Resumo: A previsão da relicitação na Lei nº 13.448/2017 trouxe a impressão de que somente o Governo Federal poderia se valer desta ferramenta para novos contratos, e somente poderia fazê-lo em setores específicos de infraestrutura. Este artigo buscará investigar se isto realmente é verdade, analisando as competências da Administração para celebrar acordos voltados à relicitação de contratos de parceria. Ao final, espera-se provar que a relicitação é composta essencialmente por competências consensuais cujo exercício não necessariamente precisa de lei detalhando o processo de extinção amigável de contratos.
Palavras-Chave: Direito Administrativo Sancionador; Consensualidade; Relicitação; Contratos de Parceria.
Abstract: The provision set forth in the Law No. 13,448/2017 provides a new form of termination provision aiming at terminating concessions agreements and subsequent new bidding procedures. The legislation provides the illusion that maybe only the Brazilian Federal Government could use such tool into its’ new agreements, and that authorities could only use this new agreement mechanism in certain infrastructure sectors. This article goal is to investigate if this premise is sustainable by analyzing administrative prerogatives to enter into agreements that encompasses early termination and new biddings for partnerships with both private and public sector. In the end, we hope to prove that this agreement mechanism is based on a series of public prerogatives that enables all authorities to consensually agree upon early termination and new bidding procedures without necessarily requiring specific legislation.
Key-Word: Sanctioning Administrative Law; Consensuality; New Bidding Procedure; Public-Private Partnership Agreements.
Índice: I. Introdução. II. Origem Positiva da “Relicitação” na Legislação Federal. III. Prerrogativas da Administração para proceder com a Relicitação. III.i. Competência para celebração de acordos no âmbito sancionatório. III.ii. Competência para modulação de investimentos contratuais e obrigações de pagamento. III.iii. Competência para licitar o mesmo ativo e/ou serviço previamente outorgado. IV. Conclusões. V. Bibliografia.
I.Introdução
O fenômeno da consensualidade parece ganhar espaço no Direito Administrativo Brasileiro. Exemplos deste movimento não faltam. A começar pela previsão de termos de ajustamento de conduta no art. 5º, § 6º da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, passando pelo acordo de leniência da Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, bem como pela possibilidade de acordo de não persecução cível previsto para os casos de improbidade administrativa, trazido pela Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019, e pela a inclusão do art. 26 na Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (LINDB), por meio da Lei nº 13.655, de 25 de abril de 2018.
Tudo indica estarem superados os argumentos contrários à possibilidade de a Administração Pública celebrar acordos para suplantar situações litigiosas e de insegurança jurídica, sobretudo aqueles casos envolvendo a aplicação de sanções pelo Estado aos particulares. Se antigamente pugnava-se imperioso à Administração aplicar sanções em função do princípio da indisponibilidade do interesse público, agora parece certa a intenção do legislador de ampliar as possibilidades de atuação consensual dos agentes públicos, buscando privilegiar o interesse público sob a ótica do princípio da eficiência. Muda-se o foco sobre o que seria o interesse público, entendendo que talvez o melhor para a coletividade seja a celebração célere de um acordo. É dizer, ao invés de seguir com longo processo para aplicação de penalidades, talvez seja mais benéfico para todos os envolvidos (e ao interesse público) a celebração de um acordo solucionando a disputa sob a esfera administrativa[1].
Ademais, também parece mais do que superado o entendimento de que o princípio da legalidade deveria ser interpretado de forma a engessar as opções da complexa ação administrativa, determinando que qualquer acordo careceria de detalhado tratamento legislativo se fosse celebrado pela Administração Pública. Embora seja recomendável tratamento legal sobre o assunto, este não nos parece ser obrigatoriamente exaustivo, podendo haver autorização legal genérica para celebração de acordos advinda dos poderes conferidos pelo ordenamento jurídico à Administração Pública. O Poder Público não atua sob revelia da legislação e do Direito, mas tampouco precisa ficar radicalmente a espera de extenso tratamento legal para o exercício de cada uma de suas competências. Nada diferente daquilo que diversos agentes estatais já praticam quando da celebração de termos de ajustamento de conduta em face da previsão genérica da Lei de Ação Civil Pública[2].
Superados os pontos acima, uma das novas fronteiras de debate da consensualidade envolve os chamados contratos de parceria[3] e as suas sanções contratuais[4], com destaque para os casos que geram o término antecipado das contratações. Nestas situações, o inadimplemento contratual pelo parceiro privado pode levar a instauração de processos de aplicação de penalidade pecuniária e, no limite, ao processo de caducidade contratual[5]. Cumprindo com o dever instruir estes processos em face do princípio do devido processo legal e do contraditório[6], o término do contrato e o recolhimento das sanções pecuniárias por vezes não será célere. Neste meio tempo, a autoridade contratante e o parceiro privado parecem abandonar o espírito de parceria que este tipo de contrato exige, passando a figurar cada qual em lados opostos de um litígio vertiginoso, até porque, a princípio, não há dúvidas de que o parceiro privado lutará para permanecer com o ativo sob sua operação sem o qual provavelmente enfrentará (aprofundamento de) dificuldades financeiras[7]. Enquanto as partes discutem as sanções e o término do contrato, com todos os seus meandros[8], a operação do ativo público e dos serviços à população e/ou à Administração fica prejudicada. Dificilmente o operador em dívidas e em litígio com o contratante terá condições adequadas de prestar os melhores serviços no âmbito do seu contrato.
A solução proposta para estas situações veio por meio da positivação do instituto da “relicitação”, cuja essência, em resumo, envolve um término amigável do contrato de parceria[9], com (i) a celebração de acordo visando repactuar as sanções e as obrigações contratuais, e, ato subsequente, (ii) o processamento de novo procedimento licitatório visando a transferência direta dos bens de um particular para outro. A relicitação foi positivada em nível federal por meio da Lei nº 13.448, de 2017, após a conversão da Medida Provisória nº 752, de 2016 (MP), com detalhada regulação acerca dos passos e das condições para formalização de todo o procedimento[10].
Uma vez positivada, a relicitação aparenta vir sendo de grande valia para projetos federais dos setores de rodovias e aeroportos, com processos administrativos em andamento para a devolução amigável das respectivas concessões[11]. Até o momento[12], há notícias de que as concessões aeroportuárias de Viracopos e São Gonçalo do Amarante encontram-se em processo de relicitação, sendo que, do lado rodoviário, podemos citar as concessões a rodovia da Via 040, da Invepar (BR-040), CCR MS Via (BR-163), Triunfo Concebra (BR-060, BR-153 e BR-262) e Arteris Fluminense (BR 101)[13].
Apesar dos aparentes efeitos positivos da norma federal, entendemos que o fenômeno da positivação dos atos necessários à relicitação pode estar atraindo questionamentos sobre a viabilidade de a Administração Pública utilizar suas prerrogativas na modelagem de novos contratos[14]. Como as hipóteses de extinção de concessões estão previstas no art. 35 da Lei nº 8.987/1995[15], encontram-se questionamentos sobre se a Administração de um outro estado ou um município poderia regrar processo semelhante de relicitação sem que haja lei específica do respectivo ente político detalhando o assunto.
Ao invés de ampliar o leque de ferramentas à disposição da Administração, talvez a positivação das prerrogativas de relicitar contratos de parceria possa ter limitado a atuação administrativa, na medida em que o Poder Público já detinha poderes para renegociar sanções e obrigações contratuais em benefício do interesse público, com competência indubitável de terminar consensualmente um contrato e realizar nova licitação de ativos públicos anteriormente outorgados à particulares. Se havia competência, porque não se poderia utilizá-la para regrar a relicitação em novos contratos?
Este é o problema a ser enfrentado neste artigo. Buscar-se-á analisar o instituto da relicitação, tal qual positivado em legislação federal, para verificar se os atos e procedimentos das respectivas legislações de alguma forma precisariam necessariamente ser dispostos em lei em sentido estrito (norma publicada pelo legislativo) para serem aplicáveis por outros entes da federação e/ou em outros setores da economia quando da elaboração de novos contratos de parceria[16]. A partir desta análise, retomaremos as discussões envolvendo os poderes conferidos pelo ordenamento jurídico à Administração Pública e, concluída esta avaliação, buscar-se-á responder a seguinte pergunta: Será que a Administração Pública não está amparada das competências e dos poderes necessários para regrar os processos de relicitação em novos contratos de parceria sem que haja detalhado tratamento legislativo sobre o tema?
A hipótese deste trabalho é que a Administração Pública poderia regrar procedimentos de relicitação em novos contratos de parceria, prevendo a possibilidade de acordos sobre sanções contratuais e o término amigável da parceria, sem que haja detalhado tratamento legislativo para cada tipo de contrato ou de setor econômico específico.
Entende-se importante verificar esta premissa para aprimorar a prática administrativa de contratações de grande vulto, sendo que, a bem da verdade, a conclusão deste trabalho também poderá alcançar, em alguns casos, as contratações tradicionais, envolvendo contratos para prestação de serviços e realização de obras. Trata-se, portanto, de ensaio com implicações relevantes no dia a dia da Administração, motivo pelo qual é premente enfrentar o tema e ampliar o debate sobre as prerrogativas administrativas consensuais em prol de uma atuação mais racional e eficiente do Poder Público, sempre sem deixar de respeitar os limites legais e os diretos dos administrados.
II. Origem Positiva da “Relicitação” na Legislação Federal
Como observado anteriormente, o instituto jurídico da relicitação foi originalmente positivado no Direito brasileiro com esse nome por meio da Lei nº 13.448, de 2017, que converteu a Medida Provisória nº 752, de 2016. Pode-se afirmar que a gênese da relicitação[17] advém da noção de que, em certas ocasiões, os parceiros privados não conseguirão adimplir todo objeto contratual e que isso, como dito alhures, traria maiores complicações ao interesse público do que vantagens propriamente ditas[18]. O legislador[19] reconhece com a norma que os processos de retomada dos ativos/serviços com a caducidade dos contratos de parceria tenderiam a ser morosos e a prejudicarem os usuários dos bens e serviços enquanto não fossem solucionados[20].
