SUMÁRIO: Introdução. 1. O artigo 187 do Código Civil: a consagração da teoria objetiva do abuso do direito. 1.1 O âmbito de aplicação do artigo 187: cláusula geral. 2. Requisitos para a configuração do abuso do direito. 2.1 Existência de um direito. 2.2 Excesso manifesto no exercício do direito. 2.3 Violação dos limites objetivos. 2.3.1 Fim econômico ou social do próprio direito. 2.3.2 A boa-fé. 2.3.3 Os bons costumes. 3. Consequências da violação da norma do artigo 187 do Código Civil. Considerações finais. Referências bibliográficas.
Introdução
Dentre as inovações do Código Civil de 2002, pode-se destacar o artigo 187, cuja redação é a seguinte: “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. Trata o referido artigo da figura do abuso do direito, agora expressamente consagrado pelo legislador brasileiro.
No Código Civil de 1916 não havia disposição normativa semelhante. Todavia, apesar da omissão na legislação civil, a doutrina brasileira, por meio de uma interpretação a contrario sensu, passou a vislumbrá-lo no artigo 160, I, segunda parte, que dispunha: “não constituem atos ilícitos: I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular do direito”. Tratava-se de uma interpretação lógica, uma vez que se restava estabelecido que não constitui ato ilícito o exercício regular de um direito reconhecido, por outra lado, reconhecia-se como ato ilícito o seu exercício irregular.
No entanto, apesar da unanimidade reinante na doutrina acerca da interpretação a contraria sensu do artigo 160, I, segunda parte, do Código Civil, os doutrinadores digladiavam-se acerca da teoria supostamente acolhida, ou seja, se se tratava da teoria subjetiva ou objetiva do abuso do direito, bem como dos seus pressupostos.
Apesar dos esforços da doutrina brasileira, bem como das contribuições da doutrina e da jurisprudência estrangeiras, o tema não desfrutou da atenção e importância que merecia.
O atual Código Civil, como referido, diferentemente do anterior, inspirado no Código Civil português, prevê expressamente a figura do abuso do direito, artigo 187.
Pretende-se, nesse sentido, analisar o referido artigo, de forma a externar as principais questões por ele suscitadas, bem como apresentar as posições doutrinárias e jurisprudenciais brasileiras existentes, de modo a facilitar a absorção da matéria e a formação de opiniões.
1. O artigo 187 do Código Civil: a consagração da teoria objetiva do abuso do direito
Ao contrário do que poucos autores brasileiros vêm defendendo[1], a doutrina majoritária entende que a norma contida no artigo 187 do Código Civil consagrou a concepção objetiva do abuso do direito. Trata-se da consagração legislativa da teoria objetiva da ilicitude, que, diferentemente da teoria subjetiva, não leva em consideração o espírito e sequer a consciência do agente que praticou a antijuridicidade do ato.
Portanto, para caracterizar o abuso de direito, não é necessário a comprovação da intenção e sequer da consciência do agente de que está ultrapassando os limites impostos pelo fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Não há que se cogitar, nesta sede de ato ilícito, quer em dolo, quer em culpa strictu sensu em qualquer das suas modalidades [negligência, imprudência e imperícia].
Apenas para caracterizar o suporte fático descrito no artigo 187 (e, portanto, o abuso qualificado como ato ilícito), que o titular de um direito, ao exercê-lo, exceda manifestamente os limites impostos pelo fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. A análise do exercício do direito será levada a efeito de forma objetiva. Com outras palavras, ainda que o titular sequer tenha consciência de que está excedendo os limites de que trata o artigo 187, o abuso estará caracterizado.
Aliás, esse foi o entendimento consagrado pelas Jornadas de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, ocorrida entre os dias 11 a 13 de setembro de 2002, sob a coordenação do Ministro Ruy Rosado de Aguiar Junior, do Superior Tribunal de Justiça, que tendo reunido estudiosos civilistas de todo o país par o exame do novo Código Civil, fez aprovar dentre os enunciados para interpretação e aplicação da nova lei, o enunciado de nº 37, com a seguinte redação: “Art. 187. A responsabilidade civil decorrente do abuso do direito independe de culpa, e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico”. Com outras palavras, reconhece-se o abuso como fundamento de responsabilidade objetiva, e de modo reflexo, a possibilidade de ilicitude objetiva, sem culpa.
Portanto, para se que configure o abuso do direito, no sistema jurídico brasileiro, basta que o titular do direito, ao exercê-lo, exceda manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social pela boa-fé ou pelos bons costumes.
2.1 Âmbito de aplicação do artigo 187: cláusula geral
O artigo 187, do Código Civil, localizado dentro do Livro III [Dos fatos jurídicos], Título III [Dos atos ilícitos], da Parte Geral do Código Civil, consubstancia verdadeira cláusula geral[2], sendo aplicado, não somente aos direito subjetivos propriamente ditos, mas também aos direitos-deveres[3] (poderes-deveres), aos ônus jurídicos[4], aos direitos potestativos[5], às exceções[6], ou seja, incide em qualquer situação jurídica ativa, ou permissão genérica de atuação[7].
O Direito Privado passa, em termos gerais, no seu atual estágio de estudo, pela necessária discussão sobre a interpretação e aplicação das cláusulas gerais. Sua incorporação ao ordenamento jurídico-privado constituiu-se na maior contribuição do legislador brasileiro, na medida em que propicia o aperfeiçoamento e atualização do sistema.
No caso brasileiro, especialmente do Código Civil de 2002, mesmo seus críticos não hesitam em qualificar as cláusulas gerais nele estabelecidas, como avanços da técnica legislativa brasileira, ao consagrar novos parâmetros para compreensão das relações jurídico-privadas e sua relação normativa. Como bem destaca Gustavo Tepedino, o legislador atual procura associar a seus enunciados genéricos prescrições de conteúdo completamente diverso em relação aos modelos tradicionalmente reservados às normas jurídicas. Cuida-se de normas que não prescrevem uma certa conduta, mas, simplesmente, definem valores e parâmetros hermenêuticos. Servem, assim, como ponto de referência interpretativo e oferecem ao intérprete os critérios axiológicos e os limites para aplicação das demais disposições normativas[8].
A origem das cláusulas gerais nos sistema jurídico de direito romano-germânico não é nova. Aponta-se, geralmente, ter sido o Código Civil alemão, de 1900, como a primeira codificação a fazer uso da técnica legislativa das cláusulas gerais, sobretudo em face da criativa utilização que a jurisprudência alemã fará adiante de expressões como a boa-fé e os bons costumes, referidas, respectivamente, no § 242 (boa-fé dos contratantes no cumprimento dos contratos) no § 138 (nulidade dos negócios contrários aos bons costumes) e no § 826 (dever de indenizar danos causados contra bons costumes)[9].
Atualmente, todavia, a grande celeuma relativa às cláusulas gerais diz respeito a sua concreção, ou, com outras palavras, no preenchimento de sentido e significado, atividade confiada prioritariamente ao juiz. A concretização exige que o juiz seja “reenviado a modelos de comportamento e a pautas de valoração” “vinculadas à concretização de um valor, de uma diretiva ou de um padrão social, assim reconhecido como arquétipo exemplar da experiência social concreta”[10]. Karl Larenz, nesse senda, ensina que o juiz deve de certo modo eleger um critério e, ao mesmo tempo em que não deixa de considerar a generalidade da norma, a individualiza até certo ponto, em vistas das circunstâncias do caso concreto[11]. Permitem, pois, que se realize a justiça no caso.
