PÁRIS CHAVES TEIXEIRA[1]
(coautor)
Resumo: O presente trabalho busca demonstrar como o Estado brasileiro penaliza as empresas por tentarem pagar menos tributos em um ambiente tributário caótico que o próprio estado criou, por meio da análise do caso da UNILEVER no CARF.
Palavras-chave: Estado; Tributos; Empresas; UNILEVER; CARF.
Abstract: The main goal of this article is to demonstrate how the Brazilian state penalizes companies with lots of taxes specially when they try to pay less. This is going to be demonstrated from the UNILEVER case on the CARF that will be exposed in the next lines.
Keywords: State; Taxes; Companies; UNILEVER; CARF.
Sumário: 1. Introdução – 2. O Julgamento Da Unilever No Carf – Demonstração Dos Benefícios Que O Caos Tributário Gera Para O Estado – 3. Conclusão – 4. Referências Bibliográficas.
1.INTRODUÇÃO
Após a revolução industrial, o capitalismo saiu de um sistema mercantilista em que a busca dos excedentes eram provenientes da exploração de colônias e partiu para uma lógica de mercado, na qual surgiram as empresas que disputam pelo mercado consumidor por meio da competividade de preços.
A utilização de menos recursos para a produção a fim de reduzir os preços é chamada de produtividade, de maneira a evidenciar que o ganho de produtividade é a mais pura essência do capitalismo moderno. Tal característica é tão latente que surgiu a necessidade de criar companhias limitadas, a fim de proteger o empresário dos riscos patrimoniais dessa competição.
Em um ambiente econômico saudável cabe ao Estado garantir a institucionalidade e a inexistência de distorções materiais nessa disputa por mercado. Entretanto, o Brasil não funciona dessa forma, já que as distorções sistêmicas, frutos principalmente do patrimonialismo e burocracia, prejudicam o ambiente de negócios nacionais.
No tocante ao sistema tributário não é diferente. A forma de arrecadação brasileira é assaz complexa e confusa, com uma grandiosa gama de variáveis fiscais que tornam a questão tributária fundamental na competividade da companhia. Neste ínterim, as pessoas jurídicas brasileiras tentam de todas as formas adequar seus negócios para que se estabeleça uma forma de destinar menos capital a tributos.
A doutrina pátria distingue os conceitos de elusão e elisão fiscal. A primeira é uma prática considerada lícita e decorre do planejamento do contribuinte, de modo que, dentro dos cânones do ordenamento jurídico, consiga a redução da carga tributária. Já a elisão é repudiada pela jurisprudência e pela legislação, por caracterizar simulação, vicio de natureza absoluta do negócio jurídico. Inclusive, há autorização legal, no art. 166, parágrafo único, do CTN, para que o a autoridade pública compete desconsidere os atos eivados de tal irregularidade.
Todavia, a fiscalização fazendária brasileira, em muitas ocasiões, considera a prática acima descrita uma verdadeira simulação tributária, como se a tentativa empresarial de se beneficiar da desorganização deste ramo, gerada pelo próprio estado, fosse um abuso por parte das empresas.
2.O JULGAMENTO DA UNILEVER NO CARF – DEMONSTRAÇÃO DOS BENEFÍCIOS QUE O CAOS TRIBUTÁRIO GERA PARA O ESTADO
O caso em questão trata de três processos administrativos envolvendo contribuições para o COFINS e o PIS/PASEP, todas devidas pela UNILEVER:
No processo 19515.001904/2004-12, alegou a DRF de São Paulo que, com exceção dos meses de julho e agosto, todas as demais contribuições do ano de 2001, bem como de 2002 e 2003 completos, não foram suficientemente recolhidas pela mencionada empresa, nos moldes da lei 10.147/00, pelas razões que a seguir se expõem (questão também apontada nos demais processos semelhantes).