Para superar este desafio, a legislação traz regramento sobre “devolução coordenada e negociada” dos contratos de parceria[21]. O artigo 13 da norma dispõe que “com o objetivo de assegurar a continuidade da prestação dos serviços, o órgão ou a entidade competente poderá realizar, observadas as condições fixadas nesta Lei, a relicitação do objeto dos contratos de parceria nos setores rodoviário, ferroviário e aeroportuário cujas disposições contratuais não estejam sendo atendidas ou cujos contratados demonstrem incapacidade de adimplir as obrigações contratuais ou financeiras assumidas originalmente”.
Ou seja, a norma prevê a continuidade da prestação dos serviços como último fim do acordo de relicitação. Mais que isso, exige-se que a medida de relicitação seja aplicada para manter a prestação adequada dos serviços[22], e não só a mera continuidade da sua prestação. De nada adiantaria relicitar o contrato se os serviços seguissem com prestação precária em franco prejuízo ao interesse público.
Por ser excepcional, a relicitação foi autorizada tão somente para os casos em que (i) haja inadimplemento contratual – que por si só já deveria gerar penalidades contratuais, sobretudo pecuniárias -; ou (ii) haja demonstração de que os contratados sejam incapazes de adimplir com as obrigações contratuais ou financeiras assumidas originalmente nas avenças de parceria[23].
Para operar a relicitação, o artigo 14 da norma fala de “acordo” entre as partes, sendo exigida análise cuidadosa da pertinência de seguir com opção consensual, com base em elementos fornecidos pelo particular (e, claro, daqueles advindos da fiscalização contratual)[24]. Até aqui nada mais normal, visto ser imperativo ao exercício da função administrativa motivar seus atos, principalmente se consensuais e excepcionais. Do lado do particular, também é exigida declaração de adesão à negociação de relicitação de forma irrevogável e irretratável, apresentando renúncia em participar da nova licitação do mesmo contrato/ativo[25]. Não haveria sentido em processar todo o esforço de relicitação para depois outorgar o novo contrato ao mesmo agente que estava inadimplente ou que não detinha condições de adimplir com contrato antigo. Se assim procedesse a Administração, estaria a beneficiar indevidamente um particular que prejudicou o interesse público, algo equivocado.
Uma vez decidido pelo prosseguimento do processo e qualificado o contrato de parceria como passível de relicitação, ficam sobrestadas as medidas destinadas para instaurar ou dar seguimento de caducidade, afastando-se, ademais, os regimes de recuperação judicial e extrajudicial. A relicitação, note-se, não socorre os casos em que a caducidade já tenha sido decretada, mas tão somente os casos em que o processo sancionatório está em curso. Ademais, vale observar que a lei e o seu regulamento nada tratam dos outros eventuais processos administrativos sancionadores que existirem em face da concessionária. Fala-se, por outro lado, que os valores de multa aplicados à concessionária deverão ser utilizados para encontro de contas com os montantes devidos à título de indenização a ser paga em função dos investimentos realizados e não amortizados no curso contratual. A omissão legislativa sob análise permite diversas interpretações, desde a leitura de que os processos de penalidade pecuniária devem ser concluídos e seus valores abatidos da indenização no final da relicitação, até a noção de que seria possível sobrestar os demais processos administrativos sancionadores na linha daquilo que foi praticado com o processo de caducidade (pois a perpetuação de penalizações passadas poderia seguir prejudicando a prestação adequada dos serviços). Talvez essa última interpretação seja mais adequada ao instituto e aos deveres-poderes da Administração. Avaliação de cada caso concreto é necessária para aferir a fundamentação pública e as condições dos acordos de relicitação.
Seja como for, nos termos do artigo 15[26], o acordo de relicitação é formalizado por meio de termo aditivo ao contrato de parceria, do qual constará, entre outros assuntos que sejam julgados pertinentes pelas autoridades, a suspensão das obrigações de investimento vincendas a partir da celebração do termo aditivo e as condições mínimas em que os serviços deverão continuar sendo prestados pelo contratado até a assinatura do novo contrato de parceria.
Com a celebração do aditivo regulando a relação entre contratante e contratado, passa-se à estruturação da nova licitação e do novo contrato de parceria. Este passo está detalhado no art. 17 da legislação sob análise, cujo conteúdo pormenoriza o conteúdo dos estudos técnicos necessários para o novo certame, inclusive com possibilidade de contato com os financiadores do contrato vigente para colher aprimoramentos na parceria.
Os artigos subsequentes[27] tratam do processo de consulta pública dos documentos editalícios da nova licitação e da necessidade de submissão destes papéis para validação do novo projeto pelo Tribunal de Contas da União.
O último artigo[28] na lei a tratar da relicitação fala do prazo que deverá ser observado pelas partes para concluir todo o processo. É dado o prazo de 24 (vinte quatro) meses para concluir toda negociação do acordo e a realização de (re)licitação do novo contrato, podendo este prazo ser prorrogado, motivadamente, pelas autoridades competentes.
Adicionalmente, o regramento do processo de relicitação ainda é objeto de tratamento pelo Decreto nº 9.957, de 2019, assim como regulamentos específicos das respectivas agências reguladoras[29]. Ou seja, o tratamento legal e infralegal do tema é extenso, focando na regulamentação procedimental dos atos a serem praticados, com indicação das autoridades, momento da propositura de cada para celebração do acordo, conteúdo mínimo dos termos aditivos e regras para elaboração de estudos[30].
Fundamental observarmos que o regramento da relicitação não é o único objeto da Lei nº 13.448, de 2017, cujo conteúdo também trata de prorrogação de contratos de parceria nos setores rodoviário, ferroviário e aeroviário. E a prorrogação sim carece de autorização legal específica, observado que a regra geral para outorga de serviços públicos é a licitação (vide art. 175, caput, da Constituição Federal). Foi sobre a prorrogação de concessões ferroviárias, aliás, que a referida legislação já teve sua constitucionalidade analisada pelo Supremo Tribunal Federal (STF)[31], inexistindo no nosso conhecimento debate judicial acerca da constitucionalidade das questões inerentes à relicitação per se.
Isso é particularmente importante para a análise aqui realizada, porque deixa claro que não há questionamento judicial acerca da juridicidade da relicitação, muito menos debate sobre as prerrogativas do Poder Público acordar repactuação de sanções e obrigações contratuais, suspendendo processos sancionadores e obrigações de investimentos, bem como seguindo com os trâmites necessários para término amigável do contrato e a promoção de sua nova licitação. A princípio, nada desabona possibilidade de a Administração celebrar os acordos necessários para a relicitação.
Entendemos que a breve avaliação descritiva do instituto da relicitação é mais do que suficiente para ratificar que a essência do processo de relicitação envolve um acordo de repactuação de sanções e obrigações, com procedimentos subsequentes para terminar o contrato original e licitar nova relação contratual[32].
III. Prerrogativas da Administração para proceder com a Relicitação
Superada a identificação do cerne daquilo que costumou-se chamar de relicitação por conta da legislação federal, propõe-se agora o exercício de ignorar que o vocábulo relicitação tenha sido positivado na legislação de rodovias, ferrovias e aeroportos. Imaginemos que a relicitação tenha significado coloquial, no qual o vocábulo somente signifique uma nova licitação de um ativo e/ou serviço público.
Havendo contrato de parceria vigente, está claro que um acordo com o atual parceiro privado necessariamente precisa ser celebrado para regulamentar o seu término antecipado. Isto é, para haver nova licitação sem o processamento de encampação ou processamento de caducidade, as partes do contrato de parceria devem terminar amigavelmente o contrato em vigor, pactuando condições para manter a continuidade adequada dos serviços prestados até que haja a assunção de novo parceiro privado. Celebra-se, então, um acordo para extinção amigável do contrato de parceria.
Deste processo todo pode-se extrair três principais prerrogativas da Administração para ter êxito com a relicitação, sendo que por prerrogativa leia-se competência como forma do exercício da função administrativa[33]. A uma, precisa-se saber se a Administração contratante detém competência para celebrar um acordo visando o sobrestamento de processo sancionatório que levaria o contrato à caducidade. A duas, precisa-se saber se a Administração contratante também detém competência para celebrar um acordo modulando as obrigações contratuais de investimento e, em alguns casos, de pagamento de outorgas ao Poder Concedente, visando regrar a devolução e gestão dos ativos até o término da parceira. Por fim, resta confirmar se a Administração contratante detém competência para licitar novamente, em um novo certame, os mesmos ativos e serviços anteriormente contratados.
Buscaremos explorar estas prerrogativas abaixo, para investigar a viabilidade de Administração Pública regrar a relicitação em novos contratos sem necessariamente preceder de lei específica para tanto. As avalições a seguir, todavia, não devem ser ampliadas sem reflexão crítica para os contratos já celebrados, cujo conteúdo não preveja originalmente procedimento para sua relicitação. Embora reconheça-se visões diferentes sobre o assunto[34], entende-se importante a existência de norma própria para endereçar o conflito de isonomia e a segurança jurídica que a relicitação posterior, sem tratamento contratual originário, possa gerar. Tudo porque o tema não foi inicialmente regrado quando da licitação dos serviços. Mas este é assunto para outras conversas.
III.i Competência para celebração de acordos no âmbito sancionatório
Como explorado na introdução deste trabalho, não parece haver dúvida acerca da expansão da consensualidade no Direito Administrativo Sancionador. Já demos diversos exemplos sobre as alterações legislativas que buscaram positivar a possibilidade de a Administração Pública celebrar acordos em meio de processos sancionadores[35].
A ideia da consensualidade busca eficientizar o exercício da função administrativa justamente para alcançar o interesse público da melhor forma possível. Isso não quer dizer que a opção pela consensualidade ocorre à revelia do ordenamento jurídico e do Direito[36]. Pelo contrário, uma vez optada pela celebração de acordos, exige-se, como regra, maior esforço de motivação visando demonstrar o custo-benefício de superar a aplicação da sanção em favor da celebração de um acordo.
Gustavo Binenbojm[37], por exemplo, compartilha da ideia de que a consensualidade serve ao interesse público para incrementar o grau de efetividade das ordenações baseadas na adesão voluntária, reduzindo o tempo de tramitação dos feitos, os custos a eles relacionados e o nível de litigiosidade administrativa e judicial. Para o autor, os resultados práticos das soluções consensuais tenderiam a promover maior aderência dos particulares às decisões da Administração Pública, com um grau mais elevado de eficiência.