No que pertine ao tema ora analisado, o artigo 187 ao consistir numa verdadeira cláusula geral, representa com maestria a abertura do sistema jurídico à influência não apenas de elementos valorativos do próprio sistema jurídico, mas também dos princípios jurídicos. Para além disso, servirá também como veículo para a eficácia dos direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal, tendo em vista a interpretação do referido artigo e em atenção à interpretação dos limites ali estabelecidos. Como destaca Claus W. Canaris
[…] é característico para a cláusula geral ela estar carecida de preenchimento com valorações, isto é, ela não dar os critérios necessários para a sua concretização, podendo-se estes, fundamentalmente, determinar apenas com a consideração do caso concreto.[12]
Portanto, na atividade de interpretação e aplicação da norma do artigo 187, por ser considerada verdadeira cláusula geral, deverá o intérprete se servir de critérios orientados pelo finalidade econômico ou social do direito, pela boa-fé ou pelos bons costumes. A despeito deste potencial que a norma comporta, pois, repisa-se, constitui verdadeira cláusula geral, a sua existência, por si só, no Código, não tornará o exercício das posições jurídicas subjetivas mais justo e equilibrado. Em Portugal, por exemplo, apesar do esforça da doutrina, o artigo similar [artigo 334, do Código Civil português] só ganhou efetivamente importância nas últimas décadas, tendo, portanto, permanecido dormente no Código nos primeiros anos de sua vigência[13]. Espera-se que no Brasil isto não ocorra, de modo que os tribunais pátrios possam, o mais rápido possível, dar concreção à norma do artigo 187 do Código Civil, tendo em vista ela permitir e até mesmo exigir.
2. Requisitos para a configuração do abuso do direito
O atual Código Civil brasileiro, inspirado inegavelmente no Código Civil português, previu, como já visto, em seu artigo 187, que cometerá ato ilícito o titular de um direito que ao exercê-lo exceda manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Portanto, da leitura do dispositivo legal, extraem-se alguns requisitos para que haja ato ilícito.
A doutrina de forma geral costuma apontar dois requisitos para a configuração do abuso do direito: a) exercício de direito próprio; b) excesso manifesto dos limites objetivos, a saber, fim econômico ou social do próprio direito, boa-fé ou bons costumes. Embora no direito anterior o entendimento majoritário exigia o dano como elemento para configuração da ilicitude do abuso[14], devido especialmente à cláusula geral da ilicitude subjetiva do antigo artigo 159, atualmente, e de acordo com a redação do artigo 187, não se pode chegar a tal conclusão[15].
Os requisitos acima mencionados, em que pese cada um deles exigirem alguns desdobramentos, informa-se que, dada a finalidade do presente trabalho, apenas se farão algumas considerações de ordem panorâmica, a fim de melhor entender e interpretar o artigo 187, cabendo ressaltar, pois, que cada um deles merece ulterior aprofundamento, em vista da complexidade.
2.1 Existência de um direito
O primeiro pressuposto parece evidente, pois quem age em abuso do direito invoca um poder que, formal ou aparentemente, lhe pertence, embora não tenha fundamento material[16]. Questão relativa ao primeiro requisitos relaciona-se aos casos de representação. Como se sabe, os direitos podem ser exercidos em nome próprio ou em nome alheio. Quanto ao primeiro caso, não pairam dúvidas, porquanto é o próprio titular do direito que o exerce, que o pratica. As questões que suscitarão dúvidas dizem respeito ao segundo caso, ou seja, representação, que pode, ainda, ser conferida por lei, ou por meio de mandato, por exemplo. Isto porque o representante quando exerce seus poderes de representação em favor do representado, poderá deles abusar como se o representado fosse.
Entende-se que o abuso do direito, tal qual como está definido no artigo 187, do Código Civil, está ligado àquele a quem se imputa tal comportamento, ou seja, somente aquele que tenha o poder de usar, exercer e, portanto, de abusar do direito.
Uma questão que apresenta certa controversa quanto à conduta qualificada como abusiva é a expressão “manifestamente”, qualificando o excesso aos limites estabelecidos pelo artigo 187 do Código e, portanto, uma espécie de intensidade na conduta.
2.2 Excesso manifesto no exercício do direito
Em que pese entendimento contrário, a correta interpretação do artigo 187 do Código Civil pressupõe a devida compreensão do termo utilizado pelo legislador, qual seja, “manifestamente”.
Para tanto, tem-se que ter em mente o princípio de hermenêutica de que não existem palavras inúteis na lei, de forma que “devem-se compreender as palavras como tendo alguma eficácia” (verba cum effectu, sunt accipienda). Como aduz Carlos Maximiliano, “as expressões do Direito interpretam-se de modo que não resultem frases sem significação real, vocábulos supérfluos, ociosos, inúteis”, e, em seguida, afirma se deve interpretar “as disposições de modo que não pareça haver palavras supérfluas e sem força operativa”[17].
A utilização da expressão “exceda manifestamente” quer significar que não é qualquer excesso no exercício dos direitos que levará à configuração da figura do abuso do direito.
Caberá ao juiz, ao apreciar o caso concreto, examinar se houve ou não excesso manifesto no exercício do direito pelo seu titular. Não se tem dúvida que à jurisprudência caberá o papel de criar critérios para realizar o termômetro do excesso manifesto do exercício do direito.
A jurisprudência tem apontado como critério de análise a proporção entre o benefício auferido pelo exercício do direito pelo seu titular e o prejuízo causado a outrem. Nesse sentido, por exemplo, tem-se entendido que a inscrição do nome do devedor quando a quantia for irrisória, configura-se “excesso manifesto” no exercício do direito do credor[18].
2.3 Violação dos limites objetivos: fim econômico ou social do próprio direito, a boa-fé ou os bons costumes
Ao se estudar o tema do abuso do direito, nota-se que os direitos são limitados. A dúvida que surge é saber se os limites do artigo 187 aplica-se ao direito ou ao seu exercício. Precisa-se, pois, precisar qual é o destino dos limites lá impostos: se ao direito (conteúdo) ou ao seu exercício.
Como distingue Pessoa Jorge[19], existem três momentos cronologicamente distintos entre si, mas interligados. O primeiro, refere-se ao desenho legal do direito que, obrigatoriamente, é geral e abstrato. Nesse momento, o legislador define, com grau máximo de abstração, os contornos técnicos e o conteúdo de determinado direito. O segundo momento é justamente a sua titularização, ou seja, é a aquisição do direito. E, por fim, o terceiro é aquele justamente em que o titular de um direito determinado decide exercê-lo. O segundo momento pressupõe o primeiro e o terceiro pressupõe os outros dois anteriores.
O legislador, portanto, além de limitar o conteúdo do direito, cuida de limitar, segundo os interesses supremos do ordenamento jurídico, o exercício dos direitos, ou, com outras palavras, ele não só atribui certas e determinadas faculdades aos titulares de determinado, como também busca fornecer os limites de como atuar praticamente as faculdades dos referidos direitos, ou seja, como exercer tais prerrogativas.
Todavia, além de inconveniente, é praticamente impossível traçar regras específicas concernentes ao modo de exercício de cada direito contemplado na lei. Diante disso, e em vista da imperiosa necessidade de limitar o exercício dos diretos em geral, o legislador brasileiro optou por traçar as diretrizes que deverão nortear o exercício de qualquer direito previsto em cada um dos artigos do Código Civil, por meio da cláusula geral que está contemplado no artigo 187 do Código Civil. Portanto, qualquer dos direitos, quando do seu exercício pelo respectivo titular, deverá obedecer os limites impostos no artigo 187, quais seja: fim econômico ou social do próprio direito, boa-fé ou bons costumes.
