VALDIVINO PASSOS SANTOS[1]
(orientador)
RESUMO: É inovador no ramo do Direito de Família, a problemática de como se dará a incidência da obrigação da prestação de alimentos ao filho decorrente da inseminação caseira nas relações homoafetivas após a separação, tendo em vista a incidência da afetividade nas relações de pais e filhos. Será estudado o reconhecimento da filiação tratada nos casos da reprodução assistida, e consequentemente, na inseminação caseira, dado que esse procedimento ainda não foi incluído no ordenamento jurídico, mas que já está inovando no âmbito jurisprudencial; apresentando como pode ser presumida a paternidade nas uniões estáveis de casais do mesmo sexo, que após dissolução, os filhos provenientes da relação conjugal sejam reconhecidos como tal, não havendo nenhuma diferença entre filho biológico e não biológico, visando o melhor interesse para criança, exercendo, não só os direitos e deveres, mas a subjetividade existente no vínculo de pais e filhos que surge antes mesmo do nascimento. A pesquisa é baseada em um estudo utilizando doutrinas, legislação e jurisprudências em cima da temática principal do artigo, sendo possível verificar que se deve obrigar o companheiro ou companheira, desde que comprovados determinados requisitos que serão abordados a seguir.
Palavras-chave: Pensão Alimentícia; Inseminação caseira; Reconhecimento da filiação; União homoafetiva.
ABSTRACT: It is innovative in the field of Family Law, the problem of how the incidence of the obligation to provide food to the child resulting from home insemination will occur in homosexual relationships after separation, in view of the incidence of affection in relations between parents and children. The recognition of filiation will be studied in cases of assisted reproduction, and consequently, in home insemination, since this procedure is not yet inserted into the legal system, but is already innovating in jurisprudence; presenting how paternity can be presumed in the stable unions of same-sex couples, that after dissolution, the children from the conjugal relationship are recognized as such, with no distinction between biological and non-biological children, aiming at the best interest of the child, exercising not only the rights and duties, but the subjectivity existing in the bond between parents and children that arises even before birth. The research is based on a study using doctrine, legislation, and case law over the article’s main theme, being possible to verify that the partner should be obliged, provided that certain requirements that will be addressed below are proven.
Keyword: Child support; Home insemination; Acknowledgement of parentage; Homo-affective union.
É de fundamental importância o estudo sobre a inseminação caseira e suas consequências jurídicas nas relações homoafetivas. Sendo específica, no tocante a prestação de alimentos após separação desses casais. Sendo assim, o parceiro tem a obrigação de pagar pensão alimentícia para o filho havido de inseminação artificial caseira, no caso da separação de casais homoafetivos?
O motivo para a escolha desse tema aconteceu com base numa reportagem transmitida no programa de televisão “Fantástico” da rede Globo, onde foi mostrando o caso de um casal homoafetivo feminino que uma das parceiras desistiu do projeto parental feito por inseminação caseira. Dessa forma, após sete meses de união estável, acabaram se separando, por não ter mais interesse de ser mãe, e a outra parceira, por não ter condição de criar o filho, sozinha, ajuizou uma ação para conseguir meios para auxiliar na criação dessa criança, resultando na determinação do pagamento de alimentos gravídicos à ex-companheira e a divisão dos gastos futuros com o nascimento da criança, conforme decisão da 2.ª Vara da Família e Sucessões da capital paulista, explicado na notícia “Mulher que desistiu de projeto parental terá que pagar alimentos gravídicos à ex-companheira” no site do IBDFAM (ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DO IBDFAM, 2020).
Diante desse ensejo, é interessante como há um conflito muito complexo que deve ser muito bem analisado pelo juiz. Primeiramente, essa prática da inseminação caseira não é regulamentada, porém, não é proibida, fazendo com que muitos casais homoafetivos optem por ela e pelo motivo de ser mais em conta que a artificial. Entretanto, para fins jurídicos, essa relação irá interferir na área cível, especificamente, no direito de família, na união estável, na sucessão, e na área de constitucional, nos direitos fundamentais do ser humano. Consequentemente, será esperado que o resultado desse artigo seja demonstrar que o parceiro/parceira poderá ser obrigado ou não ao pagamento de pensão alimentar para filho provindo da inseminação caseira após separação de casais homoafetivos.
A relação homoafetiva é um grande marco da sociedade moderna, comprovando que a sociedade está sempre em evolução, ainda que, no Direito, a relação homoafetiva precisa ser analisada de forma análoga à heteroafetiva, por não ter legislação específica, em alguns casos. Em vista disso, já existem casos jurisprudenciais sobre as consequências jurídicas da inseminação autorizando o registro de dupla maternidade, como trata a do Recurso de Apelação 0001178-13.2020.8.16.0179 do TJPR que conheceu e proveu o registro (BRASIL, 2020).
Sendo assim, autorizado o registro de nascimento com o pai ou a mãe socioafetiva decorrente da inseminação caseira e reconhecida a filiação, verifica-se que dela irá decorrer direitos e obrigações, gerando efeitos naturais de qualquer outro tipo de filiação comum, como a biológica, por exemplo, dando origem à chance de o filho afetivo receber pensão alimentícia (CASTRO; JACOB; CASTRO-JACOB, 2017).