Aprofundando esta ideia, Juliana Palma[38] afirma que a negociação no âmbito administrativo detém viés mais pragmático, voltado à resolução de casos concretos, para alcançar a resposta mais eficiente. Em prol deste viés mais prático da atuação administrativa, a autora defende a ideia de vinculação negativa à legislação para o Poder Público, afirmando haver espaço para que a Administração Pública celebre acordos desde que sejam compatíveis com o Direito[39], e sem que necessariamente haja a necessidade de tratamento detalhado da atuação bilateral de negociação dos acordos.
Bastaria, portanto, que os acordos fossem celebrados dentro da juridicidade, visto que os princípios jurídicos já autorizariam a Administração operar soluções consensuais para alcançar sua finalidade junto ao bem comum. Isto é, o ordenamento jurídico conferiria competência e legitimidade para que a Administração Pública operasse acordos buscando eficientizar o alcance do interesse público[40].
Convém observar que mais recentemente Juliana Palma e Sergio Guerra publicaram artigo[41] comentando o art. 26 da LINDB[42], no qual defendem estar superada qualquer dúvida no Direto Brasileiro acerca de uma autorização genérica para o exercício da atividade concertada da Administração Pública. Isto porque, o dispositivo prevê a possibilidade de Administração Pública, qualquer que seja a esfera, órgão ou entidade, celebrar compromisso com os interessados para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público. O artigo da LINDB ainda foi regulamentado pelo Decreto nº 9.830, de 2019, cuja aplicação também pretende-se alcançar todas as formas da Administração Pública no país.
Em que pese existirem críticas sobre o dispositivo da LINDB e a sua aplicação automática para todo o aparato estatal brasileiro[43], entende-se que o normativo poderia sim ser interpretado como norma geral para embasar a celebração de acordos com a Administração Pública. O fato de haver previsão no caput do dispositivo que os acordos deverão observar a “legislação aplicável” não parece constituir reserva de lei para que se exija legislação específica em cada caso concreto do exercício, pelo Poder Público, de sua competência consensual. Também não parece que o exercício da competência consensual da Administração deva ser interpretado como norma processual, a qual exige norma própria para cada ente federado. Uma vez fixada a competência geral, cada ente político ainda poderá regrar seus detalhes processuais. Aliás, o fato de o dispositivo estar veiculado na LINDB como vetor de interpretação do Direito confere abrangência à outras esferas da Administração, permitindo que cada caso concreto preveja detalhes e especificidades para formalizar o compromisso consensual conforme o objeto dos diferentes tipos de acordo. O texto do art. 26 nos parece ser bastante aberto para este tipo de leitura. Ao nosso ver, então, é válida a assertiva de que a LINDB trouxe regulação geral para o assunto, afastando questionamentos sobre a legitimidade da atuação consensual das autoridades administrativas.
Não bastassem as justificativas mencionadas acima, no campo contratual, entendemos que a prerrogativa de celebrar acordos em face de processos sancionadores também pode ser lastreada na aplicação geral da Teoria Geral dos Contratos, conforme aplicação autorizada pelo art. 54, caput, da Lei nº 8.666/1993[44], aplicável aos contratos de parceria, naquilo que couber, como norma geral e supletiva. De acordo com essa interpretação, por exemplo, as partes poderiam negociar a extinção antecipada, o que inclusive é autorizado no art. 79, inc. II da Lei nº 8.666/1993[45]. Aqui a legislação permitiria manifestação de vontade das partes na execução da parceria concessória, reduzindo a verticalização dos poderes extroversos da Administração, os quais, apesar de existirem, não parecem ser a única opção para lidar com as complexas questões de execução contratual (desde que devidamente justificado o atendimento ao interesse público, é claro).
Pois bem, apesar de existirem controvérsias sobre a aplicação da leitura destes dispositivos da legislação geral de contratações nos casos de concessões e PPPs[46], entende-se plenamente possível interpretar o ordenamento normativo em favor da juridicidade de medidas administrativas que pressuponham ajustar, mediante termos aditivos escritos, a relação contratual advinda do vínculo especial de sujeição formado entre o particular e a Administração contratante, sobretudo para excepcionalmente realizar términos amigáveis do contrato celebrado com os particulares. Afinal, os “contratos de parceria” não deixam de ser “contratos” de modo a afastar por completo sua teoria geral, tampouco deixando de ser “contratos administrativos” para excepcionarem integralmente as regras gerais destes ajustes[47].
O ponto que se entende passível de questionamento sobre este aspecto envolve os limites da Administração alterar, mesmo com consentimento do particular, as obrigações originalmente pactuadas. Mas esta discussão será objeto do próximo tópico.
Para o momento, deve ficar claro que as balizas do acordo administrativo no âmbito contratual estariam exatamente na juridicidade do conteúdo pactuado, ou seja, a consensualidade para ajustes contratuais é legítima e legal desde que não contrarie expressa previsão legal e desde que esteja lastreada em prévio tratamento contratual.
Diante do exposto, seja por uma das razões acima, seja pelo seu conjunto, está claro que, no nosso entendimento, a Administração Pública detém a competência para celebrar acordo no âmbito de processo sancionador contratual, buscando, por meio desta ferramenta, atender ao interesse público com maior eficiência e de forma mais adequada. Tudo depende da situação do caso concreto. Não havendo, a princípio, obrigação legal que determine o prosseguimento do processo sancionador, gerando, por exemplo, longo e estressante processo para o término de um contrato de parceria pela via sancionadora. Uma vez regrado no contrato original da concessão, pode muito bem a Administração contratante buscar celebrar acordo com o contratado para juntos encontrarem uma solução amigável ao litígio. Aliás, esta realidade parece já existir nos projetos de parceria, considerando, por exemplo, os acordos de PPP estruturados com apoio do BNDES e da Caixa Econômica Federal[48], bem como para alguns casos de projetos do Governo do Estado de São Paulo[49].
Não por acaso, diversos instrumentos vêm prevendo mecanismos consensuais de mediação e dispute boards (comissões de discussão e solução de conflito na execução contratual)[50]. E mais, não faria sentido lógico-jurídico interpretar o ordenamento nacional de forma que seria possível celebrar acordo no âmbito de uma ação de improbidade e de uma ação civil pública, mas não seria facultado ao Estado buscar solução consensual em matéria contratual. Faz-se necessário ler a situação em vista do brocardo interpretativo de que “quem pode mais, também pode menos”.
III.ii Competência para modulação de investimentos contratuais e obrigações de pagamento
É importante a discussão da competência de alteração das obrigações contratuais, pois, embora não haja muito debate acerca da sua possibilidade, há bastante discussão sobre os seus limites.
Por exemplo, Jacintho Arruda Câmara[51] pontua ser simples a alteração de acordos particulares em função da sua liberdade de atuação na seara contratual haja vista os efeitos do pacta sunt servanda. De outra banda, as alterações nos contratos administrativos não seriam tão simples, tampouco se operariam sem limites expressos. Nas palavras do autor, apesar de possível, “não existe plena liberdade para alteração consensual dos contratos”, visto que a legislação imporia barreiras às alterações consensuais com objetivo de evitar que, por este caminho, se desrespeite o resultado das licitações e reflexamente a isonomia. Como resultado, para que ocorra alterações legítimas naquilo que foi originalmente pactuado, as mudanças não podem superar limites impostos pela legislação.
Um dos principais limites que se coloca à situação é aquele percentual para mudança de quantitativos do objeto contratado, ou seja, o disposto no §§1º e 2º do art. 65 da Lei nº 8.666/1993, segundo o qual o contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que a Administração realize, unilateralmente, nas obras, serviços ou compras, até o limite de 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato[52].
Oportuno mencionar que a mesma legislação permite a alteração deste percentual para os casos em que as partes acordem acerca da supressão do objeto contratual (§2º, inc. II do art. 65) – o que poderia ser equiparado à supressão de investimentos nos acordos de relicitação. Não entraremos aqui nas discussões acerca dos limites para alteração de acréscimo contratual (e.g. se qualitativo ou quantitativo)[53], por entender que no caso da relicitação estar-se-á falando de supressão de obrigações contratuais, e não acréscimo. Além disso, entendemos que os limites percentuais descritos na Lei nº 8.666/1993 não se aplicam rigidamente aos contratos de parceria, que detém prazo alongado e objeto demasiadamente mais complexo que os tradicionais acordos para prestação de serviços e construção de obras.
Sob a perspectiva dos contratos de parceria, cabe esclarecer que Ministro Luis Roberto Barroso[54] detém parecer publicado defendendo a inaplicabilidade do percentual da Lei nº 8.666/1993 para os contratos de concessão rodoviária, considerando a complexidade dos objetos concessórios e o seu benefício ao interesse público. Para o autor, se de um lado o limite de alteração indiscriminada dos ajustes poderia dar azo à burla da regra de licitar e, consequentemente, dos princípios da isonomia e da impessoalidade, do outro lado, o atendimento adequado do interesse público que motivou sua celebração poderá exigir adaptações do objeto ajustado, visto que muitas vezes será ineficiente e antieconômico rescindir aquele ajuste para proceder nova licitação e nova contratação.
O entendimento do Ministro Barroso parece ter sido ratificado pela Lei nº 13.448, de 2017, que estabelece, em suas disposições finais (art. 22), o afastamento dos limites fixados nos §§ 1º e 2º do art. 65 da Lei nº 8.666, de 1993, para as alterações dos contratos de parceria decorrentes da modernização, da adequação, do aprimoramento ou da ampliação dos serviços contratados. Por se tratar de disposição alheia aos procedimentos de prorrogação e relicitação, pode-se inclusive interpretar que o dispositivo é aplicável a todos os contratos de parceria, e não só aqueles celebrados nos setores rodoviário, ferroviário e aeroportuário. É dizer, aqui poder-se-ia argumentar que o dispositivo traria uma regra geral de contratação pública, conforme preceitos do art. 22, XXVII da Constituição Federal[55].