2.3.1 Fim econômico ou social do próprio direito
O limite do fim econômico ou social do próprio direito consiste em limite específico ao exercício do direito, que, como será visto no momento oportuno, difere da boa-fé e dos bons costumes, pois sua análise está adstrita ao próprio direito. Trata-se de limite interno, de sorte que ele não se pode ser percebido fora do conteúdo do próprio direito. Constitui, portanto, parte indissociável do próprio direito subjetivo, na medida em que expressa a razão pela qual um direito foi previsto pelo ordenamento jurídico e constituído no âmbito de uma relação jurídica.
Em relação a este primeiro limite, importante destacar que todo direito pressupõe a existência de um fim econômico ou social. Esta constatação é resultado de um longo desenvolvimento histórico, e de profundas transformações do próprio Direito para admitir, que, para além do exame dos elementos constitutivos de uma determinada realidade jurídica, o jurista igualmente passasse a ter em conta a razão de ser desta realidade, ou seja, a finalidade para a qual é compreendida.
Em princípio, um mesmo direito pode ter fim econômico e fim social específicos que, todavia, devem coincidir ou ao menos não se contradizer em vista da coerência do ordenamento lógico sistemático do ordenamento jurídico. Por exemplo, é o que ocorre com os direitos de crédito, que possuem o fim econômico de assegurar o cumprimento e a satisfação do crédito pelo devedor e, ao mesmo tempo, possuem fim social, na medida em que visam dar proteção da utilidade, previsibilidade e segurança as relações econômicas. Outros direitos, todavia, apenas possuem fim social, não sendo razoável falar em fim econômico, como ocorre, por exemplo, nos direitos relativos às relações jurídicas de direito de família.
Seja como for, o legislador ordinário andou bem ao restringir o exercício dos direitos aos atendimento dos fins econômicos ou sociais, os quais podem ser delimitados e depreendidos por meio da interpretação de princípios e disposições constitucionais.
2.3.2 A boa-fé
A doutrina, de modo geral, distingue dois significados da expressão boa-fé: um subjetivo e outro objetivo. No que concerne à boa-fé subjetiva, também denominada boa-fé crença, sua concepção se acha ligada ao voluntarismo e ao individualismo que informaram o Código Civil de 1916, podendo ser definida como um estado psicológico contraposto à má-fé, em que há ausência de má-fé, fundada em um erro de fato, ou melhor, em um estado de ignorância escusável. É traduzida como um estado íntimo, de crença, um estado de ignorância de uma pessoa que se julga titular de um direito, mas que, em verdade, é titular exclusivamente de seu juízo e imaginação. Já a boa-fé objetiva, também denominada boa-fé lealdade, significa o dever de agir de acordo com determinados padrões, socialmente recomendados, de correção, lisura e honestidade. Trata-se de uma regra de conduta, a ser seguida pelo contratante, pautada na honestidade, na retidão, na lealdade e, principalmente, na consideração para com os interesses legítimos e expectativas razoáveis do outro contratante, visto como um membro do conjunto social.
Para bem aclarar a distinção entre ambas, merece registro a doutrina da professora Judith Martins-Costa:
A expressão ‘boa-fé subjetiva’ denota ‘estado de consciência’, ou convencimento individual de obrar (a parte) em conformidade ao direito (sendo) aplicável, em regra, ao campo dos direitos reais, especialmente em matéria possessória. Diz-se ‘subjetiva’ justamente porque, para a sua aplicação, deve o intérprete considerar a intenção do sujeito da relação jurídica, o seu estado psicológico ou íntima convicção. Antitética à boa-fé subjetiva está a má-fé, também vista subjetivamente como a intenção de lesar a outrem.
Já por ‘boa-fé objetiva’ se quer significar – segundo a conotação que adveio da interpretação conferida ao § 242 do Código Civil alemão, de larga força expansionista em outros ordenamentos, e, bem assim, daquela que lhe é atribuída nos países da common law – modelo de conduta social, arquétipo ou standard jurídico, segundo o qual ‘cada pessoa deve ajustar a própria conduta a esse arquétipo, obrando como obraria um homem reto: com honestidade, lealdade, probidade’. Por este modelo objetivo de conduta levam-se em consideração os fatores concretos do caso, tais como o status pessoal e cultural dos envolvidos, não se admitindo uma aplicação mecânica do standard, de tipo meramente subsuntivo.[20]
Enquanto fonte normativa, são tradicionalmente imputadas à boa-fé objetiva três distintas funções, as quais foram muito bem tratadas e resumidas por Judith Martins-Costa: a de cânone hermenêutico-integrativo do contrato, a de norma de criação de deveres jurídicos e a de norma de limitação ao exercício de direitos subjetivos. Tendo em vista as finalidade do trabalho, interessa para o tema ora analisado, a última função desempenhada pela boa-fé objetiva, qual seja, limitadora do exercício dos direitos subjetivos.
Nesse sentido, portanto, pode-se afirmar que o estado subjetivo, psicológico do titular do direito no momento do seu exercício não será levado em consideração para se aferir a licitude ou ilicitude do seu comportamento consubstanciado. Trata-se de, objetivamente, apreciar o exercício do direito para daí inferir se o comportamento do seu titular está em conformidade com a regra de conduta que a boa-fé objetiva representa.
Entre os casos típicos de abuso do direito por violação do limite imposto pela boa-fé, a doutrina cita os casos da teoria do adimplemento substancial das obrigacionais e a da proibição ao comportamento contraditório (venire contra factum proprium).
No primeiro caso, analisa-se a teoria da seguinte forma: em contratos de longa duração nos quais existe a obrigação de pagamento de prestações, não raro ocorre de uma das partes contratuais efetuar o pagamento de parcela substancial das prestações contratuais e, por ter deixado pagar uma ou duas parcelas, a contraparte pode pleitear a resolução do contrato por inadimplência. Nesse caso a doutrina e a jurisprudência[21] pátrias têm entendido que a pretensão de resolução contratual por inadimplemento fere o princípio da boa-fé objetiva.
No segundo caso, o contratante assume um determinado comportamento o qual é posteriormente contrariado por outro comportamento seu. O comportamento anterior gera expectativa na outra parte a qual é frustrada pela ação do contratante que antagoniza seu anterior posicionamento[22]. A proibição relaciona-se à confiança recíproca, o que nos é lembrado por Judidth Martins-Costa, in verbis:
A proibição de toda e qualquer conduta contraditória seria, mais do que uma abstração, um castigo. Estar-se-ia a enrijecer todas as potencialidades da surpresa, do inesperado e do imprevisto na vida humana. Portanto, o princípio que o proíbe como contrário ao interesse digno da tutela jurídica é o comportamento contraditório que mine a relação de confiança recíproca minimamente necessária para o bom desenvolvimento do tráfego negocial.[23]
Conforme ensina Aguiar Júnior
A teoria dos atos próprios, ou a proibição de venire contra factum proprium protege uma parte contra aquela que pretenda exercer uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente. Depois de criar uma certa expectativa, em razão de conduta seguramente indicativa de determinado comportamento futuro, há quebra dos princípios de lealdade e de confiança se vier a ser praticado ato contrário ao previsto, com surpresa e prejuízo à contraparte. Aquele que vende um estabelecimento comercial e auxilia, por alguns dias, o novo comerciante, inclusive preenchendo pedidos e novas encomendas, fornecendo o seu próprio número de inscrição fiscal, não pode depois cancelar tais pedidos, sob alegação de uso indevido de sua inscrição. O credor que concordou, durante a execução do contrato de prestações periódicas, com o pagamento em lugar ou tempo diverso do convencionado, não pode surpreender o devedor com a exigência literal do contrato. Para o reconhecimento da proibição é preciso que haja univocidade de comportamento do credor e real consciência do devedor quanto à conduta esperada.[24]
Portanto, pela teoria do venire, aquele que adere a uma determinada forma de proceder, não pode opor-se às consequências dela emergidas, justamente pelas expectativas legítimas que emergem para a outra parte que, de boa-fé, supõe-lhe presentes os efeitos.
