VALDIVINO PASSOS SANTOS[1]
(orientador)
RESUMO: O presente trabalho versa sobre a problemática da utilização da perícia médica na instrução probatória trabalhista como causa geradora de injustiça na aferição de nexo (con)causal entre a doença ocupacional e o trabalho, no âmbito da responsabilidade civil subjetiva do empregador, quando utilizada desenfreada e isoladamente pelo órgão julgador. Dessa forma, o objeto da pesquisa é provar que a perícia médica, por si só, é insuficiente para formar o convencimento do magistrado sobre a existência ou não do nexo (con)causal entre a doença ocupacional e o trabalho, devendo o juiz formar sua convicção a partir de outros meios de prova e elementos jungidos aos autos, sem ater-se exclusivamente à Teoria da Equivalência das Condições, de forma a não cercear a defesa do Reclamado. O método de abordagem teórica utilizado é o dedutivo, o método de pesquisa pauta-se na pesquisa jurídica exploratória bibliográfica e documental, e a análise de dados vale-se da técnica qualitativa, o que resulta na conclusão de que de fato há a insuficiência da perícia médica para atestar o nexo (con)causal na doença ocupacional, situação acentuada pela aplicabilidade excessiva da Teoria da Equivalência das Condições aos litígios que versam sobre a responsabilização civil do empregador.
Palavras-chave: Perícia médica; nexo (con)causal; doença ocupacional; trabalho; responsabilidade civil; relação de trabalho.
ABSTRACT: The present work deals with the problem of using expert medical report in labor evidentiary instruction as a cause of injustice in the assessment of a causal link between occupational disease and work by the judging body. Thus, the object of the research is to prove that medical expertise, by itself, is insufficient to convince the magistrate about the existence or not of the causal nexus between occupational disease and work, and the judge should form its conviction from other means of evidence and elements attached to the records, without then exclusively to the Theory of Equivalence of Conditions, in order not to curtail the Defendant's defense. The theoretical approach method used is the deductive one, the research method is based on exploratory legal bibliographical and documentary research, and the data analysis uses the qualitative technique, which results in the conclusion that there is in fact an insufficiency of medical expertise to attest the causal link (con) in the occupational disease, a situation accentuated by the excessive applicability of the Theory of Equivalence of Conditions to litigations that deal with the civil liability of the employer.
Keywords: Medical expertise; causal (con)nexus; occupational disease; work; civil responsability; Work relationship.
O presente trabalho versa acerca da perícia médica como meio de prova insuficiente para a justa aferição do nexo (con)causal entre a doença ocupacional e o trabalho, no âmbito da responsabilidade civil do empregador, quando visualizada individualmente na instrução das lides trabalhistas, de forma a tentar afastar a incidência da aplicação desenfreada da Teoria da Equivalência das Condições.
A prova médica-pericial no âmbito do Direito do Trabalho é uma das mais usuais, por muitas vezes envolver doenças ocupacionais ou acidentes de trabalho no exercício do labor.
A modalidade vem disposta no art. 464 do Código de Processo Civil, e sobre ela, no âmbito do Direito do Trabalho é atribuído grande peso, levando-se em conta que a maioria das decisões no âmbito da Justiça do Trabalho se pautam nos laudos emitidos nas perícias médicas, em que pese muitas vezes tal laudo não tenha caráter conclusivo.
O argumento que embasa tal admissão vem sido crescentemente firmado na Teoria da Equivalência das Condições, onde “qualquer das condições é causa de todas as consequências, na medida em que eliminada uma das condições, o resultado não existiria.” (AMORIM, 2012, não paginado)
Nesse sentido, os Tribunais Regionais do Trabalho têm entendido que a concausa equivale à causa principal, de forma que, por si só, é capaz de gerar a responsabilização do empregador, pois concorre para a geração da doença do empregado.
Aí entra o papel da perícia médica: atestar o chamado nexo concausal. A problemática gira em torno da interpretação e consequentemente da ponderação do laudo inconclusivo pelo Juiz ou Tribunal, que muitas vezes é entendido com base na Teoria da Equivalência das Condições e gera a responsabilidade excessiva e desordenada do Reclamado, considerando que o órgão julgador não tem conhecimentos técnicos para a averiguação da extensão ou até mesmo existência do nexo (con)causal entre a doença ocupacional e o trabalho.
Nesse contexto, o problema vislumbrado é o seguinte: a perícia médica, por si só, é capaz de fornecer elementos aptos a indicar a existência ou não de nexo (con)causal entre a doença ocupacional e o trabalho, com a consequente responsabilização do empregador?
O presente trabalho se pauta na necessidade de se verificar se a prova pericial é o meio de prova idôneo suficiente, quando considerado isoladamente, para a aferição do nexo de causalidade entre a concausa e o agravamento da doença ocupacional, no âmbito da responsabilização civil do empregador caso reste evidenciado.
Sua contribuição se verifica na necessidade de se afirmar que a Teoria da Equivalência das Condições no âmbito do Direito do Trabalho não deve ser absoluta, em observância aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório que não devem limitar os direitos processuais do Reclamado no processo do trabalho.
Dessa forma, estudar a referida teoria torna-se importante para que se analise o atual contexto do processo do trabalho e verificar se, de alguma forma, há a supressão de defesa aos Reclamados, visto que vários Juízes e Tribunais têm aplicado a teoria de maneira desenfreada.