Superada a questão dos percentuais, o limite de alteração dos contratos de parceria parece passar então a ser ligado diretamente à “identidade do objeto contratado”, como já lecionava Carlos Ari Sundfeld[56]. É dizer, não se pode alterar o contrato de parceria de tal forma que a transposição de um rio por veículos deixe de ser realizada por uma ponte e passe a ser realizada por meio do transporte de balsa. Também não se pode incluir a administração de mais uma linha de transmissão se a concessão objetivava a outorga de uma única linha de transmissão. Nestes casos, pode-se ampliar infraestruturas de acesso e reforço, mas não se pode mudar o objeto contratual, muito menos duplicar automaticamente os ativos concedidos.
Ora, se há como guiar a atuação administrativa em favor de maximização do interesse público para alterar o objeto contratual de parcerias (por meio de acréscimos e supressões), por que não aceitar ajustes em obrigações de investimento para realizar o término amigável dos acordos de parceria em nome do interesse público, relicitando o contrato com a continuidade dos serviços prestados?
O ordenamento jurídico novamente parece garantir a possibilidade de consensualmente permitir ajuste entre o público e o privado para modular obrigações contratuais originalmente pactuadas com o objetivo da relicitação. Note-se que não se estaria burlando o princípio da licitação, tampouco a isonomia e a imparcialidade. A princípio, o acordo de relicitação não desvirtua o objeto do contrato de parceria[57]. Não há troca de objeto do contrato, mas sim modulação das obrigações com novos termos para prestar adequadamente os serviços outorgados. Até porque, o acordo proposto está intimamente ligado à finalidade de terminar antecipadamente o contrato de parceria, o que poderia ocorrer diante da caducidade ou diante da incapacidade declarada do próprio prestador dos serviços (afinal a relicitação é consensual, lembram?). Com a previsão ex ante desta possibilidade, na época da licitação do contrato de parceria, também não haveria que se falar no beneficiamento um particular em detrimento de outros. Simplesmente cumpre-se uma regra previamente estabelecida – e conhecida por todos durante licitação – para garantir a continuidade do serviço e da gestão do ativo público, com subsequente licitação do objeto contratual. Os beneficiados com o acordo podem muito bem ser impedidos de participar do novo certame, na linha de como determina a legislação federal, ou seja, de comum acordo entre os envolvidos[58].
Independentemente das considerações anteriores, cabe ressaltar que a possibilidade de repactuar obrigações do contrato de parceria encontra outros limites legais. A negociação de pagamentos devidos em função dos contratos de parceria (as chamadas outorgas) carece, em regra, de autorização legal. Caso o contrato exija pagamento de outorga fixa e/ou variável será normalmente preciso de autorização legal para que haja sua suspensão ou parcelamento. Isso porque as alterações contratuais estão limitadas à manutenção de identidade do objeto contratado e ao exposto na legislação, o que inclui vedações da legislação de responsabilidade fiscal, que como regra veda renúncia de receita sem que haja lei formal autorizando o gestor (v.g. art. 113 do Ato de Disposições Constitucionais Transitórias[59]).
Como pode ser observado, portanto, é possível ocorrer a repactuação do objeto de contratos de parceria, com previsão de término amigável à época de novas licitações – já que por vezes inevitáveis nos casos futuros de relicitação. Estas alterações não carecem, a princípio, de autorização legislativa específica, encontrando resguardo no ordenamento jurídico brasileiro. No entanto, embora permitidas as mudanças contratuais, cabe às partes não desvirtuar o objeto originalmente contratado, tampouco viabilizar extinções contratuais sem qualquer critério ou motivação. As mudanças contratuais para relicitação precisam ser devidamente justificadas, com necessário vínculo em face da finalidade de término contratual, sob pena de privilegiar um determinado particular[60]. Ademais, por fim, eventuais repactuações de obrigações financeiras dos parceiros privados (como o pagamento de outorgas) precisam verificar aderência à legislação de responsabilidade fiscal, em regra, com autorização legal para afastar questionamentos de prejuízo ao Erário e para legitimar a atuação estatal.
III.iii Competência para licitar o mesmo ativo e/ou serviço previamente outorgado
Ultrapassadas as observações acima, resta analisar a competência que o Poder Público detém para licitar o mesmo ativo e/ou serviço previamente outorgado.
Este ponto é menos polêmico, considerando a titularidade dos serviços e dos bens públicos ser outorgada constitucionalmente. Não que inexistam discussões de competência sobre serviços e ativos públicos, mas isso não é objeto da discussão aqui proposta. A questão envolve simplesmente saber se a Administração Pública poderia dispor livremente de ativos e serviços sobre sua titularidade. Como a própria Constituição Federal confere titularidade dos serviços e dos bens para os entes políticos, não parece haver muitos questionamentos.
Ninguém questiona que a União detém a titularidade sobre os serviços aeroportuários, a ela outorgados pelo art. 21, inc. XII, alínea “c” da Constituição Federal. Também não existe dúvida sobre a competência dos estados para dispor dos serviços de gás canalizado (previstos no art. 25, §2º da Carta Magna), ou então que os municípios não possam prestar direta ou indiretamente serviços de transporte coletivo urbano de passageiros (vide art. 30, inc. V da Constituição Federal).
Os direitos conferidos aos particulares para sua proteção frente a Administração no âmbito de contratações públicas não parecem impedir que a Administração Pública consensualmente decida pela nova licitação de um ativo previamente concedido, tampouco impedem a aplicação consensual para término amigável do contrato de parceria – com nítida feição da Teoria Geral dos Contratos.
A Administração, lembre-se, tem poderes para organizar a gestão de seus ativos e a prestação dos serviços sob sua responsabilidade de forma direta ou indireta, isto é, por meio da colaboração de terceiros ou por instrumentária própria. Inclusive, se houver contrato assinado de concessão pode a Administração, após superadas as formalidades legais exigíveis, encampar os serviços e os ativos inerentes para privilegiar o interesse público.
Nada mais natural do que a Administração Pública decidir, motivadamente e em comum acordo com o particular contratado, realizar a extinção amigável do contrato com o processamento de nova licitação do contrato de parceria. Esta competência lhe é inerente à gestão e ao controle dos serviços e bens constitucionalmente outorgados.
A leitura restritiva do artigo 35 da Lei nº 8.987/1995 vai na contramão destas prerrogativas e de todo o racional anteriormente exposto, limitando sobremaneira os poderes da Administração para consecução do bem comum.
Sob a ótica da competência pública para gestão dos serviços e ativos outorgados pela Constituição aos entes políticos, inexiste obrigação de haver qualquer autorização específica para que o Poder Público contratante decida realizar nova licitação dos seus ativos previamente concedidos. Basta que as autoridades observem a juridicidade dos atos necessários a consecução do interesse público, sem se preocupar com interpretações restritivas da legalidade. O importante é o respeito ao ordenamento jurídico e ao Direito, o que pode ser reforçado pelo tratamento contratual da relicitação para novos contratos de parceria.
Alguns poderiam argumentar que a questão não está na competência do Poder Público para livremente administrar seus ativos e serviços, mas sim em fazê-lo enquanto um outro contrato segue vigente. Nesta hipótese tampouco entendemos haver óbice a atuação administrativa se conjugarmos as razões ora elucidadas com os pontos anteriormente analisados. O poder de adotar soluções consensuais, em comum acordo com o contratado da parceria vigente, parece sanar fragilidades do modelo. E o fato de haver prévio tratamento contratual sobre as condições do acordo, identificando as modulações de investimento e procedimentos para relicitar o ativo, sugerem estar superados os desafios de isonomia e de segurança jurídica.
É claro que nenhum destes pontos afasta a necessidade de cuidadosa análise de proporcionalidade da utilização do instituto[61]. A decisão administrativa não pode ser meramente experimental, mas deve guardar motivação adequada para o atendimento mais eficiente do interesse público. A previsão contratual do instituto sem reflexão e/ou a condução de processo de relicitação sem a devida justificativa poderão gerar cenário problemático ao coletivo e não deve ser encorajada[62].
IV. Conclusões
Após análise da relicitação positivada pela Lei nº 13.448, de 2017, demonstrou-se que essencialmente o novo instituto compreende competências para celebração de acordos consensuais com a Administração Pública, seja para suspender processos sancionatórios de caducidade, seja para repactuar investimentos e organizar uma extinção amigável do contrato de parceria. Além disso, a relicitação traduz a prerrogativa do Poder Público para gerir e administrar os serviços e ativos que lhe foram outorgados pela Constituição Federal, podendo escolher motivadamente as formas de sua prestação e organização. É preciso cuidado e motivação adequada, mas não é impossível juridicamente fazê-lo na modelagem de novos ajustes de parceria.
Nenhuma das prerrogativas retromencionadas é nova à Administração Pública. Como explorado neste artigo, o Poder Público detém de robustas construções jurídicas para operar acordos concertados com particulares visando endereçar processos sancionatórios, inclusive daqueles advindos de relação contratual com a Administração. Adicionalmente, a Administração Pública detém de competência legal para operar acordos consensuais visando repactuar investimentos e planejar, em nome da continuidade dos serviços outorgados, a extinção de determinado contrato de parceria (ainda mais se isso estiver contratualizado ex ante). Por fim, demonstrou-se que cabe ao Poder Concedente decidir a melhor forma de organizar seus serviços e ativos, podendo decidir, justificadamente, sobre a realização de nova licitação.
O fio condutor para o exercício de todas estas competências conjugadas é a visão de que o interesse público pode ser alcançado de forma mais eficiente diante de acordos com particulares, afastando inevitáveis processos morosos/custos à Administração. Por se tratar do exercício de função administrativa, a atividade concertada do Poder Público tampouco encontra-se sem limites, devendo observar as balizas no Direito e no ordenamento jurídico para imprimir juridicidade nos acordos de relicitação.
Contrariamente do que alguns poderiam imaginar, não se faz necessário, a princípio, que o ente político publique uma lei somente para autorizá-lo a incluir em novos contratos a viabilidade de celebrar acordos de relicitação. Bastaria sólido tratamento contratual, com robusta justificativa, para viabilizar a utilização desta ferramenta pela Administração.
As críticas ao modelo, embora presentes, não parecem ser suficientes para ab intio descartar por completo a adoção de tratamento contratual para relicitação em novos contratos. Não é porque se trata de prerrogativa recente que não se pôde utilizá-la. É preciso que cada Poder Concedente avalie bem o emprego desta ferramenta caso necessária, lembrando que o segredo da sua legitimidade está na juridicidade dos atos praticados, com adequada fundamentação de cada passo dos gestores públicos.