Enfim, a boa-fé apresenta, em matéria de limite ao exercício de direitos, papel fundamental, na medida em que limita a liberdade individual do titular do direito.
2.3.3 Os bons costumes
A cláusula dos bons costumes talvez é a que merecerá maior atenção e consideração como limite ao exercício de direitos, em face do pouco interesse que tem demonstrado no direito privado brasileiro.
Como aponta Coutinho de Abreu, “sua inconcreção ou indeterminação é ainda maior do que a constatada ao nível da boa-fé, já porque é menor a elaboração de 'figuras sintomáticas'. Nesse passo, prossegue o professor, se se afirmar “que um comportamento ofensivo dos bons costumes é sempre contrário à boa-fé, só, no entanto, violação grosseira da boa-fé ofenderá os bons costumes”. Acrescenta, por fim, como conclusão de seu raciocínio:
E quando muitas vezes se tentam algumas concretizações, para além de quase sempre ficar na sombra da natureza da 'consciência social dominante' - essencialmente produto ideológico da(s) classe(s) que domina(m) -, pouco mais se faz que sobrepor ainda abstratas qualificações tomadas de códigos semânticos diferentes (sobretudo dos códigos políticos e moral).[25]
Seja como for, entende-se que os bons costumes devem interpretar-se atualmente num sentido geral de adequação e efetividade dos diretos fundamentais e sus proteção nas relações entre particulares (critério axiológico), assim como deve ser revestido da expressão das condutas desejáveis pela maioria social (critério sociológico), quando não contraditórias com os direitos fundamentais e a proteção das minorias. Tal é o que busca o artigo 187 do Código Civil.
3. Consequências possíveis da violação da norma do artigo 187 do Código Civil
No que se refere às consequências jurídicas da aplicação do artigo 187 do Código Civil, tem-se que a violação dos limites pode dar causa tanto ao dever de indenizar expressamente referido (c/c art. 927), quanto determinar outras espécies de rejeição do ato abusivo, sempre visando à eliminação dos efeitos do abuso ou, quando possível, o impedimento dos danos que por ele possam se causados.
A mais lembrada consequência da violação do artigo 187 é o dever de indenizar, decorrente de expressa referência estabelecida no artigo 927 do Código Civil. Qualquer espécie de dano pode decorrer do exercício abusivo de direito. Tanto patrimoniais quanto extrapatrimoniais, inclusive danos à saúde, danos corporais, estéticos. Da mesma forma, pouco importa de o abuso se dá no âmbito de uma relação jurídica preexistente, como num contrato, ou se o ato abusivo é fonte originária de uma relação jurídica obrigacional, cujo objeto principal será o dever de indenizar. Neste caso, apenas cabe a ressaltar que o dever de indenizar independe da existência da culpa, de sorte que, como visto, o artigo 187 consagrou a teoria objetiva, não integrando a culpa o suporte fático do dispositivo legal. Basta que o titular do direito, ao exercê-lo, tenha excedido manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes e tenha causado dano.
Ao lado do dever de indenizar, tem-se outros. Como aponta Antunes Varela, “os efeitos jurídicos do abuso de direito se não confinam, como erroneamente poderia supor-se em face das mais antiga jurisprudência francesa, à obrigação de indenizar os danos causados a outrem pelo exercício abusivo do direito”[26].
Daí a necessidade de se examinar outras possíveis consequência.
O abuso do direito de crédito pode servir, por exemplo, como decidiu o Supremo Tribunal de Portugal, como causa excludente da ilicitude no adimplemento contratual[27]. Também pode ensejar nulidade do ato, inclusive de um contrato[28], a dilatação de um prazo de prescrição ou de decadência[29], a neutralização dos efeitos do direito de que se abusou[30].
Para além disso, pode, ainda, o juiz considerar o abuso do direito equivalente à falta do direito[31]. Em Portugal já se decidiu pela anulabilidade da deliberação tomada em sociedade por quotas em que houve abuso do direito[32]. Também é possível encontrar na jurisprudência daquele país, julgado em que, apreciando um contrato preliminar, determinou-se a execução específica de tal contrato contra aquele que abusou do seu direito[33].
No Brasil, o artigo 187 do Código Civil, em vista de ter tido como fonte imediata o direito português, espera-se que a jurisprudência caminha no mesmo sentido, de tal sorte que os efeitos lá reconhecidos possam também aqui serem detectados.
Por fim, mas não menos importante, deve-se arrolar a eficácia preventiva, prévia à realização do dano decorrente do ato abusivo. Não se trata, contudo, de consequência típica do abuso do direito. A rigor, a tutela inibitória que visa prevenir a ocorrência do dano, constitui-se no direito brasileiro, como espécie de tutela inibitória do ilícito[34]. Serve para coibir a prática, fazer cessar ou evitar a repetição do ilícito. Como ensina Luiz Muilherme Marinoni, “a inibitória prescinde totalmente dos possíveis efeitos concretos do ato ou da atividade ilícita e que a sua dependência deve ficar circunscrita unicamente à possibilidade de ato contrário a direito”[35]. Por esse motivo, a tutela inibitória não tem outro escopo senão impedir que o dano ocorra, razão pela qual não se perquire, para a sua efetivação, sobre a existência de dano e, igualmente, sobre a existência de culpa[36], estando ambas fora da cognição do magistrado.
Como tutela inibitória do ilícito, é possível afirmar que, tratando-se o abuso do direito como ato ilícito previsto no artigo 187 do Código Civil, é cabível, a par da ação indenizatória ou da ação anulatória, ou mesma a ação declaratória cuja abrangência alcance as pretensões decorrentes da rejeição ao exercício ao exercício abusivo de direitos, a ação inibitória. Tem cabimento, quando a pretensão de quem possa vir a sofrer as consequências do ato abusivo esteja circunscrita ao impedimento do próprio ato, ou dos efeitos do abuso, assim como, quando tais efeitos já estejam se produzindo, a cessação dos mesmos, por intermédio das providências judiciais cabíveis.
