas teceremos breves considerações. Impende deixar assente, desde logo, que, mesmo aquela parte da doutrina que não os considera direitos fundamentais, reconhece a sua importância e relevância no mundo dos interesses juridicamente protegidos pela ordem jurídica[53].
O primeiro argumento no que se refere à exclusão dos direitos sociais da nota da fundamentalidade reside no possível conflito latente com os direitos civis e políticos, ou seja, ao tratarmos os direitos sociais sob a ótica fundamentalista, o que acarreta uma excessiva socialização, é razoável aceitar a violação de um dos maiores princípios, qual seja, o da liberdade, que, de acordo com Ricardo Lobo Torres, exibe o “status negativus, que significa o poder de autodeterminação do indivíduo, a liberdade da ação ou de omissão sem qualquer constrangimento por parte do Estado”[54]/[55].
Um profundo e denso investimento em um leque de direitos sociais, como se sabe, necessita de uma alta carga tributária, fazendo com que o Estado intervenha, de forma agressiva, no patrimônio dos indivíduos, sobretudo no do devedor[56].
Outro argumento bastante utilizado e invocado pela doutrina que não os considera no leque dos direitos fundamentais se refere à justiciabilidade[57]. Esclarece Cláudio Ari Mello que a recusa à exigibilidade judicial dos direitos sociais reside no argumento de que, para a sua concretização, se exige necessariamente uma lei que, previamente, institui a estrutura normativa básica para a sua satisfação no âmbito administrativo, e o momento e o conteúdo dessa lei dependiam de escolas políticas do legislador que não podiam ser invalidadas ou substituídas por juízes[58]. Explica, ainda, de acordo com esse argumento, invocando Böckenförde, que a estrutura normativa dos direitos fundamentais de liberdade permite que sejam garantidos judicialmente mediante interpretação do texto constitucional de forma direta, ao passo que a estrutura normativa dos direitos sociais não permite a imediata garantia dos seus direitos através do poder judiciário, pelo contrário, somente podem ser assegurados por meio de juízos políticos de alocação de recursos.
Victor Abramovich y Christian Courtis, realizando alguns apontamentos sobre a exigibilidade dos direitos sociais, arrola a existência de entrave à realização judicial dos direitos sociais, qual seja, o da impossibilidade do Poder Judiciário interferir nas questões políticas dos Estados:
Outro de los tradicionales obstáculos para hacer justiciables los derechos sociales reside en el criterio sumamente restrictivo que suele emplear la magistratura a la hora de evaluar su faculdad de invalidar decisiones que pueden calificarse como políticas. Así, cuando la reparación de una violación de derechos sociales importa una acción positiva del Estado que pone en juego recursos presupustarios, afecta de alguna manera el diseño o la ejecución de políticas públicas, o implica tomar uma decisión acerca de qué grupos o sectores sociales serán prioritariamente auxiliados o tutelados por el Estado, los jueces suelen considerar que tales cuestiones son propias de la competencia de los órganos políticos.[59]
Outro fator que inviabiliza a exigibilidade dos direitos sociais, consoante Christian Courtis se refere à inadequação dos mecanismos processuais clássicos, ou seja, “las acciones judiciales tradicionales tipificadas por el ordenamiento jurídico han sito pensadas para la protección de los derechos civiles clássicos”. Reconhece, todavia, que as novas perspectivas da ação, sobretudo a ação civil pública e o mandado de segurança, possibilitam, de alguma forma, colocar em xeque este obstáculo[60]. Por último, arrola o autor um aspecto de ordem cultural[61].
Basicamente, esse, os argumentos lançados para não adjetivar os direitos sociais da nota da fundamentalidade. Registra-se que não se pretendeu abordar todos os argumentos contrários, mas apenas os mais importantes e que geralmente são citados pela doutrina.
Diferentemente, de outro lado, incorporando nos direitos sociais as mesmas características dos direitos fundamentais de primeira geração – inalienabilidade, imprescritibilidade, irrenunciabilidade, dentro outros[62] – de tal forma a lhes atribuir o adjetivo da fundamentalidade, encontra-se parte da doutrina. Comungam do entendimento de que não basta assegurar a liberdade jurídica. É necessário e essencial que se assegure a liberdade fática. Importa dizer que, sem as necessidades básicas [essenciais] materiais para uma vida digna, desaparecem também as condições da liberdade – os direitos civis e políticos de primeira geração. A propósito, confira-se a doutrina de Robert Alexy:
El argumento principal en favor de los derechos fundamentales sociales es un argumento de la libertad. Su ponto de partida son dos tesis.
La primera reza: la liberdad jurídica para hacer u omitir algo sin la liberdad fáctica (real), es decir, sin la posibilidad fáctica de elegir entre lo permitido, carece de todo valor [...].
La segunda tesis reza: bajo las condiciones de la moderna sociedad insdustrial, la liberdad fáctica de un gran número de titulares de derechos fundamentales no encuentra su sustrato material en un ‘ámbito vital dominado por ellos’, sino que depende esencialmente de actividades estatales. También, con la reserva de algunas cualificaciones, puede estarse de acuerdo com esta tesis.[63]
Os direitos sociais servem como garantias que propiciem o integral desenvolvimento humano. E, sendo uma das dimensões que os direitos fundamentais do homem podem assumir, os direitos sociais objetivam concretizar melhores condições de vida ao povo e aos trabalhadores, demarcando os princípios que viabilizarão a igualdade social e econômica, isto é, a própria cidadania[64], no que concerne a iguais oportunidades e efetivo exercício de direitos, considerando as diferenças e erradicando as carências que levam às largas distâncias entre os homens.
Cabe indicar, ainda, que, entre ambos os direitos – os de primeira e de segunda gerações –, operam-se múltiplas relações. Sem condições sociais básicas, não é possível falar de uma verdadeira liberdade de expressão, nem de trânsito, nem a plena realização do ideal democrático, síntese da participação política e cidadã, pois que elas requerem a possibilidade de exercitá-las, e a mesma possibilidade desaparece caso inexistam as condições materiais. Igualmente, se não há liberdades básicas [civis e políticas], desaparece o significado dos direitos sociais[65]. De que serve a educação se não há como dispor da liberdade de expressão para criticar ou refletir sobre o que aquilo que é ensinado? Onde ficam os valores democráticos, se as condições de vida do povo não estão em consonância com o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana?
O ser humano, quando desprovido de determinadas necessidades básicas, não consegue desenvolver-se, isto é, fica enfraquecido na sua liberdade de ação. Quando não tem nenhuma perspectiva de vida, ele se rende a qualquer benesse imediatista, às vezes, em troca de seus bens mais valiosos. Nesse sentido, como afirma Alexy, se “las normas de derecho fundamental deben asegurar la liberdad”, e se por liberdade se entende “a la ausencia de situaciones ecocómicas deficitarias”[66], parece plausível aceitar que as normas de direito fundamental devem incluir também os direitos sociais.
Dessa forma, fundamental é a ideia de que esses bens jurídicos de caráter social sejam incluídos no leque dos direitos que não podem ser negados a nenhum indivíduo[67]. Caracterizam-se por serem direitos mínimos, aos quais todos os indivíduos devem ter acesso, sob pena de se agravarem[68] os conflitos sociais e de criar focos sociais de profunda insatisfação. Não há, portanto, dignidade humana sem um mínimo de condições materiais de existência[69]. Peremptória é a afirmação de Ingo Sarlet ao afirmar a nota da fundamentalidade dos direitos sociais:
Da mesma forma, virtualmente pacificada na doutrina internacional a noção de que – a despeito da diversa estrutura normativa e de suas conseqüências jurídicas – ambos os “grupos”[70] de direitos se encontram revestidos pelo manto da ‘fundamentalidade”.[71]
Vicente de Paulo Barretto salienta, que, além da idéia de igualdade social, que não se identifica com a mera igualdade formal, os direitos fundamentais sociais derivam do princípio da dignidade da pessoa humana:
Além dos valores da igualdade e da liberdade [...] os direitos sociais encontram fundamento ético na exigência de justiça, na medida em que são essenciais para a promoção da dignidade da pessoa humana, e indispensáveis para a consolidação do Estado Democrático de Direito. Esse regime, fundado sobre o princípio democrático, pretende assegurar a inclusão social, o que pressupõe participação popular e exercício dos direitos da cidadania.[72]
[...]
Os direitos sociais derivam, em última análise, do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, através de uma linha de eticidade. Assim, constata-se que não há distinção de grau entre os direitos sociais e os direitos individuais, pois ambos são elementos de um bem maior: a dignidade da pessoa humana, que tem duas face, conectadas, sobretudo, por sua fundamentação ética, universal, comum: a liberdade e a igualdade.[73]
Enquanto alguns direitos sociais previstos na Constituição são pronta e diretamente exigíveis[74] [jornada de trabalho, adicional noturno, repouso semanal remunerado, férias anuais, licença à gestante etc], outros, "deixam de concretizar-se, muito embora sejam veiculados em dispositivos que apresentam a mesma estrutura lógico-normativa das demais regras definidoras de direitos, comportando aplicação direta e imediata"[75].
A proteção jusfundamental aos direitos sociais parece-nos que se mostra a mais coerente com a realidade nacional, pois o desafio da atualidade é o combate às condições econômicas deficitárias da grande maioria da população. A própria Constituição declara que consistem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, dentre outros, construir uma sociedade livre, justa e solidária; erradicar a pobreza, a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais.
3.1 A moradia como direito fundamental
A Emenda Constitucional 26, de 14 de fevereiro de 2000, acrescentou, de forma expressa, ao rol dos direitos sociais do artigo 6º da Constituição Federal, o direito à moradia. Essa alteração constitucional, merecedora de aplauso, se mostra relevante e importante porque o legislador brasileiro manifestou, de forma expressa e clara, a preocupação com o direito à moradia dos brasileiros. Muito embora não havendo alusão expressa no texto constitucional sobre o direito à moradia, o texto constitucional já fazia referência ao vocábulo moradia, o que possibilitava, por meio de uma interpretação sistemática e teleológica, se extrair a ideia do direito à moradia[76].