Como resultado, entendemos comprovada a hipótese deste trabalho, no sentido de que a Administração Pública já poderia, a princípio, regrar procedimentos de relicitação em novos contratos de parceria, prevendo a possibilidade de acordos sobre sanções contratuais e extinção amigável da avença, sem que haja detalhado tratamento legislativo para cada tipo de contrato ou de setor econômico específico.
O tratamento legal serve aos contratos já celebrados e cujo conteúdo em nada tenha regulado o tema. Nestes casos, embora não aprofundados reflexos no presente trabalho, há preocupação com a isonomia advinda do processo licitatório que deu origem aos contratos de parceria e, portanto, parece necessária legislação para balizar a atuação administrativa, ainda que fosse possível argumentar pela juridicidade da medida diante das prerrogativas aqui analisadas.
É claro, contudo, o tema merece maior aprofundamento e outras perspectivas. É assunto novo, sem precedentes concluídos para demonstrar a real vantajosidade do instituto. Espera-se que o presente ensaio sirva de ponto de partida para fomentar novos debates acerca desta ferramenta, dos acordos na seara sancionadora, e da extinção amigável de contratos administrativos. Às vezes a questão não está restrita aos contratos de parceria. Quem sabe?
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[1] Entendimentos com leitura semelhante podem ser encontrados em PALMA, Juliana Bonacorsi de. Sanção e Acordo na Administração Pública. São Paulo: Ed. Malheiros, 2016; bem como em GUEDES, Francisco Augusto Zardo. Os Princípios Constitucionais da Administração Pública e os Acordos Substitutivos de Procedimentos e Sanções Administrativas. In: < http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=ada5e0b63ef60e22 >. Acessado em 28.01.2021.
[2] Também sugerimos sobre o assunto a leitura de PALMA, Juliana Bonacorsi de. Sanção e Acordo na Administração Pública. São Paulo: Ed. Malheiros, 2016. Além da autora, convém ver também as observações de MENDONÇA, José Vicente Santos de. A verdadeira mudança de paradigma do direito administrativo brasileiro: do estilo tradicional ao novo estilo. RDA – revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 265, p. 179-198, jan./abr. 2014.
[3] Cf. denominação adotada pela Lei nº 13.334, de 2016, contratos de parceria consistem em “concessão comum, a concessão patrocinada, a concessão administrativa, a concessão regida por legislação setorial, a permissão de serviço público, o arrendamento de bem público, a concessão de direito real e os outros negócios público-privados que, em função de seu caráter estratégico e de sua complexidade, especificidade, volume de investimentos, longo prazo, riscos ou incertezas envolvidos, adotem estrutura jurídica semelhante” (§2º do art. 1º).
[4] Convém ressaltar que, apesar de existirem discussões doutrinárias sobre a inclusão das sanções contratuais dentro de um conceito de sanção administrativa, entendemos aplicável a equiparação de sanções contratuais às sanções administrativas no caso concreto, dado que a sanção de caducidade é estatutária, ou seja, decorre da legislação, afetando direitos daqueles particulares que contrataram com a Administração Pública (vide art. 38 da Lei nº 8987/1995). Para entender melhor a discussão sobre o tema, recomendamos a leitura dos apontamentos realizados por Fabio Medina Osório em sua obra “Direito Administrativo Sancionador” (OSÓRIO, Fabio Medina. Direito Administrativo Sancionador. 7ª ed. São Paulo: Editora dos Tribunais, 2020).
[5] Cf. art. 38 da Lei nº 8987, de 1995, com caput transcrito a seguir: “Art. 38. A inexecução total ou parcial do contrato acarretará, a critério do poder concedente, a declaração de caducidade da concessão ou a aplicação das sanções contratuais, respeitadas as disposições deste artigo, do art. 27, e as normas convencionadas entre as partes”.
[6] Por exemplo, na forma do parágrafo único do art. 78 da Lei nº 8.666/1993.
[7] Discussão se torna ainda mais relevante diante do costume de constituição sociedades de propósito específico para celebrar contratos de parceria, uma prática que, por exemplo, é exigência do art. 9º da Lei nº 11.079/2004, envolvendo as concessões administrativas e as concessões patrocinadas.
[8] Por exemplo, um ponto constante de atrito é a discussão em função do valor de indenização devida em razão dos investimentos realizados e não amortizados nos contratos de parceria.
[9] Nesse sentido, ver opinião de Rafael Veras em breve artigo publicado na Coluna do Estado, segundo o qual o autor afirma “O instituto da relicitação, por sua vez, se configura como hipótese de extinção consensual do contrato de concessão substitutiva do procedimento administrativo de caducidade (previsto no art. 38º da Lei nº 8.987/1995). Por meio desse instituto, o concessionário inadimplente para com a (sic) suas obrigações, ao invés de se submeter a um procedimento administrativo de extinção anômala do contrato de concessão culposa, entabula a sua extinção consensual com o poder concedente” (VÉRAS, Rafael. As prorrogações e a relicitação de que tratam a Lei nº 13.448/2017: um novo regime jurídico de negociação para os contratos de concessão. In:< http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/Rafael-Veras/as-prorrogacoes-e-a-relicitacao-de-que-tratam-a-lei-n-134482017-um-novo-regime-juridico-de-negociacao-para-os-contratos-de-concessao >. Acessado em 25.01.2021).
[10] Em atenção ao praticado pelo Governo Federal, o Governo do Estado de São Paulo instituiu, mediante a Lei Estadual nº 16.933, de 2019, a relicitação no âmbito dos seus contratos de parceria, também aproveitando a legislação para regrar os pormenores visando a formalização do processo para celebração de acordo e repactuação das sanções e das obrigações contratuais, assim como para proceder nova licitação dos ativos objeto da concessão.
[11] Até a conclusão deste artigo, em dezembro de 2020, ainda não havia sido concluído nenhum processo de relicitação, com a outorga dos ativos relicitados para um novo operador privado.
[12] Infelizmente, devido ao ineditismo do tema, não foi possível levantar maiores informações dos processos de relicitação em curso, cujo conteúdo é confidencial neste estágio. Esta análise poderá ser alvo de pesquisa futura.
[13] Não se encontraram notícias sobre relicitações envolvendo concessões estaduais em São Paulo.
[14] Apesar de não apresentar crítica diretamente relacionada ao assunto (i.e. envolvendo a modelagem de novos contratos), convém trazer a opinião de Carolina Zaja Almada Campanate de Oliveira, que ilustra a situação ora questionada neste ensaio, in verbis: “Diversamente do regime até então em vigor, que se fundamentava apenas em uma lógica binária entre descumprimento e sanção, com o advento do novo marco legal passa-se a admitir que o inadimplemento contratual gere resolução amigável. Tal previsão é de extrema relevância para assegurar ao gestor a segurança jurídica necessária para optar pela solução consensual. Isso porque, mesmo antes da lei, já era possível defender que as partes entabulassem uma solução amigável diante de um problema contratual. A ausência de previsão esse sentido, contudo, demanda um elevado esforço do Poder Público em justificar a escolha pela solução consensual, enquanto as medidas legais lhe asseguravam intervir unilateralmente” (OLIVEIRA, Carolina Zaja Almada Campanate de. Contratos Administrativos Complexos e de Longo Prazo: a prorrogação antecipada e a relicitação na teoria dos contratos públicos. Dissertação apresentada para obtenção do grau de mestre apresentada à Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas. Orientador: Sérgio Guerra. Rio de Janeiro, 2018, p. 193-194). Apesar da posição favorável em face do tratamento legislativo, entendemos que a discussão do assunto deveria não deveria aceitar o caminho legal simplesmente porque torna mais fácil à Administração Pública justificar sua escolha. Conforme será explorado neste artigo, a motivação da atuação Administrativa deveria poder veicular ações para relicitação de contratos, sempre quando cabível dentro dos padrões de juridicidade (dentre os quais, o tratamento contratual ex ante da relicitação).
[15] Art. 35. Extingue-se a concessão por: I - advento do termo contratual; II - encampação; III - caducidade; IV - rescisão; V - anulação; e VI - falência ou extinção da empresa concessionária e falecimento ou incapacidade do titular, no caso de empresa individual.
[16] Como será explorado mais a diante, não será analisada a necessidade de lei para relicitação de contratos já celebrados. Nestes casos entende-se importante a existência de norma própria para endereçar o conflito de isonomia e a segurança jurídica que a relicitação posterior, sem tratamento contratual originário, poderá gerar.
[17] À época da edição da referida MP apresentou-se a seguinte justificativa na exposição de motivos da norma: “11. A Medida Provisória, de outro lado, faculta ao Poder Concedente, em comum acordo com concessionário, adotar o procedimento de relicitação de contratos de parceria vigentes no setor rodoviário, ferroviário e aeroportuário cujos parceiros demonstrem ausência de capacidade em cumprir com as obrigações assumidas contratualmente. Trata-se de alternativa inovadora de “devolução coordenada e negociada” da concessão, evitando-se o processo de caducidade, muitas vezes moroso e com longa disputa judicial, em que, normalmente, os usuários da concessão são os principais penalizados pela má prestação do serviço até a conclusão do processo. Nesse caso, deverá ser realizado estudo prévio visando garantir a viabilidade econômica e operacional do novo ajuste. A governança e a transparência foram de novo reforçadas, e a proposta de transferência, junto com os estudos, deve ser submetida a consulta pública e ao TCU. Merece destaque o fato de que eventuais indenizações devidas pelo Poder Concedente ao parceiro privado serão pagas pelo novo contratado, o que evitará o desembolso de recursos por parte da Administração Pública Federal. Também está prevista a possibilidade ao novo contratado, quando as condições de financiamento se mostrarem vantajosas ao Poder Público e viáveis aos financiadores, de assunção das dívidas adquiridas pelo antigo concessionário. 12. Nessa relicitação, o Poder Concedente terá a faculdade de reavaliar as condições originalmente pactuadas no contrato e promover a seleção de outro parceiro apto à execução do objeto. O parceiro originalmente contratado e os acionistas relevantes da empresa responsável pela execução do contrato não poderão participar do novo certame. Até a conclusão da relicitação e a assinatura do novo contrato de parceria, o antigo concessionário deverá assegurar, porém, a continuidade da prestação dos serviços essenciais, sob pena de aplicação de penalidades contratuais”.