Como objetivo geral, pode-se destacar que o presente trabalho visará provar que a perícia médica, por si só, é insuficiente para formar o convencimento do magistrado sobre a existência ou não do nexo (con)causal entre a doença ocupacional e o trabalho, devendo o juiz formar sua convicção a partir de outros elementos ou fatos provados nos autos, sem ater-se exclusivamente à Teoria da Equivalência das Condições, de forma a não cercear a defesa do Reclamado.
Entre os objetivos específicos, estão: (i) efetuar o estudo das concausas e das doenças ocupacionais no âmbito do Direito do Trabalho; (ii) verificar os critérios legais, doutrinários e jurisprudenciais para a caracterização do nexo (con)causal entre doença ocupacional e a atividade laborativa; (iii) analisar, com base nos elementos legais, doutrinários e jurisprudenciais, como se dá a responsabilidade do empregador caso verificado o nexo de causalidade entre as concausas preexistentes ou supervenientes e o agravamento da patologia; (iv) realizar estudo acerca da Teoria da Equivalência das Condições e sua aplicabilidade no âmbito da Justiça do Trabalho e; (v) provar que a Teoria da Equivalência das Condições não deve ser considerada absoluta, sob pena de cerceamento de defesa do Reclamado no processo trabalhista.
Para que tais objetivos sejam alcançados, o método de abordagem teórica a ser utilizado será o dedutivo, a fim de que se defenda pela (in)suficiência da prova pericial para o fim de subsidiar um julgamento correto pelo magistrado pela (in)existência do nexo (con)causal entre a doença e o trabalho.
O método de pesquisa a ser utilizado será o de pesquisa jurídica exploratória bibliográfica e documental, para que por meio de conceitos doutrinários, lei e jurisprudência possa-se afirmar que o magistrado deve levar em consideração também outros elementos de prova contidos nos autos, senão o laudo pericial médico, para a aferição da existência do nexo (con)causal e responsabilização do empregador.
Para a análise dos dados, aplicar-se-á a técnica qualitativa, colhendo informações sobre o nexo (con)causal entre a doença ocupacional e o trabalho e a perícia médica como instrumento para sua aferição na responsabilidade civil do empregador, para que o problema seja esclarecido da melhor forma possível.
A pesquisa está estruturada em capítulos, onde o primeiro versará acerca da responsabilidade civil do empregador de acordo com o ordenamento jurídico pátrio, realizando análise pormenorizada dos dispositivos que tratam sobre o tema, sob o respaldo doutrinário.
Em seguida, no segundo capítulo, será estudado o nexo (con)causal entre a doença ocupacional e a atividade laborativa, no âmbito da Justiça Trabalhista, buscando-se analisar como se dá a aferição do referido nexo, onde será iniciada a discussão jurisprudencial.
Após, será tratada a perícia médica como meio de prova isolado insuficiente para a aferição do nexo concausal na doença ocupacional, de forma a observar a fragilidade do laudo médico pericial quando analisado isoladamente pelo magistrado, sem a observância de outros elementos de prova.
Por fim, será estudada a problemática da aplicação desenfreada da Teoria da Equivalência das Condições no reconhecimento do nexo (con)causal na doença ocupacional, onde levar-se em consideração apenas a perícia médica para a aferição do referido nexo, pautando-se nessa teoria, gera o cerceamento de defesa do Reclamado e a violação aos princípios da ampla defesa e do contraditório.
2 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR DE ACORDO COM O ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO
Abordada no Título IX, Capítulo I, dos arts. 927 a 954 do Código Civil de 2002, a responsabilidade civil é o tema abordado no ramo do Direito Civil que se atém a atribuir a alguém, mediante a violação de alguma regra contratual ou jurídica, a obrigação de indenizar devido a geração de um ato lesivo. Nas palavras de Gonçalves (2021, p. 63):
O instituto da responsabilidade civil é parte integrante do direito obrigacional, pois a principal consequência de um ato ilícito é a obrigação que acarreta, para o seu autor, de reparar o dano, obrigação esta de natureza pessoal, que se resolve em perdas e danos.
No entanto, para que haja a obrigação de indenizar no âmbito da responsabilidade civil, é necessária a presença cumulativa dos chamados “pressupostos da responsabilidade civil”, quais sejam: a conduta humana, o dano e o nexo de causalidade. Presentes os três, há que se falar em indenização por um ato ilícito (art. 186, CC) (BRASIL, 2002 não paginado).
A ordem civilista adotou como regra a responsabilidade civil subjetiva ao longo dos textos legais dispostos na norma, mediante a qual será necessária a comprovação de culpa lato sensu, ou seja, aquela advinda ou de “dolo” ou de “culpa”, bastando que o agente tenha provocado o dano suscetível de indenização (DOELLE, 2019, não paginado).
A referida afirmação pode ser observada a partir da leitura dos arts. 186 e 187 do CC, na hipótese de cometimento de ato ilícito à conduta realizada por quem, mediante ação ou omissão, de forma negligente ou imprudente, venha a violar direito ou cause dano a terceiro, mesmo que meramente moral. Além disso, o artigo subsequente equipara tal consequência ao abuso de direito (BRASIL, 2002, não paginado).
No entanto, a legislação civilista também contemplou a chamada responsabilidade civil objetiva, observada na Teoria do Risco, prevista no art. 927, que diz que estará obrigado a reparar o dano, mesmo que não comprovada culpa, quem for o seu autor, quando de sua atividade resultar risco ao direito de outra pessoa (BRASIL, 2002, não paginado).
Essa modalidade de responsabilidade civil é observada também nas outras searas do direito material brasileiro (DOELLE, 2019, não paginado), inclusive no Direito do Trabalho.
