RESUMO: O presente trabalho, visa aprofundar a aplicabilidade do Princípio da Insignificância no crime de furto pela Autoridade Policial. Sendo inicialmente, de grande relevância, estudar os conceitos de Direito Penal e os Princípios das Ciências Criminais. Analisando assim, a Teoria Geral do Crime, e em concomitância o Princípio da Insignificância no Crime de Furto. Ademais, finda-se com a preleção das atribuições da Autoridade Policial, diante de cada análise casuística do Princípio Bagatelar nos crimes de furto. Assim, a temática proposta, no presente trabalho, é buscar por meio de jurisprudências dos Tribunais Superiores, Súmulas, Doutrinas, consulta à Constituição Federal, ao Código penal e Processual penal e de outros meios nessários.
PALAVRAS-CHAVES: Furto. Princípio da insignificância. Autoridade policial. Aplicação.
ABSTRACT: This work aims to deepen the applicability of the Principle of Insignificance in the crime of theft by the Police Authority. Initially, of great relevance, studying the concepts of Criminal Law and the Principles of Criminal Sciences. Thus, analyzing the General Theory of Crime, and concomitantly the Principle of Insignificance in the Crime of Theft. Furthermore, it ends with the lecture on the attributions of the Police Authority, in view of each case-by-case analysis of the Principle of Insignificance in theft crimes. Thus, the proposed theme, in this work, is to search through Superior Courts jurisprudence, Precedents, Doctrines, consultation of the Constitution, the Criminal Code and Criminal Procedure and other necessary means.
KEYWORDS: Theft. Principle of insignificance. Police authority. Application.
INTRODUÇÃO
O Direito Penal, possui como função essencial proteger e acautelar os bens jurídicos mais importantes para o convívio social. Nesse diapasão, tal instituto, demonstra, uma barreira entre o poder punitivo estatal e os direitos e garantias fundamentais.
À vista disso, o Direito Penal não é tão somente o poder punitivo estatal. Devendo a persecução penal, ser pautada em critérios mínimos amparados pelos princípios e normas constitucionais.
Desse modo, o Direito Penal como uma forma de controle estatal e social, só deverá atuar em ultima ratio (última razão ou último recurso), desprendendo o animus puniendi àquelas condutas que extrapolam e causam danos a bens jurídicos tutelados pela norma vigente.
Dessa forma, quando se priva o indivíduo de sua liberdade, tal conduta, deve ser uma medida de caráter excepcional, em conformidade com a Constituição Federal.
Nesta seara, que vem à tona o Princípio da Insignificância, aplicado ao crime de furto, apesar de não expresso em nosso Ordenamento jurídico, é implicitamente reconhecido, e sua aplicabilidade é cada vez mais usual. Evitando assim, arbitrariedades, que ora não prejudicam bens jurídicos e nem ofendem, potencialmente, bens jurídicos relevantes.
Entretanto, é imperioso ressaltar que, embora os tribunais superiores, pacificamente, entendem, ajustado em cada caso concreto, que é cabível a aplicação do princípio da insignificância no crime de furto; por outro lado, tal aplicação, por parte do Delegado de Polícia, não se encontra como pacífica.
“ O Delegado de Polícia, como primeiro garantidor da legalidade e da justiça”, nas palavras do Ministro Celso de Mello, analisará, primeiramente, cada caso concreto, sendo tal fato de extrema relevância para o debate.
Nesse contexto fático, é imprescindível entender as finalidades e objetivos da Ciência penal, observando também os princípios constitucionais, e ainda a teoria do crime. Para que assim, possamos entender melhor a aplicação do Princípio da Insignificância no crime de furto pela autoridade policial.
O presente trabalho visa, por meio de doutrinas, jurisprudências dos Tribunais Superiores, súmulas, consulta ao Código Penal, Processual penal e à Constituição Federal, elucidar a aplicação do princípio da insignificância no crime de furto pela autoridade policial.
1 INTRODUÇÃO AO CRIME
Inicialmente, o crime é um fenômeno social que atinge uma grande massa populacional em todo mundo. Dessa forma, segundo o art. 1º da Lei de Introdução do Código Penal (decreto-lei n. 2848, de 7-12-1940):
Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer alternativamente ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.
Entretanto, no código penal vigente não está expresso o conceito de crime, como continha nas legislações passadas, ficando a cargo dos doutrinadores o definirem e conceituarem. (MIRABETE, 2006, p.42).