Seja como for, pode-se concluir no sentido da multiplicidade de consequências provenientes do ato abusivo. Como ressaltou Cunha de Sá:
Assim, umas vezes haverá lugar à reparação natural, nomeadamente através da remoção do que se fez com abuso do direito e nem sequer ela será forçosamente afastada pela natureza não patrimonial do dano causado pelos acto abusivo: outras vezes, será apenas admissível a indemnização pecuária, quer na forma de certa quantia em dinheiro, quer na de renda. Mas, para além da responsabilidade civil ou até a ela acumulada, poderá poderá descobrir-se toda uma infinita gama de sanções que, essa sim, impedirão que o titular do direito abusivamente exercido obtenha ou conserve as vantagens que obteve com prática do acto abusivo e o farão reentrar, em última análise , no exercício legítimo do direito: desde a nulidade, a anulabilidade, a inoponibilidade, ou a rescindibilidade do acto ou negócio jurídico quando seja na sua prática que o abuso se verifique, até ao reestabelecimento da verdade ou na realidade dos actos com eles conexionados, aceitando, por exemplo, a sua validade não obstante a falta da forma exigida, concedendo a exceptio doli generalis ou specialis, recusando a acção de anulação ou mantendo em vigor a relação.[37]
Portanto, várias são as possibilidades de sanções que podem ser estabelecidas para o titular de um direito que, no seu exercício, exceda manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
4. Considerações finais
O presente estudo objetivou analisar o artigo 187 do Código Civil, que consagrou a figura do abuso do direito. Verificou-se que o ordenamento jurídico brasileiro adotou a teoria objetiva, na medida em que prescindiu do elemento culpa para a sua caracterização. Apesar disso, existe pequena parcela que entende que para a configuração do abuso do direito, é necessário estar presente a culpa do titular do direito.
Apesar da divergência, pesa reconhecer que o abuso do direito, consagrado no artigo 187 do Código Civil, por meio de cláusula geral, dispensa a culpa do titular do direito que excedeu de forma excessiva quando exercitou o seu direito.
Por fim, não se pode negar que o tema é por demais difícil e desafiador, merecendo estudo e análise mais detida.
Referências bibliográficas
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. A extinção dos contratos por incumprimento do devedor. 1.ed. Rio de Janeiro: Aide, 1991.
ALMEIDA COSTA, Mario Júlio de. Direito das obrigações. 6.ed. Coimbra: Almedina, 1994.
AMERICANO, Jorge. Do abuso do direito no exercício da demanda. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 1932.
ANTUNES VARELA, J. M. Das obrigações em geral. 9.ed. Coimbra: Almedina, 1998, t. II.
BUSTAMENTE, Lino Rodriguez-Arias. El abuso del derecho. 2.ed. Buenos Aires: EJEA, 1971.
CANARIS, Claus Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. 2.ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996.
CAVALHIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
CARPENA, Heloísa. Abuso do direito no Código Civil de 2002: relativização de direitos na ótica civil-constitucional. In: TEPEDINO, Gustavo. A parte geral do novo Código Civil: estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
COSTA, Judith Hofmeister Martins. O Direito Privado como um "sistema em construção": as cláusulas gerais no Projeto do Código Civil brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 41, maio 2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=513>.
______. A boa-fé no direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999
COUTIHO DE ABREU, Jorge Manuel. Do abuso de direito: ensaio de um critério em direito civil e nas deliberações sociais. Coimbra: Almedina, 1983.
CUNHA DE SÁ, Fernando Augusto. Abuso do direito. Coimbra: Almedina, 1997.
DIAS, José de Agiuar. Da responsabilidade civil. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, v.I.
FREITAS GOMES, Luiz Roldão de. Responsabilidade civil subjetiva e objetiva. In: ARRUDA ALVIM; CERQUEIRA CÉSAR, Joaquim Portes de.; ROSAS, Roberto (orgs). Aspectos controvertidos do novo Código Civil: escritos em homenagem ao Ministro José Carlos Moreira Alves. São Paulo: RT, 2003.
GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil.10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992.
HORSTER, Heinrich Ewald. A parte geral do Código Civil português: a teoria geral do direito civil. Coimbra: Almedina, 1992.
JÚNIOR, Humberto Theodoro. Comentários ao novo Código Civil: Dos atos jurídicos lícitos. Dos atos ilícitos. Da prescrição e da decadência. Da prova. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. III, t. II.
JORDÃO, Eduardo Ferreira. Abuso de direito. Salvador: Podivum, 2006.
LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.
LIMA, Alvino. Culpa e risco. 2.ed. São Paulo: RT, 1999.
LOTUFO, Renan. Código Civil comentado: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2003, v.I.
LUNA, Everardo Cunha. Abuso do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1959.
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória: individual e coletiva. 4.ed. São Paulo: RT, 2006.
MARTINS, Pedro Baptista. O abuso do direito e o ato ilícito. 3.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997.
MARQUES, Cláudia Lima. Cem anos de Código Civil alemão: o BGB de 1986 e o Código Civil brasileiro de 1916. Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, v. 741, pp. 11-37.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
MENEZES CORDEIRO, Antônio. Tratado de direito civil português: parte geral. 2.ed. Coimbra: Almedina, 2000, t. I.
MOREIRA, J. C. Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 8.ed. São Paulo: Forense, 2000, v.5.
PESSOA JORGE, Fernando. Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil. Coimbra: Almedina, 1995.
PINHEIRO, Rosalice Fidalgo. O abuso do direito e as relações contratuais. São Paulo: Renovar, 2002.
RIBEIRO DE FARIA, Jorge Leite Areais. Direto das obrigações. Coimbra: Almedina, 1987, v.I.
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil aplicado. São Paulo: Saraiva, 1981.
SILVA, Wilson Melo da. Responsabilidade sem culpa e socialização dos riscos. Belo Horizonte: Bernando Álvares, 1962.
SOUZA, Rabindranath Capelo de. Teoria geral do direito civil. Coimbra: Editora Coimbra, 2003, vol.1.
STOCO, Rui. Responsabilidade civil: abuso do direito e má-fé processual. São Paulo: RT, 2002.
TEPEDINO, Gustavo. Crise de fontes normativas e técnica legislativa na parte geral do código civil de 2002. In: _____ (org.). A parte geral do novo código civil: estudos na perspectiva civil constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2002
VARELA, João de Matos Antunes. O abuso do direito no sistema jurídico brasileiro. Revista de direito comparado luso-brasileiro 1. Rio de Janeiro: Forense, 1982.
[1]Humberto Theodoro Júnior, ao comentar a norma contida no artigo 187, aponta, como requisitos para a caracterização do abuso do direito os seguintes: “conduta humana; existência de um direito subjetivo; exercício desse direito de forma emulativa (ou, pelo menos, culposa); dano para outrem; ofensa aos bons costumes e à boa-fé; ou prática em desacordo com o fim social ou econômico do direito subjetivo”. Mais adiante, o professor dedica tópico exclusivamente à análise do “elemento subjetivo”, no qual menciona que “de tal sorte, o abuso de direito, previsto no art. 187 do novo Código, corresponde a ato culposo, porque é com base na conduta culposa lato sensu que legalmente se define a ato ilícito, a cujo gênero se filiou o exercício abusivo de direito. Mas, não há necessidade de submetê-lo ao rigor de somente acontecer com o concurso do dolo do agente. A, culpa, em qualquer dos seus graus, presta-se a configurar a ato ilícito e, por isso, servirá também para a configuração do abuso do direito. Repita-se: muito difícil será a ocorrência de caso concreto em que o abuso de direito não esteja vinculado à intenção de lesar (dolo). Não se deve, no entanto, inflexivelmente, negar a possibilidade técnica de que tal possa acontecer. Enfim, diante do sistema claramente adotado pelo Código, não se vê razão para dispensar ao abuso de direito regime diverso do aplicado ao ato ilícito (art. 186).” JÚNIOR, Humberto Theodoro. Comentários ao novo Código Civil: Dos atos jurídicos lícitos. Dos atos ilícitos. Da prescrição e da decadência. Da prova. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. III, t. II, pp. 120; 127-128.