Contextualizando para o ramo do direito objeto de estudo, a responsabilidade civil é verificada na relação existente entre empregador e empregado, nas situações que envolvam condutas (omissivas ou comissivas) que gerem algum tipo de prejuízo ao empregado no exercício de suas funções (MANUS, 2021, não paginado).
A responsabilidade, nesse caso, na maioria das vezes é objetiva por decisão judicial, e dependerá muito da natureza da atividade desenvolvida pelo empregador, em consonância com a Teoria do Risco, conforme se observa do seguinte julgado:
AGRAVO. RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. ACIDENTE DE TRABALHO COM ÓBITO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS COM O USO DE MOTOCICLETA. COLISÃO COM CAMINHÃO. ATIVIDADE DE RISCO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO EMPREGADOR. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA AFASTADA. CONDENAÇÃO DEVIDA. Ante as razões apresentadas pela agravante, afasta-se o óbice oposto na decisão agravada. Agravo conhecido e provido. RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. ACIDENTE DE TRABALHO COM ÓBITO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS COM O USO DE MOTOCICLETA. COLISÃO COM CAMINHÃO. ATIVIDADE DE RISCO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO EMPREGADOR. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA AFASTADA. CONDENAÇÃO DEVIDA. [...] 2. Consideradas tais premissas fáticas, forçoso concluir pela aplicação da responsabilidade objetiva, pois o acidente de que foi vítima o trabalhador ocorreu no exercício da atividade desempenhada em benefício da empregadora, notadamente considerada de risco. Com efeito, o empregado que pilota motocicleta no exercício das atividades laborais está exposto a um risco maior de ser vítima de acidente de trânsito, se comparado aos demais membros da coletividade. 3 . Reconhecida, pois, a incidência da responsabilidade objetiva, cabe enfrentar a questão relativa à culpa exclusiva da vítima, que rompera, no entender do Tribunal Regional, o nexo causal, pressuposto da responsabilidade civil da empregadora. 4 . E, nesse mister, registra-se que a culpa exclusiva da vítima ocorre quando o acidente do trabalho tem como única causa à conduta do empregado, sem qualquer relação com o risco inerente às atividades laborais por ele exercidas. Recurso de revista conhecido e provido (BRASIL, 2021, não paginado).
O que se verifica a partir do julgado supra colacionado, é que, embora em tese o motorista empregado tivesse agido ilegalmente, a responsabilidade civil da empregadora diante ao seu acidente com morte não foi afastada, por entenderem os julgadores que o referido exercia atividade de risco (MANUS, 2021, não paginado).
Segundo Manus (2021, não paginado), os julgadores assim decidiram devido ao empregador estar submetido a atividade de risco, o que gera a responsabilidade objetiva, isto é, sem que seja necessária a comprovação dos elementos da culpa (imperícia, imprudência ou negligência), bastando que esteja presente o nexo de causalidade entre a atividade e o prejuízo sofrido, a fim de que o empregador seja obrigado a reparar o dano.
Sob a esfera do acidente de trabalho, a doutrina e a jurisprudência divergem sobre a natureza da responsabilidade civil, se objetiva ou se subjetiva. O que tem ocorrido é que tem sido adotada a objetiva com relação à indenização paga pelo Seguro Acidente do Trabalho (SAT), e a subjetiva quando o intuito do trabalhador é a reparação do dano sofrido em virtude de acidente de trabalho contra o empregador, na justiça comum (CAIRO JÚNIOR, 2014; SILVA, 2014 apud MARINHO, 2020, não paginado).
Passando para a análise sob o contexto da doença ocupacional, objeto principal do estudo in casu, a jurisprudência tem caminhado no sentido de se reconhecer a responsabilidade civil subjetiva do empregador, ou seja, levando-se em consideração além da comprovação da conduta, do nexo (con)causal entre a doença ocupacional e o trabalho, e do dano efetivo, a comprovação de culpa. Nesse contexto, junta-se jurisprudência recente:
AGRAVO. RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. ASSALTOS. MOTORISTA DE ÔNIBUS. DOENÇA PSIQUIÁTRICA INCAPACITANTE. NEXO CONCAUSAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA. Agravo a que se dá provimento para examinar o recurso de revista. Agravo provido. [...] O Regional concluiu pela ausência de nexo causal entre a doença psiquiátrica da reclamante e a atividade desempenhada na reclamada (motorista de ônibus), em que pese o laudo pericial, transcrito no acórdão recorrido, dê conta da existência de elementos que apontem para a concausalidade entre o agravamento do distúrbio psiquiátrico da reclamante e o relato da ocorrência de ações violentas (assaltos) no curso da relação laboral. A tais elementos se somam a constatação da classificação previdenciária do benefício concedido à trabalhadora (código B-91 - auxílio doença acidentário) e a existência de nexo técnico-epidemiológico entre a função exercida, fatores ambientais do trabalho (episódios de violência) e a doença psiquiátrica desenvolvida pela trabalhadora. Nessas circunstâncias, a conclusão do Regional acerca da ausência de responsabilidade civil do empregador, por ausência de nexo causal entre a doença da trabalhadora e o ambiente de trabalho, ofende diretamente o comando insculpido no art. 21, I, da Lei nº 8.213/1991, na medida em que, estabelecidas as premissas fáticas para o alcance do liame concausal entre a doença psiquiátrica da reclamante e o trabalho desempenhado na reclamada, bem como emergindo a presunção de culpa patronal a partir da constatação do nexo técnico-epidemiológico, surge como consequência a responsabilidade civil do empregador pelo agravamento dos distúrbios psiquiátricos da reclamante e a consequente perda de sua capacidade laboral. Recurso de revista conhecido e provido (BRASIL, 2021, não paginado).