Ninguém ousa discordar de que o tema moradia é uma temática que enseja uma insuperável problemática tanto no campo jurídico-econômico quanto no sóciopolítico. Nesse aspecto, importante observar que vários são os países que contemplam, ainda que de forma indireta, o direito à moradia. A Constituição italiana de 1948, em seu artigo 47, dispõe que “a República estimula e protege a poupança sob todas as formas; regula, coordena e controla o exercício do crédito. Estimula o acesso da poupança popular à compra de habitação e da propriedade pelos seus cultivadores, bem como a colocação direta e indireta da população em ações das grandes empresas de produção do país”[77]. Da mesma forma, a Constituição da Espanha, no capítulo referente aos princípios diretores da política social e econômica, especificadamente no seu artigo 47, diz que “todos os espanhóis têm direito de desfrutar de uma habitação digna e adequada. Os poderes públicos promoverão as condições necessárias e estabelecerão as normas pertinentes para tornar efetivo esse direito, regulando a utilização do solo de acordo com o interesse geral, para impedir especulação”[78]. Também assim, a Constituição do Reino da Bélgica, em seu artigo 23, reza que “todos têm direito de viver segundo os ditames da dignidade da pessoa humana. Com esse objetivo, a lei, o decreto ou as normas previstas no artigo 134 garantem, tendo em conta as correspondentes obrigações, os direitos econômicos, sociais e culturais, e determinam as condições de seu exercício. Esse direitos incluem, nomeadamente: [...] a) o direito a uma habitação condigna”[79]. A Constituição da Finlândia, artigo 15 A, estabelece que “os poderes públicos garantirão o direito de todas as pessoas à habitação e apoiarão os esforços na aquisição da sua própria habitação”[80].
Da análise dos dispositivos constitucionais acima explicitados, verifica-se que o tema moradia se constitui em matéria relevante tanto para os países subdesenvolvidos ou em fase de desenvolvimento quanto para aqueles outros chamados desenvolvidos. É a consciência internacional de que a moradia serve para promover uma vida condigna.
A análise do direito à moradia dá-se por diversos ramos da ciência, pelo simples fato de ser ela uma necessidade humana tão essencial como a vida. Constitui, a bem da verdade, condição sine qua non para a existência de uma vida digna. Quer dizer que o direito à moradia está intrinsecamente relacionado à dignidade da pessoa, que constitui a pedra nuclear do sistema jurídico. Nesse passo, “um indivíduo, para se desenvolver como pessoa, para nascer, crescer, estudar, formar sua família, adoecer e morrer com dignidade, necessita de um lar, de uma moradia, da sede física e espacial onde irá viver”[81].
A dignidade humana contempla também a garantia dos meios materiais razoavelmente necessários para o pleno desenvolvimento da personalidade humana. O mínimo material, portanto, é indispensável para o pleno desenvolvimento da pessoa humana, de tal forma que, consoante a ilação de Ricardo Lobo Torres, “sem o mínimo necessário à existência cessa a possibilidade de sobrevivência do homem e desaparecem as condições iniciais da liberdade”[82]. Assim, negar o mínimo existencial ao indivíduo é, em última análise, negar-lhe a dignidade. Esclarecedor, nesse sentido, são as ponderações realizadas por Ingo Sarlet:
O que se pretende, em última análise, é que onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral o ser humano, onde as condições mínimas para a existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação do poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade (em direitos e dignidade) e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana e esta (a pessoa), por sua vez, poderá não passar de moro objeto de arbítrio e injustiças.[83]
Nesse contexto, o direito à moradia cumpre um papel importante, na medida em que visa a proporcionar ao indivíduo uma vida digna, ou seja, proporcionar formação e desenvolvimento da personalidade humana. Quanto a isso, não pairam hesitações. Tanto é assim que, tratando dos direitos fundamentais como forma de exigência e concretização do princípio da dignidade da pessoa humana, Ingo Sarlet é peremptório ao afirmar que a moradia é indissociável do ser humano:
Até mesmo o direito de propriedade [...] se constitui em dimensão inerente à dignidade da pessoa, considerando que a falta de uma moradia decente ou mesmo de um espaço físico adequado para o exercício da atividade profissional evidentemente acaba, em muitos casos, comprometendo gravemente – senão definitivamente – os pressupostos básicos para uma vida com dignidade.[84]
Nesse mesmo passo, Anderson Schreiber, escrevendo sobre o ser e o habitar, afirma que é natural ao ser humano a ideia de possuir um local para delimitar o campo de sua atividade. Segundo o autor, até mesmo aqueles que não possuem uma plena capacidade civil, apresentam tal atitude:
A não-habitação ou habitação das ruas representa não apenas a perda da moradia, mas a perda da própria condição de pessoa. De fato, todo individuo tende naturalmente a delimitar um espaço de ocupação que lhe possa servir de referência à sua própria identidade. Analisando, por exemplo, o comportamento de pacientes de determinado hospital psiquiátrico do Rio de Janeiro, pesquisadores constataram como práticas freqüentes entre os internos o ‘apego físico a bens pessoais’ e a ‘criação de espaços individuais nos quartos coletivos e nas áreas de convívio comum’.[85]
Por essas e outras razões, termina-se esse tópico dizendo que antigos institutos do direito civil tradicional devem ser funcionalizados à proteção do direito à moradia, pois, além de ser adjetivado pela nota da fundamentalidade[86], é forma de exteriorização e é aspecto fundamental da concretização da dignidade da pessoa humana. É dentro desse contexto atual que se deve imprimir nova interpretação da disciplina do contrato de fiança locatícia, tradicionalmente voltado para assegurar o cumprimento do contrato de locação, mas cada vez mais direcionado à proteção da pessoa.
4 Os efeitos do direito à moradia no ordenamento jurídico
O direito à moradia, instituído pela Emenda Constitucional nº 26, conforme preconiza parcela significada da doutrina, constitui-se em norma programática[87]. Sendo assim, mister realizar algumas considerações em torno das normas constitucionais programáticas.
Originariamente, nem a doutrina nem a jurisprudência tinham percebido o verdadeiro alcance das normas constitucionais programáticas. Era comum, e ainda é, a afirmação que elas, embora sendo qualificadas como espécies normativas, dependem de políticas públicas para a sua efetividade. Delas não resulta direito subjetivo de exigir determinada prestação. Não vinculam o poder público.
“Estas normas”, conforme Luís Roberto Barroso, “têm por objeto estabelecer determinados princípios ou fixar programas de ação para o Poder Público”[88]. Essa característica, peculiar das normas programáticas, se explica pelo fato de, sendo o Estado caracterizado como uma sociedade política – e, assim, sendo um meio para que os seus membros possam atingir seus fins particulares –, tem um fim geral, uma finalidade maior, que é a síntese de todas as outras: o bem comum do povo.
Portanto, a principal característica das normas programáticas é que elas enunciam os fins, as metas, os objetivos, sem, contudo, explicitarem os meios que serão empregados em sua consecução. Elucidativas, nesse aspecto, são as palavras de Luís Roberto Barroso, ao discorrer acerca dessa espécie normativa constitucional:
Contêm elas disposições indicadoras de valores a serem preservados e de fins sociais a serem alcançados. Seu objeto é o de estabelecer determinados princípios e fixar programas de ação. Característica dessas regras é que elas não especificam qualquer conduta a ser seguida pelo Poder Público, apenas apontando linhas diretoras.[89]
Justamente por apenas traçarem linhas diretoras, pelas quais se hão de orientar os poderes públicos, “investem os jurisdicionados em uma posição jurídica menos consistente do que as normas de conduta típicas, de vez que não conferem direito subjetivo em sua versão positiva de exigibilidade de determinada prestação”[90].
Não por outro motivo, Manoel Gonçalves Ferreira Filho afirmou que essa espécie normativa, que incha as Constituições contemporâneas, mormente nos capítulos sobre a “ordem econômica” e sobre a “ordem social”, contribui para a desvalorização da ideia de Constituição. Isso porque, não raro, essas normas permanecem letra morta[91]. Assim, a falta de efetividade das normas constitucionais, especialmente as programáticas, contribuiu decisivamente para comprometer a credibilidade da Constituição[92].
Todavia, atualmente, é pacífico o entendimento de que, pela sua própria natureza, a Constituição é tida como a primeira lei positiva [como ápice do ordenamento jurídico]. Por isso, não pode ser vista e, muito menos, aceita como mera ou simples “folha de papel”; pelo contrário, deve ser respeitada por todos os componentes do Estado [notadamente o seu povo e os seus governantes], diante da força normativa que dela decorre. Konrad Hesse, nesse particular, afirma que “a Constituição não configura, portanto, apenas expressão de um ser, mas também de um dever-ser”[93]. A propósito, transcreve-se a lição de Konrad Hesse:
A Constituição não configura, portanto, apenas expressão de um ser, mas também de um dever ser; ela significa mais do que o simples reflexo das condições fáticas de sua vigência, particularmente as forças sociais e políticas. Graças à pretensão de eficácia, a Constituição procura imprimir ordem e conformação à realidade política e social. (...) A força condicionante da realidade e a normatividade da Constituição podem ser diferençadas; elas não podem, todavia, ser definitivamente separadas ou confundidas.
E o referido autor continua:
Embora a Constituição não possa, por si só, realizar nada, ela pode impor tarefas. A Constituição transforma-se em força ativa se essas tarefas forem efetivamente realizadas, se existir a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se, a despeito de todos os questionamentos e reservas provenientes dos juízos de conveniência, se puder identificar a vontade de concretizar essa ordem. Concluindo, pode-se afirmar que a Constituição converter-se-á em força ativa se fizerem-se presentes, na consciência geral - particularmente, na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucional -, não só a vontade de poder (Wille zur Macht), mas também a vontade de Constituição (Wille zur Verfassung).[94]
Nesse sentido, em que já não é mais novidade afirmar a força normativa e a supremacia[95] da Constituição, parece-nos que, mesmo aquelas normas constitucionais que apenas estabelecem fins, metas, diretrizes, objetivos a serem alcançados pelo Poder Público [normas programáticas], são capazes de surtir alguns efeitos jurídicos, da mesma forma como ocorre com as demais disposições constitucionais. Portanto, pode-se dizer que as normas programáticas gozam do mesmo valor jurídico das demais normas constitucionais[96].