Continuando com o entendimento de Castro, Jacob, Castro-Jacob (2017), mostrando que de outro lado, com um olhar mais atento ao social, que defende essa possibilidade, de situar a criança afetiva como sujeito de direitos e deveres na família em que ela está inserida. Em relação obrigação de alimentar, fundamenta-se nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da solidariedade, da igualdade jurídica dos filhos, da proteção integral às crianças e adolescentes e, ainda na esfera da afetividade, a possibilidade de se estender aos filhos não biológicos a obrigação alimentar.
E ainda conforme os advogados Castro, Jacob, Castro-Jacob (2017), devido às mudanças históricas e legislativas, percebe-se que as relações de parentesco passou por alterações, onde a verdade real caracterizada pelo vínculo de consanguinidade deu lugar às relações afetivas, em que a família atende sua função social em que seus integrantes são responsáveis solidários uns pelos outros e estão envolvidos pelo sentimento de amor, afeto, esse que está trazendo mudanças e adaptando o mundo jurídico com inovações do Direito de Família.
Dessa forma, no primeiro capítulo, será demonstrado se é possível o reconhecimento da filiação para que o filho tenha o direito de pleitear alimentos, conforme artigo 1.596 do Código Civil; conhecerá sobre o que é inseminação caseira, como é feita, os riscos e benefícios, conforme o advogado Eudes Quintino (2017, não paginado) e a repórter da Revista Pais e Filhos, Cinthia Jardim (2021, não paginado), para entender o porquê de as pessoas utilizarem esse método para a realização do sonho de ter filhos; demonstrará, se é possível ou não a prestação de alimentos para um filho havido de inseminação caseira no caso da separação de casais homoafetivos, tendo em vista que já é válido, a presunção de paternidade ou maternidade na união estável, conforme a ADPF n.º 132; e por fim, mostrará que mesmo o filho sendo considerado de “outra origem”, ele tem a mesma relação de parentesco que o biológico, conforme preleciona Carlos Roberto Gonçalves (2020, 384-385), que:
O art. 1.593 do Código Civil ao utilizar a expressão “outra origem”, também “abre espaço ao reconhecimento da paternidade desbiologizada ou socioafetiva, em que, embora não existam elos de sangue, há laços de afetividade que a sociedade reconhece como mais importantes que o vínculo consanguíneo”.
Esse presente estudo está sendo realizado pelo método de pesquisa descritiva e explicativa, tem por interesse demonstrar ser possível o obrigar o parceiro a pagar pensão alimentícia para um filho havido de inseminação artificial caseira no caso da separação de casais homoafetivos, contudo que haja a comprovação de união estável ou o casamento, haja vista ser um assunto que retornou recentemente no ordenamento jurídico mostrando que a sociedade está sempre em mudanças.
Para entender a perspectiva principal do artigo, será utilizado o método dedutivo, caracterizando a pesquisa no tema inicial da inseminação caseira e suas consequências jurídicas no âmbito alimentar, após, foi mostrada suas variáveis como o reconhecimento da filiação, os direitos do filho biológico e filho afetivo, a equiparação da união estável com o casamento, e, consequentemente, a validade da presunção de paternidade/maternidade na união estável heteroafetiva e homoafetiva, já que é pacifico entendimentos jurisprudenciais acerca dessa nova estrutura familiar.
A técnica de dado utilizada será qualitativa, fazendo pesquisas bibliográficas e documentais realizada a partir de obras doutrinarias, jurisprudências, legislações e notícias, investigando os aspectos jurídicos do filho oriundo da inseminação artificial, comparado com o filho biológico, na relação homoafetiva após a separação.
2 DOS CRITÉRIOS PARA O RECONHECIMENTO DA FILIAÇÃO
Para uma compreensão maior do ser humano, é fundamental compreender que ele é um todo tridimensional, em simultâneo, ao mesmo tempo, uma parte genética, afetiva e ontológica. Entendendo que a família do século XXI não é formada como a do passado, com a finalidade de procriação, mas, especialmente, com a liberdade de constituição democrática, afastando-se os conceitos prévios, principalmente os religiosos, enquanto “família é linguagem, diálogo, conversação infinita” (WELTER, 2009, p. 20) e de modos como esses três mundos (genético, afetivo e ontológico), tendo às ordens todos os direitos e desejos deles (WELTER, 2009).
De modo a compreender melhor acerca das consequências jurídicas da inseminação caseira em relação à prestação de alimentos após a dissolução da união de casais homoafetivos, primeiramente, é preciso destrinchar como se dá as relações de parentesco, que segundo Carlos Roberto Gonçalves (2020, p. 382), “as pessoas unem-se em uma família em razão de vínculo conjugal ou união estável, de parentesco por consanguinidade ou outra origem, e da afinidade”.
Para Maria Berenice Dias (2021, p. 192) “as relações de parentesco são os vínculos decorrentes da consanguinidade e da afinidade que ligam as pessoas a determinado grupo familiar”. E Flávio Tartuce (2021, p. 2291) conceitua a relação de parentesco como sendo “o vínculo jurídico estabelecido entre pessoas que têm mesma origem biológica (mesmo tronco comum); entre um cônjuge ou companheiro e os parentes do outro; e entre as pessoas que têm entre si um vínculo civil”.
