RESUMO: Trata-se de reflexão sobre a violência doméstica, com especial enfoque na violência psicológica. Esta se desenvolve como um processo silencioso, que progride sem ser identificado, deixando marcas em todos os envolvidos e tem como consequências danos psicológicos graves e ideação suicida que requer cuidado, que por vezes, os profissionais de diferentes âmbitos não se encontram capacitados e atentos aos sinais e sintomas. Verificou-se a importância de estratégias públicas, bem como, a qualificação dos profissionais e a empenhar na prevenção. Pela sua característica, a violência psicológica no interior da família, geralmente, evolui e eclode na forma da violência física. Com base neste entendimento destaca-se a importância de identificar as violências sutis que ainda se encontram em estágio embrionário e os meios legais para combatê-la. No entanto, aponta-se como um grande problema a dificuldade na identificação da violência psicológica no âmbito da Lei Maria da Penha, em razão de esta aparecer diluída em atitudes aparentemente não relacionadas ao conceito de violência.
PALAVRAS-CHAVE: Violência doméstica. Violência Psicológica. Lei Maria da Penha. Psicologia. Mulher.
ABSTRACT: This is a reflection on domestic violence, with a special focus on psychological violence. This develops as a silent process, which progresses without being identified, leaving marks on everyone involved and has as consequences serious psychological damage and suicidal ideation that requires care, which sometimes professionals from different areas are not trained and attentive to Signs and symptoms. It was verified the importance of public strategies, as well as the qualification of professionals and the commitment to prevention. Due to its characteristic, psychological violence within the family generally evolves and breaks out in the form of physical violence. Based on this understanding, the importance of identifying the subtle forms of violence that are still in an embryonic stage and the legal means to combat it is highlighted. However, the difficulty in identifying psychological violence within the scope of the Maria da Penha Law is pointed out as a major problem, as it appears diluted in attitudes apparently unrelated to the concept of violence.
KEYWORDS: Domestic violence. Psychological violence. Maria da Penha Law. Psychology. Woman.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. A Violência Doméstica; 2.1 Como se deu a criação da Lei 11.340/2006 – Lei “Maria da Penha”; 2.2 Conceito; 2.3 A violência doméstica em números; 3. A violência psicológica; 3.1 Conceito; 3.2 O traumatismo Psíquico – ciclos e consequências; 3.3 Os meios legais para o combate da violência psicológica; 4. Conclusão; 5. Referências.
1.INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, a violência contra a mulher vem ganhando muito mais visibilidade em todo o mundo e se intensificando cada vez mais perante a sociedade. O legislador, por meio do art. 5° da Lei 11.340/06, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.
Outrossim, é necessário entender os tipos de violências contidas na Lei 11.340/06, destacamos, a violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.
O problema que será discutido neste estudo pretende manifestar a violência psicológica, suas características e seus efeitos jurídicos.
Acrescenta-se que, entre todos esses tipos de violência, a mais silenciosa, perigosa e invasiva é a violência psicológica, pelo fato de não deixar marcas visíveis e ser a mais complicada de detectá-la e percebê-la. Visto que a agressão se dar por meio de ameaças, insultos, coação verbal, com o objetivo de ofender a vítima, dominar suas ações, seus hábitos e atitudes, acaba causando graves prejuízos mentais, prejudicando sua autoestima, individualidade e seu crescimento.
Desta forma, tem por objetivo o esclarecimento das consequências para os que praticam o crime de violência psicológica no ambiente doméstico e as medidas que serão eficazes para a punição deste.
2.1 COMO SE DEU A CRIAÇÃO DA LEI 11.340/2006 – LEI “MARIA DA PENHA”
São notórias as conquistas das mulheres, no que se refere a vida em sociedade. Porém, ainda é frequente a violência no âmbito doméstico, que cada vez mais se intensifica fazendo com que as mesmas sofram preconceito e discriminações de várias espécies. Desta forma, foi necessária a criação da Lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, para tratar especificamente sobre esse tipo de violência e conceitua-la de forma mais precisa, sendo considerada uma importante conquista no combate a violência doméstica e familiar contra as mulheres.