Conforme afirma Canotilho,
[…] marcando uma decidida ruptura em relação à doutrina clássica, pode e deve falar-se da “morte” das normas programáticas. Existem, é certo, normas-fim, normas-tarefa, normas-programa que «impõem uma actividade» e «dirigem» materialmente a concretização constitucional. O sentido destas normas não é, porém, o assinalado pela doutrina tradicional: «simples programas» «exortações morais» «declarações» «sentenças políticas» «aforismo políticos» «promessas» «apelos ao legislador» «programas futuros», juridicamente desprovidos de qualquer vinculatividade.
E o autor continua afirmado que
às «normas programáticas» é reconhecido hoje um valor jurídico constitucionalmente idêntico ao dos restantes preceitos da constituição. Não deve, pois, falar-se de simples eficácia programática (ou directiva), porque qualquer norma constitucional deve considerar-se obrigatória perante quaisquer órgãos do poder político. Mais do que isso: a eventual mediação concretizadora, pela instância legiferante, das normas programáticas, não significa que este tipo de normas careça de positividade jurídica autónoma, isto é, que a sua normatividade seja apenas gerada pela interpositio do legislador.[97]
Portanto, atualmente, diferentemente da concepção clássica, é atribuída às normas programáticas carga de eficácia, ainda que, de alguma forma peculiar. Significa dizer que o direito à moradia, embora sendo instituído por norma programática, gera alguns efeitos no nosso ordenamento jurídico.
No Brasil, vários são os autores que escreveram acerca do assunto. Destaca-se a doutrina do professor José Afonso da Silva, que, após uma longa explicação acerca da eficácia das normas programáticas, conclui o seguinte:
Em conclusão, as normas programáticas têm eficácia jurídica imediata, direta e vinculante nos casos seguintes:
I – estabelecem um dever para o legislador ordinário;
II – condicionam a legislação futura, com a conseqüência de serem inconstitucionais as leis ou atos que as ferirem;
III – informam a concepção do Estado e da sociedade e inspiram sua ordenação jurídica, mediante a atribuição de fins sociais, proteção dos valores da justiça social e revelação dos componentes do bem comum;
IV – constituem um sentido teleológico para a interpretação e aplicação das normas jurídicas;
V – condicionam a atividade discricionária da Administração e do Judiciário;
VI – criam situações jurídicas subjetivas, de vantagem ou desvantagem.[98]
Lançados esses substratos doutrinários, é fundamental compreender que a norma do artigo 6º da Constituição Federal, especialmente no que pertine ao direito à moradia, ainda que seja qualificável como norma programática, a depender de implementação de políticas públicas pelo poder público, está plenamente em vigor, razão pela qual irradia alguns efeitos.
Primeiramente, poderíamos afirmar que o direito fundamental à moradia acarreta a revogação de todos os atos normativos anteriores à vigência da Constituição que, de forma direta ou indireta, o lesionem[99]. Nesse ponto, clara é a doutrina de Luís Roberto Barroso, ao afirmar que as normas programáticas, desde que entram em vigor, “revogam os atos normativos anteriores que disponham em sentido colidente com o princípio que substanciam”[100].
Outro efeito imediato que advém do direito à moradia é aquele que impõe ao legislador o dever de legislar de forma a concretizar o acesso à moradia por parte de todos os cidadãos[101]. As normas constitucionais programáticas, dirigidas que são aos órgãos estatais, hão de informar, desde o seu surgimento, a atuação do Legislativo, ao editar as leis, bem como o da Administração e do Judiciário ao aplicá-las, de ofício ou contenciosamente[102].
Ao mesmo tempo, todavia, deve procurar proteger o direito de quem já possui a sua moradia. Nesse aspecto, importante função desempenha a lei de impenhorabilidade do bem de família, pois visa justamente a proteger e a garantir a moradia de quem a já possui. Todavia, em vista da atual conjectura social e econômica do nosso país, bem como o alto índice de déficit habitacional, deveria ela estender tal benefício ao fiador, e não o excluir como o fez.
Ao mesmo tempo em que o direito fundamental à moradia impõe ao legislador o dever de legislar de forma a concretizar o seu acesso, por outro lado, gera um efeito negativo, qual seja, proíbe que o legislativo edite normas que contrariem a determinação constitucional. Como muito analisado por Luís Roberto Barroso, “desviando-se os atos de quaisquer dos Poderes da diretriz lançada pelo comando normativo superior, viciam-se por inconstitucionalidade, pronunciável pela instância superior”[103]. Dessa forma, fácil perceber que qualquer ato normativo que afronte a norma programática é materialmente inconstitucional[104].
Além desses efeitos das normas programáticas, podemos dizer que o direito fundamental à moradia gera, no mínimo, direito subjetivo negativo, isto é, presta-se para exigir que não só do Estado, mas também os particulares se abstenham de qualquer ato que contrarie essa proteção jusfundamental.
Luís Roberto Barroso, nesse particular, afirma que se, por um lado, das normas programáticas não decorre para o indivíduo nenhum direito subjetivo, em sua versão positiva, por outro,
fazem nascer um direito subjetivo ‘negativo’ de exigir do Poder Público que se abstenha de praticar atos que contravenham os seus ditames. Em verdade, as normas programáticas não se confundem, por sua estrutura e projeção no ordenamento, com as normas definidoras de direitos. Elas não prescrevem, detalhadamente, uma conduta exigível, vale dizer: não existe, tecnicamente, um dever jurídico que corresponda a um direito subjetivo. Mas, indiretamente, como efeito, por assim dizer, atípico [...], elas invalidam determinados comportamentos que lhes sejam antagônicos. Nesse sentido, é possível dizer-se que existe um dever de abstenção, ao qual corresponde um direito subjetivo de exigi-la.[105]
Calha, ainda, salientar que o programa constitucional insculpido na norma de proteção à moradia alcança o seu apogeu na classificação de Sarlet como direito de defesa. Em que pese o acesso à moradia implicar programas voltados para esse fim – sua dimensão objetiva supõe provisão legal de prestações aos cidadãos –, não resta dúvida de que quem já possui a casa própria pode se opor aos atos que o atingem, ou seja, confere-se a quem já possui a casa própria o direito de não expropriá-la, salvo, é claro, se colidente com direito de igual fundamentalidade. Esse direito possui efeito imediato[106]. Nesse sentido, já afirmou Vieira de Andrade:
Essa proteção jurídica (penal ou civil) ou de facto é em certa medida devida pelo Estado e, no âmbito desse dever, vai também ter influência nas relações entre particulares: pelo menos, ficam por essa via proibidos todos os actos de pura e simples violação de direito fundamentais.[107]
Feitas essas singelas considerações, resta-nos concluir que o direito fundamental à moradia, não obstante depender de alocações de políticas públicas por parte do poder instituído, alcança seu apogeu, no que pertine aos efeitos, dentre todos aqueles acima citados, na classificação proposta por Ingo Sarlet como direito de defesa. Isso equivale dizer que quem possui a tão sonhada casa própria é titular de direito subjetivo negativo no sentido de que esse direito não seja violado, podendo-se opor, portanto, ao cumprimento de tais leis que o infrinjam.
4.1 Da inconstitucionalidade do inciso VII do artigo 3º da Lei 8.009/90
Quando a Lei 8.009/90 instituiu o bem de família legal, apenas estavam elencadas seis exceções às quais tal benefício não era estendido e, dentre elas, não constava o caso do fiador de contrato de locação. Somente após, com a edição da Lei 8.245/91, por meio do artigo 82[108], acrescentou-se um novo inciso no artigo 3 da Lei 8.009/90, qual seja, incluiu-se nova exceção à benesse do bem de família, de forma a permitir a sua excussão do bem de família na hipótese de obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.
Portanto, movida uma execução para exigir cumprimento de obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação, o fiador pode vir a perder o seu único imóvel que ser serve de sua moradia.
Como anteriormente analisado, os direitos fundamentais, e aqui se inclui a moradia, encontram-se em posição privilegiada no ordenamento jurídico, funcionando como valores essenciais para o desenvolvimento da pessoa humana. Dentro desse contexto, a moradia constitui, a bem da verdade, condição sine qua non para a existência de uma vida digna, isto é, o direito à moradia está intrinsecamente relacionado à dignidade da pessoa. Como muito bem destaco por Godoy, “um indivíduo, para se desenvolver como pessoa, para nascer, crescer, estudar, formar sua família, adoecer e morrer com dignidade, necessita de um lar, de uma moradia, da sede física e espacial onde irá viver”[109].
Eliane Maria Barreiros Ainda, nesse passo de ideias, pontifica que “o valor moradia é uma necessidade existencial da pessoa humana antes mesmo de agrupada em núcleo familiar”[110]. Tal ideia é reforçada por Flávio Murilo Tartuce Silva, ao assinalar que o “direito constitucional à moradia acaba limitando a autonomia privada”[111].
