RESUMO: Este trabalho iniciou-se através do grande aumento e divulgação de casos reiterados de feminicídio no Brasil, em um curto período, relativamente, na pandemia de COVID-19. Busca-se, assim, uma reflexão acerca do impacto da pandemia de covid-19 para a incidência do feminicídio, e as medidas necessárias para o seu enfrentamento. Seu objetivo é analisar os meios cabíveis para intensificar o combate ao feminicídio. Para a realização do trabalho, utilizou-se o método dedutivo, através da realização de pesquisa bibliográfica, e levantamento de dados estatísticos e coleta de informações de órgãos oficiais, bem como os divulgados na mídia. Diante dos dados apresentados e da pesquisa realizada, foi possível concluir que a violência de gênero subsiste vigente na realidade brasileira, vitimando muitas mulheres, tornando-se fundamental o desenvolvimento de ações oriundas dos órgãos estatais e da sociedade civil organizada com a finalidade de tornar efetiva a diligência, a penalidade e a extinção desta violência, que é consequência de uma sociedade extremamente machista, patriarcalista, preconceituosa e discriminativa.
PALAVRAS-CHAVE: Feminicídio. Pandemia. Covid-19. Mulher. Violência.
ABSTRACT: This work began with the large increase and dissemination of repeated cases of femicide in Brazil, in a relatively short period, in the COVID-19 pandemic. Thus, the aim is to reflect on the impact of the covid-19 pandemic on the incidence of femicide, and the necessary measures to combat it. Its objective is to analyze the crime of femicide, as one of the types of domestic violence practiced against women, and specify the necessary and specific actions to combat it. For the accomplishment of the work, the deductive method was used, through the accomplishment of bibliographical research, and survey of statistical data and collection of information originating from official organs, as well as those disclosed in the media. In view of the data presented and the research carried out, it was possible to conclude that gender violence persists in the Brazilian reality, victimizing many women, making it essential to develop actions from state agencies and organized civil society in order to make it effective the diligence, the penalty and the extinction of this violence, which is a consequence of an extremely sexist, patriarchal, prejudiced and discriminatory society.
KEYWORDS: Femicide. Pandemic. Covid-19. Woman. Violence.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Feminicídio na pandemia; 2.1 Conceito e natureza jurídica do feminicídio; 2.2 Fundamento para criação do feminicídio; 2.3 O impacto da pandemia de COVID-19 para a incidência do feminicídio; 2.4 Dados sobre feminicídio no Brasil; 2.5 A qualificadora de gênero que persiste; 3. Conclusão; 4. Referências.
1.INTRODUÇÃO
No Brasil, o feminicídio é uma qualificadora prevista no Código Penal, incluído na legislação através da lei n° 13.104, de 2015, inciso VI, §2°, do art. 121, quando cometido “contra a mulher por razões de sexo feminino”.
O problema que será discutido é referente aos impactos da pandemia de Covid-19, que tem intensificado o índice de feminicídio em função do isolamento de mulheres confinadas com parceiros agressivos, que exercem sobre elas maior controle diante da sensação de maior impunidade provocada pelo isolamento. Tornou-se um fenômeno mundial o grande aumento de violência contra a mulher.
O índice de feminicídio não é um problema que emerge na pandemia. Já é um antigo problema no Brasil e no mundo, contudo, devido às restrições causadas pela pandemia do coronavírus, e as medidas de distanciamento social, tornou-se um fenômeno o grande aumento do feminicídio.
Dessa maneira, segundo os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, no primeiro semestre de 2020, foram 648 casos, 1,9% a mais que em 2019. O crescimento do feminicídio veio acompanhado do incremento das denúncias de violência doméstica.
De acordo com o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, houve um aumento de 40% de denúncias registradas por meio do 180 em relação ao ano de 2019/2018. Apesar de ser uma mudança considerável, este número está longe de refletir a realidade.
Por outro lado existiu uma redução de 9,9% dos registros feitos em delegacias. O anuário aponta que ocorreu um aumento de subnotificação dos casos, tendo em vista a grande dificuldade de registros por parte das mulheres em situação de violência doméstica durante a vigência das medidas de isolamento social que impede que a vítima saia de casa para denunciar. Existem os canais de denúncias digitais, mas nem todas as mulheres possuem acesso à internet, essa medida apesar de seus méritos, não resolve, efetivamente, o problema.