Esta Lei leva o nome de uma brasileira natural do Ceará,
Maria da Penha Maia Fernandes, a qual sofreu duas tentativas de assassinato em 1983, por parte de seu marido. Como resultado, ela ficou paraplégica, necessitando de uma cadeira de rodas para se locomover.
Como o Judiciário brasileiro demorava em tomar providências para responsabilizar o autor da violência, quinze anos depois, em 1998, com a ajuda do Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), ela conseguiu que seu caso fosse analisado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Na petição, foi alegado “haver tolerância à violência contra mulher no Brasil, uma vez que esse não adotou as medidas necessárias para processar e punir o agressor”. Também foi alegada a violação dos artigos: 1º; 8º; 24º; 25º da Convenção Americana, II e XVIII da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, bem como dos artigos 3º, 4º a, b, c, d, e, f, g, 5º e 7º da Convenção de Belém do Pará”.
Desta forma, em 2002, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Estado brasileiro por omissão e negligência fazendo as seguintes recomendações: Completar rápida e efetivamente o processamento penal do responsável pela agressão; Realizar uma investigação séria, imparcial e exaustiva para apurar as irregularidades e atrasos injustificados que não permitiram o processamento rápido e efetivo do responsável; Adotar, sem prejuízo das ações que possam ser instauradas contra o agressor, medidas necessárias para que o Brasil assegure à vítima uma reparação simbólica e material pelas violações; Prosseguir e intensificar o processo de reforma para evitar a tolerância estatal e o tratamento discriminatório com respeito à violência doméstica; Medidas de capacitação/sensibilização dos funcionários judiciais/policiais especializados para que compreendam a importância de não tolerar a violência doméstica; Simplificar os procedimentos judiciais penais; O estabelecimento de formas alternativas às judiciais, rápidas e efetivas de solução de conflitos intrafamiliares; Multiplicar o número de delegacias policiais especiais para a defesa dos direitos da mulher e dotá-las dos recursos especiais necessários, bem como prestar apoio ao MP na preparação de seus informes judiciais; Incluir em seus planos pedagógicos unidades curriculares destinadas à compreensão da importância do respeito à mulher e a seus direitos reconhecidos na Convenção de Belém do Pará; Apresentar à Comissão, dentro do prazo de 60 dias – contados da transmissão do documento ao Estado, um relatório sobre o cumprimento destas recomendações para os efeitos previstos no artigo 51(1) da Convenção Americana.
Atendendo a recomendação nº 3, em 2006, o Estado brasileiro fez a reparação simbólica, nominando a Lei 11.340/06, que cria dispositivos para “coibir a violência doméstica e familiar contra as mulheres”, como “Lei Maria da Penha”, e em 2008, fez a reparação material pagando o valor de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) para Maria da Penha Maia Fernandes. Na época, Maria da Penha afirmou: "dinheiro nenhum pode pagar a dor e a humilhação das últimas duas décadas de luta por justiça".
Portanto, a Lei 11.340/06, que recebeu o nome de “Lei Maria da Penha”, foi fruto da organização do movimento feminista no Brasil que desde os anos 1970 denunciava as violências cometidas contra as mulheres (violência contra prisioneiras políticas, violência contra mulheres negras, violência doméstica, etc.) e nos anos 1980 aumentou a mobilização frente a absolvição de homens que haviam assassinado as esposas alegando “legítima defesa da honra”.
2.2 CONCEITO
A Lei Maria da Penha cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Assim, antes de qualquer coisa, é preciso ao menos tentar identificar seu âmbito de abrangência, ou seja, saber o que é violência doméstica.
O legislador, por meio do art. 5º da referida Lei, estabeleceu como violência doméstica e familiar contra a mulher é “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”.
Dentro desse contexto, é importante observar o pronunciamento do Kofi- Annam, ex-secretário geral da ONU, que o mesmo fala sobre os efeitos da violência contra a mulher:
“A violência contra as mulheres causa enorme sofrimento, deixa marcas nas famílias, afetando várias gerações, e empobrece as comunidades. Impede que as mulheres realizem suas potencialidades, limita o crescimento econômico e compromete o desenvolvimento. No que se refere a violências contra as mulheres, não há sociedades civilizadas.”