Sem desejar problematizar ainda mais, ressalta-se que a preservação do direito à moradia é decorrência da tutela do mínimo existencial, harmonizando-se com a normativa constitucional, que guinda à princípio fundamental e norteador da República brasileira a dignidade da pessoa humana[112]. Como muito bem destacado por Perlingiere, a moradia deve ser concebida “como um aspecto de um unitário valor normativo que é a tutela da pessoa”[113]. Também Sarlet, ao abordar a temática, afirma:
No caso do direito à moradia, a íntima e indissociável vinculação com a dignidade da pessoa humana resulta inequívoca pelo menos no âmbito daquilo que se tem designado de um direito às condições materiais mínimas para uma existência digna e na medida em que a moradia cumpre essa função. Nesta perspectiva, talvez seja ao direito à moradia – bem mais do que ao direito de propriedade – que melhor se ajusta a conhecida frase de Hegel, ao sustentar – numa tradução livre – que a propriedade constitui (também) o espaço de liberdade da pessoa (Sphäre ihrer Freiheit). Com efeito, sem um lugar adequado para proteger a si próprio e a sua família contra as intempéries, sem um local para gozar de sua intimidade e privacidade, enfim, de um espaço essencial para viver com o mínimo de saúde e bem estar, certamente a pessoa não terá assegurada a sua dignidade, aliás, a depender das circunstâncias, por vezes não terá sequer assegurado o direito à própria existência física, e, portanto, o seu direito à vida.[114]
O reconhecimento da Constituição como norma hierarquicamente superior de nosso ordenamento jurídico está fundamentado no princípio da supremacia da Constituição[115], que tem como premissa que ela se situe no vértice[116] do sistema jurídico nacional, conferindo validade para os demais dispositivos infraconstitucionais[117].
Também já não é mais novidade afirmar que as normas constitucionais, pela força normativa igual às demais normas integrantes do ordenamento jurídico, se projetam sobre todo o complexo normativo. Como afirma Konrad Hesse, a Constituição “não é mais apenas a ordem jurídico-fundamental do Estado”; tornou-se a “ordem jurídico-fundamental da sociedade”, pois suas “normas abarcam também – de forma especialmente clara, garantias como o matrimônio, a família, a propriedade, a educação ou a liberdade de arte e da ciência – as bases de organização da vida não estatal”[118].
Por meio dessa nova perspectiva constitucional, sustenta-se a incidência direta e imediata da normativa constitucional sobre as relações interprivadas, o que é muito bem analisado e defendido por Pietro Perlingieri:
A norma constitucional torna-se a razão primária e justificadora (todavia não a única, se for individuada uma normativa ordinária aplicável ao caso) da relevância jurídica de tais relações, constituindo parte integrante da normativa na qual elas, de um ponto de vista funcional, se concretizam. Portanto, a normativa constitucional não deve ser considerada sempre e somente como mera regra de hermenêutica, mas também como norma de comportamento, idônea a incidir sobre o conteúdo das relações entre situações subjetivas, funcionalizando-as aos novos valores.[119]
“A norma constitucional”, nos dizeres de Perlinegieri, “pode, também sozinha (quando não existirem normas ordinárias que disciplinem a fattispecie em consideração), ser a fonte da disciplina de uma relação jurídica de direito civil”[120].
Além disso, passou a Constituição Federal a ser a fonte de validade dos demais dispositivos infraconstitucionais, de forma a condicionar a interpretação e a aplicação dos dispositivos editados pelo legislador ordinário[121]. Por isso é que não se pode pensar um instituto de modo isolado, mas numa perspectiva dos sistemas de normas e princípios constitucionais[122] e infraconstitucionais em que se desenvolve o trânsito jurídico. Isso significa que a norma infraconstitucional deverá ser sempre aplicada numa perspectiva constitucional, isto é, “a norma constitucional assume, no direito privado, a função de, validando a norma ordinária, à luz de seus valores e princípios, os institutos tradicionais”[123].
Nesse sentido, direito civil, agora colorido pela Constituição e contaminado por suas normas, que se pautam pelo primado do “ser” sobre o “ter”, traduz-se na transformação da ética da liberdade por uma ética solidarista, de co-responsabilidade, cooperação e lealdade. Nesse contexto, o que se ressalta, não é o direito que está em crise, senão “o direito burguês, do século passado, que, a partir de crise profunda, revivicou-se, agora substituído por um novo direito, adequado ao capitalismo do nosso tempo, apto a bem servi-lo”, o direito civil, conforme explica Teresa Negreiros, voltado para a tutela da dignidade da pessoa humana, é, agora,
chamado a desempenhar tarefas de proteção, e estas especificam-se a partir de diferenciações normativas correspondentes a diferenciações que implodem a concepção outrora unitária de indivíduo, dirigindo-se, não a um sujeito de direito abstrato dotado de capacidade negocial, mais sim a uma pessoa situada concretamente nas suas relações econômico-sociais.[124]
Partindo-se do deslocamento apontado acima, importantes são as consequências para o universo jurídico, sobretudo no que pertine ao direito civil. Conforme ensina Maria Celina Bodin de Morais,
a transposição de normas diretivas do sistema de direito civil do texto do Código Civil para o da Constituição acarreta relevantíssimas conseqüências jurídicas que se delineiam a partir da alteração da tutela que era oferecida, pelo Código, ao “indivíduo” para a proteção, garantida pela Constituição, à dignidade da pessoa humana e por ela elevada à condição de fundamento da República Federativa do Brasil.[125]
Conclui-se, portanto, que, por meio do fenômeno da constitucionalização do direito civil, se impõe a “releitura do Código Civil e das leis especiais à luz da Constituição”. Essa releitura da legislação ordinária à luz da Constituição transforma a norma constitucional em razão primária e justificadora das relações jurídicas, concretizando-se não somente com regra de hermenêutica, mas também como norma de conduta, lícita e que incide sobre as relações jurídicas de forma a concretizar novos valores. Na feliz síntese do professor Pietro Perlingieri, incumbe ao civilista
apresentar um amplo e sugestivo programa de investigação que se proponha à atuação de objetivos qualificados: individuar um sistema do direito civil mais harmonizado aos princípios fundamentais e, em especial, às necessidades existenciais da pessoa; redefinir o fundamento e a extensão dos institutos jurídicos e, principalmente, daqueles civilísticos, evidenciando os seus perfis funcionais, numa tentativa de revitalização de cada normativa à luz de um renovado juízo de valor (giudizio di meritevolezza); verificar e adaptar as técnicas e as noções tradicionais (da situação subjetiva à relação jurídica, da capacidade de exercício à legitimação, etc), em um esforço de modernização dos instrumentos e, em especial, da teoria da interpretação.[126]
Nesse novo cenário jurídico, em que se defende a “reconstrução de um sistema de ‘Direito Civil-Constitucional’, como idônea a realizar, melhor do que qualquer outra, a funcionalização das situações patrimoniais àquelas existenciais, reconhecendo a estas últimas, em atuação dos princípios constitucionais, uma indiscutida proeminência”[127], mais humanizado[128] – o patrimônio deixa de ser o eixo da estrutura social, para se tornar instrumento da realização das pessoas humanas.
Dessa forma, à luz do processo de constitucionalização do direito civil[129] – pois não há outra forma de pensar modernamente o direito civil, consoante analisado anteriormente –, parece forçoso concluir que inciso o VII do artigo 3º, da Lei nº 8.009/90, introduzido pelo artigo 82, da Lei do Inquilinato, não pode continuar surtindo os efeitos por ele propugnados. Vale dizer: nos quadros do que estamos a postular – e comungando da visão humanista e solidarista da doutrina que embasou as ideias defendidas, bem como da necessária jus-humanização das relações privadas –, resta-nos concluir que o inciso VII do artigo 3º, da Lei 8.009/90, viola a Constituição Federal de 1988, sobretudo o princípio da dignidade da pessoa humana, ao lado de outros valores fundamentais como a vida, o desenvolvimento humano, o mínimo existencial, dentre outros. Atualmente, há de se buscar uma decisão cujo sentido radique materialmente na proteção da pessoa e na garantia das condições mínimas para uma vida digna[130]. Conforme afirmou Teresa Negreiros, a releitura, à luz da Constituição, inverteu o papel da dogmática civil, agora preocupada com a funcionalização à promoção dos valores existenciais[131].
Contudo, não podemos deixar de atentar ao fato de que não se desconhece o legítimo direito do locador, qual seja, direito de crédito. Apenas se está afirmando que entre ambos, o direito à moradia precede ao do crédito, nessa hipótese.
Conclusão
Tratou o presente trabalho de verificar se a regra jurídica insculpida no inciso VII do artigo 3º, da Lei 8.009/90, que afastou o benefício do bem de família nos casos de obrigações decorrentes de fiança locatícia, está em sintonia com a ordem constitucional. De tudo o que foi visto, extraem-se as conclusões que seguem.
No âmbito do direito civil brasileiro e de acordo com uma interpretação exclusivamente legalista, o fiador de uma relação locatícia pode vir a perder o seu bem de família, pois, como analisado, consoante uma interpretação literal do inciso VII do artigo 3º, da Lei de Impenhorabilidade – desprovida, portanto, de uma interpretação teleológica no sentido de buscar o verdadeiro objetivo da edição da referida –, não resta outra opção ao magistrado, quando da análise do caso concreto, senão aquela de efetivar a penhora sobre o imóvel, de titularidade do garante, a fim de que, com a arrecadação proveniente da alienação em hasta pública do bem, satisfazer o direito creditício do locador.
Não obstante essa interpretação, destacou-se que, embora a função primordial do contrato seja a de circulação de riqueza, a moderna teoria contratual vem emprestando ao contrato outras características mais dignas, a exemplo do princípio da função social. Dessa forma, à semelhança do que ocorre com a propriedade, também o contrato, uma vez funcionalizado, se transforma em um “instrumento de realização do projeto constitucional”[132]. Nesse sentido, o contrato não mais se compadece com uma leitura individualista; pelo contrário, o contrato passou a abranger novos temas, tais como a justiça social, solidariedade, erradicação da pobreza etc.
Nesse diapasão, em que se impõe reconhecer, em vista do fenômeno da constitucionalização do direito civil – que implica a substituição do centro valorativo do direito civil: em lugar do indivíduo e de sua autonomia, encontra-se a pessoa humana, sua socialidade e dignidade –, que a disciplina contratual não está a látere do projeto constitucional, que possui como objetivos fundamentais construir uma sociedade livre, justa e solidária, erradicar a pobreza a miséria e a marginalização, bem como reduzir as desigualdades sociais; ao reverso, a Constituição introduz, no direito dos contratos, o valor da solidariedade, da justiça social, dentre outros já mencionados.