[2]As cláusulas gerais, por seu turno, pode ser conceituada, segundo as palavras de Gustavo Tepedino, como “Normas que não prescrevem uma certa conduta, mas, simplesmente, definem valores e parâmetros hermenêuticos. Servem assim como ponto de referência interpretativo e oferecem ao intérprete os critérios axiológicos e os limites para a aplicação de demais disposições normativas” (TEPEDINO, Gustavo. Crise de fontes normativas e técnica legislativa na parte geral do código civil de 2002. In: _____ (org.). A parte geral do novo código civil: estudos na perspectiva civil constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. XIX). Ainda, acerca da conceituação das cláusulas gerais, vale a transcrição da lição de de Judith Hofmeister Martins-Costa: “As cláusulas gerais, mais do que um "caso" da teoria do direito - pois revolucionam a tradicional teoria das fontes (11) - constituem as janelas, pontes e avenidas dos modernos códigos civis. Isto porque conformam o meio legislativamente hábil para permitir o ingresso, no ordenamento jurídico codificado, de princípios valorativos, ainda inexpressos legislativamente, de standards, máximas de conduta, arquétipos exemplares de comportamento, de deveres de conduta não previstos legislativamente (e, por vezes, nos casos concretos, também não advindos da autonomia privada), de direitos e deveres configurados segundo os usos do tráfego jurídico, de diretivas econômicas, sociais e políticas, de normas, enfim, constantes de universos meta-jurídicos, viabilizando a sua sistematização e permanente ressistematização no ordenamento positivo” (COSTA, Judith Hofmeister Martins. O Direito Privado como um "sistema em construção": as cláusulas gerais no Projeto do Código Civil brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 41, maio 2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=513>. Acesso em: 01 dez. 2009.). Com efeito, ainda na esteira do magistério de Judith Martins-Costa, a cláusula geral constitui uma disposição normativa que utiliza, no seu enunciado, de forma proposital, uma linguagem de tessitura "aberta", "fluida" ou "vaga". Esta disposição é dirigida ao juiz que diante do caso concreto, crie, complemente ou desenvolva normas jurídicas, que poderá fazer uso de elementos que estejam fora do sistema, o que evidencia a importância da fundamentação das decisões.
Todavia, não podemos deixar de consignar que há muitas críticas à adoção das cláusulas gerais pelo Código Civil de 2002. A principal delas diz respeito à falta de segurança que tal sistema poderá acarretar ao nosso ordenamento jurídico. Isso porque, ao conceder ao juiz o poder de criar a norma para um dado caso concreto, o aplicador da lei poderá fazer prevalecer seus valores pessoais sobre aqueles que a ordem jurídica adotou como parâmetros para aquele tipo de situação.
[3]Trata-se de direitos que são conferidos pelo ordenamento jurídico não somente no interesse do respectivo titular, mas também em razão dos interesses de terceiros. Além de poderem ser exercidos pelo respectivo titular, eles devem ser exercidos pelo respectivo titular, o exercício só é legítimo se atender ao fim para o qual foi conferido. São direitos que possuem, mais ainda que os outros, um fim social nitidamente identificável e ao qual o titular encontra-se rigidamente adstrito. Exemplos: deveres entre os cônjuges, o poder familiar, a tutela, a curatela. Sobre o assunto: ANTUNES VARELA, J. M. Das obrigações em geral. 9.ed. Coimbra: Almedina, 1998, t. II, pp. 61-62. No que diz respeito à aplicação do abuso do direito ao poder familiar, ainda quando vigente o Código de 1916, ver RODRIGUES, Sílvio. Direito civil aplicado. São Paulo: Saraiva, 1981.
[4]Consiste justamente na necessidade da prática de um ato para obtenção de uma vantagem ou para evitar a consumação de uma desvantagem. Não se deve confundir com o dever jurídico, pois não há a necessidade de o agente adotar certa providência. Trata-se, a bem da verdade, de uma faculdade que, se não exercida, ou se exercida de forma deficiente, ocasionará para o sujeito uma desvantagem ou a perda de uma vantagem a que fazia ou faria jus. Essa figura jurídica é bastante utilizada pelo direito processual. Ao prever que o “réu poderá oferecer, no prazo de 15 (quinze) dias, em petição dirigida ao juiz da causa, contestação exceção ou reconvenção” [artigo 297, do Código de Processo Civil], quer o legislador dizer que, em que pese o réu não estar adstritamente obrigado a adotar uma das defesas mencionadas no artigo, convém que ele o adote sob pena de reputarem-se “verdadeiros os fatos afirmados pelo autor”[artigo 319, do Código de Processo Civil]. Sobre o tema, verificar MOREIRA, J. C. Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 8.ed. São Paulo: Forense, 2000, v.5, p. 235; e ALMEIDA COSTA, Mario Júlio de. Direito das obrigações. 6.ed. Coimbra: Almedina, 1994, p. 04.
[5]Direito potestativo é aquele que confere ao titular o direito de interferir na esfera jurídico de outrem, sem que este último possa evitar ou se opor. O sujeito passivo, ao contrário dos que ocupam esta posição em relação aos direitos subjetivos, encontra-se no denominado estado de sujeição, isto é, encontra-se numa situação inelutável de sofrer interferência na esfera jurídica própria, sem que contra isso possa se opor ou apresentar qualquer resistência. Verificar, nesse sentido, ALMEIDA COSTA, Mario Júlio de. Direito das obrigações. 6.ed. Coimbra: Almedina, 1994, p. 50.
A grande maioria dos doutrinadores entende serem os direitos potestativos passíveis de serem controlados por meio da teoria do abuso do direito, podendo citar, por todos, SOUZA, Rabindranath Capelo de. Teoria geral do direito civil. Coimbra: Editora Coimbra, 2003, vol.1, p. 204. No entanto, não se pode deixar de consignar que há autores que afirmam estarem os direito potestativos imunes ao controle exercido pela teoria do abuso do direito.
[6]Considera-se exceção “a situação jurídica pela qual a pessoa adstrita a um dever pode, licitamente, recusar a efetivação da pretensão correspondente” (MENEZES CORDEIRO, Antônio. Tratado de direito civil português: parte geral. 2.ed. Coimbra: Almedina, 2000, t. I, p. 182.), ou, ainda, “o direito que assiste a uma pessoa de impedir o exercício contra si, do direito de outrem, arma defensiva contra o ataque do titular do direito, como diz Lehmann” (GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil.10.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992, p. 144). No âmbito dos contratos sinalagmáticos, vigoram duas exceções que podem ser utilizadas por qualquer dos contratantes: a) exceptio non adimpleti contractus e a b) exceptio non rite adimpleti contractus. Referidas exceções são previstas e asseguradas pela lei para qualquer dos contratantes que podem validamente opô-las recusando-se ao cumprimento da prestação que lhe incumbe, enquanto que a outra parte contratante não der cumprimento a sua prestação ou, no segundo caso, não der cumprimento integral da sua prestação. No que se refere a teoria do abuso do direito, entende-se que o contratante não pode alegar a exceptio non rite adimpleti contractus quando o outro contratante já tivera cumprido quase que integralmente a sua respectiva obrigação. Neste caso, entende-se que a insignificância do descumprimento por parte do último contratante, não pode constituir justificativa para invocar a referida exceção, pois contraria a boa-fé que deve nortear o exercício das posições subjetivas (ALMEIDA COSTA, Mario Júlio de. Direito das obrigações. 6.ed. Coimbra: Almedina, 1994, p. 298 e ss., especialmente, nota 1 da p. 302).