No Direito Civil brasileiro existem 3 (três) categorias de modalidades de relações de parentesco: o civil, o natural ou consanguíneo e o por afinidade. Mas com intuito dessa demonstração, será apresentado apenas o por afinidade, sendo esta “considerada um vínculo de menor intensidade, mas que não se justifica sua distinção, pois essa visão estreita não supera hoje o conteúdo socioafetivo ampliador das relações familiares” (DIAS, 2021, p. 192).
Considerando que, com o desenvolvimento das técnicas de reprodução assistida e da introdução da inseminação caseira, é iminente que esses novos vínculos de parentescos possam surgir; dessa forma, a redação do artigo 1.593 do Código Civil (2002, não paginado), onde se fala em “outra origem”, traz consigo a visão de que não é somente as relações biológicas reconhecidas, mas que já é possível o reconhecimento das relações de parentescos socioafetivas, podendo até ser tão fortes e importantes quanto a biológica (GONÇALVES, 2020).
Em razão disso, no direito de família, o interesse pela sociafetividade foi despertado nos juristas, simultaneamente em que eles se atraíram pela verdade quase absoluta da origem biológica, atestada por exames de “DNA”, mas a vida familiar é cheia de complexidades que não pode, as dimensões culturais, afetivas e jurídicas do genitor (a), estar suscetível a um exame laboratorial (PAULO, 2018).
Dessa forma, surge o instituto da filiação que não é nada mais que a relação jurídica que associa o pai ao seu filho (GONÇALVES, 2020, p. 402). Quando se fala nesse instituto e no reconhecimento de filho, tem-se como referência a verdade biológica, buscada sendo considerada a decorrência do vínculo de consanguinidade, que a partir de acontecimentos históricos no avanço científico, possibilitou a descoberta de identificar o “DNA” para a comprovação da filiação (DIAS, 2021). Em contraposição, conforme preceitua Dilvanir José (2008, p. 35):
Apesar de sua extraordinária valia na pesquisa da verdade científica da filiação, o “DNA” não tem valor absoluto e decisivo em todas as circunstâncias, na determinação da verdade real e cultural da filiação, diante de determinadas circunstâncias e dos novos rumos e valores emergentes da filiação socioafetiva na vida moderna. É a nova virada da doutrina e da jurisprudência, inclusive do Superior Tribunal de Justiça.
É visto que o estado do reconhecimento da filiação não está mais obrigatoriamente vinculado a forma exclusiva da origem biológica, mas também, outros fatores como adoção e as técnicas de reprodução assistida. Predominando “hoje a identidade cultural ou socioafetiva, como componente maior da identidade real das pessoas, que não são objetos, mas seres humanos dotados de razão, vontade livre, sentimento, personalidade e dignidade” (DA COSTA, 2008, p. 36).
Nesse viés, para Paulo Lôbo (2018), no sentido estrito, a socioafetividade tem ocorrido no Brasil com a definição de que são relações de “parentesco não biológico, de parentalidade e filiação” (2018, p. 20), especialmente quando em confronto com os vínculos de origem biológica. Com o problema desse artigo, demonstrado que para os seres integrantes de grupos familiares, a sociafetividade é um fruto de longa evolução considerando a afetividade desenvolvida na sociedade moderna, o afeto por ser um fato social e psicológico, por si só não consegue obrigar juridicamente alguém de tê-lo, mas deve ser usado como referência.
Prosseguindo com Paulo Lôbo (2018, p. 164), a filiação socioafetiva em sentido estrito, no direito brasileiro, pode-se realizar quando os seguintes requisitos são observados:
a) Comportamento social típico de pais e filhos. O comportamento que se tem entre pais e filhos deve ser aferível socialmente. É típico porque se repete de modo subjetivo e objetivo em todos os relacionamentos equivalentes, de modo que qualquer pessoa possa identificá-los como os que ocorrem regularmente entre pais e filhos; b) convivência familiar duradoura. O comportamento social típico de pais e filhos apenas se consolida quando ocorre convivência familiar, ou seja, quando essas pessoas integrem uma entidade familiar juridicamente reconhecida e convivam assim. Essa convivência há de ser duradoura e não episódica. O direito brasileiro não impõe um tempo determinado para que se caracterize a convivência familiar, mas há de ser suficiente para que se identifiquem laços familiares efetivos e não apenas relações afetivas; e c) relação de afetividade familiar. As relações entre as pessoas devem ser de natureza afetiva e com escopo de constituição de família, para que se constitua estado de parentalidade e de filiação. Devem ser desconsideradas como tais as que tenham outro escopo ou interesse, ainda que haja convivência sob o mesmo teto. Assim, não há afetividade familiar no acolhimento doméstico que uma pessoa dá a uma criança desabrigada, ou na relação social entre padrinhos e madrinhas e seus afilhados, ou na prática de apadrinhamento de criança que viva em instituição de acolhimento.
O resultado das hipóteses de inseminação, para a filiação socioafetiva, passa a indicar um formato de determinar o parentesco levando em consideração os valores que regem o direito moderno de família (NETO; CAMPOS, 2017), ou seja, partindo da premissa de que o homem é um todo tridimensional (ser genético, afetivo e ontológico) e tem direitos e desejos à disposição desses três mundos, pode-se dizer que aqueles valores são decorrentes desses direitos presentes nos três mundos (WELTER, 2009). Atualmente, os magistrados estão buscando a legitimação do domínio do vínculo afetivo em face do biológico mediante julgados jurisprudenciais, à sombra do argumento de que a afetividade protege melhor os interesses dos seres envolvidos (NETO; CAMPOS, 2017, p.174).