1.1 Teoria geral do crime
É de suma importância, a todos operadores do Direito Penal, compreender a teoria geral do crime. Uma vez que, exsurge a necessidade de polir-se de tal conceito. Nesta seara, o Delegado de polícia deverá aplicar toda essência da teoria geral do crime, evitando equivocados indiciamentos de pessoas que não tenham praticado fato típico, ilícito e culpável.
Nesse sentido, o sistema jurídico há de se considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. (HC 110475 REL. Min Dias Toffoli. J 14/02/2012).
1.2 Da infração penal, crime e contravenção
No sistema jurídico brasileiro, o gênero infração penal divide-se em duas premissas: o crime e a contravenção penal, segundo o critério bipartido. O conceito de crime divide-se em questões complexas, quais sejam:
Quando ao critério material, crime é toda ação ou omissão humana que lesa ou expõe a perigo de lesão bens jurídicos penalmente tutelados.
O critério legal, no código penal vigente, não há tal classificação. Entretanto, a Lei de Introdução ao Código Penal o faz, como visto anteriormente.
Em relação ao critério analítico, existem enumeras classificações, assim Basileu Garcia aduz que crime possui quatro elementos, quais sejam, fato típico, ilicitude, culpabilidade e punibilidade. Já outros autores, como (Nelson Hungria, Aníbal Bruno, Magalhães Noronha) entendem pelo teoria tripartida – fato típico, ilicitude, culpabilidade (posição majoritária). Em conformidade com exposto, preleciona Celso Delmanto:
Deparamo-nos, no Brasil, com um Código Penal onde a culpabilidade não é um dos elementos do crime (Teoria do Delito), mas sim elemento da aplicação da pena (Teoria da Pena). “Por sua vez, ensina Cleber Masson que com a Lei 7209/84, que alterou a parte geral do Código Penal, fica a impressão de ter sido adotado um conceito bipartido de crime, ligado obrigatoriamente à teoria finalista da conduta.”
Já contravenção penal, para o legislador, possui um caráter de tutela de bens um pouco menos relevantes ou de menor importância, sem estabelecer assim, diferença entre crime e contravenção penal. Dessa forma, quando a Lei cominar a sanção, isoladamente, pena de prisão simples ou multa, ou ambas, estará presente o instituto da Contravenção penal. E ainda, o legislador definiu que contravenção penal só existirá se fora praticada em território brasileiro, devido ao Princípio da Territorialidade.
1.3 Concepção Analítica de Crime
Há atualmente, uma celeuma jurídica para definição analítica de crime. Dessa forma para alguns doutrinadores crime é fato típico, ilicitude e a culpabilidade – Teoria Tripartida. Entretanto a Doutrina diverge, possuindo autores que adotam a teoria quadripartida de crime; fato típico, ilicitude, culpabilidade e punibilidade. Dessa forma, Masson preleciona citando diversos autores, e seus respectivos posicionamentos:
Esse critério, também chamado de formal ou dogmático, se funda nos elementos que compõem a estrutura do crime. Basileu Garcia sustentava ser o crime composto por quatro elementos: fato típico, ilicitude, culpabilidade e punibilidade. Essa posição quadripartida é claramente minoritária e deve ser afastada, pois a punibilidade não é elemento do crime, mas consequência da sua prática. Não é porque o se operou a prescrição de determinado crime, por exemplo, que ele desapareceu do mundo fático. Portanto, o crime existe independentemente da punibilidade.
Outros autores adotam uma posição tripartida, pela qual seriam elementos do crime: fato típico, ilicitude e culpabilidade. Perfilham desse entendimento, entre outros, Nélson Hungria, Aníbal Bruno, E. Magalhães Noronha, Francisco de Assis Toledo, Cezar Roberto Bitencourt e Luiz Regis prado.