[18] Para observações sobre a relicitação, recomendamos a leitura de GUIMARÃES, Bernardo Strobel; CAGGIANO, Heloísa Conrado. O que mudou no direito das concessões com a aprovação da MP nº 752: perguntas e resposta. In: Revista de Direito Público de Economia – RDPE. Belo Horizonte: a. 15, n. 58, p. 9-22, abr./jun. 2017.
[19] Oportuno mencionar que existem posições que consideram a norma de relicitação como normal geral de contratações públicas, com fulcro no art. 22, inc. XXVII da Constituição Federal. Não entendemos que o inteiro teor da norma possa ser interpretado sob esta feição. As normas de prorrogação contratual devem ser específicas (e o são), motivo pelo qual não correspondem a normas gerais para todos ativos federais, tampouco para contratos com os demais entes federativos. Da mesma forma, não parece que a norma de relicitação se encaixe na figura de norma geral. Em verdade, parece ser norma que se presta a reforçar a competência negocial da Administração Pública, visto que os contratos objeto da norma não detinham qualquer previsão acerca do assunto. Ao nosso ver, a discussão de normas gerais poderia ser empregada em outros dispositivos da legislação sob análise, como, por exemplo, os artigos que, constando nas disposições finais da lei, tratam de arbitragem nos contratos – já que os dispositivos reiteram definição de jurisprudência majoritária sobre o assunto.
[20] Na prática, a norma aparenta ter por objetivo específico solucionar problemas nas execuções de algumas concessões rodoviárias da 3ª rodada do programa federal, bem como em alguns aeroportos. Em ambos os casos parece ter havido excesso de otimismo pelos times de modelagem, que projetaram demanda pouco realista e exigiram investimentos na expansão da infraestrutura sem correlação com a demanda pelo uso do ativo. Isso, somado aos impactos da Lava-Jato, à crise econômica de 2013/2014, e aos lances agressivos das concessionárias nos respectivos leilões, gerou a impossibilidade de execução das concessões tal qual pactuadas.
[21] Vale mencionar as palavras de Carolina Zaja Almada Campanate de Oliveira que em dissertação de mestrado sobre o tema afirma que “o novo diploma reflete, assim, a mudança pela qual passa o Direito Administrativo: a busca por soluções flexíveis e consensuais que levam à Administração a ocupar outra posição nos contratos públicos. Transfere-se o eixo da verticalização, per se, das relações envolvendo o Poder Público, para o desenvolvimento de soluções acordadas entre as partes, que, efetivamente, sejam eficientes diante do interesse geral perseguido”. (OLIVEIRA, Carolina Zaja Almada Campanate de. Contratos Administrativos Complexos e de Longo Prazo: a prorrogação antecipada e a relicitação na teoria dos contratos públicos. Dissertação apresentada para obtenção do grau de mestre apresentada à Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas. Orientador: Sérgio Guerra. Rio de Janeiro, 2018, p. 118).
[22] Um bom parâmetro normativo para o tema é o §1º do art. 6º da Lei nº 8.987/1995, que prevê ser serviço adequado para fins de concessões aqueles serviços que satisfazem “as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas”.
[23] Cesar Pereira comenta importantes lições sobre o tema, argumentando que “ou seja, o inadimplemento pode ser de qualquer das partes e, no caso do inadimplemento do concessionário, este pode ser atual ou potencial. Não há necessidade de já se haver caracterização o inadimplemento, apenas de se comprovar que o concessionário demonstra incapacidade de continuar cumprindo o contrato ou as obrigações financeiras. As obrigações financeiras são conexas, mas não integram o contrato de parceria; bem por isso, a lei alude a obrigações originais, de modo a se evitar que o concessionário assuma obrigações financeiras novas e excessivas apenas para justificar seu enquadramento na Lei nº 13.448.” (PEREIRA, Cesar. A relicitação na Lei 13.448: previsão de relicitação nos contratos de parceria dos setores de rodovias, ferrovias e aeroportos. Artigo publicado no canal digital do Jota, acessível em: < https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-relicitacao-na-lei-13-448-29062017 >. Acessado em 25.01.2021).
[24] Art. 14. A relicitação de que trata o art. 13 desta Lei ocorrerá por meio de acordo entre as partes, nos termos e prazos definidos em ato do Poder Executivo. § 1º Caberá ao órgão ou à entidade competente, em qualquer caso, avaliar a necessidade, a pertinência e a razoabilidade da instauração do processo de relicitação do objeto do contrato de parceria, tendo em vista os aspectos operacionais e econômico-financeiros e a continuidade dos serviços envolvidos. § 2º Sem prejuízo de outros requisitos definidos em ato do Poder Executivo, a instauração do processo de relicitação é condicionada à apresentação pelo contratado: I - das justificativas e dos elementos técnicos que demonstrem a necessidade e a conveniência da adoção do processo de relicitação, com as eventuais propostas de solução para as questões enfrentadas; II - da renúncia ao prazo para corrigir eventuais falhas e transgressões e para o enquadramento previsto no § 3º do art. 38 da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995 , caso seja posteriormente instaurado ou retomado o processo de caducidade; III - de declaração formal quanto à intenção de aderir, de maneira irrevogável e irretratável, ao processo de relicitação do contrato de parceria, nos termos desta Lei; IV - da renúncia expressa quanto à participação no novo certame ou no futuro contrato de parceria relicitado, nos termos do art. 16 desta Lei; V - das informações necessárias à realização do processo de relicitação, em especial as demonstrações relacionadas aos investimentos em bens reversíveis vinculados ao empreendimento e aos eventuais instrumentos de financiamento utilizados no contrato, bem como de todos os contratos em vigor de cessão de uso de áreas para fins comerciais e de prestação de serviços, nos espaços sob a titularidade do atual contratado. § 3º Qualificado o contrato de parceria para a relicitação, nos termos do art. 2º desta Lei, serão sobrestadas as medidas destinadas a instaurar ou a dar seguimento a processos de caducidade eventualmente em curso contra o contratado.§ 4º Não se aplicam ao contrato de parceria especificamente qualificado para fins de relicitação, até sua conclusão, os regimes de recuperação judicial e extrajudicial previstos na Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 , exceto na hipótese prevista no § 1º do art. 20 desta Lei.
[25] As normas de impedimento de participar na nova licitação estão regulamentadas no art. 16, in verbis: “Art. 16. São impedidos de participar do certame licitatório da relicitação de que trata esta Lei: I - o contratado ou a Sociedade de Propósito Específico (SPE) responsável pela execução do contrato de parceria; II - os acionistas da SPE responsável pela execução do contrato de parceria titulares de, no mínimo, 20% (vinte por cento) do capital votante em qualquer momento anterior à instauração do processo de relicitação. Parágrafo único. As vedações de que trata este artigo também alcançam a participação das entidades mencionadas: I - em consórcios constituídos para participar da relicitação; II - no capital social de empresa participante da relicitação; III - na nova SPE constituída para executar o empreendimento relicitado.
[26] Art. 15. A relicitação do contrato de parceria será condicionada à celebração de termo aditivo com o atual contratado, do qual constarão, entre outros elementos julgados pertinentes pelo órgão ou pela entidade competente: I - a aderência irrevogável e irretratável do atual contratado à relicitação do empreendimento e à posterior extinção amigável do ajuste originário, nos termos desta Lei; II - a suspensão das obrigações de investimento vincendas a partir da celebração do termo aditivo e as condições mínimas em que os serviços deverão continuar sendo prestados pelo atual contratado até a assinatura do novo contrato de parceria, garantindo-se, em qualquer caso, a continuidade e a segurança dos serviços essenciais relacionados ao empreendimento; III - o compromisso arbitral entre as partes com previsão de submissão, à arbitragem ou a outro mecanismo privado de resolução de conflitos admitido na legislação aplicável, das questões que envolvam o cálculo das indenizações pelo órgão ou pela entidade competente, relativamente aos procedimentos estabelecidos por esta Lei. § 1º Também poderão constar do termo aditivo de que trata o caput deste artigo e do futuro contrato de parceria a ser celebrado pelo órgão ou pela entidade competente: I - a previsão de que as indenizações apuradas nos termos do inciso VII do § 1º do art. 17 desta Lei serão pagas pelo novo contratado, nos termos e limites previstos no edital da relicitação; II - a previsão de pagamento, diretamente aos financiadores do contratado original, dos valores correspondentes às indenizações devidas pelo órgão ou pela entidade competente nos termos do inciso VII do § 1º do art. 17 desta Lei. § 2º As multas e as demais somas de natureza não tributária devidas pelo anterior contratado ao órgão ou à entidade competente deverão ser abatidas dos valores de que trata o inciso I do § 1º deste artigo, inclusive o valor relacionado à outorga originalmente ofertada, calculado conforme ato do órgão ou da entidade competente. 3º O pagamento ao anterior contratado da indenização calculada com base no § 2º deste artigo será condição para o início do novo contrato de parceria.
[27] Art. 18. O órgão ou a entidade competente submeterá os estudos de que trata o art. 17 desta Lei a consulta pública, que deverá ser divulgada na imprensa oficial e na internet, contendo a identificação do objeto, a motivação para a relicitação e as condições propostas, entre outras informações relevantes, e fixará prazo de no mínimo 45 (quarenta e cinco) dias para recebimento de sugestões.
Art. 19. Encerrada a consulta pública, os estudos de que trata o art. 17 desta Lei deverão ser encaminhados ao Tribunal de Contas da União, em conjunto com os documentos referidos no art. 14 desta Lei.
[28] Art. 20. Na hipótese de não acudirem interessados para o processo licitatório previsto no art. 13 desta Lei, o contratado deverá dar continuidade à prestação do serviço público, nas condições previstas no incisoII do caput do art. 15 desta Lei, até a realização de nova sessão para recebimento de propostas. § 1º Se persistir o desinteresse de potenciais licitantes ou não for concluído o processo de relicitação no prazo de 24 (vinte e quatro) meses, contado da data da qualificação referida no art. 2º desta Lei, o órgão ou a entidade competente adotará as medidas contratuais e legais pertinentes, revogando o sobrestamento das medidas destinadas a instaurar ou a dar seguimento a processo de caducidade anteriormente instaurado, na forma da lei. § 2º O prazo de que trata o § 1º deste artigo poderá ser prorrogado, justificadamente, mediante deliberação do Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República (CPPI).