A absoluta falta de consciência social do que seja violência doméstica é que acabou condenando este crime à invisibilidade. Afinal, a mulher ainda goza de uma posição de menos valia, sua vontade não é respeitada e não tem da liberdade de escolha. Aliás, as agressões contra a mulher sequer eram identificadas como violação dos direitos humanos.
O conceito legal tem recebido algumas críticas da doutrina, sendo chamado de lamentável, uma norma mal redigida e extremamente aberta (GUILHERME DE SOUZA NUCCI, LEIS PENAIS PROCESSUAIS COMENTADAS, PAG. 863). Há quem chegue ao ponto de afirmar que, pela interpretação literal da lei, qualquer crime contra a mulher seria violência doméstica e familiar, uma vez que lhe causa, no mínimo, sofrimento psicológico (IDEM, IBIDEM). Não há o risco de todo e qualquer delito cometido contra a mulher ser considerado como violência doméstica. A agravante inserida no Código Penal (art. 6.1, II, in fine) tem limitado campo de abrangência, pois restringe a violência contra a mulher na forma da lei específica. Assim, somente a violência praticada contra a mulher em razão do convívio familiar ou afetivo é que leva ao aumento da pena.
De qualquer modo, para se chegar ao conceito de violência doméstica é necessário a conjugação dos artigos 5° e 7°, da Lei Maria da Penha, pois as expressões: “qualquer ação ou omissão baseada no gênero”; “âmbito de unidade doméstica”; “âmbito da família” e “relação intima de afeto”, são insuficientes, tornando-as vagas.
De outro lado, apenas do art 7° também não se retira o conceito legal de violência contra a mulher. Á solução é interpretar os artigos 5° e 7° conjuntamente e então extrair o conceito de violência doméstica e familiar contra a mulher (MARCELO YUKIO MISAKA, Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher: em busca do seu conceito, Pág. 85). Deste modo violência doméstica é qualquer das ações elencadas no art. 7° (violência física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral) praticada contra a mulher em razão de vínculo de natureza familiar ou afetiva.
Preocupou-se o legislador não só em definir a violência doméstica e familiar. Também especificou suas formas, até porque, no âmbito do Direito Penal, vigoram os princípios da taxatividade e da legalidade, sede em que não se admitem conceitos vagos.
2.3 A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA EM NÚMEROS
No ano de 2020, segundo a nova edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, a cada minuto alguém ligava para um centro de denúncias para relatar um caso de violência doméstica contra mulheres.
Somente o Disque 190 recebeu 694.131 ligações sobre violência doméstica, total 16,3% maior do que o ano anterior.
O relatório do Fórum de Segurança Pública, diz que:
“Os números ainda impressionam por sua magnitude: 230.160 mulheres denunciaram um caso de violência doméstica em 26 UFs, sendo o Ceará o único estado que não informou. Isto significa dizer que ao menos 630 mulheres procuraram uma autoridade policial diariamente para denunciar um episódio de violência doméstica”
Nesse contexto, o número de registros de lesão corporal dolosa por violência doméstica registrou queda de 7,4%, com um total de 230.160 denúncias computadas. Por outro lado, o número de medidas protetivas de urgência concedidas pela Justiça cresceu 4,4%, passando para 294.440 em 2020.
Números inéditos da pesquisa realizada pelo Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria) revelam que 15% das brasileiras com 16 anos ou mais relataram ter experimentado algum tipo de violência psicológica, física ou sexual perpetrada por parentes ou companheiro/ex-companheiro íntimo durante a pandemia, o equivalente a 13,4 milhões de brasileiras. Isso significa dizer que, a cada minuto do último ano, 25 mulheres foram ofendidas, agredidas física e/ou sexualmente ou ameaçadas no Brasil. Para chegar a este número, o Ipec entrevistou 2002 pessoas no período de 19 a 23 de fevereiro, que responderam perguntas sobre saúde, alimentação, emprego, atividades domésticas e violência no período da pandemia. Além dos elevados números de violência, a pesquisa mostra ainda que a pandemia alterou mais a rotina das mulheres comparativamente à dos homens, e que elas tiveram sua saúde mental mais impactada.