Complementa-se que, entre março e dezembro de 2020, ao menos 1.005 mulheres morreram vítimas do feminicídio, o equivalente a três mulheres assassinadas por dia. No estado do Amazonas, elevou o número de feminicídios em 67% neste período.
À vista disso, tem por objetivo analisar os meios cabíveis para intensificar o combate ao Feminicídio, objetiva-se ainda, verificar a capacitação de profissionais que atuam no atendimento e acolhimento das vítimas, e as medidas competentes para penalidade do mesmo.
2. FEMINICÍDIO NA PANDEMIA
2.1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DO FEMINICÍDIO
O Feminicídio, no Código Penal Brasileiro, está estabelecido como uma qualificadora de crime hediondo, caracterizado nos seguintes termos: é o assassinato de uma mulher cometido por razões da condição de sexo feminino, quando o crime envolve violência doméstica e familiar e/ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher. As causas mais frequentes são o ódio, o desprezo ou o sentimento de perda do controle e da propriedade sobre as mulheres, comuns em sociedades marcadas pela associação de papéis discriminatórios ao feminino. É uma modalidade de homicídio qualificado criada pela Lei 13.104, de 9 de março de 2015. A Lei 13.104/2015 estabeleceu o aumento de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto. O aumento vale também quando o crime for praticado contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência; e quando cometido na presença de descendente ou de ascendente da vítima. O aumento de pena é devido a circunstâncias que nitidamente tornam mais grave a conduta, impedindo que o julgador possa realizar interpretações “solipsistas”, obrigando-o a aplicar penalidade mais
O poder e o machismo se sobressaem como instrumentos de dominação e de subjugação. Trata-se de um crime de ódio, semelhante ao racismo e ao genocídio, crimes que se dirigem a categorias com método despersonalizado. Como ensina Eluf (2014):
“Em uma primeira análise, superficial e equivocada, poderia parecer que a paixão, decorrente do amor, tornaria nobre a conduta do homicida, que teria matado por não suportar a perda de seu objeto de desejo ou para lavar sua honra ultrajado. No entanto, a paixão que move a conduta criminosa não resulta do amor, mas sim do ódio, da possessividade, do ciúme ignóbil, da busca da vingança, do sentimento de frustração aliado à prepotência, da mistura de desejo sexual frustrado com rancor. (ELUF, 2014, p. 157)”.
Desse modo, o homicídio pode ser motivado por ciúme, egocentrismo, possessividade, impotência, prepotência e até vaidade, mas somente é feminicídio se é praticado em razão do gênero feminino. São comuns as causas para o feminicídio, o término de relacionamento (ou negativa em reatar o relacionamento), a rejeição amorosa ou conjugal, discussão em meio a bebidas alcoólicas, adultério, etc. Certo que o assassino não mata por amor, contudo, raramente o crime de homicídio não é um crime de ódio. Assim, a nota que diferencia o homicídio do feminicídio é justamente o que define este último: crime praticado contra a mulher, em razão de uma violência que possui caráter institucional, em que há uma “relação assimétrica de poder, com dominação do homem e submissão da mulher (...) violência, em razão do gênero, é exercida simplesmente porque o agressor é homem e a vítima é mulher.” (FERNANDES, 2015, p. 239).
À vista disso, não é difícil compreender o feminicídio quando decorre de violência doméstica e familiar contra mulher, ou de feminicídio íntimo. Dificuldades podem aparecer quando se tratar de feminicídio não íntimo, no qual o agressor não conhece a vítima, contudo a mata pelo fato de ser mulher (como seria o caso do estupro, seguido de homicídio). Trata-se do feminicídio por menosprezo ou discriminação à condição de mulher. A COPEVID 36 entende a misoginia como circunstância de natureza objetiva, em face da situação e da condição pessoal da vítima. Em reunião realizada em 22/09/2015, foi aprovado o seguinte enunciado:
“Enunciado no 24 (006/2015): A qualificadora do feminicídio, na hipótese do art. 121, §2o-A, inciso II, do Código Penal, possui natureza objetiva, em razão da situação de desigualdade histórico-cultural de poder, construída e naturalizada como padrão de menosprezo ou discriminação à mulher. (Aprovado na II Reunião Ordinária do GNDH e pelo CNPG em 22/09/2015). (ENUNCIADOS..., 2017).”