Dentro desse contexto, em que o centro valorativo agora recai sobre a tutela da pessoa humana, não resta dúvida de que, conforme restou analisado, o direito fundamental à moradia – previsto expressamente pelo artigo 6º da Constituição Federal, em face de se encontrar em posição especialmente privilegiada no nosso ordenamento jurídico, funcionando como verdadeiro valor essencial da pessoa humana de forma a vincular o poder público e todos os cidadãos – eficácia vertical e horizontal – constitui-se num meio indispensável ao desenvolvimento da pessoa. Justamente por isso, fácil extrair a conclusão de que a única moradia do fiador, enquanto condição sine qua non para a existência de uma vida digna, pois ninguém ouse discordar de que um indivíduo, para se desenvolver como pessoa, para nascer, crescer, formar sua família, adoecer e morrer com dignidade, necessita de um lar, de uma moradia onde irá viver, também seja protegida pela Lei de Impenhorabilidade do bem de família.
Além do mais, como vimos, o expresso reconhecimento do direito fundamental à moradia, em vista de ocupar o ápice normativo do ordenamento jurídico – artigo 6º da Constituição Federal –, gera, dentre outros, o efeito de vincular o legislador ordinário, impondo-lhe que legisle de forma a concretizar o acesso à moradia por todos os cidadãos. Mas não é só isso. O direito à moradia também vincula negativamente o Poder Legislativo, ao impor aos seus membros a proibição de editar leis que contrariem a determinação constitucional.
Ainda em relação ao direito à moradia, viu-se que, ainda que, em seu aspecto estrutural, a norma fosse considerada programática, implicando a alocação de políticas pública, tal direito se qualifica como direito de defesa. Com isso, quer-se afirmar que quem já possui a sua moradia é titular de direito subjetivo negativo a que esse direito não seja violado.
Nesse passo de ideias, não nos restou outra conclusão senão a de considerar a norma do inciso VII do artigo 3º, da Lei nº 8.009/90, introduzido por meio do artigo 82, da Lei 8.245/91, incompatível com o programa constitucional, sobretudo com o princípio da dignidade da pessoa humana, ao lado de outros valores fundamentais como a vida, o desenvolvimento humano, o mínimo existencial, dentre outros
Por fim, acrescenta-se que este trabalho não teve por objetivo esgotar o assunto proposto, merecendo estudos mais aprofundados em virtude da relevância da matéria.
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[1] “A Lei de Locações de Imóveis Urbanos (Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991) não pôde prever todos os conflitos entre locador e locatário, mas fixou princípios, no intuito de compatibilizar a iniciativa econômica privada, tutelada na Constituição, com os valores extrapatrimoniais, ou existenciais, da moradia, do trabalho, da estabilidade do homem em seu habitat”. TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodológicas para a constitucionalização do Direito Civi. In: TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 3.ed. Rio de Janeiro: Renovar: 2004, p. 16.
[2]Assim, os artigos 391 do Código Civil e 798 do Código de Processo Civil, que, respectivamente, determinam: “Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor” e “O devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei.”
[3]O não-cumprimento de uma obrigação, como se sabe, confere ao credor o direito de agredir o patrimônio do devedor, por intermédio dos tribunais, a fim de obter coactivamente a satisfação do seu crédito.
[4]CHAVES, Antônio. Tratado de direito civil. 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984, p. 1.224, v.3.
[5]PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. Campinas: Bookseller, 2006, p. 129, t. XLIV.
[6]PONTES DE MIRANDA, 2006, p. 129.
[7]Aponta, ainda, Pontes de Miranda, que “na idade média, perdurou, transformada, a fiança corporal, que passou a ser promessa de submissão ao devedor, se fosse exigida (promessa de reclusão, Einlagerversprechen). Com a fiança patrimonial, o fiador assumia a dívida de fiador, ou prometendo que o devedor prestaria, ou convertendo-se em devedor da dívida do devedor. Podia dar-se – mas era raro – a liberação do devedor, o que mudava a figura jurídica. Todas essas espécies eram personalíssimas, porém, depois, a fiança patrimonial gravou o patrimônio e fez-se herdável. No século XVI, a reclusão (Einlager) foi abolida, permanecendo, contudo, na Suíça, até o século XIX”. PONTES DE MIRANDA, 2006, p. 130-1.
[8]PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: contratos. 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 498, v.3.
[9]PONTES DE MIRANDA, 2006, p. 123.
[10]Artigo 818 do Código Civil: “Pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra”.
[11]ALMEIDA COSTA, Mário Júlio de. Direito das obrigações. 9.ed. Coimbra: Almedina, 2005, p. 819.
[12]ANTUNES VARELA, João de Matos. Das obrigações em geral. 7.ed. Coimbra: Almedina, 1997, p. 477-8, v.2.
[13]GOMES, Orlando. Obrigações. 16 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 265.
[14]MARMITT, Arnaldo. Bem de família. Rio de Janeiro: Aide, 1995, p. 94.
[15]Mário Júlio de Almeida Costa, após percorrer as características da fiança, conclui que, “apesar de ser uma garantia muito difundida nos dias atuais, e isso pelas vantagens que traz para o comércio jurídico, salienta que, não raro, envolve inconvenientes para o garante”. ALMEIDA COSTA, 2005, p. 828.
[16]“Mas cumpre lembrar, ainda, que em nossa pátria um grande número de famílias de classes economicamente inferiores – em face do êxodo rural e das migrações oriundas de carências regionais -, aglomeram-se nas grandes cidades, vivendo em barracos de favelas, quartos de cortiços e até mesmo debaixo de viadutos e pontilhões, embora todas permaneçam sonhando com a verdadeira ‘casa própria’”. NOGUEIRA, Antônio de Pádua Ferraz. Fundamentos sóciojurídicos do bem de família (Lei 8.009/90). Revista dos Tribunais: São Paulo, a. 82, nº 691, 1993, p. 08.
[17]RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 491-2.
[18]Tendo em vista que o objetivo do presente trabalho não é discorrer acerca do contrato de locação de coisas, recomendamos a leitura de RIZZARDO, 2005, p. 481-73.
[19]As garantias, na atual legislação inquilinária, estão disciplinadas nos artigos 37 a 42.
[20]Nessa esteira, Heitor Vitor salienta, de forma incisiva, que “a prática demonstra que a fiança convencional é, na maioria dos casos, preferida ao seguro e à caução, que apresentam alguns inconvenientes, especialmente para o locador”. SICA, Heitor Vitor Mendonça. Questões polêmicas e atuais acerca da fiança locatícia. In: CRUZ E TUCCI, José Rogério (coord.). A penhora e o bem de família do fiador da locação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 23.
[21]Utilizou-se aqui o verbo “dever” na modalização incisiva justamente para ressaltar a obrigatoriedade de umas das garantias, pois dificilmente alguém no comércio imobiliário conseguirá formalizar contrato de locação sem apresentar alguma garantia, seja através de caução, fiança, seguro de fiança locatícia, ou, de acordo com a Lei nº 11.196/05, que acrescentou uma outra forma de garantia, a cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento. Uma delas, certamente, o credor (locador) exigirá.
[22]Foi justamente visando a ultimar tal controvérsia que o Superior Tribunal de Justiça editou a súmula 214, com o seguinte teor: “O fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu”.
[23]Esta controvérsia, aliás, gerou a súmula 268 do Superior Tribunal de Justiça, a qual reza que “o fiador que não integrou a relação processual na ação de despejo não responde pela execução do julgado”.
[24]Ressalta-se, aqui, que o atual Código Civil perdeu o ensejo de disciplinar a fiança locatícia, como fez o Código Civil Português. Caberá à doutrina e, especialmente, à jurisprudência delinear alguns aspectos importantes.
[25]Na concepção tradicional do contrato, segundo Cláudia Lima, “a relação contratual seria obra de dois parceiros em posição de igualdade perante o direito e a sociedade, os quais discutiriam individual e livremente as cláusulas de seu acordo de vontade. Seria o que hoje denominaríamos de contratos paritários ou individuais. Contratos paritários, discutidos individualmente, cláusula a cláusula, em condições de igualdade e com o tempo para tratativas preliminares, ainda hoje existem, mas em número muito limitado e geralmente nas relações entre dois particulares (consumidores), mais raramente, entre dois profissionais e somente quando de um mesmo nível econômico”. MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 52.
[26]Parcela da doutrina tem feito uma distinção entre contrato de adesão e contrato por adesão. O que caracteriza o contrato de adesão propriamente dito é a necessidade imperiosa do aderente de contratar. Além de não poder interferir nas condições do contrato, não pode sequer recusá-lo, sob pena de ficar privado de serviços fundamentais para a vida moderna. É o caso dos contratos com os fornecedores de serviços de eletricidade, água, esgoto, telefonia etc. A vida moderna não permite às pessoas viverem sem o fornecimento de tais utilidades. A oferta feita sob condições de monopólio do explorador de tais serviços não tem como ser recusada por ninguém. Todavia, há situações em que o monopólio da atividade não está presente, não obstante as cláusulas sejam estabelecidas unilateralmente pelo estipulante. Nesse caso, embora o aderente não tenha como impor alterações nas cláusulas do contrato, não está forçado a se vincular. Adere, apenas, se for de sua conveniência e interesse. Esse é o que a doutrina designa de contrato por adesão. Em que pesem as diferenças aclaradas e perfeitamente compreensíveis, entendemos, amparado no entendimento de Flávio Tartuce, que as expressões contrato de adesão e contrato por adesão são sinônimas, e isso por dois motivos: a) a terminologia empregada tanto pelo Código de Defesa do Consumidor (artigo 54) quanto pelo Código Civil (artigos 423 e 424), fala em contrato de adesão; b) se procedêssemos à diferenciação, forçoso seria concluir que os artigos 422 e 423 do Código Civil não se aplicariam aos contratos por adesão, mas somente aos contratos de adesão, o que, de certa forma, fere de morte o princípio constitucional da isonomia, pois chegaríamos a situações de injustiças em situações idênticas. Ademais, não foi a intenção do legislador estabelecer diferenças entre ambos temos. TARTUCE, Flávio. Função social do contrato: do Código de Defesa do Consumidor ao novo Código Civil. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 235. Dessa forma, utilizaremos as expressões “contrato de adesão” e “contrato por adesão” como sinônimas.