Portanto, o levantamento mostra que 6% das mulheres brasileiras relataram ter sofrido agressão física por parte de seu namorado, companheiro ou ex, o que equivale a 5,3 milhões de mulheres de 16 anos ou mais. Essa vulnerabilidade se torna ainda mais acentuada quando verificamos que o percentual é maior entre mulheres de 35 a 44 anos (8%), pretas e pardas (7%) e com ensino fundamental (11%). Os números são compatíveis com o perfil das vítimas de feminicídio no país, que atinge majoritariamente mulheres entre 30 e 44 anos (41,4% das vítimas) e com baixa escolaridade, conforme dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
3. A VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA
3.1 CONCEITO
A violência psicológica é considerada uma forma sutil de violência. Quando se pensa em atos violentos, o que costuma aparecer na mente da maioria das pessoas são agressões físicas. Muitas ainda não veem as agressões psicológicas como formas de violência.
Conforme o artigo 7º, II da Lei Maria da Penha, este tipo de violência é aquela entendida como qualquer conduta que cause dano emocional e diminuição da autoestima da vítima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.
Trata-se de uma forma de violência de difícil identificação, pois o dano não é físico ou material. Muitas vítimas não se dão conta de que estão sofrendo danos emocionais.
Segundo Azevedo & Guerra (2001, p.25)
“O termo violência psicológica doméstica foi cunhado no seio da literatura feminista como parte da luta das mulheres para tornar pública a violência cotidianamente sofrida por elas na vida familiar privada.”
O movimento político-social que, pela primeira vez, chamou a atenção para o fenômeno da violência contra a mulher praticada por seu parceiro, iniciou-se em 1971, na Inglaterra, tendo sido seu marco fundamental a criação da primeira "CASA ABRIGO" para mulheres espancadas, iniciativa essa que se espalhou por toda a Europa e Estados Unidos (meados da década de 1970), alcançando o Brasil na década de 1980.
É importante destacar, ainda, que as agressões psicológicas podem ocorrer em qualquer tipo de relacionamento. Entretanto, é mais comum que elas sejam percebidas em relações afetivas.
Este tipo de violência possui a intenção de fragilizar o estado emocional e psicológico da vítima. O agressor psicológico recorre a várias artimanhas para deteriorar a sua saúde mental. Em relacionamentos afetivos, é mais comum esses artifícios serem usados friamente para deixar o cônjuge apegado ao agressor.
As ações violentas são comumente mascaradas como ciúme, excesso de cuidado, temperamento forte, desentendimentos, entre outras justificativas. O agressor psicológico tende a se safar por um longo período devido às essas interpretações errôneas.
Para as autoras Teles e Melo (2012), o tema é tratado muitas vezes como um assunto distante da realidade de quem tem um poder aquisitivo maior. Esse tipo de percepção mostra o reflexo da desigualdade econômica, porém o fenômeno pode acontecer com qualquer mulher independente da sua posição social. Deve-se ter o cuidado e sensibilidade em observar a violência psicológica contra a mulher em sua tênue expressão, pois essa situação pode desencadear consequências graves e até irreversíveis à mulher.
Desta forma, à medida que as agressões psicológicas se repetem, a vítima ao mesmo tempo fica com medo do agressor e com autoestima baixa. A autopercepção negativa impede que ela termine a relação tóxica, seja esta romântica, profissional, familiar ou de amizade.
Portanto, a vítima de violência psicológica começa a duvidar da sua própria capacidade de julgamento das situações e do seu merecimento da felicidade. O agressor psicológico comumente consegue fazer a cabeça dela, criando um laço de dependência difícil de ser quebrado. Como o estado emocional da vítima é fragilizado a ponto de ela duvidar de seu próprio valor como pessoa, é muito difícil para ela deixar um relacionamento abusivo ou cortar relações com o agressor psicológico.
3.2 O TRAUMATISMO PSÍQUICO – CICLOS E CONSEQUÊNCIAS
Didier Fassin e Richard Rechtman demonstram que uma nova condição de vítima foi estabelecida no mundo e como a sociedade passou a enxergar que os eventos trágicos por qual passam, podem e deixam marcas não-físicas, compreendidas como feridas tão ou mais graves do que as físicas.