De início, importa mencionar que a UNILEVER é reconhecida como indústria de artigos de higiene e beleza, com a alíquota de COFINS estipulada por lei em 10,3% da receita da venda desses artigos. A primeira razão das alegações da DRF de São Paulo reside no fato de a UNILEVER ter descaracterizado parte das operações do ramo de higiene e beleza, passando a enquadrá-las como oriundas de comercialização, tudo a fim de não ser cobrada pelos impostos incidentes nesta atividade.
A segunda razão é que a UNILEVER destacou parte do seu patrimônio – mais especificadamente, o representado pelas suas unidades industriais filiais responsáveis pela fabricação dos produtos de higiene e beleza –, transformando-a na empresa IGL industrial LTDA. Assim, a produção dos produtos ficou por conta da IGL, enquanto a UNILEVER se tornou apenas sua comercializadora.
Isso nos conduz a terceira razão, pois a prática acima mencionada ensejou a redução de preços para a UNILEVER, fato entendido pela fazenda como simulação para diminuir a carga da COFINS, já que a IGL industrial não possui autonomia empresarial, não dispondo de autonomia de produção (afinal, a IGL fabrica as fórmulas e o “know how” da UNILEVER da Holanda).
A IGL industrial também não possui autonomia de comercialização, pois quem determina as vendas a serem realizadas é a própria UNILEVER. Ademais, a presidência de ambas as empresas é concentrada na mesma pessoa, de forma que a IGL é tratada como filial da UNILEVER, a possibilitar a autonomia de gestão e de políticas, mesmo porque até os funcionários de uma são confundidos com os da outra.
A quarta e derradeira razão é o fato de equipararem-se a estabelecimento industrial, de acordo com o art. 9º, IV, do regulamento do IPI, os estabelecimentos comerciais de produtos cuja industrialização tenha sido realizada por outro estabelecimento da mesma firma ou de terceiro, mediante a remessa, por eles efetuada, de matérias-primas, produtos intermediários, embalagens, recipientes, moldes, matrizes ou modelos.
Assim, a fazenda demonstrou uma tabela do débito, alegando a necessidade de juros moratórios na taxa Selic e multa de oficio em 75% em cima do saldo demonstrado da COFINS devida. A delegacia regional de julgamento de fortaleza, por meio do Acórdão nº 0821.793, de 20 de setembro de 2011, julgou parcialmente procedente o lançamento original de COFINS, no valor total de mais de um bilhão de reais.
O acordão da DRJ teve por efeito reconhecer o direito de abater os recolhimentos realizados pela IGL em razão de entender que, uma vez configurada uma mesma unidade econômica para fins de tributação monofásica, os recolhimentos efetuados pela IGL devem ser considerados pagamento antecipado pela contribuição objeto do lançamento.
A empresa entrou com um recurso voluntário perante o CARF alegando:
1. Nulidade de autuação por cerceamento do direito de defesa em razão da imprecisão na descrição da infração e da capitulação legal;
2. Nulidade do lançamento por ausência de norma legal que imputasse a sujeição passiva da COFINS monofásica ao distribuidor e a ausência do suporte fásico para incidência da norma da COFINS, visto que a recorrente desde 2001 não seria empresa industrializadora ou importadora dos bens tratados na lei 10.147/00, mas apenas sua revendedora atacadista – isso acarretaria erro insanável na eleição do sujeito passivo da obrigação tributária;
3. Nulidade da decisão de 1ª instância por alteração da premissa do lançamento, eis que o agente fiscal a teria autuado por simulação absoluta e industrialização por encomenda e o julgador de primeira instância assentou que não teria havido simulação absoluta, bem como que não houve industrialização por encomenda, e sim elusão fiscal (planejamento tributário com fraude à lei e abuso de direito), fatos não invocados no auto de infração e sem fundamentos legais apontados;
4. No mérito, não teria ocorrido a suposta falta ou insuficiência de pagamento da COFINS sobre o faturamento, vez que os documentos colacionados aos autos demonstrariam o efetivo recolhimento, sendo que procedimento adotado pela autoridade fiscalizadora implicaria a cobrança em duplicidade de COFINS contra a IGL e a UBR;