Compatível com o entendimento, a professora da UERJ, Heloisa Helena (2009), reiterando que, para produzir efeitos jurídicos, é recomendado que a sentença tenha validado a socioafetividade, pois assegurada a verificação do afeto, certificando não haver o item subjetivo, e, necessariamente, os efeitos sociais que decorrem dele, passíveis para aferição objetiva. Aprovado os efeitos sociais, para declaração do vínculo de parentesco, o consentimento pode ser dado, mesmo contra a vontade do pai (ou da mãe), que já não sente mais afeto por quem, até então, era seu filho, para assegurar-lhe, entre os principais, o direito de receber pensão alimentícia e o convívio familiar e aos pais, o direito de guarda e de visita, como entende o Ministério Público do Paraná (BRASIL).
Reforçando o que estabeleceu os parágrafos anteriores, a apelação do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE C/C CANCELAMENTO DE REGISTRO CIVIL. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. PATERNIDADE. DÚVIDAS À ÉPOCA DO NASCIMENTO DAS CRIANÇAS (GÊMEOS). ANTERIOR DEMANDA JUDICIAL NA QUAL, APÓS EXAME DE DNA QUE EXCLUI A PATERNIDADE, O ORA AUTOR DESISTE DESTA PELO APEGO EMOCIONAL AOS FILHOS. ERRO. ART. 1.604, DO CÓDIGO CIVIL. NÃO CARACTERIZAÇÃO. SITUAÇÃO CONHECIDA PELO PAI. VINCULAÇÃO SOCIO-AFETIVA. AUSÊNCIA DE PROVAS DE SEU ROMPIMENTO. ART. 333, INCISO I, DO CPC. PREVALÊNCIA DA PATERNIDADE SOCIO-AFETIVA SOBRE A BIOLÓGICA. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO. Não se pode acolher o pleito de negação de paternidade quando o pai, em anterior ação judicial, mesmo sabedor do resultado do exame de DNA excluindo a paternidade, requer a desistência do feito, pelo apego emocional às crianças, tornando pertinente a ausência de qualquer vício na livre expressão da sua vontade. É assente na jurisprudência pátria que, na ação negatória de paternidade, deve estar cabalmente comprovada a inexistência de vinculação biológica, pelo erro no reconhecimento do filho, aliado a ausência do liame socio-afetivo entre a criança e o pai registral. E o erro a ser amparado em ação negatória consiste na ausência de conhecimento de fatos que não correspondiam a realidade e conduziram o pai ao reconhecimento do filho. O resultado do exame de DNA concluindo a ausência de vínculo biológico não é absoluto para o reconhecimento do erro tendente a acolher o pleito negatório de paternidade, quando o Autor, em anterior ação negatória, desiste do feito, mantendo o reconhecimento da paternidade. Assim, amparar a desconstituição da paternidade nestas condições, é permitir o reconhecimento da paternidade sob condição ou termo, ou seja, enquanto perdurar o interesse do pai, persiste a paternidade. A paternidade socio-afetiva deve preponderar sobre a verdade biológica, porque pai é aquele que cria e conduz o filho alinhado em sua vida, com ajustamento, criação e educação acolhida na esfera familiar, inclusive com proteção material. Em ação negatória de paternidade é ônus probatório do Autor (pai registral) comprovar, pelos meios de provas existentes, a ausência do liame socio-afetivo com o filho, nos termos do art. 333, inciso I, do Código de Processo Civil.
(TJ-SC - AC: 20130612458 Anita Garibaldi 2013.061245-8, Relator: João Batista Góes Ulysséa, Data de Julgamento: 20/11/2014, Segunda Câmara de Direito Civil)
Não restando dúvidas de que “o real valor jurídico está na verdade afetiva e jamais sustentada na ascendência genética, porque essa, quando desligada do afeto e da convivência, apenas representa um efeito da natureza” (MADALENO, 2018, p. 660).
2.1 RECONHECIMENTO DA PRESUNÇÃO DE PATERNIDADE NA UNIÃO ESTÁVEL NA COMPOSIÇÃO FAMILIAR DE CASAIS DO MESMO SEXO
O Código Civil (BRASIL, 2002, não paginado), no Capítulo II, Da Filiação, no artigo 1.597 dispõe sobre quais são as formas de presunção legal de paternidade:
Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento; III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.
Posto isto, o artigo acima trata-se dessa presunção no casamento, contudo, é possível reconhecer a filiação nos casos do inciso III, IV e V, também, de forma presumida, na união estável, conforme entendimento doutrinário majoritário consolidado na VI Jornada de Direito Civil aprovado no Enunciado n.º 570 (2013, não paginado), nestas palavras (TARTUCE, 2021, p. 2303):
O reconhecimento de filho havido em união estável fruto de técnica de reprodução assistida heteróloga ‘a patre’ consentida expressamente pelo companheiro representa a formalização do vínculo jurídico de paternidade-filiação, cuja constituição se deu no momento do início da gravidez da companheira.