[29] Ver, por exemplo, a Resolução ANTT nº 5.860, de 2019, que versa da metodologia para cálculo dos valores de indenização relativos aos investimentos vinculados a bens reversíveis não depreciados ou amortizados em caso de extinção antecipada de concessões rodoviárias federais. De forma semelhante, cita-se, como outro exemplo, a Resolução ANAC nº 533, de 2019, que regulamenta os procedimentos e a metodologia de cálculo dos valores de indenização referentes aos investimentos vinculados a bens reversíveis não amortizados em caso de extinção antecipada do contrato de concessão por relicitação, caducidade ou falência.
[30] Oportuno mencionar as lições Cesar Pereira, para quem “A relicitação prevista na Lei nº 13.448 pode ser uma solução adequada para a uma investigação ou definição das causas da frustração. Será necessário que a sua regulação estabeleça as diferenças adequadas – o tratamento do contrato que descumpriu culposamente o contrato deve ser distinto daquele reservado ao que foi impedido de executar o contrato por razões alheias a sua vontade. Não basta que a exclusão das principais sanções (caducidade) fique condicionada apenas ao sucesso ou fracasso da relicitação, o que não guarda vínculo direto com a conduta do contratado. A relicitação também apresenta para o contratado riscos importantes, que devem ser tratados de modo adequado na regulamentação sob pena de inutilidade prática do instituto.” (PEREIRA, Cesar. A relicitação na Lei 13.448: previsão de relicitação nos contratos de parceria dos setores de rodovias, ferrovias e aeroportos. Artigo publicado no canal digital do Jota, acessível em: < https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-relicitacao-na-lei-13-448-29062017 >. Acessado em 25.01.2021).
[31] EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO ADMINISTRATIVO. SETOR FERROVIÁRIO. PRORROGAÇÃO ANTECIPADA DOS CONTRATOS DE CONCESSÃO. ALEGADA INCONSTITUCIONALIDADE DO § 2º DO INC. II DO ART. 6º, DOS §§ 1º, 3º, 4º E 5º DO ART. 25 E DO § 2º DO ART. 30 DA LEI N. 13.448, DE 5.6.2017. REQUERIMENTO DE MEDIDA CAUTELAR. AUSÊNCIA DE FUMUS BONI IURIS. MEDIDA CAUTELAR INDEFERIDA. (ADI 5991 MC, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 20/02/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-169 DIVULG 03-07-2020 PUBLIC 06-07-2020).
[32] Carolina Zaja Almada Campanate de Oliveira, por exemplo, defende que “Essa nova medida nasce como uma forma alternativa – e mais flexível – para lidar com um potencial ou atual descumprimento das obrigações constantes da parceria. Assim, caso as disposições contratuais já não estejam sendo atendidas ou ainda, na hipótese de os contratados demonstrarem incapacidade para cumpri-las – apontando para um eventual inadimplemento futuro – a Administração poderá optar pela via consensual de modo a resguardar a continuidade da prestação decorrente do objeto concedido”. (OLIVEIRA, Carolina Zaja Almada Campanate de. Contratos Administrativos Complexos e de Longo Prazo: a prorrogação antecipada e a relicitação na teoria dos contratos públicos. Dissertação apresentada para obtenção do grau de mestre apresentada à Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas. Orientador: Sérgio Guerra. Rio de Janeiro, 2018, p. 193).
[33] Sobre o tema de competências, recomenda-se a leitura das lições de Maurício Zokcun, in verbis: “Impõe-se ao Estado o dever-poder de tutelar o interesse público; de exercer, portanto, função. Para atingir esse desiderato, a Constituição da República prevê em seu favor um plexo de competências públicas, jungidas, que estão ao exercício das funções ou atividades públicas. Assim, a competência pública se traduz na prerrogativa jurídica conferida ao Estado que, exercida, se presta à satisfação do bem comum. Ademais, como o Estado desempenha suas funções valendo-se das correlatas competências, isso implica dizer que a cada função pública se atrela um correspondente plexo de competências. Afinal, se a ordem jurídica comunicou ao Estado os seus fins (seus deveres) previu, igualmente, os correspondentes meios (seus poderes, portanto). Assim, a competência não se traduz apenas em um poder, mas em um poder edificado em vista de um fim, qual seja, o fim do Estado: o dever de curar e realizar o bem comum.” (ZOKCUN, Maurício. Regime constitucional da atividade notarial e de registro. São Paulo: Ed. Malheiros, 2018, pp. 41-42).
[34] Ver, por exemplo, nota de rodapé 14 deste artigo.
[35] Ver Capítulo I deste mesmo ensaio.
[36] Ver, novamente, as observações de MENDONÇA, José Vicente Santos de. A verdadeira mudança de paradigma do direito administrativo brasileiro: do estilo tradicional ao novo estilo. RDA – revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 265, p. 179-198, jan./abr. 2014.
[37] Cf. BINENBOJM, Gustavo. Poder de Polícia, Ordenação, Regulação: transformações político-jurídicas, econômicas e institucionais do direito administrativo ordenador. 3ª Ed. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2020, pp. 117-119.
[38] PALMA, Juliana Bonacorsi de. Sanção e Acordo na Administração Pública. São Paulo: Ed. Malheiros, 2016, p. 267.
[39] Vide entendimento da autora: “Seu caráter negocial pragmático, focado na situação-problema, em que a consensualidade se apresenta como possível instrumento de solucionamento, enseja feição negativa da legalidade e, mesmo, a atipicidade dos termos dos acordos administrativos [...] Ocorre que a leitura da legalidade adequada à consensualidade considera a lei e o Direito, razão pela qual o fundamento legal da atuação consensual não se resume à lei formal, mas abrange também princípios e atos normativos” (Ibidem, pp. 263-302).
[40] Ainda com lições da autora: “O dever da Administração Pública de atuar conforme a lei e o Direito determinado no art. 2º Lei 9.784/1999 não significa que a Administração Pública deva necessariamente dispor de autorização expressa em texto legal para celebrar acordos administrativos. Sendo prevista a atuação consensual em norma, a Administração Pública encontra-se legitimada a atuar de forma concertada ainda que o acordo administrativo não seja previsto em lei formal, ressalvados os casos de expressa proibição legal, como se verifica com a lei de improbidade administrativa (Lei 8.429/1992). [...] No tema da consensualidade reconhece-se a vinculação negativa à lei formal. Como consequência, é discricionária a decisão do Poder Público de disciplinar em norma a atuação administrativa concertada para que possa satisfazer as finalidades públicas por meio de acordos administrativos” (Ibidem, pp. 272-273).
[41] GUERRA, Sergio; e PALMA, Juliana Bonacorsi de. Art. 26 da LINDB: novo regime jurídico de negociação com a Administração Pública. In: Rev. Direito Adm., Rio de Janeiro, Edição Especial: Direito Público na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro – LINDB (Lei nº 13.655/2018), p. 135-169, nov. 2018.
[42] Art. 26. Para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público, inclusive no caso de expedição de licença, a autoridade administrativa poderá, após oitiva do órgão jurídico e, quando for o caso, após realização de consulta pública, e presentes razões de relevante interesse geral, celebrar compromisso com os interessados, observada a legislação aplicável, o qual só produzirá efeitos a partir de sua publicação oficial. § 1º O compromisso referido no caput deste artigo: I - buscará solução jurídica proporcional, equânime, eficiente e compatível com os interesses gerais; II – (VETADO); III - não poderá conferir desoneração permanente de dever ou condicionamento de direito reconhecidos por orientação geral; IV - deverá prever com clareza as obrigações das partes, o prazo para seu cumprimento e as sanções aplicáveis em caso de descumprimento.
[43] Algumas críticas, por exemplo, tratam do alcance do dispositivo, estando aparentemente calcadas no trecho do caput que exige que os acordos sejam celebrados “observada a legislação aplicável”. Segundo esta vertente, entende-se que a leitura deste trecho juntamente com a aplicação do princípio da legalidade estrita ainda demandaria que as autoridades regulamentassem, em lei, os detalhes para o exercício da competência concertada. Outra crítica parece ser aquela que equipara o tratamento consensual às normas processuais administrativas, exigindo norma própria de cada ente federado para operar a formalização dos acordos.
[44] Art. 54. Os contratos administrativos de que trata esta Lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se-lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado.
[45] Vale observar, por completude as observações da tese de Carolina Zaja Almada Campanate de Oliveira, para quem “Interessante notar, contudo, que o distrato não é identificado como forma de se entabular extinção nas hipóteses de inadimplemento contratual. Nesses casos, ainda que haja acordo, a literatura entende que a hipótese é de rescisão unilateral, seja de que parte for.[...] Isso significa que, havendo inadimplemento, eventual acordo entre as partes teria impacto apenas nas consequências da extinção, que continuaria, contudo, sendo unilateral. Cabe esclarecer, ainda, as Leis 8.987/1995 e 11.079/2004 não listam o distrato como forma de extinção, tratando apenas do advento do termo contratual; da encampação; da caducidade; da rescisão; da anulação; ou da falência ou extinção da empresa concessionária” (OLIVEIRA, Carolina Zaja Almada Campanate de. Contratos Administrativos Complexos e de Longo Prazo: a prorrogação antecipada e a relicitação na teoria dos contratos públicos. Dissertação apresentada para obtenção do grau de mestre apresentada à Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas. Orientador: Sérgio Guerra. Rio de Janeiro, 2018, p. 194). Inversamente ao observado pela autora, entendemos sim ser possível aplicar subsidiariamente os dispositivos de rescisão concertada entre as partes para os contratos de parceria. A mera omissão desta hipótese na legislação específica não pode ser vista como vedação aos meios consensuais e devidamente justificados na juridicidade, principalmente para os casos que tais opções resguardem de forma efetiva o interesse público.
[46] Convém alertar, por outro lado, que diversos contratos de concessão expressamente apresentam dispositivos interpretativos que preveem que as parcerias são também regidas pela Teoria Geral dos Contratos. É o caso, por exemplo, do Contrato de Concessão Rodoviária para exploração da BR-116/PR/SC, celebrado no âmbito do Governo Federal.