5. Inexistência de industrialização por encomenda, sendo impossível a equiparação a industrial. Sobre o tema, aduz, outrossim, que o encomendante, em uma relação de industrialização por encomenda, e que somente se tornou sujeito passivo da obrigação de pagar COFINS monofásica com o advento da Lei 10.833/03 (art. 25);
6. Não caberia à d. Fiscalização questionar o fundamento pelo qual determinada operação societária foi realizada, muito menos questionar os eventuais benefícios trazidos pela adoção de tal estrutura societária, não havendo qualquer óbice em realizar operações de reorganização societária apenas com o fito de redução da carga tributária
7. A norma contida no parágrafo único do art. 116 do CTN, verdadeira norma anti-evasão, a autoridade administrativa somente poderá desconsiderar as operações em que os atos ou negócios jurídicos tenham sido praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, e as operações realizadas pela recorrente estariam dentro dos limites da legalidade e não configuram dissimulação, uma vez que nada é ilícito, oculto, fingido, falso ou de má-fé;
8. O conceito de simulação envolve sempre uma realidade fática destoante de uma realidade jurídica, o que jamais ocorreu ou foi demonstrado na relação entre a recorrente e a IGL, pois as empresas são efetivamente distintas, sendo que a IGL Industrial tem autonomia na aquisição de insumos, na gestão de políticas e na contratação, possuindo diversos clientes além da recorrente;
9. Que é da praxe negocial, no ramo das empresas distribuidoras de produtos de consumo vendidos como marca própria, a sua aquisição de estabelecimentos industriais, sendo que a empresa comercial se concentraria exclusivamente na promoção, venda e distribuição dos produtos, deixando a respectiva fabricação nas mãos de empresa industrial dedicada apenas a esta atividade e, portanto essa arquitetura de negócio não se daria com o fito único de economizar tributos
10. Para configurar elusão, é indispensável que se use de negócios jurídicos atípicos ou indiretos, desprovidos de “causa” ou organizados com simulação ou fraude à Lei, o que não ocorreu no caso concreto, não se tratando de negócios atípicos, indiretos, desprovidos de causa ou organizados com simulação ou fraude à lei;
11. A necessidade de especialização nas áreas de produção e distribuição seria o propósito negocial a justificar a estrutura da recorrente e da IGL;
12. A pretensão fiscal de tributar uma unidade econômica, como no caso, seria tributar por analogia, o que não encontra guarida no ordenamento brasileiro.
A Fazenda Nacional, em suas contrarrazões contestou todas as alegações da Recorrente. O Conselheiro FERNANDO LUIZ DA GAMA LOBO D'EÇA, relator do processo, admitiu os recursos voluntário e de ofício, e inadmitiu a alegação de simulação do ato de desmembramento das atividades da UNILEVER em varias empresas do mesmo grupo, por esse fato estar autorizado pela Lei Comercial e Tributaria. Citou ainda a seguinte jurisprudência:
Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ. Exercício. 2002
Ementa: SIMULAÇÃO INEXISTÊNCIA Não é simulação a instalação de duas empresas na mesma área geográfica com o desmembramento das atividades antes exercidas por uma delas, objetivando racionalizar as operações e diminuir a carga tributária.
OMISSÃO DE RECEITAS SALDO CREDOR DE CAIXA DEPÓSITOS BANCÁRIOS DE ORIGEM NÃO COMPROVADA
- A reunião das receitas supostamente omitidas por duas empresas para serem tributadas conjuntamente como se auferidas por uma só importa em erro na quantificação da base de cálculo e na identificação do sujeito passivo, conduzindo à nulidade do lançamento. Recurso provido. (cf. Acórdão n° 103
23.357 da 3ª Câm. do 1º CC, Rec. nº 149.524, Proc. n° 11516.002462/200418, em sessão de 23/01/08, Rel. Cons. Paulo
J. Nascimento)
ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS IPI •
Período de apuração: 01/01/2001 a 31/12/2001
IPI. SIMULAÇÃO. INEXISTÊNCIA.