Em concordância com o tema, o autor Flávio Tartuce (2021, p. 2303) acrescenta que “o STJ já concluiu que os incisos anteriores do art. 1.597 também se aplicam à união estável”, conforme entendimento do REsp. 1.194.059/SP (BRASIL, 2012, não paginado) deduzindo que:
A presunção de concepção dos filhos na constância do casamento prevista no art. 1.597, II, do CC se estende à união estável. Para a identificação da união estável como entidade familiar, exige-se a convivência pública, contínua e duradoura estabelecida visando a constituição de família com atenção aos deveres de lealdade, respeito, assistência, de guarda, sustento e educação dos filhos em comum. O art. 1.597, inc. II, do CC dispõe que os filhos nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal presumem-se concebidos na constância do casamento. Assim, admitida pelo ordenamento jurídico pátrio (art. 1.723 do CC), inclusive pela CF (art. 226, § 3.º), a união estável e reconhecendo-se nela a existência de entidade familiar, aplicam-se as disposições contidas no art. 1.597, II, do CC ao regime de união estável.
No mesmo sentindo, o recente Provimento 63/2017, do Conselho Nacional de Justiça e a PLS 470/2013, conhecido como Estatuto das Famílias do IBDFAM, faz menção à união estável expressando a presunção nessa relação convivencial.
2.2 A PRESUNÇÃO DE PATERNIDADE NA INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL COMO FORMA DE REPRODUÇÃO EM CASAIS DO MESMO SEXO
Então, faz-se tal questionamento, se pode utilizar dessa presunção na união estável de casais heteroafetivos, pode-se dizer que dos casais homoafetivos também se presume?
Conforme entendimento da Suprema Corte no julgamento da ADPF n.º 132 (BRASIL, 2011, não paginado), considera-se:
Família como instituição privada que, voluntariamente constituída de pessoas adultas, mantem com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica. [...] Isonomia ente casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido de desembocar no igual direito subjetivo a formação de uma automatizada família.
Flávio Tartuce (2021, p. 2304) aponta tópicos sobre esse mesmo entendimento de que há como presumir a paternidade dos filhos havidos na união estável de casais homoafetivos, tanto masculinos quanto femininos, nas hipóteses dos incisos III, IV e V do artigo 1.597 do Código Civil:
Primeiro, porque não há vedação de aplicação da norma por analogia, pois não se trata de norma restritiva da autonomia privada. Segundo, a união estável é entidade familiar protegida no Texto Maior, o que deve abranger os filhos havidos dessa união. [...] Consigne-se que a recente Resolução 2.168/2017, do Conselho Federal de Medicina, na linha das anteriores Resoluções 2.121/2015 e 2.013/2013 do mesmo Órgão, consagra a possibilidade de companheiros, inclusive homoafetivos masculinos e femininos, fazerem uso de tais técnicas (TARTUCE, 2021, p. 2304).
Percebendo-se que o Estado reconhece que as decisões de procriação são de natureza privada e estão sujeitas às vontades dos envolvidos, o que inclui as decisões sobre o momento em que aquelas devem ocorrer, como serão implementadas e a quantidade de filhos que se deseja ter, em vista das maneiras pelas quais o casal homoafetivo terá este bebê (ARAÚJO, 2020, p. 107).
Adiante, Rolf Madaleno (2018, p. 710) preceitua que “embora o Código Civil faça apenas referência à presunção de paternidade para o casamento, ela deve ser estendida às uniões estáveis e outros relacionamentos afetivos diante da Resolução CFM n. 2.168/2017”, fazendo menção, inclusive, até em uniões estáveis homoafetivos. Já que para todos os pacientes que utilizam das técnicas de reprodução assistida, diante do consentimento obrigatório, não há como negar a filiação.
Aplicando-se por analogia aos casais homoafetivos, quando o companheiro, ao aceitar a inseminação heteróloga da sua parceira, não tem o direito de negar a paternidade/maternidade. Pois, em termos de presunção de paternidade, ela só poderá ser aceita se a concepção aconteceu “no curso da sociedade conjugal e em inequívoca coabitação dos cônjuges, não sendo admissível estabelecer essa mesma presunção depois da separação dos cônjuges ou companheiros”, conforme os prazos prescritos pelos incisos I e II do artigo 1.597 do Código Civil (MADALENO, 2018, p. 710).
Também no mesmo sentido, Paulo Lôbo (2018, p. 162) afirma que o consentimento “é irrevogável e jamais a paternidade pode ser impugnada pelo marido, não podendo este voltar-se contra o próprio ato, em violação da boa-fé, pois o venire contra factum proprium (vir contra facto próprio) é repelido por nosso sistema jurídico”. Continuando na interpretação deste autor, a proteção jurídica desta categoria de concepção fortalece a natureza socioafetiva, e não biológica, da filiação e da paternidade/maternidade.
E como mostra Flávio Tartuce (2020, p. 2307), existem 4 (quatro) principais argumentos jurídicos principais para o não cabimento da revogação da autorização por parte do marido ou companheiro após o uso da técnica de reprodução assistida heteróloga:
“1.º) Aplicação do princípio da igualdade entre filhos, o que atinge aqueles decorrentes da técnica de reprodução assistida (art. 227, § 6.º, da CF/1988 e art. 1.596 do CC); 2.º) Incidência do princípio do melhor interesse da criança (art. 227, caput, da CF/1988); 3.º) Havendo emprego da técnica a presunção passa a ser absoluta ou iure et de iure, conforme o Enunciado n. 258 do CJF/STJ (“não cabe a ação prevista no art. 1.601 do Código Civil se a filiação tiver origem em procriação assistida heteróloga, autorizada pelo marido nos termos do inc. V do art. 1.597, cuja paternidade configura presunção absoluta”); 4.º) Aplicação da máxima que veda o comportamento contraditório, relacionada à boa-fé objetiva, em proteção ao filho (venire contra factum proprium).”