Assim, verificou-se que a violência contra a mulher não são apenas atos de agressão física, sendo a violência psicológica uma das mais graves, causando mais sofrimento a vítima. Miller (2002, p.16 apud SILVA et all., 2001) mostra que o violentador antes de “poder ferir fisicamente sua companheira, precisa baixar a autoestima de tal forma que ela tolere as agressões”.
No que diz respeito a essa violência psíquica, José Carlos Miranda Nery Júnior considera:
“Violência Psicológica é qualquer ação ou omissão destinada a controlar ações, comportamentos, crenças e decisões de uma pessoa, por meio de intimidação, manipulação, ameaça, humilhação, isolamento ou qualquer outra conduta que implique prejuízo à sua saúde psicológica. É muito comum nesses casos, a pessoa ter a sua autoestima ou sensação de segurança atingida por agressões verbais, ameaças, insultos e humilhações. Essa violência acontece também quando, por exemplo, a pessoa é proibida de trabalhar, estudar, sair de casa ou viajar, de falar com amigos e familiares, ou então quando alguém destrói seus documentos ou outros pertences pessoais.” (NERY JÚNIOR, 2011, p. 19).
Os principais sintomas da violência psicológica é a depressão, desesperança, baixa autoestima e negação (ROTH & COLÉS citado por GOMES, 2012, p.674).
Diante disso, Enrique Esbec Rodriguez e Gregório Gomes Jarabo, explicam que a vitimização psíquica é muito grave e gera as seguintes consequências:
“sentimentos de humilhação, ira, vergonha e impotência; preocupação constante pelo trauma; auto culpabilização, com tendência a reviver e perceber o acontecimento como responsável principal pelo mesmo; perda progressiva de autoconfiança pelos sentimentos de impotência por ela experimentados; alteração do sistema de valores, em particular, quebra de sua confiança nos demais e na existência de uma ordem justa; falta de interesse e motivação para atividades e afeições prévias; incremento de sua vulnerabilidade com temor a viver em um mundo perigoso e perda de controle de sua própria vida; diminuição da autoestima; ansiedade, depressão, agressividade; alterações do ritmo e conteúdo do sono, disfunções sexuais; dependência e isolamento; mudanças drásticas no estilo de vida, medo de frequentar os lugares de costume etc.” (RODRIGUEZ & JARABO apud MOLINA & GOMES, 2002, pp. 86-8)
Portanto, a violência psicológica é sutil, lenta e silenciosa, quase que imperceptível aos envolvidos, fazendo com que a vítima defenda as ações de seu agressor, tornando-a ainda mais vulnerável.
No entanto, a progressão desta é expressiva e consequentemente acaba acarretando sérias complicações. Nesse passo, Maria Berenice Dias entende:
“A violência psicológica encontra forte alicerce nas relações desiguais de poder entre os sexos. É a mais frequente e talvez a menos denunciada. A vítima muitas vezes nem se da conta de que agressões verbais, silêncios prolongados, tensões, manipulações de atos e desejo, são violências e devem ser denunciados. Para a configuração do dano psicológico não é necessária a elaboração de laudo técnico ou realização de perícia, reconhecida pelo juiz sua ocorrência, cabível a concessão de medida protetiva de urgência. Praticando algum delito mediante violência psicológica, a majoração da pena se impõe.” (art. 61, II, f, CP) (DIAS, 2007, p.48).
E ao discorrer sobre esta violência, pode-se observar um “amor” possessivo e doentio, onde não se nota respeito e entendimento recíproco dentro do relacionamento.
Neste contexto, no entendimento da autora Sophia:
“Um amor que gera grande sofrimento é denominado como patológico, no qual há excessos de cuidado e atenção com o companheiro e a pessoa não possui um controle diante desses excessos.” (2008 apud RODRIGUES; CHALUB, 2009).
Em vista disso, pode-se observar que a violência doméstica começa com a violência psicológica onde o homem tenta manipular a mulher, afetando seu emocional, e com isso, a percepção desta se torna demorada, pois o agressor faz com que a vítima se sinta culpada sobre os acontecimentos.