Consequentemente, é incontestável que existe uma profunda desigualdade de oportunidades nos campos do emprego, da renda e da política. As mulheres sempre estão em desvantagens em relação aos homens. A construção do conceito de violência de gênero pressupõe uma análise de natureza objetiva, eis que acompanha a própria formação dos seres humanos e de suas gerações. As relações de poder entre homens e mulheres são necessariamente construções psicossociais. A formação do homem, em síntese, é de negação reiterada: “não sou uma menina, não sou minha mãe, enfim, não sou uma mulher”. Assim, o homem cria uma imagem da própria identidade como pessoa que não é uma mulher. A negação do gênero feminino traz, como consequência, a violência de gênero como construção social.
2.2 FUNDAMENTO PARA CRIAÇÃO DO FEMINICÍDIO
Nesse contexto, o feminicídio é resultado do Projeto de Lei do Senado no 292, de 2013. A redação original estabelecia o feminicídio como homicídio cometido contra a mulher por razões de gênero feminino. A expressão “por razões de gênero feminino” foi substituída “por razões da condição de sexo feminino”, durante a tramitação do projeto na Câmara dos Deputados, alcançando, assim, sua redação final.
A definição da expressão utilizada na redação é estabelecida no art. 121, §2o-A, do Código Penal, ou seja, quando envolver violência doméstica e familiar, ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher. O crime de homicídio contra a mulher fora destas situações não configura o feminicídio, tornando-o objetivamente compreensível, inclusive em atendimento ao princípio da legalidade ou da reserva legal, em Direito Penal.
Destarte, mesmo com algumas divergências, fruto de uma compreensão apressada e confusa acerca do assunto, os melhores argumentos indicam que o feminicídio é circunstância de natureza objetiva. Nucci (2017), um dos juristas mais influentes, entende que o feminicídio é qualificadora de natureza objetiva. Para ele o feminicídio:
“(...) se liga ao gênero da vítima: ser mulher (...) o agente não mata a mulher por ela é mulher, mas o faz por ódio raiva, ciúme, disputa familiar, por sadismo, enfim, motivos variados, que podem ser torpes ou fúteis, podem inclusive ser moralmente relevante. (NUCCI, 2017, p. 768).”
2.3 O IMPACTO DA PANDEMIA DE COVID-19 PARA A INCIDÊNCIA DO FEMINICÍDIO
No ano de 2020, em razão da Pandemia de Covid-19, estabeleceu-se o isolamento social como o mecanismo mais eficaz para combater sua disseminação. Porém, essa medida exacerbou os conflitos familiares ao impor, à mulher vítima, a sua convivência permanente com seu agressor no lar, com o gravame de ficar impossibilitada de denunciá-lo, diante do impedimento de se locomover. De acordo com o boletim do senado/2020:
“Com o aumento do feminicídio, podemos comprovar uma coisa, que a quarentena para todos os países deixará uma grande sequela. Se por um lado o confinamento realizado para conter a pandemia do novo coronavírus ajudou a evitar propagação da covid-19 no Brasil, por outro, trouxe como consequência, o aumento da violência doméstica contra as mulheres. Umas das causas apontadas é a maior permanência das mulheres na convivência com os agressores, conforme publicado recentemente pelo Observatório da Mulher contra a Violência (OMV), vinculado à Secretaria de Transparência do Senado, no boletim ‘Violência doméstica em tempos de Covid-19’ (BOLETIM-SENADO, 2020).”
A Corte Interamericana de Direitos Humanos publicou a Declaração 1/20, de 09 de abril de 2020 com o escopo de evocar aos Estados suas obrigações internacionais com relação ao Covid-19 e aos Direitos Humanos.