A problemática da abordagem em tela é que os Tribunais, ao apreciarem demandas dessa natureza, em que pese a responsabilidade do empregador seja, em regra, subjetiva, reconhecem sua responsabilização com base na Teoria da Equivalência das Condições, equivalendo à principal a concausa, no caso, a atividade laborativa.
É sedimentada a aplicação da referida teoria no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª região, na medida em que os ministros pugnam por sua aplicação, considerando o valor dessa equivalente ao da causa principal, de forma a concorrer para o adoecimento do empregado. O entendimento também se estende a parte dos demais Tribunais Regionais do Trabalho de todo o país. Veja-se jurisprudência que ilustra a narração retro:
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DOENÇA RELACIONADA AO TRABALHO. CONCAUSALIDADE. O fato da doença que acometeu a trabalhadora ser fundada em mais de uma causa, não afasta a sua caracterização como patologia ocupacional, se ao menos uma delas tiver relação direta com o trabalho para sua eclosão ou agravamento (art. 21, I, da Lei n. 8.213/91). Para a verificação da concausa, aplica-se a teoria da equivalência das condições, segundo a qual se considera causa, com valoração equivalente, tudo o que concorre para o adoecimento. No caso dos autos, demonstrada a realização de atividades laborais, pela reclamante, que contribuíram diretamente para o agravamento da doença diagnosticada, fica caracterizada a concausa, a justificar a responsabilização civil do réu pelos danos decorrentes (BRASIL, 2020, não paginado).
Esse quadro tem resultado no acúmulo de decisões no sentido de responsabilizar o empregador mesmo que a doença ocupacional tenha sido gerada por outras causas efetivamente mais diretas, circunstância na qual a perícia médica tem especial relevância e, conforme se verá, ao contrário do que se pensa, é insuficiente para a justa aferição da responsabilidade civil do empregador.
3 NEXO (CON)CAUSAL ENTRE A DOENÇA OCUPACIONAL E A ATIVIDADE LABORATIVA
O nexo causal é considerado, no estudo da responsabilidade civil, como o liame entre a conduta do agente e o resultado (dano). Ou seja, é o elemento necessário para que haja a responsabilização de um indivíduo pela produção de um dano, seja ela objetiva ou subjetiva, de forma que, sem a conduta do agente, tal resultado jamais seria constatado (PONTES, 2018, não paginado).
Enquanto no nexo causal há uma relação direta entre a conduta e o efetivo dano, no nexo (con)causal há a contribuição indireta de uma conduta para o evento danoso, de forma que essa se configurava como condição agravadora ou aceleradora do resultado (GOMES et al., BORDIN, 2013, não paginado).
De forma a sintetizar o que são as chamadas concausas, portanto, são consideradas “[...] aquelas ocorridas quando as doenças ocupacionais são provenientes de mais de uma causa. Assim, pode ocorrer quando reunido mais de um fator, relacionado ao exercício do trabalho e outras causas extralaborais.” (SILVA; DIAS, 2017, p. 35)
No âmbito do Direito do Trabalho, muito tem se falado acerca do nexo (con)causal entre a doença ocupacional e a atividade laborativa, o que vem sendo palco para discussão acerca da responsabilização do empregador. No entanto, para a verificação da concausalidade, é imprescindível que se faça a análise conjunta de alguns critérios.
Para que se possa cogitar sua caracterização, é necessária a observância do grupo etário, do histórico profissional do empregado antes da contratação, a probabilidade do desenvolvimento ou a própria existência de doenças degenerativas preexistentes, estilo de vida, hábitos, se é ou não dependente químico, dentre outros fatores. Ao se levantar tais informações, passar-se-á a aliá-los com a história clínica e ocupacional durante a vigência do contrato (GOMES et al., 2013, não paginado).
Quanto ao local de trabalho, esse também deve ser avaliado, com o intuito de coletar dados epidemiológicos à época do surgimento da patologia, bem como analisar os riscos aos quais os empregados estão submetidos, de natureza física, química, biológica e mecânica. Ao final da análise, ainda restará saber se, de alguma forma, o empregado concorreu culposamente para a geração do evento danoso (GOMES et al., 2013, não paginado).
Importante salientar que a doença ocupacional se equipara ao acidente de trabalho para a Justiça do Trabalho, em analogia ao disposto na Lei n. 8.213/91, desde que as condições ofertadas no trabalho sejam suficientes para agravar ou antecipar a patologia, ou seja, sob a condição de que haja a comprovação de que as atividades executadas no labor tenham contribuído para a geração da doença ocupacional (GURFINKEL, 2018, não paginado).
O que tem sido verificado é o crescente número de decisões na Justiça do Trabalho que condenam o empregador ao pagamento de indenização sustentando haver a chamada concausa, embora muitas vezes seja mínima a contribuição do trabalho para a geração da doença ocupacional, o que acaba representando um desafio tanto para os médicos peritos ao realizarem as perícias médicas para a constatação do nexo (con)causal, quanto para os Juízes e Tribunais ao resolverem o mérito com base nessa prova (GURFINKEL, 2018, não paginado).
Ilustrando a situação retro, observe-se a seguinte jurisprudência:
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR. DOENÇA OCUPACIONAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. Segundo o Tribunal de origem, evidenciou a existência de nexo concausal entre a moléstia e o trabalho, bem como a ausência de adoção pela empregadora de medidas preventivas cabíveis e aptas a afastar os riscos inerentes ao labor. Assim, diante desse contexto fático e probatório insuscetível de reapreciação nessa instância extraordinária, e que atestou a existência de nexo concausal entre a doença e o trabalho por culpa patronal, e dano decorrente do próprio fato, não há cogitar em violação dos dispositivos legais indicados. Incidência da Súmula nº 126 do TST. Agravo de instrumento conhecido e não provido (BRASIL, 2020, não paginado).