Azevedo e Guerra explicam que:
“Há uma listagem de condutas abusivas, quais sejam: caçoa da mulher; insulta-a; nega seu universo afetivo; jamais aprova as realizações da mulher; grita com ela; insulta-a repetidamente (em particular); culpa-a por todos os problemas da família; chama-a de louca, puta, estúpida etc; ameaça-a com violência”. (Azevedo e Guerra, 2001, p.34).
Por fim, observa-se que há uma tendência de a violência começar pela psicológica, pois é negligenciada e começa de forma silenciosa, não dando para identifica-la imediatamente, podendo causar danos irreversíveis.
3.3 OS MEIOS LEGAIS PARA O COMBATE DA VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA
A violência psicológica é uma realidade na vida de muitas mulheres ao redor do mundo. Identificar-se como uma vítima não é uma tarefa fácil, pois, alguns comportamentos já estão enraizados na sociedade, como o machismo, por exemplo. Mas, existem alguns fatores que ajudam nesta identificação e acima de tudo, profissionais, ações jurídicas e campanhas que auxiliam no combate à violência psicológica.
Visto que esse tipo de violência exercida contra a mulher no âmbito doméstico ou familiar pode configurar o crime de lesão corporal, e que para a comprovação da materialidade é imprescindível a realização de exame de corpo de delito, precisa-se instrumentalizar isso na prática, de forma legal.
A primeira coisa a se fazer é identificar esse tipo de agressão e o agressor, e logo em seguida denunciar. Uma das principais formas de combater o problema é denunciar o violentador, já que a lei assegura a vítima. E em se tratando de um crime, é preciso que tenha a devida punição.
A partir disso, na Delegacia de Polícia, havendo tipicidade aparente, a autoridade policial adotará as providências e os procedimentos previstos nos artigos 10 e 12 da Lei 11.340/2006, além de instaurar inquérito policial, nas formas dos artigos 4° e seguintes do Código de Processo Penal e especificamente com relação as mulheres que noticiarem a violêncoa psicológica, deve a autoridade policial encaminhá-las a atendimento pelo psicólogo da própria unidade ou da rede de atendimento para uma primeira avaliação.
Desse atendimento, o psicólogo deverá elaborar um atestado psicológico, ou seja, um documento "que certifica uma determinada situação ou estado psicológico, tendo como finalidade afirmar sobre as condições psicológicas de quem, por requerimento, o solicita”. No documento, o psicólogo deverá informar, a requerimento da vítima e/ou da autoridade policial que preside o inquérito, se há indícios de dano psíquico. A Resolução n. 007/2003, do Conselho Federal de Psicologia, estabelece a estrutura do atestado.
A formulação deste, deve restringir-se á informação solicitada pelo requerente, contendo expressamente o fato constatado e terá caráter provisório, instruindo o inquérito policial instaurado para a apuração do crime.
Com vista do inquérito e do atestado psicológico em que se apontam indícios de materialidade do crime de lesão corporal com dano psíquico, o Ministério Público poderá requerer ao juiz, antes de iniciada a ação penal, a realização da perícia psicológica como produção antecipada de provas. Essa possibilidade é prevista no artigo 156, I, do Código de Processo Penal:
“Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz, de oficio:
I-ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida.”
O juiz, a requerimento da autoridade policial, do Ministério Público - ou do Assistente de Acusação -, poderá deferir a realização da perícia psicológica, em medida cautelar de produção antecipada de provas.
Nesse sentido, é importante permitir a manifestação da defesa, para postulação de outras provas; solicitar determinado tipo de análise ou de meios; bem como formular quesitos aos peritos, cuja resposta seja pertinente para o esclarecimento do fato ou da autoria.
A perícia, então, deverá ser procedida na forma dos artigos 158 a 184 do Código de Processo Penal. A escolha do perito recairá, preferentemente, no psicólogo da equipe multidisciplinar do juizado da violência doméstica e familiar contra a mulher, quando houver - artigo 29 da Lei n. 11.340/2006 e item 4.2 do Manual de rotinas e estruturação dos Juizados da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Não havendo psicólogo na equipe disciplinar, o perito deverá ser escolhido na forma do art. 159, $1°, do Código de Processo Penal. Deverão ser nomeados dois psicólogos para a realização do exame, pena de nulidades. Ao Ministério Público, ao assistente de acusação, à ofendida e ao acusado, deverá ser facultada a formulação de quesitos e elaboração de quesitos (art. 159, §3°, do CPP). Havendo divergência entre os peritos, é possível a indicação de terceiro perito, na forma do art. 180 do CPP.