Assim, o vínculo da união estável é identificado e entendido como uma unidade familiar de convivência pública, contínua e duradoura e entendendo haver presunção de paternidade/maternidade dos filhos havidos nela por casais homoafetivos, tanto masculinos quanto femininos, nas hipóteses dos incisos III, IV e V do artigo 1.597 do Código Civil, especificamente quando o parceiro/parceiro aceita a inseminação heteróloga no decurso da relação conjugal, é possível aplicá-los, por analogia, nos casos da inseminação caseira?
2.3 A INSEMINAÇÃO CASEIRA
Para tentar responder à pergunta acima, primeiramente, é importante entender que nos casos de reprodução assistida permitida no Brasil, a doação de material germinativo é autorizada, ordinária e estar disciplinada nos termos da Resolução n.º 2.168/2017 do Conselho Federal de Medicina. Condicionado no sentido de manter o doador desconhecido, seja atuado por profissionais especializados e com o aparato de uma clínica responsável conforme dispõe Ana Thereza Araújo (2020, p. 103).
No entanto, o custo dessa procriação assistida por uma clínica especializada demanda um investimento alto, estando sujeitos “aos protocolos de segurança, às prescrições farmacológicas, às avaliações diagnósticas, às regras procedimentais relacionadas à escolha de doadores, todas elas reunidas por um instrumento contratual” (ARAÚJO, 2020, p. 103).
Devido à burocracia e o alto valor, algumas pessoas encontraram uma alternativa para se submeter a essa prática para gerar um filho, sem a regulamentação do Conselho Federal de Medicina, chamado “inseminação caseira” (ARAÚJO, 2020, p. 103). Esse procedimento que vem ganhando nome atualmente, devido a sua facilidade e o preço, principalmente entre a união homoafetiva feminina, embora nenhuma legislação tenha vetado essa pratica, a saúde da mulher e os efeitos dessa gravidez devem ser considerados, conforme entende o advogado Eudes Quintino (2017, não paginado) que também explica que:
Em razão do custo elevado do procedimento médico na reprodução assistida, vem ganhando espaço na mídia o aconselhamento e até mesmo o passo a passo para a realização da inseminação artificial caseira. O procedimento é simples: busca-se um doador de esperma, que não é anônimo e, em alguns casos, cobra determinada importância pela venda do sêmen, faz-se a retirada do material que será coletado num recipiente esterilizado ou até mesmo no preservativo e, em seguida, com o auxílio de uma seringa ou aplicador, faz-se a inseminação na cavidade vaginal da mulher, que deverá estar nos dias do seu período fértil. Na realidade, a intenção é fazer com que o esperma seja introduzido o mais próximo do colo do útero” (2017, não paginado).
Normalmente é realizado entre pessoas leigas e em ambientes domésticos ou hoteleiros e o doador é conhecido e escolhido pelo casal ou pelo indivíduo que solicita o procedimento, conforme publicado no site do PRO-SEED (2018, não paginado). Ademais, a repórter Cinthia Jardim (2021, não paginado), da Revista Pais e Filhos, conversou com uma especialista em reprodução humana que falou mais sobre os riscos advindo desse procedimento:
Durante a realização da inseminação artificial caseira, Carla Laconelli reforça a possibilidade da mulher contrair doenças ou infecções sexualmente transmissíveis. “Nós não sabemos como a coleta foi feita, em que situação está a saúde dos genitais ou se ela possui alguma lesão no colo. Então, para qualquer tratamento de reprodução humana é importante que seja realizada uma avaliação integral da saúde da mulher como, um papanicolaue ultrassom transvaginal para saber se a mulher tem condições de levar essa gestação”.
Com isso, o procedimento da inseminação caseira ganhou fama por seu fácil acesso e o custo, principalmente entre os casais do mesmo sexo, que optam por correr todos esses riscos passando por esse método que não se trata de crime, por não estar tipificado pelo ordenamento jurídico, e nem ter sido recomendado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ARAÚJO, 2020, p. 106), mas a prática de comercialização de qualquer tipo de material biológico humano é proibida, nos termos do art. 199 da Constituição (1988, não paginado).
Voltando a pergunta, visto que a inseminação caseira não possui regularização jurídica, e o regime atual concedido à filiação, previsto no Código Civil e no Estatuto da Criança e do Adolescente, não acolhem essa forma caseira de procriação, portanto, não sendo possível a aplicação por analogia, já que se conhece o doador, que vende seu material biológico, relembrando que essa prática é proibida no ordenamento jurídico brasileiro, é conhecido (ARAÚJO, 2020).
3 A INEXISTÊNCIA DE DISTINÇÃO ENTRE OS FILHOS NA COMPOSIÇÃO FAMILIAR
Para Lôbo (2018, p 22), a comunhão do afeto une as pessoas com a intenção de formarem uma família, independente de qual modo se constituirá, mas que estará protegida pela Constituição. A escolha de ter filhos, às vezes, acontece com antecedência e combinada entre o casal, mas, para algumas pessoas, a realização desse sonho não pode acontecer da maneira convencional.