Não é simulação a instalação de duas empresas na mesma área geográfica como desmembramento das atividades antes exercidas por uma delas, objetivando racionalizar as operações e diminuir a carga tributária.
(...)
MULTA DE OFICIO QUALIFICADA. SIMULAÇÃO. INEXISTÊNCIA.
Inexistindo a Simulação imputada ao contribuinte, é de se reduzir o percentual da multa de Oficio de 150% para 75%.
JUROS DE MORA.. TAXA SELIC.
É cabível a cobrança de juros de mora sobre os débitos para com a União decorrentes de tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil com base na taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia Selic para títulos federais.
INTIMAÇÕES. DESTINATÁRIO.
Dada a existência de determinação legal expressa, as notificações e intimações devem ser emitidas em nome do sujeito passivo e endereçadas ao domicílio fiscal por ele eleito.
Recurso voluntário provido em parte.(Acórdão n° 20181.306 da 1ª Câm. do 2º CC, Rec. nº 132.617, Proc. nº 11516.002464/200407, em sessão de 06/08/08, Rel. Cons. Walber José da Silva)
Nas palavras do relator:
Incabível o emprego de analogia ou interpretação extensiva, para a instituição ou imputação de obrigação tributária (arts. 108, § 1º e 111, inc. III do CTN), não prevista expressamente na descrição da lei tributária especifica (...) Tratando-se de atividade administrativa vinculada e obrigatória sob pena de responsabilidade funcional (arts. 141 e 142 do CTN), não é lícito à autoridade lançadora dispor discricionária ou unilateralmente sobre os elementos constitutivos e estruturais da obrigação tributária, eis que como demonstrado, somente a lei há de definilos e valorálos, de modo que o crédito tributário dela decorrente seja determinado exclusivamente pela lei.
Assim, o recurso voluntário da defesa foi provido, reformando parcialmente a decisão recorrida e julgando improcedente a acusação e as exigências fiscais remanescentes.
No processo 19515.001905/200467, porém o Conselheiro Alexandre Kern entendeu que nos autos inexistiam provas sobre aumento em seu poder de mercado, ganho de escala ou qualquer outra vantagem econômica que tenha sido obtida pelo grupo empresarial em decorrência da reorganização na empresa. Defendeu, portanto, que a transferência de atividades industriais da UNILEVER para a IGL evidenciava o intuito de se esguiar de uma tributação específica, sendo incontestável a simulação, de sorte que os negócios praticados seriam inoponíveis ao Fisco.
Este caso deixa flagrantemente exposto que é tênue o limite entre o planejamento tributário e uma simulação ou abuso cometido por parte do ramo empresarial.
3.CONCLUSÃO
O Estado deveria garantir um ambiente isonômico no qual as empresas pudessem competir e ganhar produtividade. No entanto, as forças políticas brasileiras produziram um sistema tributário completamente caótico e de difícil compreensão, fazendo com que a competitividade das companhias resida praticamente de forma singular em pagar menos tributos.
Dessa forma, uma vez já existente toda essa complexidade tributária, caberia à Fazenda interpretar de forma mais legalista e menos finalística os planejamentos tributários, a fim de reconhecer que é comportamento natural das empresas a busca por reduzir a carga tributária.
4.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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MOTTA, Mayra; VIOLA, Ricardo. Planejamento Tributário e Teoria da Prova – uma análise acerca da atuação do CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. 2019. 95 f. Disponível em: http://repositorio.ufu.br/handle/123456789/26417. Acesso em: 5 jul. 2021.
TIMOTEO, Jhoyce. Planejamento tributário: os limites entre o crime e as práticas de eficiência tributária. 2018. 77 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2018. Disponível em: http://dspace.mackenzie.br/handle/10899/20036. Acesso em: 5 jul. 2021.
[1] Bacharel em Ciências Sociais e Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba - UFPB
Advogado. Bacharel em Ciências Sociais e Jurídicas.
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