A escolha do perito recairá, preferentemente, no psicólogo integrante da equipe multidisciplinar do Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, nas comarcas onde houver, Senão, será o exame realizado por dois psicólogos, na forma do art. 159, §1°, do CPP.
Determinada a realização de perícia psicológica pelo juiz, os documentos e quesitos, tanto do juízo quanto das partes (quando houver), serão encaminhados ao perito. Em vista disso, deverá o psicólogo planejar o exame e realizá-lo.
O acusado deverá constituir advogado para promover sua defesa ou, na impossibilidade de fazê-lo, buscar a assistência da Defensoria Pública. Também a mulher em situação de violência doméstica e familiar deverá estar acompanhada de advogado em todos os atos processuais, sendo-lhe garantido o acesso aos serviços da Defensoria Pública ou de Assistência Judiciária Gratuita (arts. 27 e 28 da Lei n.11.340/2006). O defensor será intimado da nomeação do perito e poderá indicar assistente técnico e formular quesitos suplementares, se entender necessário (art. 159, §3°, do CPP).
Além disso tudo, também é extremante importante não só para as vítimas mas também para a sociedade em um todo, as campanhas de conscientização, para que todos possam tomar conhecimento da gravidade dos danos que essa violência causa, e o mais importante, saber identificar a ajudar a vítima.
Por fim, a mulher tem ganhado espaços na sociedade, como um todo, inclusive no mercado de trabalho e isso é positivo no combate à violência psicológica e com toda essa evolução a Lei 11.340/2006 sofreu algumas mudanças. A mais recente alteração legislativa foi proporcionada pela lei 14.188/2021, sancionada em julho deste ano, a qual, além de definir o programa de cooperação Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica como uma das medidas de enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher e instituir medida protetiva em face da violência psicológica no texto da Lei Maria da Penha.
4.CONCLUSÃO
A pesquisa que teve indicou que a violência psicológica é um fenômeno que está presente no cotidiano de muitas mulheres, independente de classe, cor, credo, escolaridade e que prejudica a qualidade de vida da mulher que vivencia esse fenômeno.
Percebeu-se, ainda, que durante o percurso de 10 anos de lei Maria da Penha, os artigos nos anos iniciais da lei não davam destaque à categoria da violência psicológica, enfatizando apenas a questão física. Em meados de 2008 esses resultados começavam a vir à tona, tendo a manutenção de artigos até em 2015. Porém, destaca-se a necessidade da continuação da escrita e publicação para o enfoque da violência psicológica.
Portanto, com a publicização dos primeiros sinais de manifestação da violência psicológica a sociedade, de um modo geral, pode passar a ter uma visão diferenciada, podendo identificá-la tão logo se manifeste e refreá-la evitando, assim, que se agrave ou se transforme em violência física.
Assim, pode-se concluir que as estratégias de prevenção da violência (seja ela doméstica, urbana ou institucional) devem levar em consideração o fato de a violência psicológica ser o ponto inicial que deflagra toda violência doméstica. Por estar inserida na totalidade dos casos de violência atendidas no CEVIC, há a necessidade de uma compreensão de que a violência psicológica, caso seja contida, possa servir como estratégia de redução das demais violências.
Logo, a prevenção da violência psicológica pode ser pensada como uma estratégia de prevenção da violência de modo geral, isto é, não só da violência familiar, mas também da institucional e social. O fato de uma pessoa crescer e desenvolver-se numa família violenta pode repercutir na forma de aprendizado de solução de problemas, produzindo um padrão de comportamento violento.
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Artigo publicado em 11/11/2021 e republicado em 29/05/2024
Bacharela em Direito pelo Centro Universitário Fametro – CEUNI FAMETRO
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NICOLE DA COSTA MENDONçA, . Os meios legais para o combate da violência psicológica no âmbito da Lei Maria da Penha Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 maio 2024, 04:49. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57414/os-meios-legais-para-o-combate-da-violncia-psicolgica-no-mbito-da-lei-maria-da-penha. Acesso em: 23 dez 2024.
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