Imperioso ressaltar ainda, que alguns doutrinadores adotam a teoria bipartida de crime, tendo como elementos fato típico e o ilícito. Sendo a culpabilidade, mero pressuposto para aplicação da pena. Assim, Capez (2018, p. 241) aduz que:
Com isso, passou a ser mero juízo de valoração externo ao crime, uma simples reprovação que o Estado faz sobre o autor de uma infração penal. Com efeito, a culpabilidade, em termos coloquiais, ocorre quando o Estado aponta o dedo para o infrator e lhe diz: você é culpado e vai pagar pelo crime que cometeu! Ora, isso nada tem que ver com o crime. É apenas uma censura exercida sobre o criminoso. Desse modo, a partir do finalismo, já não há como continuar sustentando que crime é todo fato típico, ilícito e culpável, pois a culpabilidade não tem mais nada que interessa ao conceito de crime. Welzel não se apercebeu disso e continuou sustentando equivocadamente a concepção tripartida, tendo, com isso, influenciado grande parte dos finalistas, os quais insistiram na tecla errada. Além disso, a culpabilidade é um elemento externo de valoração exercido sobre o autor do crime e, por isso, não pode, ao mesmo tempo, estar dentro dele. Não existe crime culpado, mas autor de crime culpado.
1.4 Elementos do Crime
Destarte a divergência na identificação do elementos constitutivos de crime, a doutrina, quase que sedimentada, na sua forma tripartida, apresenta os seguintes elementos constitutivos: fato típico, ilicitude e culpabilidade.
Dessa forma, o fato típico, como elemento do crime, é classificado como um acontecimento que corresponde exatamente a um modelo de fato contido em uma norma penal incriminadora. E do seu conceito, extrai-se alguns elementos: conduta, nexo causal, resultado e tipicidade. Nas palavras de Sanches (2021, p. 257):
Fato típico, portanto, pode ser conceituado como ação ou omissão humana, antissocial que, norteada pelo princípio da intervenção mínima, consiste numa conduta produtora de um resultado que se subsume ao modelo de conduta proibida pelo Direito Penal, seja crime ou contravenção penal. Do seu conceito extraímos seus elementos: conduta, nexo causal, resultado e tipicidade.
O segundo substrato analítico de crime, ilicitude ou antijuridicidade, deve ser entendida como uma conduta contrária ao ordenamento pátrio. Desta forma explicam Zaffaroni e Pierangeli:
Devemos ter presente que a antijuridicidade não surge do direito penal, mas de toda ordem jurídica, porque a antinormatividade pode ser neutralizada por uma permissão que pode provir de qualquer parte do direito: assim, o hoteleiro que vende a bagagem de um freguês, havendo perigo na demora em acudir a justiça, realiza uma conduta que é típica do art. 168 CP (apropriação indébita), mas que não é antijurídica, porque está amparada por um preceito permissivo que não provém do direito penal, mas sim do direito privado (art. 1470 do CC/02).
A culpabilidade, possui três elementos, quais sejam: imputabilidade penal, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa, sendo entendida como a maneira reprovada na conduta típica e ilícita do agente, com o objetivo de analisar a aplicabilidade da sanção penal. No mesmo sentido, preleciona Masson (2018, p. 496):
Culpabilidade é o juízo de censura, o juízo de reprovabilidade que incide sobre a formação e a exteriorização da vontade do responsável por um fato típico e ilícito, com o propósito de aferir a necessidade de imposição da pena.
A culpabilidade pode ser encarada como elemento do crime tanto para um simpatizante do sistema clássico como também para um partidário do sistema finalista, desde que se adote um conceito tripartido de crime. Para os adeptos do finalismo bipartido, contudo, a culpabilidade funciona como pressuposto de aplicação da pena, e não como elemento do crime.
Portanto, o estudo de cada elemento é de suma importância para entender que, o estado exerce o ius puniendi, não por uma atitude arbitrária, mas para garantir a segurança jurídica estatal.
2 DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
Os princípios fundamentais são tratados como alicerce do sistema constitucional. Dessa forma, proporcionam a interpretação normativa e subsidiam as lacunas jurídicas. No mesmo sentido, preleciona Celso Antônio Bandeira de Mello (apud MASSON, 2017, p.23):
Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nosso sistema jurídico positivo.
Assim, por derradeiro, os Princípios são verdadeiros mecanismos de proteção dos cidadãos frente ao estado punitivo.