A concepção de família, baseada em de dois pais ou de duas mães e seus filhos, qualifica-a à mesma dignidade da família matrimonial. Os filhos que surgem das relações homoafetivas, sendo eles biológicos ou não biológicos, terão adquiridos os mesmos valores de igualdade, derrubando o fundamento da filiação na origem genética (LOBO, 2018, p. 22).
O Código Civil (2002, não paginado) disciplina em seu art. 1.609 que para o reconhecimento legal do filho é necessário que seja feito:
I - no registro do nascimento;
II - por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório;
III - por testamento, ainda que incidentalmente manifestado;
IV - por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém.
Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes (2002, não paginado).
Segundo o que determina o art. 227, § 6.º, da Constituição Federal (1988, não paginado) que “os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. Para Rolf Madaleno (2018, p. 657), a descrição do referido artigo permite estabelecer o princípio da isonomia entre os filhos, trazendo-os a uma única e idêntica etapa de tratamento.
No entendimento do doutrinador Carlos Alberto Gonçalves (2020, p. 403), anteriormente, o filho nascido na constância do casamento era considerado como o filho “legitimo”, os filhos havidos fora do casamento ou em adultérios eram considerados como “ilegítimos”, mas, hoje, todos os filhos têm direitos e qualificações iguais, conforme princípio da igualdade entre os filhos repetido no artigo 1.596 do Código Civil.
Conforme explica Tartuce (2007, não paginado), as forças legais que regulamentam especificamente a isonomia constitucional, ou igualdade em sentido amplo, estão contidas no art. 5.º, caput, do Texto Maior (1988, não paginado). Repercutindo tanto na esfera patrimonial como na pessoal, não admitindo qualquer tipo de distinção jurídica, sob as penas da lei.
3.1 EFEITOS DA RESPONSABILIDADE DECORRENTE DA COMPOSIÇÃO DE FAMÍLIA E FILIAÇÃO APÓS A SEPARAÇÃO
Estabelecendo a filiação afetiva como via de reconhecimento do filho, decorrente da averiguação dos elementos identificadores e o advento do princípio constitucional da igualdade, sobrevém a análise dos efeitos jurídicos pessoais (SILVA, 2004, não paginado).
A separação dos cônjuges ou dos companheiros, seja de corpos, de fato, a dissolução da união estável ou o divórcio, não significa a separação de pais e seus filhos (LÔBO, 2018, p. 135). Em outras palavras, “o fim da conjugalidade não restringe nem os direitos, nem os deveres de ambos com relação à prole” (DIAS, 2021, p. 382). O princípio do melhor interesse da criança trazido ao centro da responsabilidade legal sobre outra pessoa, caracteriza-se como direito fundamental na Constituição Federal (art. 5º, § 2º), em razão da reafirmação feita pela Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança – ONU/894 (GONÇALVES, 2020, p. 353), predominando sobre os interesses dos pais em conflito (LÔBO, 2018).
Independentemente da relação conjugal entre casal, seja ele heteroafetivo ou homoafetivo, com a ruptura da convivência e, havendo filhos menores, há uma fragmentação de um dos componentes da responsabilidade parental, mas ambos continuam titulares do poder familiar, o que após a separação, implicará na definição de como será a guarda e o sustento dos filhos menores (DIAS, 2021, p. 384).
Verificado que da relação paterno-filial social inferem direitos e deveres (SILVA, 2004, não paginado), a regra básica da guarda dos filhos, nas hipóteses de separação dos pais ou de pais que nunca viveram juntos, é a da preferência por um acordo, pelo qual o legislador confia que as escolhas dos pais será, porventura, as melhores condições para o exercício da guarda dos filhos. Todavia, o juiz deve verificar se o acordo observado atende efetivamente o melhor para o interesse dos filhos. “Essa é a orientação que deflui do art. 1.586 do Código Civil, que atribui ao juiz o poder de regular de maneira diferente, “a bem dos filhos”, sempre que houver motivos graves” (LÔBO, 2018, p. 136).
3.2 OBRIGAÇÃO ALIMENTAR PERANTE FILHO NASCIDO DECORRENTE DE INSEMINAÇÃO CASEIRA APÓS O FIM DA RELAÇÃO HOMOAFETIVA
Dentro do Direito de Família, especificamente, na parte que fala sobre os alimentos, que está findado na solidariedade humana e econômica que deve existir entre o seio familiar ou os outros parentes (GONÇALVES, 2020, p. 641), independentemente do filho ser considerado de “outra origem”, e como já é considerada a família homossexual análoga à heterossexual, com a separação dos cônjuges, havido filhos durante o tempo juntos, existirá o dever familiar de prestar alimentos, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990) que resguardam que toda criança e adolescente gozam de direitos fundamentais inerentes à pessoa humana.