Nessa seara, estabelece que:
“Tendo em vista suas medidas de isolamento social que podem levar a um aumento exponencial da violência contra mulheres e meninas nas suas casas, é necessário enfatizar o dever do Estado de devida diligência estrita com respeito ao direito das mulheres a viverem uma vida livre de violência e, portanto, todas as ações necessárias devem ser tomadas para prevenir casos de violência de gênero e sexual; ter mecanismos seguros de denúncia direta e imediata; e reforçar a atenção às vítimas (CIDH-Declaração1/20).”
Com o propósito de buscar subsídios para atender tais demandas, foi instituída a Portaria n° 70, de 22 de abril de 2020, estabelecendo um Grupo de Trabalho destinado à elaboração de estudos para indicações de soluções ao Conselho Nacional de Justiça voltadas a priorizar atendimento às vítimas de violência doméstica e familiar durante o isolamento social em decorrência da pandemia do Coronavírus. Segundo BUTLER:
“Com o país em quarentena, pode coagir e intimar ainda mais as mulheres vítimas da violência doméstica, pois sem sair de casa, muitas delas estão trabalhando home office, vendo televisão, se alimentando e dormindo, neste instante, ao lado dos seus agressores (BUTLER, 2015).”
Conforme foi exposto na reportagem veiculada no Portal Brasil de Fato, em 10/10/20, durante a pandemia, mais precisamente, no período entre os meses de março e agosto, uma mulher foi morta a cada nove horas no Brasil, atingindo uma média de três mortes por dia.
O legislador, com fulcro de promover a celeridade na prestação jurisdicional às mulheres vitimadas, e considerando o aumento de casos de violência doméstica no país promovido por conta do Covid-19, publicou, no dia 08/07/2020, a lei n° 14.022/2020, oriunda do PL 1.291/2020, tendo-se como autora a deputada Maria do Rosário (PT-RS) e mais 22 integrantes da bancada feminina no Congresso.
A relatora, senadora Rose de Freitas (Podemos-ES), ampliou o alcance das medidas também para pessoas com deficiência que sofram violência doméstica e familiar. Em nota veiculada no Portal de notícias do Senado Federal, a senadora assim se pronunciou: “ É a construção a favor de uma mulher presa dentro de um cenário, sofrendo as consequências da violência, da cultura machista que ainda perdura. Isso não é pouca coisa” - avaliou Rose, na aprovação do projeto.
A incidência da modalidade mais grave de violência perpetrada contra a mulher é a letal. Introduzindo no Ordenamento Jurídico Pátrio, para Guilherme Nucci, nada mais é do que uma modalidade de homicídio qualificado, quando a vítima é mulher. Acrescentou-se, assim, o inciso IV ao art. 121, § 2°, do Código Penal, afirmando ser qualificado o crime quando praticado “contra a mulher por razões da condição do sexo feminino, ao estabelecer, no §2° -A “I- vioência doméstica e familiar; II- menosprezo ou discriminação à condição de mulher” e tornar o crime hediondo, nessas hipóteses. Trata-se, de um crime de ódio voltado para o gênero, por razões da condição do sexo feminino. O sujeito passivo do tipo penal é a mulher, independente da sua orientação sexual.
2.4 DADOS SOBRE FEMINICÍDIO NO BRASIL
O Brasil é o 5° país no mundo, em um grupo de 83, em que se matam mais mulheres, de acordo com o Mapa da Violência de 2015. Só no mês de Dezembro de 2020, sete casos de feminicídio foram veiculados na mídia, a saber: Viviane do Amaral, 45 anos, de Niterói (RJ), Thalia Ferraz, 23 anos, de Jaraguá do Sul (SC), Evelaine Aparecida Ricardo, 29 anos, Campo Largo (PR), Loni Priebi de Almeida, 74 anos, de Ibarama (RS), Ana Paula Porfírio dos Santos, 45 anos de Recife e Aline Arns, 38 anos, de Forquilhinha (SC), Roberta Pedro de Oliveira, 26 anos, no Complexo do Alemão (RJ).