Neste ínterim, a verificação do chamado nexo (con)causal fica, na grande maioria das vezes, à cargo da perícia médica, que tem especial carga probatória nas lides trabalhistas, o que evidencia um problema, seja por sua insuficiência, seja pela emissão de pareceres inconclusivos, devido aos poucos elementos probatórios ou porque a medicina não é uma ciência exata (DE MELO, 2018, não paginado), o que acarreta no desenfreado número de condenações em face dos empregadores, de forma exorbitante e injusta, eis que verificado “pouco rigor técnico-científico pericial na complexa determinação e, principalmente, na comprovação justificada do nexo de concausa no âmbito trabalhista.” (GURFINKEL, 2018, não paginado)
4 A PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL NOS PROCESSOS QUE ENVOLVEM DOENÇA OCUPACIONAL
4.1 A PERÍCIA MÉDICA COMO MEIO DE PROVA ISOLADO INSUFICIENTE PARA A AFERIÇÃO DO NEXO CONCAUSAL NA DOENÇA OCUPACIONAL
A perícia médica, como dito alhures, é muito usual na esfera do processo trabalhista, e vem sido abundantemente usada para verificar a existência de nexo concausal entre a doença ocupacional e o trabalho (DE MELO, 2018, não paginado).
Ao submeter um caso à apreciação de um perito médico, esse deverá levar em consideração o teor da Resolução do Conselho Federal de Medicina 1.488/98, que elenca quais fatores deverão ser considerados para uma justa aferição do nexo concausal, dentre os quais
o histórico clínico-ocupacional do trabalhador, o exame do local e a organização do trabalho, a identificação de riscos físicos, químicos, biológicos, mecânicos e estressantes, o depoimento e a experiência dos demais trabalhadores em condições semelhantes e a literatura atualizada sobre o assunto (BRASIL, 1998 apud DE MELO, 2018, não paginado).
Nessa perspectiva, a problemática que tem sido apurada é a inidoneidade da perícia médica como instrumento para, por si só, atestar o nexo concausal entre a doença ocupacional e o labor, tendo em vista que os laudos emitidos muitas vezes não são conclusivos, permitindo à inconclusão exata sobre a origem da doença (DE MELO, 2018, não paginado).
Sobre o tema, de Melo (2018, não paginado) dispõe sobre a inconclusão de grande parte dos pareceres emitidos nas perícias médicas, pois as próprias provas, nesse caso, são inconclusivas com relação à origem da patologia, o que torna a conclusão pelo nexo concausal imprecisa e duvidosa.
Diante a esses casos, deverá o Juiz, valendo-se do sistema do livre convencimento motivado, aliar esse meio de prova aos demais constantes da demanda trabalhista, a fim de analisar o contexto e concluir se há ou não o nexo (con)causal, isto é, se há ou não o dever de reparar o dano pelo empregado e efetivar uma justa prestação jurisdicional.
Para que isso seja possível, a análise das provas não deve ser realizada de maneira mecânica e dotada de frieza tal como é em um instrumento de precisão. É imprescindível, todavia, que o julgador dote de racionalidade e interprete os elementos dos autos conjuntamente, sem deixar de se ater ao que geralmente acontece em casos similares, a fim de formar o seu convencimento, de forma justa e equilibrada (DE OLIVEIRA, 2006, p. 132 apud DE MELO, 2018, não paginado).
A necessidade de uma verificação minuciosa sobre a real causa da doença ocupacional torna-se acentuada ao observar o progressivo número de doenças degenerativas que tem acometido a população brasileira nos últimos anos, principalmente as do sistema osteomuscular (PANTALEÃO, 2020, não paginado).
Apenas para ilustrar, quando se trata de enfermidades da coluna vertebral (CID-10 mais comum o grupo entre M40 e M54), a estimativa recente de acometimento e de fatores de risco é o seguinte (BERNAL, 2017):
RESULTADOS: 18,5% da população brasileira referiram dor crônica na coluna, sendo 15,5% em homens e 21,1% em mulheres. As características que se mantiveram associadas após o ajuste e estatisticamente significativas em homens foram: aumento com a faixa etária, sendo maior entre aqueles com 65 anos ou mais; baixa escolaridade; morar em área rural; histórico de tabagismo, consumo elevado de sal, aumento do tempo de prática de atividade física pesada no trabalho e atividade pesada no domicílio; ter sobrepeso ou obesidade; diagnóstico de hipertensão, colesterol elevado e pior avaliação do estado de saúde. Entre mulheres: aumento com a faixa etária, sendo maior entre as mulheres com 55-64 anos; menor escolaridade; histórico de tabagismo, consumo de doces regularmente, consumo elevado de sal, atividade e aumento do tempo de prática de atividade física pesada no trabalho e atividade pesada no domicílio; ter sobrepeso ou obesidade; diagnóstico de hipertensão, colesterol elevado; e piora da avaliação do estado de saúde (BERNAL, 2017, p. 51 apud PANTALEÃO, 2020, não paginado).
À vista disso, ao se verificar a presença de doença multifatorial, ou seja, incerta a causa principal que levou ao seu surgimento, portanto impossível desvincular as diversas causas entre si, deverá haver cuidado redobrado pelo médico perito para que não alie essa ao desenvolvimento da atividade laboral (PANTALEÃO, 2020, não paginado).