[27]ROPPO, Enzo. O Contrato. Coimbra: Almedina, 1988, p. 321.
[28]ALBERTON, Genacéia da Silva. Impenhorabilidade de bem imóvel residencial do fiador. In: CRUZ E TUCCI, José Rogério (coord.). A penhora e o bem de família do fiador da locação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 121.
[29]Em tradução livre do autor, lê-se que ‘o ordenamento não pode permanecer indiferente diante do fenômeno das condições gerais, pois o descontrolado poder de manipulação das relações contratuais não é causal e episódico, mas agora caracteriza toda a atividade empresarial e exprime uma situação de desigualdade socioeconômica das categorias dos consumidores, a qual exige uma intervenção do Estado de forma a atuar o princípio constitucional da substancial. O problema que se põe é então aquele de um controle substancial das condições gerais que passe a tutelar os aderentes contra a regulamentação abusiva das relações contratuais, isto é, contra o abusivo agravamento da posição do contratante débil’. BIANCA, Cesare Massimo. Diritto civile: il contratto. Milano: Giuffrè, 1998, p. 370.
[30]Ruy Rosado de Aguiar Jr., comentando ainda o projeto de Código Civil, já asseverava: “Em conclusão, aplaudo o Projeto no que representa de inovador na visão geral do contrato como um ato que deve atingir finalidade social, regulado pelos princípios da boa-fé, da moralidade, da lealdade, dos bons costumes, da ordem pública. Para o juiz civil fornecer os instrumentos necessários para a realização da justiça material. Aplaudo-o também no que tem de apuro técnico. Apenas observo que, nesse propósito de atender àqueles princípios gerais antes enunciados, ao elaborar as normas de conduta, deixou de lhes dar plena aplicação — ou lhes deu em extensão aquém da possível e desejada. De qualquer forma, na Teoria Geral do Direito e na matéria obrigacional, constitui um avanço do qual não podemos mais retroceder.” AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. As obrigações e os contratos: Projeto do Código Civil. Disponível em <http://www.cjf.gov.br/revista/numero9/artigo6.htm>. Acessado em: 22 set. 2006.
[31]ITURRASPE, Jorge Mosset. Justicia contractual. Buenos Aires: Ediar, 1977, p. 79.
[32]“Como veremos, o interesse fundamental da questão da função social está em despertar a atenção para o fato de que a liberdade contratual não se justifica e deve cessar, quando conduzir a iniqüidades, atentatórias de valores de justiça, que igualmente têm peso social”. NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais: autonomia privada, boa-fé, justiça contratual. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 81.
[33]NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 226.
[34]“Desta constatação decorre que o juiz tem o dever, e a responsabilidade, de formular, a cada caso, a estatuição, para o que deve percorrer o ciclo do reenvio, buscando em outras normas do sistema ou em valores e padrões extra-sistemáticos os elementos que, motivando a decisão, possam preencher e especificar a moldura [...]”. BRANCO, Gerson Luiz Carlos; MARTINS-COSTA, Judith. Diretrizes teóricas do novo código civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 12.
[35]“[...] um Código não-totalitário tem janelas abertas para a mobilidade da vida, pontes que o ligam a outros corpos normativos – mesmo os extrajurídicos – e avenidas, bem trilhadas, que o veiculam, dialeticametne, aos princípios e regras constitucionais”. BRANCO; MARTINS-COSTA, 2002, p. 118.
[36] MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 3.ed. Coimbra: Coimbra, 1996, p. 263, t.II.
[37]Registre-se que a dignidade da pessoa humana foi objeto de expressa previsão legal em outros capítulos da nossa Lei Fundamental, seja quando estabeleceu que a “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social [...]” – artigo 170, caput –, seja quando, agora no esfera social, fundou o planejamento familiar “nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável” – artigo 226, § 7º –, além de impor o “dever de a família, de a sociedade e de o Estado assegurarem à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” – artigo 227, caput.
[38]MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional fundamental. Curitiba: Juruá, 2003, p. 63.
[39]Segundo Flademir, “a dignidade da pessoa humana fornece, portanto, ao intérprete uma pauta valorativa essencial à correta aplicação da norma e à justa solução do caso concreto”. MARTINS, 2003, p. 63.
[40]Atualmente a doutrina majoritária reconhece que as Constituições contemporâneas são tributárias de certos valores que albergam, em suas normas-diretrizes, comandos ou objetivos, a serem perseguidos – alcançados – por todo o sistema normativo. Segundo Luís Barroso, os “princípios constitucionais são, precisamente, a síntese dos valores mais relevantes da ordem jurídica. [...]. Em toda a ordem jurídica, existem valores superiores e diretrizes fundamentais que ‘costuram’ suas diferentes partes. Os princípios constitucionais consubstanciam as premissas básicas de uma dada ordem jurídica, irradiando-se por todo o sistema”. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 153.
[41]SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição de 1988. 4.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 66/72.
[42]A melhor concepção de dignidade da pessoa humana é-nos fornecida por Ingo Sarlet: “[...] temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humana que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantiras as condições mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos”. SARLET, 2006, p. 60.
[43]SARLET, 2006, p. 39-40.
[44]Ingo Sarlet afirma que “os direitos fundamentais constituem – ainda que com intensidade variável – explicitações da dignidade da pessoa, por via de conseqüência e, ao menos em princípio [...], em cada direito fundamental se faz presente um conteúdo ou, pelo menos, alguma projeção da dignidade da pessoa”. SARLET, 2006, p. 84.
[45]FARIAS, E. P. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem vesus a liberdade de expressão e informação. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1996, p. 66-7.
[46]Segundo Cleber Francisco Alves, o princípio da dignidade humana “traduz uma pretensão de conferir uma unidade sistêmica e um valor substrato de validade objetivamente considerado, notadamente quanto aos direitos e garantias fundamentais do homem”. ALVES, 2001, p. 134.
[47]“A unidade dos direitos fundamentais é apenas relativa e o estatuto jurídico dos indivíduos está, por isso, aberto às refrações dos princípios dominantes da organização económica, social e política”. VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976. Coimbra: Almedina, 1987, p. 109.
[48]SARLET, 2006, p. 84-5.
[49]Segundo Jorge Miranda, “[...] os direitos, liberdades e garantias pessoais e os direitos económicos sociais e culturais comum têm a fonte ética na dignidade da pessoa, de todas as pessoas”. MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 3.ed. Coimbra: Coimbra, 2000, p. 181, t.IV.
[50]CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituição. 4.ed. Coimbra: Almedina, 2000, p. 466.
[51]SARLET, 2006, p. 90-1.
[52]Robert Alexy já denunciou a paridades dos entendimentos: “Si uno echa una mirada a los argumentos em pro y contra de los derechos fundamentales sociales, nota claramente que ambas as partes pueden aducir razones de peso”. ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2002, p. 494.
[53]ALEXY, 2002, p. 433.
[54]TORRES, Ricardo Lobo. A cidadania multidimensional na era dos direitos. In: TORES, Ricardo Lobo. Teoria dos direitos fundamentais. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar: 2001, p. 265.
[55]Esclarece Vicente de Paulo Barreto que os “direitos sociais seriam considerados como referidos a dimensões não-substanciais da sociedade, pois seriam direitos que, para serem implementados – se isso fosse possível em virtude das limitações orçamentárias, argumenta a doutrina alemã da ‘reserva do possível’ –, violentariam os direitos constitutivos do núcleo do estado liberal: as liberdades individuais e a propriedade”. Ainda, o autor esclarece que “a doutrina do estado e o sistema político da Alemanha pós-Segunda Guerra Mundial [...] tiveram a preocupação de evitar a todo o custo que se repetissem as condições sociais e econômicas que serviram de caldo de cultura para o surgimento de projetos políticos, como o nazismo, que, em nome da correção da crise social, provocou o sacrifício das liberdades públicas e individuais da nação alemã”. BARRETTO, Vicente de Paulo. Reflexões sobre os direitos sociais. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Direitos fundamentais sociais: estudos de direito constitucional, internacional e comparado. Rio de Janeiro: Renovar: 2003, p. 115.
[56]ALEXY, 2002, p. 493.
[57]Utilizou-se o termo justiciablidade no mesmo sentido atribuído por Cláudio Ari Mello: “[...] e por justiciabilidade quero significar a exigibilidade judicial da prestação que satisfaz o bem tutelado pelo direito social, tese que remonta à idéia de que a cada direito corresponde uma ação que o assegura”. MELLO, Cláudio Ari. Os direitos fundamentais sociais e o conceito de direito subjetivo. Revista do Ministério Público do Rio Grande do Sul, Porto Alegre: Livraria do Advogado nº 56, set./dez., 2005, p. 124. Segundo Vicente de Paulo Barreto, “o argumento mais difundido contra a natureza de direitos humanos dos direitos sociais refere-se à sua efetividade, pois os direitos sociais diferenciar-se-iam dos direitos civis e políticos pelo fato de terem caráter programático. Os textos constitucionais ao proclamarem e regularem os direitos sociais estabeleceriam normas de caráter programático, dependentes de regulamentação infraconstitucional posterior e, por essa razão, esses direitos não teriam a força de direitos públicos subjetivos. Seriam tão-somente direitos públicos negativos, mas que de qualquer forma tornariam inconstitucional qualquer medida do Poder Público tendente a retroceder em matéria de direitos sociais”. BARRETTO. In: SARLET, 2003, p. 114.
[58]MELLO, 2005, p. 126.
[59] CHRISTIAN COURTIS, Victor Abramavichy. Apuentes sobre la exigibilidad judicial de los derechos sociales. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Direitos fundamentais sociais: estudos de direito constitucional, internacional e comparado. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 159.