Na véspera de Natal, Viviane foi assassinada com 16 facadas desferidas pelo ex-marido, fato ocorrido na frente das três filhas menores de 18 anos; Thalia foi morta a tiros pelo ex-companheiro diante dos parentes; Evelaine não resistiu ao tiro deflagrado pelo ex-companheiro que, em seguida, cometeu o suicídio; No dia 25, Ana Paula foi morta a tiros pelo marido, no interior da residência do casal, na presença da filha de 12 anos de idade e Aline também foi baleada em casa, pelo ex-companheiro. No dia 29, Roberta foi morta a facadas pelo ex-companheiro, ao retornar a sua casa para buscar seus pertences.
A sequência desses episódios repugnantes fomentaram a manifestação do Exmo. Ministro do STF, o Dr. Gilmar Mendes, que, no dia 25 de Dezembro de 2020, manifestou em sua rede social: “O gravíssimo assassinato da juíza Viviane Arronemzi mostra que o feminicídio é endêmico no país, não conhece limites de idade, cor ou classe econômica. O combate a essa forma bárbara de criminalidade cotidiana contra as mulheres deve ser prioritário”.
O presidente do STF e do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), Luiz Fux, ao se referir à morte da juíza Viviene Arronenzi emitiu, em nota pública, o seguinte pronunciamento:
“O Supremo Tribunal Federal e o Conselho Nacional de Justiça, por meio do seu Presidente e do Grupo de Trabalho instituído para o enfrentamento da violência doméstica contra a mulher, consternados e enlutados, unem-se à dor da sociedade fluminense e brasileira e à dos familiares da Drª Viviane Vieira do Amaral Arronenzi, magistrada exemplar, comprometendo-se, nessa nota pública, com o desenvolvimento de ações que identifiquem a melhor forma de prevenir e de erradicar a violência doméstica contra as mulheres no Brasil. Tal forma brutal de violência assola mulheres de todas as faixas etárias, níveis e classes sociais, uma triste realidade que precisa ser enfrentada como estabelece a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, Convenção de Belém do Pará, ratificada pelo Brasil em 1995. Deve ser redobrada, multiplicada e fortalecida a reflexão sobre quais medidas são necessárias para que essa tragédia não destrua outros lares, não nos envergonhe, não nos faça questionar sobre a efetividade da lei e das ações de enfrentamento à violência contra as mulheres. O esforço integrado entre os Poderes constituídos e a sensibilização da sociedade civil, no cumprimento das leis e da Constituição da República, com atenção aos tratados internacionais ratificados pelo Brasil, são indispensáveis e urgentes para que uma nova era se inicie e a morte dessa grande juíza, mãe, filha, irmã, amiga, não ocorra em vão. Lamentamos mais essa morte e a de tantas outras mulheres que se tornam vítimas da violência doméstica, do ódio exacerbado e da desconsideração da vida humana. A morte da juíza Viviane Vieira do Amaral Arronenzi, no último dia 24 de dezembro de 2020, demonstra o quão premente é o debate do tema e a adoção de ações conjuntas e articuladas para o êxito na mudança desse doloroso enredo. Pela magistrada Viviane Vieira do Amaral Arronenzi. Por suas filhas. Pelas mulheres e meninas do Brasil”.
2.5 A QUALIFICADORA DE GÊNERO QUE PERSISTE
Em uma conferência entre o segundo trimestre de 2020 com 2021, com base nos casos da Sesdec, houve um aumento de 50% nos casos de feminicídio. E ao crime de homicídio contra a mulher, 13 mulheres foram mortas no segundo trimestre do ano passado. E este ano 13 mulheres foram vítimas no mesmo período. Os números retratam a persistência dessa qualificadora de gênero, e revelam o aumento significativo dos registros de tentativa de feminicídio no segundo semestre do ano de 2020, com 81 registros de ocorrências em números absolutos, representando um aumento de 200%, se comparado com o primeiro semestre do mesmo ano, quando ocorreram 27 feminicídios. Evidencia-se, assim, que, de fato, o isolamento social imposto pela pandemia é um dos fatores preponderantes para o aludido acréscimo, seja na forma consumada ou tentada. Ressalte-se ainda que os números supracitados revelam apenas os casos que chegaram ao conhecimento de uma Unidade Policial no estado da Bahia. Infelizmente, permanece a denominada “cifra oculta” que são os casos de tentativa de feminicídio e outras modalidades de violência doméstica contra a mulher que permanecem ocultas para a sociedade.