Claro está que trata-se de um conjunto de enfermidades, de cunho degenerativo e com componente genético já identificado de maior predisposição que levam a doenças crônicas na coluna, com frequência incapacitantes para o trabalho; portanto sendo uma doença multifatorial com características degenerativas, a priori não estariam enquadradas como doenças relacionadas ao trabalho (PANTALEÃO, 2020, não paginado).
De todo modo, a perícia médica a ser realizada nesses casos não pode ser superficial, porquanto indispensável a vistoria do local de trabalho, com o cunho de atestar sob quais condições o empregado tem trabalhado, se há peso excessivo ou movimentação de tronco ou pescoço constante, altura dos móveis onde desenvolvidos o labor, jornada trabalhada, equipamentos inadequados, utilização de EPI’s e EPC’s, dentre outros (PANTALEÃO, 2020, não paginado).
No julgado a seguir, embora tenha havido a constatação de doença multifatorial, o empregador foi responsabilizado por acreditar o Julgador, com base no laudo pericial, que o trabalho ajudou de certa forma a agravar a situação, sendo, dessa forma, evidenciado o chamado nexo concausal na responsabilidade subjetiva:
AGRAVO EM RECURSO DE REVISTA COM AGRAVO DE INSTRUMENTO. LEI Nº 13.015/2014. CPC/1973. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. [...] RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR. DANOS MORAIS CAUSADOS AO EMPREGADO. CARACTERIZAÇÃO. ACIDENTE DE TRABALHO. DOENÇA OCUPACIONAL. A responsabilidade civil do empregador pela reparação decorrente de danos morais causados ao empregado pressupõe a existência de três requisitos, quais sejam: a conduta (culposa, em regra), o dano propriamente dito (violação aos atributos da personalidade) e o nexo causal entre esses dois elementos. [...] No caso, o quadro fático registrado pelo Tribunal Regional revela que o "perito afirmou que as alterações encontradas na coluna do autor são multicausais, concluindo, com segurança, que a atividade desenvolvida em favor da ré é uma das causas do agravamento da doença, configurando o nexo causal positivo entre a enfermidade e a atividade laborativa, por concausa" , "há redução da capacidade laborativa estimada em 30% , conforme tabela de discapacidade de Vanrell" , o "caso em análise é justamente de mesopatia, ou seja, de nexo causal não presumido, pois não se trata de doença cuja ocorrência verifica-se nesta ou naquela determinada profissão" , "os atestados de saúde ocupacional [...] informam a ocorrência de atividade ergonomicamente prejudicial ao empregado" , ao "exame físico o sr. perito médico constatou limitação da flexão de coluna lombar, inclinação lateral e rotação à esquerda limitadas por dor [. .]. O expert classificou a redução da capacidade laborativa do Reclamante como parcial, permanente e multiprofissional". Ademais, o acórdão regional consignou que há" culpa da Reclamada em razão da negligência, evidenciada pela falta de prevenção e pelo tratamento inadequado que não evitou o surgimento da doença do Reclamante. A doença foi ocasionada em função essencial ao desenvolvimento da atividade econômica da Reclamada. De outro giro, não houve prova de incapacidade laboral ou males de coluna em período anterior ao contrato com a Reclamada. Há, portanto, nexo causal entre doença e trabalho". Evidenciado o dano, assim como a conduta culposa do empregador e o nexo causal entre ambos, deve ser mantido o acórdão regional que condenou a reclamada a indenizá-lo. [...] Agravo conhecido e não provido (BRASIL, 2019b, não paginado).
Valendo-se da equiparação entre o acidente de trabalho e a doença ocupacional nesses casos, destaca-se que o maior sustentáculo para os veredictos judiciais sobre os casos de indenização quando verificada o nexo concausal na doença ocupacional é, de fato, a perícia médica. Observa-se a afirmação esposada na seguinte jurisprudência:
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. 1. PRESCRIÇÃO. DOENÇA OCUPACIONAL. TERMO INICIAL. CIÊNCIA INEQUÍVOCA DA LESÃO. [...] 2. DOENÇA OCUPACIONAL. INCAPACIDADE LABORATIVA. O Tribunal Regional, com fundamento no laudo pericial produzido, assentou que as moléstias apresentadas pelo reclamante no ombro guardaram nexo concausal com as atividades desenvolvidas na reclamada, moléstias essas que o incapacitaram de forma parcial e permanente e o impediram de exercer as funções anteriormente desempenhadas na reclamada, razão pela qual aquela Corte manteve a responsabilidade da parte ré pelos danos culposamente causados. [...] Agravo de instrumento conhecido e não provido (BRASIL, 2021, não paginado).
A problemática verificada, portanto, é a valoração da perícia médica como sendo absoluta no arcabouço probatório trabalhista, embora muitas vezes o laudo emitido não seja conclusivo para atestar o nexo concausal, o que leva muitas vezes à condenação desarrazoada do empregador, ante à imputação de dano oriundo de sua responsabilidade subjetiva.
Por esse motivo, é notória a importância de uma perícia médica realizada adequadamente, conforme sustentam Monteiro e Bertagni (2019, p. 194 apud RABELO, 2020, p. 49), que equiparam sua relevância ao processo acidentário à relevância verificada na confissão para o processo penal. Segundo os autores, “ela é indispensável não só à confirmação do nexo com o trabalho, mas sobretudo quanto à constatação ou não da incapacidade laborativa e seu grau.” (MONTEIRO; BERTAGNI, 2019, p. 194 apud RABELO, 2020, p. 49).