[7]CONTIHO DE ABREU, Jorge Manuel. Do abuso de direito: ensaio de um critério em direito civil e nas deliberações sociais. Coimbra: Almedina, 1983, p. 67.
[8]TEPEDINO, Gustavo. Crise de fontes normativas e técnica legislativa na parte geral do código civil de 2002. In: _____ (org.). A parte geral do novo código civil: estudos na perspectiva civil constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. pp. XVIII-XIX.
[9]MARQUES, Cláudia Lima. Cem anos de Código Civil alemão: o BGB de 1986 e o Código Civil brasileiro de 1916. Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, v. 741, pp. 11-37.
[10]COSTA, Judith Hofmeister Martins. A boa-fé no direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 329/330.
[11]LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 150.
[12]CANARIS, Claus Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. 2.ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, p. 142.
[13]António Menezes Cordeiro informa que a publicação do Código Civil de 1966 não provocou, por si só, a caracterização do abuso do direito em Portugal. Ensina o autor que “a jurisprudência manteve-se fiel às construções anteriores que, praticamente, limitam o abuso à emulação e, portanto: a situações de exercício inútil, gravemente danoso para terceiros”. Somente a partir de meados da década de 80 o abuso de direito veio obter crescente importância na jurisprudência portuguesa, de modo que o instituto “perdeu o dramatismo e a natureza excepcional que, inicialmente, o rodearam, vindo a tornar-se, progressivamente, num instrumento dogmático muito solicitado pelas partes e usado, pelos tribunais, na realização da Justiça” (MENEZES CORDEIRO, Antônio. Tratado de direito civil português: parte geral. 2.ed. Coimbra: Almedina, 2000, t. I, pp. 245-246).
[14]LUNA, Everardo Cunha. Abuso do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1959, p. 101.
[15]O dano, de acordo com o sistema do Código Civil atual, é pressuposto da imputação da responsabilidade – artigo 927 e seguintes do Código Civil, não da configuração do abuso, cuja norma é meramente conceitual da ilicitude sem culpa.
[16]HORSTER, Heinrich Ewald. A parte geral do Código Civil português: a teoria geral do direito civil. Coimbra: Almedina, 1992, 282.
[17]MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 204-205.
[18]CONSUMIDOR. RESCISÃO DE CONTRATO E DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÍVIDA. ABERTURA DE CONTA CORRENTE, PARA FINS DE CREDITAMENTO DE SALÁRIO. SOLICITAÇÃO DE ENCERRAMENTO DA CONTA POR OCASIÃO DA EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. VEROSSIMILHANÇA DA ALEGAÇÃO INICIAL. COBRANÇA DE JUROS E DEMAIS ENCARGOS DE MANUTENÇÃO DE CONTA CORRENTE. CONCESSÃO UNILATERAL E AUTOMÁTICA DE CRÉDITO A JUROS ALTÍSSIMOS PARA COBRIR ENCARGOS. PRÁTICA ABUSIVA. DÉBITO DESCONSTITUÍDO. DANO MORAL PRESUMIDO EM RAZÃO DA INSCRIÇÃO INDEVIDA EM RÓIS DE INADIMPLENTES, ENSEJANDO REPARAÇÃO. RECURSO PROVIDO, EM PARTE. O simples encaminhamento do nome de um ex-cliente seu a rol de inadimplentes, por dívida de insignificante valor, revela manifesto exercício abusivo de direito. Na linguagem do art. 187 do CC, houve excesso manifesto dos limites impostos pela finalidade econômica e social do direito do credor, pois o pagamento da ridícula quantia não chegaria sequer a cobrir os custos administrativos da própria manutenção do crédito e caminhamento a órgãos de inadimplentes. Diante das graves e profundas consequências para a vida do autor, comparadas com o praticamente inexistente interesse econômico útil para o credor, revelou-se manifestamente abusiva a conduta do requerido, merecendo a reprimenda desta corte. (Recurso Cível Nº 71002087880, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Eugênio Facchini Neto, Julgado em 10/09/2009.)
[19]PESSOA JORGE, Fernando. Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil. Coimbra: Almedina, 1995, 195.
[20]MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. 1.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 411.
[21]Segue ementa ilustrativa do STJ, Resp. 272739/MG: “ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. Busca e apreensão. Falta da última prestação. Adimplemento substancial. O cumprimento do contrato de financiamento, com a falta apenas da última prestação, não autoriza o credor a lançar mão da ação de busca e apreensão, em lugar da cobrança da parcela faltante. O adimplemento substancial do contrato pelo devedor não autoriza ao credor a propositura de ação para a extinção do contrato, salvo se demonstrada a perda do interesse na continuidade da execução, que não é o caso. Na espécie, ainda houve a consignação judicial do valor da última parcela. Não atende à exigência da boa-fé objetiva a atitude do credor que desconhece esses fatos e promove a busca e apreensão, com pedido liminar de reintegração de posse. Recurso não conhecido”.
[22]Segue ementa de julgado do STJ, Resp. 935474/RJ: “DIREITO CIVIL. SERVIDÕES LEGAIS E CONVENCIONAIS. DISTINÇÃO. ABUSO DE DIREITO. CONFIGURAÇÃO. - Há de se distinguir as servidões prediais legais das convencionais. As primeiras correspondem aos direitos de vizinhança, tendo como fonte direta a própria lei, incidindo independentemente da vontade das partes. Nascem em função da localização dos prédios, para possibilitar a exploração integral do imóvel dominante ou evitar o surgimento de conflitos entre os respectivos proprietários. As servidões convencionais, por sua vez, não estão previstas em lei, decorrendo do consentimento das partes. - Na espécie, é incontroverso que, após o surgimento de conflito sobre a construção de muro lindeiro, as partes celebraram acordo, homologado judicialmente, por meio do qual foram fixadas condições a serem respeitadas pelos recorridos para preservação da vista da paisagem a partir do terreno dos recorrentes. Não obstante inexista informação nos autos acerca do registro da transação na matrícula do imóvel, essa composição equipara-se a uma servidão convencional, representando, no mínimo, obrigação a ser respeitada pelos signatários do acordo e seus herdeiros. - Nosso ordenamento coíbe o abuso de direito, ou seja, o desvio no exercício do direito, de modo a causar dano a outrem, nos termos do art. 187 do CC/02. Assim, considerando a obrigação assumida, de preservação da vista da paisagem a partir do terreno dos recorrentes, verifica-se que os recorridos exerceram de forma abusiva o seu direito ao plantio de árvores, descumprindo, ainda que indiretamente, o acordo firmado, na medida em que, por via transversa, sujeitaram os recorrentes aos mesmos transtornos causados pelo antigo muro de alvenaria, o qual foi substituído por verdadeiro “muro verde”, que, como antes, impede a vista panorâmica. Recurso especial conhecido e provido”.
[23]MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. 1.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 469.
[24]AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. A extinção dos contratos por incumprimento do devedor. 1.ed. Rio de Janeiro: Aide, 1991, p. 240.
[25]COUTIHO DE ABREU, Jorge Manuel. Do abuso de direito: ensaio de um critério em direito civil e nas deliberações sociais. Coimbra: Almedina, 1983, p. 65.
[26]VARELA, João de Matos Antunes. O abuso do direito no sistema jurídico brasileiro. Revista de direito comparado luso-brasileiro 1. Rio de Janeiro: Forense, 1982, p. 58.