[60]“Parte de la tradición del derecho procesal contemporâneo ha comenzado hace tiempo a hacerse cargo de estas dificultades de inadecuación del instrumental procesal heredado, tributario de uma tradición individualista y patrimonialista, señalando las necesidades de adaptación de las acciones judiciales previstas por los códigos de procedimiento a problemas tales como la incidencia colectiva de ciertos ilícitos, o la necesidad de atender urgentemente violaciones irreparables de bienes jurídicos fundamentales”. A título de exemplo, no Brasil, cita “el empleo de acciones tales como la denominada ‘acción civil pública’em materia ambiental y de protección del consumidor se ha ganeralizado, habilitando la tutela judicial frente a tipos de ilícitos que, de outro modo, hubieran sido ejecutados impunemente”. CHRISTIAN COURTIS. In: SARLET, 2003, p. 165-6.
[61]“[...] la ausencia de tradición de exigência de estos derechos – en especial en los casos de derechos que se definen fundalmentalmente por una prestación, como los derechos a la salud, educación, vivienda, entre otros – a través de mecanismos judiciales”. CHRISTIAN COURTIS. In: SARLET, 2003, p. 166.
[62]SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 21.ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 180-2.
[63] ALEXY, 2002, p. 486-7.
[64] A cidadania, sobretudo na atualidade, deve ser entendida como a reunião de atributos (morais, éticos, direitos e deveres) que possibilitem ao indivíduo agir em sociedade e em conformidade com as exigências sociais, pautando sua atuação no sentido da solidariedade, do comunitário, desapegado do individualismo. A prática cidadã tem como fundamento uma sociedade livre, justa e solidária. Pressupõe democracia, respeito ao próximo (indivíduo). Recomenda-se, nesse sentido, a leitura de TORRES. In: ______. 2001, p. 243-330.
[65]“Sem alimentação suficiente, sem casa para morar, sem vestuário digno, sem assistência de saúde, sem instrução, sem meio de transporte e sem condições de satisfazer as necessidades pessoais e familiares básicas, o ser humano fica impedido (materialmente impedido) de realizar sua inserção no meio social em padrões de dignidade, de exercer as liberdades fundamentais que a Constituição assegura, tampouco de pôr em prática as expressões naturais da personalidade, a exemplo da liberdade de pensamento, de manifestação de opinião, de associação, da autoproteção da imagem e da honra, de aproveitamento e ascensão no mercado de trabalho, de constituição de família, de viajar no território nacional e ao exterior em tempo de paz, dentre tantas outras mais. Fica, também, impedido de cumprir determinados deveres constitucionais, como é o caso das obrigação dos pais – de assistir, criar e educar os filhos menores e do dever de amparo às pessoas idosas não âmbito na família, conforme imposto pelos artigos 220 e 230 da vigorante Lei Maior. [...] Com efeito, conquanto se possa histórica e teoricamente distinguir entre as liberdade primárias do homem e de conteúdo negativo em face do Estado, constituídas pelos chamados direitos civis e políticos [...] e as liberdade de conteúdo positivo ou contraprestacionais com relação ao Estado, consistentes nos direitos sociais, econômicos e culturais, é assente no constitucionalismo contemporâneo aplicável aos direitos humanos que ambas essas gerações da liberdade se interligam e complementam, de modo a compor uma visão global do homem e seus direitos na prática social”. CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. A Constituição aberta e os direitos fundamentais: ensaios sobre o constitucionalismo pós-moderno e comunitário. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 282.
[66]ALEXY, 2002, p. 216.
[67]Vicente de Paulo Barretto, nesse sentido, afirma que o “Estado Social de Direito, substituindo o Estado Liberal, inclui no sistema de direitos fundamentais não só as liberdades clássicas, mas também os direitos econômicos, sociais e culturais. A satisfação de certas necessidades básicas e o acesso a certos bens fundamentais, para todos os membros da comunidade, passam a ser vistos como exigências [...]”. BARRETTO. In: SARLET, 2003, p. 112.
[68]Afirma Alexy que para “[...] el individuo tienen importancia existencial el no tener que vivir bajo el nivel de uma existencia mínima, el no estar condenado a un permanente no hacer nada y el no quedar excluido de la vida cultural de la época”. ALEXY, 2002, p. 488.
[69]VIEIRA DE ANDRADE, 1987, p. 103.
[70]O autor refere-se aos direitos de cunho negativo e aos direitos sociais.
[71]SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 97.
[72]O autor afirma que a “cidadania, em seu conceito jurídico clássico, estabelece um vínculo jurídico entre o cidadão e o Estado. Esse vínculo, entretanto, no quadro do estado democrático de direito torna-se mais abrangente, pois o cidadão é aquele que goza detém direitos civis (liberdades individuais) e políticos (participação política), mas também direitos sociais (trabalho, educação, habitação, saúde e prestações sociais em tempo de vulnerabilidade)”. Vicente de Paulo Barretto assevera que o “Estado Social de Direito, substituindo o Estado Liberal, inclui no sistema de direitos fundamentais não só as liberdades clássicas, mas também os direitos econômicos, sociais e culturais. A satisfação de certas necessidades básicas e o acesso a certos bens fundamentais, para todos os membros da comunidade, passam a ser vistos como exigências [...]”. BARRETTO. In: SARLET, 2003, p. 130-1.
[73]Vicente de Paulo Barretto assevera que o “Estado Social de Direito, substituindo o Estado Liberal, inclui no sistema de direitos fundamentais não só as liberdades clássicas, mas também os direitos econômicos, sociais e culturais. A satisfação de certas necessidades básicas e o acesso a certos bens fundamentais, para todos os membros da comunidade, passam a ser vistos como exigências [...]”. BARRETTO. In: SARLET, 2003, p. 130-1.
[74]Segundo Roberto Barroso, existem na Constituição Federal verdadeiros “direitos sociais, conceptualmente qualificáveis como direitos subjetivos, tutelando bens e interesses pronta e diretamente exigíveis. Muitos deles já se tornaram plenamente efetivos, gerando, sem maior polêmica, o desfrute imediato e positivo de determinados benefícios, bem como a possibilidade de exigi-los”. BARROSO, 2006, p. 143.
[75]BARRETTO. In: SARLET, 2003, p. 143.
[76]Percebe-se que a Constituição em vários outros dispositivos se refere à moradia, a exemplo do que ocorre no artigo 7º, IV: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender as suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim”; e no artigo 23, IX: “É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: […] IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico”.
[77]GOUVEIA, Jorge Bacelar. As constituições dos estados da União Européia. Lisboa: Vislis, 2000, p. 445.
[78]GOUVEIA, 2000, p. 247.
[79]GOUVEIA, 2000, p. 181-2.
[80]GOUVEIA, 2000,p. 293.
[81]GODOY, Luciano de Souza. O direito à moradia e o contrato de mútuo imobiliário. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 48.
[82]TORRES. In: TORRES, 2001, p. 267.
[83]SARLET, 2006, p. 59.
[84]SARLET, 2006, p. 89.
[85]SCHREIBER, Anderson. Direito à Moradia como Fundamento para a Impenhorabilidade do Imóvel Residencial do Devedor Solteiro. In: SILVEIRA RAMOS, Carmen Lucia; et. al. (org.). Diálogos sobre direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 81.
[86]A fundamentalidade está empregue na acepção conferida por Sarlet. SARLET, 2006, p. 88-92.
[87]“As normas consagradoras de direitos sociais, econômicos e culturais são, segundo alguns autores, normas programáticas. As constituições condensam, nestas normas programáticas, princípios definidores dos fins do Estado, de conteúdo eminentemente social (cfr. Artigo 9º). A relevância delas seria essencialmente políticas, pois servem apenas para pressão política sobre os órgãos competentes”. CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituição. 4.ed. Coimbra: Almedina, 2000. p. 464.
[88]BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição brasileira. 8.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 114.
[89]BARROSO, 2004, p. 109.
[90]BARROSO, 2004, p. 109.
[91]FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 88.
[92]“De fato, quando os textos constitucionais acenam no sentido de mudanças profundas e contemplam promessas generosas, mas seus comandos não logram nenhuma eficácia social, cria-se um profundo abismo entre o mundo do ‘dever-ser’ e a realidade, que corrói a crença na Constituição como norma jurídica. Ela passa a ser vista pelos seus destinatários como um repertório de utopias e de proclamações políticas, de pouca valia prática. No imaginário social dá-se uma completa inversão de valores: mais do que a Constituição, vale a lei, e ainda mais do que esta, a portaria do Ministro”. SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 73.
[93]HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1991, p. 15.
[94]HESSE, 1991, p. 15-9.
[95]“A supremacia da Constituição pode ser vista, tendencialmente: a) em relação ao seu conteúdo (supremacia material); b) em relação à organicidade, aos procedimentos e competências pelos quais seus preceitos se inter-relacionam com os demais, indicando relação de hierarquia (supremacia formal)”. PALU, Oswaldo Luiz. Controle de constitucionalidade. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 13-4.
[96]“Queremos demonstrar a improcedência daquela posição negativista, não só reafirmando a eficácia jurídica, maior ou menor, de todas as disposições constitucionais, e especialmente destacando o importante papel que as chamadas normas programáticas exercem na ordem jurídica e no regime político do país.” E, em outra passagem: “Todas as disposições constitucionais têm a estrutura lógica e o sentido das normas jurídicas. São imperativos que enlaçam dois ou mais sujeitos de uma relação, atribuindo direitos e obrigações recíprocos; quando nada, atribuindo situações de vantagem e de vínculo ou desvantagem”. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3.ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 47-48; 51.
[97]CANOTILHO, 2000, p. 1140.
[98]SILVA, J., 1998, p. 164.
[99]“Deve haver compatibilidade de um dispositivo legal com a norma constitucional. Havendo contradição entre qualquer norma preexistente e preceito constitucional, esta deve, dentro do sistema, ser aferida com rigor, pois é indubitável o efeito ab-rogativo da Constituição Federal sobre todas as normas que com ela conflitarem. As normas conflitantes ficam imediatamente revogadas na data da promulgação da nova Carta. Não sendo nem mesmo necessárias quaisquer cláusulas expressas de revogação. Tal ocorre porque, com a promulgação da Lei Maior, cria-se uma nova ordem jurídica, à qual devem ajustar-se todas as normas, sejam elas gerais ou individuais”. DINIZ, Maria Helena. Norma constitucional e seus efeitos. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 42.