Em recente entrevista concedida ao Jornal A Tarde, a defensora pública Firmiane Venâncio do Carmo, mestra no tema Mulheres, Gênero e Feminismo pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), evidencia tratar-se de uma modalidade de crime que não ocorre de inopino. Para ela, o feminicídio é o extremo de "uma violência que vem se mostrando ao longo de anos, ao longo de várias fases". E acrescenta:
”A ameaça é das violências mais graves que uma mulher pode sofrer, porque potencialmente você não sabe se aquele mal prometido vai ser concretizado. De forma igual, as violências psicológicas, as violências morais[…] violências que são tomadas como menores, mas são o começo de algo que pode se agravar e pode ter um desfecho letal como o feminicídio", analisa a defensora (Jornal A Tarde, 21.12.2020).”
A saga da violência doméstica e familiar praticada contra mulher, nas suas mais variadas facetas, tem sido praticada, há séculos, no mundo pela sociedade que se recusa a reconhecer a igualdade dos gêneros.
Destarte, em razão da pandemia de Covid-19, infelizmente, os números ficaram mais expressivos através do isolamento social e extrema convivência com agressores, sendo alvo específico do presente estudo o feminicídio. Consequentemente, exigiu-se dos órgãos governamentais e não governamentais e dos integrantes da rede de proteção um esforço hercúleo, para atuar em prol dessas vítimas diante do novo panorama social delineado.
3.CONCLUSÃO
Podemos concluir em face de todo o exposto que o feminicídio é uma qualificadora intencional e planejada pelo agressor, que persegue a vítima obstinadamente. Muitas vezes, o local do crime é cometido na residência da própria mulher.
Diante desse frequente e extremo cenário de casos de violência contra a mulher no país, é necessário colocar um ponto final na invisibilidade da diferença histórica entre homens e mulheres, especialmente nos campos político, econômico, cultural, e, principalmente, social. Desempenhar os direitos e serviços existentes, objetar cenários vitoriosos e enfrentar o racismo institucional também são pontos essenciais para o impedimento do feminicídio.
Desse modo, são extremamente amplos os desafios até o resultado esperado de crimes cometidos contra mulheres. Contudo, é fundamental manifestar os deveres da sociedade e do Estado na mobilização dos mecanismos de proteção à mulher mais eficazes, rápidos e disponíveis, principalmente para as mulheres que não dispõem de meios para realizar a denúncia, pretendendo combater mortes evitáveis e acabar com o desequilíbrio estrutural e a vulnerabilidade que custam tribulação e vidas.
Por conseguinte, seriam cabíveis diversas medidas para o combate ao feminicídio, dentre elas; a declaração de assistência essencial abrangente às vítimas de violência de gênero, garantindo o funcionamento normal dos dispositivos de informação durante 24 horas; resposta à emergência e acolhimento de mulheres em risco e assistência psicológica; ativação de um novo recurso de emergência por meio de uma mensagem instantânea com geolocalização que será recebida pelas forças e órgãos de segurança do estado; atendimento psicológico imediato via whatsapp, através dos telefones fornecidos pelo ministério da igualdade.
4.REFERÊNCIAS
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Lei nº.14.022, de 07 de Julho de 2020. Altera a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, e dispõe sobre medidas de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher e de enfrentamento à violência contra crianças, adolescentes, pessoas idosas e pessoas com deficiência durante a emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019. Brasília, 06 de fevereiro de 2020. Disp. em: www. planalto.gov.br . Acesso em 28 agos.2021.
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BRASIL. Decreto-lei no 2848 de 07 de dezembro de 1940. Brasília, 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, Brasília. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm. Acesso em: 20/09/2021.
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Graduando(a) do Curso de Direito do Centro Universitário FAMETRO
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIRA, Raiza Nery Azevedo. O direito penal e o feminicídio. O impacto e aumento significativo de feminicídio na pandemia da covid-19. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 nov 2021, 04:23. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57415/o-direito-penal-e-o-feminicdio-o-impacto-e-aumento-significativo-de-feminicdio-na-pandemia-da-covid-19. Acesso em: 23 dez 2024.
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