Diante ao exposto, há de se considerar, nessa conjectura, que uma possível solução seria, conforme dito anteriormente, a análise também de outros meios de prova como a prova testemunhal ou até mesmo a contestação do laudo pericial, a fim de corroborar a perícia médica outrora realizada (RABELO, 2020, p. 50), resultando em maior segurança jurídica no âmbito da responsabilidade civil subjetiva do empregador, evitando-se, conforme se verá, responsabilidade excessiva e descabida desse.
4.2 A PROBLEMÁTICA DA APLICAÇÃO DESENFREADA DA TEORIA DA EQUIVALÊNCIA DAS CONDIÇÕES NO RECONHECIMENTO DO NEXO CONCAUSAL NA DOENÇA OCUPACIONAL
O aludido cenário tem sido ainda mais agravado pela aplicação desenfreada da Teoria da conditio sine qua non ou equivalência das condições, criada pelo autor penalista alemão Maximiliano von Buri, segundo a qual a concausa equivale à causa principal (AMORIM, 2012, p. 3).
Nesse raciocínio, Amorim (2012, p. 3) ensina que para a referida Teoria, todas as condições que de alguma forma geraram um dano têm o mesmo valor. Isto é, torna-se impossível que apenas uma seja a que resultou no prejuízo. Caso uma delas fosse eliminada, o dano não poderia existir.
Nos processos trabalhistas, a equivalência das condições tem sido aplicada com o intuito de igualar o valor da concausa ao da causa principal, sem que seja estabelecida qualquer distinção entre a causa principal e eventual concausa:
Importante destacar que, embora as decisões garantam ao trabalhador o direito a reparação pelas concausas, sejam elas preexistentes, concomitantes ou supervenientes, na maioria dos casos o inteiro teor da decisão não faz qualquer distinção, apenas cita a causa concorrente como condição equivalente para o acidente ou doença do trabalho (NAZÁRIO, 2010, p. 78).
A aplicação da referida teoria já está sedimentada em parte dos Tribunais Regionais do Trabalho do país, que consideram que a concausa detém o mesmo valor que causa principal, de forma a concorrer para o adoecimento do empregado. Veja-se jurisprudência do TRT da 3ª região que ilustra a narração retro:
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DOENÇA RELACIONADA AO TRABALHO. CONCAUSALIDADE. O fato da doença que acometeu a trabalhadora ser fundada em mais de uma causa, não afasta a sua caracterização como patologia ocupacional, se ao menos uma delas tiver relação direta com o trabalho para sua eclosão ou agravamento (art. 21, I, da Lei n. 8.213/91). Para a verificação da concausa, aplica-se a teoria da equivalência das condições, segundo a qual se considera causa, com valoração equivalente, tudo o que concorre para o adoecimento. No caso dos autos, demonstrada a realização de atividades laborais, pela reclamante, que contribuíram diretamente para o agravamento da doença diagnosticada, fica caracterizada a concausa, a justificar a responsabilização civil do réu pelos danos decorrentes (BRASIL, 2019a, não paginado).
O entendimento supramencionado se estende também perante o TRT da 12ª região:
DOENÇA OCUPACIONAL. NEXO CONCAUSAL. TEORIA DA EQUIVALÊNCIA DAS CONDIÇÕES. Ainda que a doença seja derivada de múltiplos fatores não deixa de ser enquadrada como patologia ocupacional se o exercício da atividade laborativa houver contribuído direta, embora não decisivamente, para o seu surgimento ou exacerbamento, nos termos do art. 21, I, da Lei nº 8.213/91. Aplica-se, para a verificação da concausa, a teoria da equivalência das condições, segundo a qual se considera causa, com valoração equivalente, tudo o que concorre para o adoecimento (BRASIL, 2020, não paginado).
A teoria abordada até aqui é considerada pelos estudiosos como extremista, considerando que se leva em consideração toda uma cadeia de “causas” na produção de um evento danoso, tendo pouca utilidade no que diz respeito aos ramos do Direito Privado no ordenamento jurídico brasileiro (RABELO, 2020, p. 30-31).
Nas palavras de Sérgio Cavalieri Filho (2019, p. 66 apud RABELO, 2020, p. 30-31), a teoria não distingue a causa e condição; se várias condições concorreram para a produção de um resultado, não há qualquer diferença entre elas quanto à participação, dotando do mesmo valor, em que pese uma delas tenha sido, na prática, mais eficaz.
Na prática, a aplicação da referida teoria acaba cerceando o âmbito da defesa do empregador nas reclamações trabalhistas, pois o Juiz, valendo-se dos laudos periciais muitas vezes inconclusivos, sustenta a existência de nexo (con)causal com a doença ocupacional, atribuindo, consequentemente, a culpa ao empregador, tendo em vista que, embora o trabalho não tenha sido a causa direta para o surgimento da patologia, pode ser que tenha agravado ou antecipado seus efeitos.
Provar o contrário, na maioria das vezes, torna-se oneroso e exaustivo ao empregador após a juntada de laudo pericial, o que exige análise pelo Juiz das provas produzidas nos autos de maneira integrada, e relativizando o valor da prova pericial médica, devido à sua falibilidade, consoante tudo o que foi explanado.
Certo é que o trabalhador é a parte hipossuficiente da relação de trabalho, cuja tutela é nítida pelo Direito Trabalhista. As normas e princípios atinentes à matéria foram construídos pautados no princípio da proteção do trabalhador.