[27]Assim decidiu o Supremo Tribunal de Justiça (n. convencional: JSTJ00036591 – Relator: PEIXE PELICA – Data do Acórdão: 14.04.1990: “I – O incumprimento contratual significa uma situação de inexistência de realização da prestação devida e só releva juridicamente se a omissão assumir um caráter ilícito. II – Não há incumprimento ilícito se o direito de crédito for exercido em regime de abuso de direito (v. g., se o credor cria ao devedor remisso condições gravosas e desproporcionadas violadas das regras da boa fé e dos bons costumes, o que sucede quando o exercício desse direito representa uma situação desproporcional entre a utilidade procurada e as conseqüências que os outros têm de suportar). III – A desproporcionalidade terá de ser aferida por critérios unicamente objetivos e deverá apresentar as características de intolerabilidade e de excesso inaceitáveis”.
[28](1) “Supremo Tribunal de Justiça (n. convencional: JSTJ00014642 – Relator: LUIS GARCIA – Data do Acórdão: 11.07.1985): I – Diz-se ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou econômico desse direito (abuso de direito) por isso, sendo ilegítimo o direito exercido pela REM e nulo o contrato de arrendamento. (...)”, (2) Supremo Tribunal de justiça (n. convencional: JSTJ 00012524 – Relator: SOARES TOME – Data do Acórdão: 26.05.1987): I – Havendo excesso quando ao fim sócio-econômico do direito e quando aos limites também imposto pela boa fé, o arrendamento é celebrado em ABUSO DE DIREITO do artigo 334 do Código Civil, pois, para que abuso de direito se verifique, não é de exigir, cumulativamente, excesso quanto aos bons costumes. II – A conseqüência do vício e a nulidade do contrato – artigo 294 do citado Código. III – A nulidade, por abuso de direito, do contrato de arrendamento terá apenas as conseqüências da entrega do andar aos autores e da recepção por estes das quantias que a ré foi depositando a título de renda.
[29]Supremo Tribunal de Justiça (n. convencional: JSTJ00031829 – Relator: ALMEIDA DEVEZA – Data 09.04.1997): III – O abuso tem conseqüências de todo ato o ato ilegítimo: a nulidade (artigo 294), a legitimidade da oposição, o alongamento de um prazo de prescrição ou caducidade e a obrigação de indenizar.
[30]Supremo Tribunal de Justiça (n. JSTJ00036181 – Relator: SILVA GRAÇA – Data do Acórdão: 11.03.1999): (...) III – O CC adaptou uma concepção objetiva de abuso de direito, não sendo assim necessário a consciência de se estar a excede, com o seu exercício, cós limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou econômico do direito. IV – Cabe ao julgador definir, para o abuso de direito, em cada caso a sanção toda por mais adequada. V – Para se poder decretar a neutralização do direito é necessária a combinação das seguintes circunstancias; -O titular de um direito deixa passar longo tempo sem o exercer; -Com base neste decurso do tempo e com base ainda num particular conduta desse titular ou noutras circunstancia a contra parte chegar à convicção justificada de que o direito já não será exercido; -Movida por essa confiança, a contraparte ter orientado em conformidade a sua vida, tomado medidas ou adaptar programas de ação na base daquela confiança pelo que o exercício tardio e inesperado do direito em causa lhe acarretaria agora uma desvantagem maior que seu exercício atempado.
[31]Supremo Tribunal de Justiça (n. JSTJ00011471 – Relator: BROCHADO BRANDÃO – Data do Acórdão: 07.06.1988): I- O “excesso” manifesto do artigo 334 do código civil – basta que exista objetivamente, objetividade a conjugar com a razoabilidade de comportamento do declarante e com um sentido normalmente atribuível ao declaratario – artigo 236 n. 1 do código civil. II – Ora, um “declaratario normal”, face a manifestação do declarante de ceder o terreno para a solução definitiva do problema, só pode razoavelmente inferir “autorização”, independentemente das contrariedades do declarante e suas contrapartidas, pelo que se mostra manifestamente excedida a boa fé desse declaratario, boa fé que deve impedir nas obrigações conforme regra ética – artigo 762, n. 2 do código acima citado. III – A existência do abuso de direito equivalente a falta do próprio direito. IV – O abuso de direito é um dos casos previstos no artigo 1311, n. 2 do Código Civil, paralisando a restituição inerente a propriedade, em principio. V – compatibiliza-se reconhecer a propriedade e recusa a entrega com apoio nesse “abuso”.
[32]Supremo Tribunal de Justiça (n. convencional: JSTJ00023813 – Relator: OLIVEIRA CARVALHO – Data do Acórdão 22.06.1976): I – O artigo 38 da Lei das Sociedades por Quotas e o artigo 181 do Código Comercial não autorizam as convocatórias em termos genéricos e vagos, exigindo, antes, que elas revelem, com precisão e clareza, os assuntos que vão ser tratados na assembléia geral para que os sócios, assim esclarecidos, possam estudá-los e defender, conscientemente, os seus interesses na respectiva discussão e votação. II – A assembléia geral convocada para análise da situação econômica e financeira da sociedade decidir sobre a exigência de prestações suplementares e autorizar a venda das quotas pertencentes à sociedade, foi regularmente convocada por ter sido indicado concretamente o objetivo da reunião, ficando os sócios informados dos assuntos a discutir e assim, sob este aspecto, não podiam ser anulada a deliberação em causa. III – O direito de voto é atribuído aos sócios para a realização do fim do objeto social pelo que, se for exercido, não para esse fim ou objeto, mas para obtenção de vantagens especiais dos votantes ou de terceiros, em prejuízo da sociedade, ou de outros sócios, existe abuso de direito ( artigo 334 do Código Civil), sendo, portanto, anulável a deliberação em que se prova que os sócios presentes na assembléia geral agiram no interesse próprio e não no interesse da sociedade.
[33]Supremo Tribunal de Justiça (n. JSTJ00011479 – relator: ELISEU FIGUEIRA – Data do Acórdão: 07.06.1988) I- Perante o aperfeiçoamento do negócio jurídico pela convergência consensual , deve funcionar a figura do abuso de direito quando o seu titular exceda manifestamente os limite impostos pela boa fé. II – Não está excluído que, além de outras conseqüências e paralelamente ao estabelecido para o contrato-promessa, do abuso de direito decorra também a sujeição do faltoso a execução especificada, verificados os requisitos formais estabelecidos no artigo 410 do Código Civil.
[34]MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória: individual e coletiva. 4.ed. São Paulo: RT, 2006, p. 47.
[35]MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória: individual e coletiva. 4.ed. São Paulo: RT, 2006, p. 47.
[36]MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória: individual e coletiva. 4.ed. São Paulo: RT, 2006, p. 48.
[37]CUNHA DE SÁ, Fernando Augusto. Abuso do direito. Coimbra: Almedina, 1997, p. 647-648.
Assessor de desembargador no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Possui graduação em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS e mestrado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BOCK, Felipe. Análise do artigo 187 do Código Civil brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 out 2021, 04:27. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57292/anlise-do-artigo-187-do-cdigo-civil-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: MARIANA BRITO CASTELO BRANCO
Por: Jorge Hilton Vieira Lima
Por: isabella maria rabelo gontijo
Por: Sandra Karla Silva de Castro
Por: MARIA CLARA MADUREIRO QUEIROZ NETO
Precisa estar logado para fazer comentários.