[47] Apesar de reconhecer a existência de entendimentos no sentido de que não existiram contratos administrativos, pois a Administração somente se manifestaria por meio de atos administrativos, não acolhemos estas razões, considerando que o direito positivo reconhece aos contratos administrativos, inclusive aos contratos de parceria, características de contratos propriamente ditos, ainda que existam prerrogativas estatutárias em favor do Poder Público.
[48] Cita-se, por exemplo, as concessões administrativas para outorga dos serviços de iluminação pública dos municípios de Vila Velha/ES e Franco da Rocha/SP.
[49] O Estado de São Paulo, em que pese deter legislação sobre o assunto, aparentemente segue a tendencia de adotar regulação contratual sobre os acordos de relicitação. E isso é particularmente importante, porque há quem diga que a legislação de relicitação do estado parece estar ligada somente aos contratos de parceria dos setores de saúde, saneamento, infraestrutura de transporte e gás canalizado (leitura restrita do art. 1º, §1º da norma de relicitações do Estado). Não obstante, ao se analisar as últimas licitações é perceptível que o clausulado para relicitação vem sendo utilizado em outros projetos, por exemplo, envolvendo a concessão de parque zoológico. Tudo indica então que o Estado de São Paulo corrobora com nosso entendimento de que é possível detalhar o processo de relicitação em contratos cujos setores não estejam, em primeira vista, previstos nas respectivas legislações.
[50] Cf. mecanismos previstos na Lei 13.140, de 2015, cuja regulação da execução prática decorre quase que exclusivamente de tratamento contratual. Inclusive, também vale citar o enunciado nº 10 da I Jornada de Direito Administrativo, in verbis: “Em contratos administrativos decorrentes de licitações regidas pela Lei n. 8.666/1993, é facultado à Administração Pública propor aditivo para alterar a cláusula de resolução de conflitos entre as partes, incluindo métodos alternativos ao Poder Judiciário como Mediação, Arbitragem e Dispute Board”(disponível no seguinte endereço eletrônico: <https://www.cjf.jus.br/cjf/noticias/2020/08-agosto/i-jornada-de-direito-administrativo-aprova-40-enunciados >. Acessado em 10.02.2021.
[51] CÂMARA, Jacintho Arruda. Alteração dos Contratos Administrativos. In: Tratado de direito administrativo: licitação e contratos administrativos. 2ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019 (Tratado de direito administrativo; v. 6 / coordenação Maria Sylvia Zanella Di Pietro), pp. 337-355.
[52] O artigo ainda versa que, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, este percentual será de até 50% (cinquenta por cento) para os seus acréscimos.
[53] Um bom resumo das discussões envolvendo o tema pode ser encontrado nas lições de Jacintho Arruda Câmara, cf. CÂMARA, Jacintho Arruda. Alteração dos Contratos Administrativos. In: Tratado de direito administrativo: licitação e contratos administrativos. 2ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019 (Tratado de direito administrativo; v. 6 / coordenação Maria Sylvia Zanella Di Pietro), pp. 337-355.
[54] BARROSO, LUÍS ROBERTO. O Contrato de Concessão de Rodovias: particularidades, alterações e recomposição do equilíbrio econômico-financeiro. In: Revista de Direito da Procuradoria Geral, Rio de Janeiro (Edição Especial), 2012, pp. 186-215.
[55] Conforme retromencionado, nem todos os dispositivos da legislação poderiam ser interpretados como normas gerais para contratações públicas. No entanto, especialmente no caso de algumas normas dispostas nas disposições finais da lei poder-se-ia aprofundar discussões interessantes sobre a existência de normas gerais de contratação pública, cuja abrangência favoreceria todos os entes políticos.
[56] Vide mutatis mutandis as seguintes lições sobre as contratações tradicionalmente regidas pela Lei nº 8.666/1993: “Como se viu, a Administração está autorizada a alterar por si o contrato, modificando as prestações do contratado, tanto no aspecto quantitativo (aumento ou diminuição das prestações), como no qualitativo (modificação do projeto ou das especificações). Contudo, não pode tocar na natureza das prestações, é dizer, a própria identidade do objeto. Assim, por exemplo, é-lhe vedado exigir de empresa contratada para serviços de manutenção de elevadores o reparo de equipamentos de informático. Caso contrário, poderia estar obrigando-a a realizar coisa a que nem remotamente se obrigou e a que não está preparada” (SUNDFELD, Carlos Ari. Licitação e Contrato Administrativo: de acordo com as leis 8.666/93 e 8.883/94. São Paulo: Ed. Malheiros, 1994, p. 232).
[57] É claro que eventual contrato de concessão no qual a redução de obrigações se mostre demasiadamente intensa poderá dar azo a discussões da isonomia em face do objeto licitado. Pode ser o caso, por exemplo, de um contrato de concessão para operação de ônibus urbanos por duas linhas distintas, no qual haja a extinção integral da obrigação de circulação de veículos em uma das linhas concedidas. Ou seja, reduz-se o escopo do contrato pela metade. Nestas situações, caberá verificar se há efetivamente alteração do objeto concedido e se houve impacto na sua prestação adequada. Se houver, a negociação administrativa poderá ser tida como ilegal.
[58] Poder-se-ia falar aqui em restrição de direito pelo particular, no formato de uma sanção. Ao nosso ver, contudo, não se trataria de uma sanção na medida em que o particular acorda com os termos previamente fixados da relicitação quando (i) participa da licitação sabendo que existe tal possibilidade e (ii) aceita a negociação de acordo de relicitação nos termos expostos pelo contrato de parceria. Sob este cenário, entende-se completamente normal que uma das partes transacione seus direitos em benefício próprio (evitar penalizações e moroso processo administrativo), favorecendo o interesse público de continuidade da prestação adequada do serviço e/ou gestão do ativo público.
[59] Art. 113. A proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro.
[60] Note-se que não se está defendendo que contratos sem qualquer previsão sobre o assunto poderiam se valer de processos de relicitação sem autorização legislativa. Como esclarecido, um dos limites para celebração deste tipo de acordo é o ordenamento jurídico. A isonomia licitatória somente se faz presente neste tipo de acordo se a possibilidade do acordo de nova licitação for prevista desde o primeiro momento, na licitação de origem. Caso se esteja com contratos em curso, seria preciso haver lei autorizando a sua relicitação, de forma a traduzir opção do legislador para excepcionar a isonomia licitatória. Acredita-se que este é o maior motivo jurídico da legislação de relicitação federal, qual seja, alcançar contratos passados.
[61] O Tribunal de Contas da União parece apresentar leitura cética do instituto da relicitação. É preciso tomar cuidado e justificar devidamente a inclusão da opção de relicitação nos contratos de parceria, ainda que novos contratos. Na ocasião do Acórdão nº 1096/2019, Plenário, o voto do Min. Rel. Bruno Dantas ponderou que “não é recomendável a inclusão da novel hipótese de extinção do contrato [relicitação] antes da sua regulamentação e, principalmente, antes de o Poder Concedente sequer testar a sua aplicação nos específicos casos concretos para os quais instituto foi criado”. As justificativas apresentadas pelo Ministro seriam, em resumo, (i) a criação de incentivos para descumprimento do contrato, sobretudo daqueles com obrigações de investimento no final do prazo de vigência; (ii) aumento do risco moral, com assimetria de informações do prestador para o contratante e o regulador; e (iii) aumento de custos regulatórios para fiscalização da concessão, principalmente considerando o caráter embrionário do acordo de relicitação.
Apesar de serem preocupações relevantes, entendemos não ser possível afastar a possibilidade de se utilizar ferramentas em favor da Administração sob o simples pretexto de que o mecanismo complica a execução contratual, exigindo fiscalização e acompanhamento mais aprofundado pelo órgão contratante. É dever-poder da Administração realizar tais tarefas constituindo a reliciação em uma ferramenta adicional para, a critério do Poder Concedente, auxiliar na continuidade da prestação adequada de serviços ao Estado e/ou à população.
[62] Vale citar mais uma vez as palavras de Carolina Zaja Almada Campanate de Oliveira, in verbis: “Contudo, em se tratando de um instrumento que envolve inadimplemento contratual, inviabilidade dos ajustes e problemas de modelagem, a sua interpretação e aplicação devem ocorrer em um contexto bem delimitado. Assim, quando a lei fala em contratos de parceria “cujas disposições não estejam sendo atendidas” ou “cujos contratados demonstrem incapacidade de adimplir as obrigações contratuais ou financeiras assumidas originalmente”, não é possível interpretá-la de modo a admitir a aplicação da relicitação nos casos em que o investidor vê suas expectativas frustradas e, assim, resolve restituir o objeto adjudicado. Um governo que aceita devoluções com muita facilidade, indica ao mercado que ele pode ser menos conservador quando da licitação. As propostas apresentadas podem ser menos críveis — podem considerar, por exemplo, aumentos de demanda não amparados pela realidade e superestimar o crescimento econômico —, já que, uma vez não efetivadas as suas projeções, basta realizar um acordo com o Poder Concedente, suspender investimentos e extinguir o contrato. As falhas envolvendo risco moral e seleção adversa em futuras licitações poderiam se multiplicar.” (OLIVEIRA, Carolina Zaja Almada Campanate de. Contratos Administrativos Complexos e de Longo Prazo: a prorrogação antecipada e a relicitação na teoria dos contratos públicos. Dissertação apresentada para obtenção do grau de mestre apresentada à Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas. Orientador: Sérgio Guerra. Rio de Janeiro, 2018, p. 189).
Advogado de infraestrutura e regulatório do Madrona Advogados. Professor visitante do MBA de Saneamento Ambiental da FESP/SP. Mestrando em Direito Administrativo pela PUC-SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GALLACCI, Fernando Bernardi. Direito administrativo sancionador e consensualidade: Uma Análise da Regulação do Acordo de Relicitação em Contratos de Parceria Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 out 2021, 04:35. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57306/direito-administrativo-sancionador-e-consensualidade-uma-anlise-da-regulao-do-acordo-de-relicitao-em-contratos-de-parceria. Acesso em: 23 dez 2024.
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