[100]BARROSO, 2006, p. 117.
[101]Conforme o posicionamento do Ministro Eros Grau, em voto prolatado no Recurso Extraordinário nº 407.688-8/SP, o legislador infraconstitucional está vinculado aos preceitos da Constituição: “Por outro lado - e aqui quero ferir ao cerne do voto do Ministro Carlos Velloso -, diria que o argumento centrado na afirmação do caráter programático do artigo 6º da CB não pode prosperar. Pois é certo que o legislador está vinculado pelos seus preceitos. Ou seja, os textos da Constituição são dotados de eficácia normativa vinculante. E mais: já é mesmo tempo de abandonarmos o uso da expressão “normas programáticas”, que aparece nos autos, não no voto de Vossa Excelência, porque essa expressão porta em si vícios ideológicos perniciosos. Seguidamente pergunto-me por que terá sido esquecida a lição do Tribunal Constitucional da República Federal da Alemanha, que, em acórdão já de 29 janeiro de 1969, assumiu, em síntese, o seguinte entendimento: a) quando a teoria sobre normas constitucionais programáticas pretende que na ausência de lei expressamente reguladora da norma esta não tenha eficácia, desenvolve uma estratégia mal expressada de não vigência (da norma constitucional), visto que, a fim de justificar-se uma orientação de política legislativa --- que levou à omissão do Legislativo --- vulnera-se a hierarquia máxima normativa da Constituição; b) o argumento de que a norma programática só opera seus efeitos quando editada a lei ordinária que a implemente implica, em última instância, a transferência de função constituinte ao Poder Legislativo”.
[102]BARROSO, 2006, p. 116.
[103]BARROSO, 2006, p. 116-7.
[104]“As normas contrárias à Constituição não são recepcionadas, mesmo que sejam contrárias apenas a normas programáticas e não ofendam nenhuma preceptiva”. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20.ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 78.
[105]BARROSO, 2006, p. 117.
[106]“Ao ângulo subjetivo, as regras em apreço conferem ao administrado, de imediato, direito a: (A) opor-se judicialmente ao cumprimento de regras ou à sujeição a atos que o atinjam, se forem contrários ao sentido do preceptivo constitucional”. BARROSO, 2006, p. 117.
[107]VIEIRA DE ANDRADE, 1987, p. 287.
[108]“Art. 82. O artigo 3º da Lei nº 8.009, de 29 de março de 1990, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso VII: Art. 3º ... VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação".
[109]GODOY, 2006, p. 48.
[110]AINA, Eliane Maria Barreiros. O fiador e o direito à moradia: direito fundamental à moradia fente à situação do fiador proprietário de bem de família. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 45.
[111]SILVA, Flávio Murilo Tartuce. A inconstitucionalidade da previsão do art. 3, VII, da Lei 8.009/90. Disponível em <http://www.juristas.com.br>. Acessado em: 25 nov. 2008.
[112]Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais sociais, mínimo existencial e direito privado. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, Revista dos Tribunais, a. 16, n. 61, jan.-mar./2007.
[113]PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil: introdução ao Direito Civil Constitucional. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 198.
[114]SARLET, Ingo Wolfgang. Supremo Tribunal Federal, o direito à moradia e a discussão em torno da penhora do imóvel do fiador. Revista da AJURIS. Porto Alegre: AJURIS, a. 34, n. 107, set./2007, pp. 126-7.
[115]“A constituição é uma lei dotada de características especiais. Tem um brilho autónomo expresso através da forma, do procedimento de criação e da posição hierárquica das suas normas. Estes elementos permitem distingui-la de outros actos com valor legislativo presentes na ordem jurídica. Em primeiro lugar, caracteriza-se pela sua posição hieráquico-normativa superior relativamente às normas do ordenamento jurídico. Ressalvando algumas particularidades do direito comunitário, a superioridade hierárquico-normativa apresenta três expressões: (1) as normas constitucionais constituem uma lex superior que recolhe o fundamento de validade em si própria (autoprimazia normativa); (2) as normas da constituição são normas de normas (normae normarum) afirmando-se como uma fonte de produção jurídica de outras normas (leis, regulamentos, estatutos); (3) a superioridade normativa das normas constitucionais implica o princípio da conformidade de todos os atos dos poderes políticos com a Constituição”. CANOTILHO, 2000, p. 1112.
[116]“A ordem jurídica estrutura-se em termos verticais, de forma escalonada, situando-se a constituição no vértice da pirâmide. Em virtude desta posição hierárquica ela actua como fonte de outras normas. No seu conjunto, a ordem jurídica é uma ‘derivação normativa’ a partir da norma hierarquicamente superior, mesmo que se admita algum espaço criador às instâncias hierarquicamente inferiores quando concretizam as normas superiores”. CANOTILHO, 2000, p. 1116.
[117]“A rigidez constitucional decorre da maior dificuldade para sua modificação do que para a alteração das demais normas jurídicas da ordenação estatal. Da rigidez emana, como primordial conseqüência, o princípio da supremacia da constituição que, no dizer de Pinto Ferreira, 'é reputado como uma pedra angular, em que assenta o edifício do moderno direito político.' Significa que a constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país, a que confere validade, e que todos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconheça e na proporção por ela distribuídos. É, enfim, a lei suprema do Estado, pois é nela que se encontram a própria estruturação deste e a organização de seus”. SILVA, J., 2002, p. 49-50.
[118]HESSE, Konrad. Concepto y cualidad de la constitución. In: HESSE, Konrad. Escritos de derecho constitucional. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 1992, p. 16.
[119]PERLINGIERI, 2002, p. 12.
[120]PERLINGIERI, 2002, p. 11.
[121]Exemplo disso é a interpretação que se passou a dar ao artigo 70 do Código Civil de 1917 após a entrada em vigor da Constituição Federal de 1998.
[122]Fabiana Rodrigues ensina que a constituição é um sistema de normas que devem ser interpretadas de forma sistemática, ou seja, “nenhum artigo, nenhum dispositivo legal pode ser entendido em sua particularidades. Até porque, se assim não for desenvolvida a interpretação, o jurista fatalmente não captará o verdadeiro sentido de um postulado, pois este não está isolado em si mesmo, pelo contrário, depende dos demais para que seja compreendido em sua total dimensão. (...) Os princípios da dignidade da pessoa humana, da redução das desigualdades sociais e regionais, são critérios axiológicos sobre os quais se alicerça a norma fundamental e devem estar presentes em toda hermenêutica, que tem por obrigação considerá-los antes de qualquer disposição oriunda de outra fonte normativa e, conseqüentemente, concretizá-los através de uma prática interpretativa sempre subordinada à legalidade constitucional.” BARLETTA, Fabiana Rodrigues. Problemas do direito constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 283-4.
[123]MORAES, Maria Celina Bodin de. A caminho de um direito civil constitucional. Revista de Direito Civil, São Paulo, n. 65, jul/set, 1993, p. 29.
[124]NEGREIROS, 2006, p. 18.
[125]MORAES, Maria Celina Bodin de. Constituição e direito civil: tendências. Revista de Direito da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, a. 12, n. 16, jul./2000, p. 180.
[126]PERLINGIERI, 2002, p. 12.
[127]PERLINGIERI, 2002, p. 32.
[128]“Com o termo, certamente não elegante, ‘despatrimonialização”, individua-se uma tendência normativa-cultural; evidencia-se que no ordenamento se operou uma opção, que, lentamente, se vai concretizando, entre personalismo (superação do indivíduo) e patrimonialismo (superação da patrimonialidade fim a si mesma, do produtivismo, antes, e do consumismo, depois, como valores). Com isso não se projeta a expulsão e a ‘redução’ quantitativa do conteúdo patrimonial no sistema jurídico e naquele civilístico em especial; o momento econômico, como aspecto da realidade social organizada, não é eliminável. A divergência, não certamente de natureza técnica, concerne à avaliação qualitativa do momento econômico e à disponibilidade de encontrar, na exigência da tutela do homem, um aspecto idôneo, não a ‘humilhar’ a aspiração econômica, mas, pelo menos, a atribuir-lhe uma justificativa institucional de suporte ao livre desenvolvimento da pessoa”. PERLINGIERI, 2002, p. 33.
[129]“O processo de constitucionalização do direito contratual – assim como do direito civil como um todo – implica a substituição do seu centro valorativo: em lugar do invidíduo, e de sua autonomia, encontra-se a pessoa humana, sua socialidade e dignidade. Daí se afirmar que, ao lado da liberdade individual, a Constituição faz introduzir no direito dos contratos o valor da solidariedade. A tutela da dignidade da pessoa – tarefa agora também confiada ao direito civil – torna o direito contratual sensível à questão social, dotando-o de um caráter tutelar inteiramente estranho ao modo como o contrato era concebido pelo direito clássico”. NEGREIROS, 2006, p. 507.
[130]“Afinal, há na Constituição [...] a proteção a um mínimo existencial que, de acordo com a ótica civil-constitucional, deve repercutir igualmente no âmbito das relações disciplinadas pelo direito civil. Por outro lado, o direito civil em si mesmo já aponta para este caminho, como ilustra o caso da impenhorabilidade do bem de família”. NEGREIROS, 2006, p. 517.
[131]NEGREIROS, 2006, p. 516.
[132]TEPEDINO. In: TEPEDINO, 2004, p. 286.
Assessor de desembargador no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Possui graduação em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS e mestrado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BOCK, Felipe. O Contrato de Fiança Locatícia: A Necessidade de Uma [Re]Leitura à Luz do Direito Fundamental À Moradia Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 out 2021, 04:54. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57276/o-contrato-de-fiana-locatcia-a-necessidade-de-uma-re-leitura-luz-do-direito-fundamental-moradia. Acesso em: 23 dez 2024.
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