Esse é o ponto referente ao tema desse artigo, pois conforme entendimento do doutrinador Paulo Lôbo (2018), sobre a obrigação alimentar começar antes mesmo do nascimento:
Pois, antes de nascer, existem despesas que se destinam à proteção do nascituro e o direito seria inferior à vida se acaso recusasse atendimento a tais situações. Esses alimentos são, portanto, de natureza distinta, para o fim de pôr a salvo o direito à vida do nascituro, pois não se destinam a sustento, vestuário, moradia, educação e outros encargos próprios dos alimentos em geral. Essa orientação, que se fortalecia na doutrina, restou consagrada na Lei n. 11.804/2008, que instituiu o que denominou “alimentos gravídicos”. Compreendem os valores suficientes “para cobrir as despesas adicionais do período da gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto”, inclusive alimentação especial, assistência médica, exames, internação, parto e medicamentos. Esses alimentos não têm como titular o nascituro, mas a mulher grávida, em face do futuro pai, pois ela também arcará com as despesas proporcionais aos seus próprios recursos. Assim, descontando-se a parte assumida proporcionalmente pela mulher grávida, os alimentos gravídicos corresponderão à parte das despesas que deve ser suportada pelo futuro pai. Para tanto, o juiz deve convencer-se da existência de fortes indícios da paternidade, a partir das provas coligidas. Se a criança nascer com vida, os alimentos gravídicos serão convertidos em alimentos atribuídos diretamente a ela. Como houve o veto presidencial ao art. 8º da lei, que fazia depender a procedência do pedido de realização de “exame pericial”, o juiz deve valer-se do contexto probatório que possa levar a seu convencimento.
Para tanto, em continuidade com esse entendimento, tem-se a teoria do afeto, que já vem sendo utilizada dentro de entendimentos jurisprudências, possibilitando o duplo registro de pai ou mãe afetiva, como no caso do juiz que, convencido da comprovação e dos indícios de paternidade, fixou alimentos gravídicos a mãe após sua ex-companheira deixá-la por não querer ser mais mãe, conforme decisão da 2ª Vara da Família e Sucessões da capital paulista, explanado na notícia “Mulher que desistiu de projeto parental terá que pagar alimentos gravídicos à ex-companheira” no site do IBDFAM (ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DO IBDFAM, 2020).
Não é por falta de regulamentação sobre a matéria, mas torna-se necessário refletir sobre os diversos aspectos relacionados com essa prática, como o exercício da autonomia dos envolvidos na construção do projeto parental, o regimentos vigente de procedimentos assistidos de reprodução e o regime jurídico da filiação (ARAÚJO, 2020, p. 106).
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo permitiu compreender sobre as consequências jurídicas da inseminação caseira na separação de casais homoafetivos em relação à obrigação ou não de prestar alimentos. O reconhecimento da filiação, seria o ponto de partida para responder à problemática desse artigo, tendo em vista que uma vez verificada a filiação, poderia o parceiro ou parceira propor a pensão de alimentos, já que ele teria o menor reconhecido legalmente, mas este reconhecimento se baseando apenas na afetividade, já que o filho só tem o mesmo “sangue” do outro parceiro ou parceira.
O afeto encontra-se no ambiente familiar, com amigos, entre os casais e em demais relações sociais, é algo criado com o convívio e o respeito para com o outro. Nas relações familiares, principalmente entre os genitores e seus filhos, é imprescindível a demonstração de afeto, pois com ele que o filho cria uma conexão inexplicável com a mãe e pai, que com o tempo só vai se fortificando. Dessa forma, é reconhecida a filiação com base na sociafetividade, mas para ela ser aplicada, deve demonstrar todos os requisitos (conduta social existente entre os pais e os filhos, longo convívio e relacionamento afetivo familiar).
Além disso, foi demonstrado que, com a comprovação dos requisitos da união estável, como acontece no casamento, a presunção de paternidade e/ou maternidade é feita também na união de casais homoafetivos. A certificação que reconhece o filho está disposta no art. 1.609 do Código Civil, que ao reconhecê-lo, aplica-se os mesmos direitos do filho biológico, reforçando em dizer que filho gerado da inseminação caseira não difere do filho biológico, detêm dos mesmos direitos, e consequentemente, das mesmas obrigações para com eles que seus responsáveis devem ter.
O procedimento da inseminação caseira não é algo comum, e apareceu nos últimos anos, mesmo com suas irregularidades, devido os preços altos dos procedimentos de reprodução assistida feitos em clínicas particulares. Todavia, o fácil acesso e modo de realizá-lo também inspiram casais ao uso dessa prática perigosa, que não só traz consequências no mundo jurídico, mas na saúde da mãe e do filho, pois não há certeza da procedência do material genético doado.
Outra questão observada durante a pesquisa, é que as provas para atestarem a comprovação da filiação socioafetiva devem ser realizadas junto as testemunhas que conviveram com o casal e viram o desejo em ambos de estabelecerem uma família e nas fotos publicadas em rede social, tendo consideração que na filiação todos os meios de prova serão validos. Deixando claro que, comprovando os requisitos da união estável e presumindo a paternidade, pode-se estipular esse encargo tanto de alimentos gravídicos, quanto da pensão alimentícia para o nascituro ou a criança do companheiro(a), mediante comprovação, sustentado no fato das provas do momento da decisão de conceber essa criança e de quando estava grávida, apesar da decisão subjetiva e dependente do juiz da causa, com os acervos de jurisprudências atuais, já é possível a autorização dessa paternidade/maternidade.
REFERÊNCIAS
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[1] Mestre. Professor da Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins (FCJP). E-mail: [email protected]
Graduanda do curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins (FCJP).
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