A presente pesquisa ofereceu resposta à problemática evidenciada, qual seja, que de fato a perícia médica é insuficiente para atestar o nexo (con)causal entre a doença ocupacional e o trabalho, diante à emissão de laudos inconclusivos e porque a medicina não é uma ciência exata.
Observou-se que para que uma perícia médica seja hábil para atestar o chamado nexo concausal, deve ser dotada de procedimento específicos que envolvem desde a análise do paciente, ora empregado, até o estudo do local de trabalho, a fim de constatar se de fato o trabalho funcionou como concausa para o surgimento da patologia, ou seja, se de alguma forma contribuiu, agravou ou antecipou seus efeitos.
Nessa perspectiva, nasce a necessidade de um procedimento pericial dotado de maior técnica e cautela, a fim de verificar se há ou não o discutido nexo (con)causal entre a doença ocupacional e a atividade desempenhada pelo empregado, mediante o uso de critérios mais específicos.
Por derradeiro, em que pese ainda sejam empregadas tais técnicas, a perícia médica é altamente suscetível de erros, mormente quando emitido laudo inconclusivo, ocasião em que caberá ao juiz analisar todos os meios de prova utilizados, a fim de realizar uma análise integrada de seus elementos, buscando-se, por consequência, um julgamento mais justo no âmbito da reparação civil pelo empregador.
Foi constatado também que a aplicação desenfreada da Teoria da Equivalência das Condições constitui um óbice para uma justa prestação jurisdicional nos litígios trabalhistas que envolvem a responsabilização civil subjetiva do empregador com base no nexo (con)causal aferido por perícia médica, o que demanda análise pormenorizada do Julgador no caso concreto para decidir se cabível ou não a reparação civil.
A hipótese levantada, qual seja, a de que a perícia médica pode ser insuficiente para formar o convencimento do juiz sobre a existência de nexo (con)causal entre a doença ocupacional e o trabalho, foi confirmada.
Indiscutivelmente, ao empregador cabe o dever de propiciar adequado local de trabalho aos seus empregados, a fim de se evitar a geração de acidentes bem como prejuízos a longo prazo, como é o caso das doenças ocupacionais, porque, caso ocorra os referidos infortúnios, poderá ser responsabilizado civilmente na medida de sua culpa.
No entanto, caso mesmo assim ocorra a geração de uma doença ao empregado, em sede de reclamação trabalhista o empregador, parte reclamada, não deve ter seus direitos suprimidos, devendo o Juiz viabilizar todos as garantias para o exercício do contraditório, o que não é constatado quando da valoração absoluta do laudo pericial médico, com base na aplicação da Teoria da Equivalência das Condições.
Diante ao que foi analisado até aqui, conclui-se que de fato a perícia médica tem notória influência na decisão do Julgador, que por não ter conhecimentos técnicos acerca da Medicina, vinculam-se demasiadamente aos laudos médicos, esses altamente suscetíveis de falha quanto suas conclusões, o que demanda, como dito anteriormente, análise dos demais elementos probatórios produzidos, tais como a prova testemunhal, dentre outros.
Além do mais, restou evidenciado que a Teoria da Equivalência das Condições deve ser relativizada para que não haja acúmulo de decisões no sentido de condenar os empregadores ao pagamento de indenização indevidamente, pois para a referida, a concausa equivale à causa principal.
Os objetivos gerais e específicos foram plenamente alcançados no presente artigo científico, considerando que se buscou provar a referida insuficiência da prova pericial médica, bem como sua fragilidade no tocante à aferição do nexo (con)causal na doença ocupacional, efetuando o estudo das concausas e das doenças ocupacionais no âmbito do Direito do Trabalho, verificando os critérios legais, doutrinários e jurisprudenciais para a caracterização do nexo (con)causal entre doença ocupacional e a atividade laborativa, bem como analisando-se como se configura a responsabilização civil do empregador nesses casos, além de realizar estudo acerca da Teoria da Equivalência das Condições e sua aplicabilidade no âmbito da Justiça do Trabalho.
O assunto em tela é deveras de grande valia, pois permite que se direcione à atenção ao outro lado do litígio trabalhista, agora sob o viés dos direitos do empregador, realizando-se um aparato geral sobre a sua responsabilidade civil em casos de concausa com a doença ocupacional.
AMORIM, Verônica Vieira. As teorias da causalidade no direito brasileiro comparadas com o common law. Publica Direito, [s. l.], 2012. Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=539fd53b59e3bb12#:~:text=Qualquer%20das%20condi%C3%A7%C3%B5es%20%C3%A9%20causa,condi%C3%A7%C3%B5es%2C%20o%20resultado%20n%C3%A3o%20existiria.&text=A%20Teoria%20da%20Equival%C3%AAncia%20das,ad%20infinito%2C%20engendrando%20muitas%20cr%C3%ADticas. Acesso em: 18 out. 2021.
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[1] Titulação. Professor da Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins (FCJP).
Artigo publicado em 04/11/2021 e republicado em 10/05/2024
Graduado do curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins (FCJP).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, MURILO ALVES DE. A perícia médica como meio de prova (in)suficiente para a justa aferição da (in)existência de nexo (con)causal entre a doença ocupacional e o trabalho no âmbito da responsabilidade civil do empregador Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 maio 2024, 04:12. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57362/a-percia-mdica-como-meio-de-prova-in-suficiente-para-a-justa-aferio-da-in-existncia-de-nexo-con-causal-entre-a-doena-ocupacional-e-o-trabalho-no-mbito-da-responsabilidade-civil-do-empregador. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Maria D'Ajuda Pereira dos Santos
Por: Amanda Suellen de Oliveira
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