2.1 Princípio da Reserva Legal
O Princípio da Reserva Legal, esculpido na carta constitucional de 1988, em seu artigo 5º, inciso XXXIX, traz à tona um verdadeiro resguardo jurídico para a sociedade. Além do mais, o referido princípio, possui status de cláusula pétrea, não podendo assim ser retirado do Ordenamento pátrio. Assim, nos ensinamentos de Masson (2017, p. 24):
Preceitua, basicamente, a exclusividade da lei para criação de delitos (e contravenções penais) e cominação de penas, possuindo indiscutível dimensão democrática, pois revela a aceitação pelo povo, representado pelo Congresso Nacional, da opção legislativa no âmbito criminal. De fato, não há crime sem lei que o defina, nem pena sem cominação legal (nullum crimen nulla poena sine lege).
No Brasil, os crime (e também as contravenções penais) são instituídos por leis ordinárias. Em tese, nada impede o desempenho dessa função pela lei complementar. Mas, como se sabe, a Constituição Federal indicia expressamente as hipóteses de cabimento de tal espécie legislativa, entre as quase não se encaixa a criação de rimes e a cominação de penas.
É vedada a edição de medias provisórias sobre matéria relativa a Direito Penal (CF, art.62, § 1º, I, alínea b), seja ela prejudicial ou mesmo favorável ao réu.
Diante do exposto, uma das premissas trazidas pelo Princípio da Reserva Legal, é de que o agente só poderá responder, ou ser processado, se sua conduta se amoldar ao tipo penal preestabelecido. Logo, em um Direito Penal conservador, o referido princípio é de suma importância para coexistência harmônica e para proteção de toda sociedade.
2.2 Princípio da Exclusiva Proteção dos Bens Jurídicos
O entendimento de bem jurídico advém do ressalto para sociedade de determinado ente material ou imaterial. Dessa feita, preleciona Luiz Regis Prado (2019,p. 73):
Bem jurídico é um ente material ou imaterial haurido do contexto social, de titularidade individual ou metaindividual reputado como essencial para coexistência e desenvolvimento do homem em sociedade, e por isso, jurídico-penalmente protegido. Deve estar sempre em compasso com o quadro axiológico vazado na constituição em com o princípio do Estado Democrático e social de Direito. A ideia de bem jurídico fundamenta a ilicitude material, ao mesmo tempo em que legitima a intervenção penal legalizada.
Por isso, a criação de tipos penais, pelo legislador, levará em consideração apenas aquelas condutas que, de alguma forma, exponham a risco, ou a perigo de risco valores concretos e essenciais para o ser humano. Devendo ser desprendidas, às condutas que possuam dano irrelevantes para o tipo penal. Nesse sentido, Juares Tavares (2010, p. 75):
A referência a valores concretos não significa identificar o bem jurídico com o objeto material (objeto da ação). O bem jurídico pode ter tanto aspectos materiais quanto ideias, o que não desnatura seu conteúdo concreto. Ao legislador impõe-se que tenha sempre em mente esse caráter concreto, como critério vinculante da seleção de crimes, isto porque a identificação do bem jurídico só se torna possível quando conferido a relação social em que se manifesta. Aí é que entra o conceito moderno de bem jurídico, como delimitação à tarefa de identificação dos dados reais que o compõem, como fato natural, bem como orientação para a sua criação pelo Direito. O legislador está vinculador a erigir à categoria de bem jurídico valores concretos que impliquem na efetiva proteção da pessoa humana ou que tornem possível, ou assegurem sua participação nos destinos democráticos do Estado e da vida social.
Dessarte, a intervenção penal deve ser pautada em condutas que sejam, apenas concretas, ou seja, de clara relevância social, sob pena de violação dos valores da carta constitucional de 1988.
2.3 Princípio da Ofensividade
O princípio da ofensividade está vinculado ao interesse do Direito Penal nas situações que ocorrem no mundo do “ ser ”, pautando que, para ser considerada relevante é preciso existir uma ação ou omissão, para efetivar concretamente a lesão ou perigo de lesão a bens jurídicos protegidos pelo legislador. Assim, ensina Bitencourt (2018, p. 85):
Para que se tipifique algum crime, em sentido material, é indispensável que haja, pelo menos, um perigo concreto, real e efetivo de dano a um bem jurídico penalmente protegido. Somente se justifica a intervenção estatal em termos de repressão penal se houver efetivo e concreto ataque a um interesse socialmente relevante, que represente, no mínimo, perigo concreto ao bem jurídico tutelado.
Desta feita, àquelas condutas que ao menos não levam perigos concretos aos bens jurídicos protegidos, devem ser renegadas.
2.4 Princípio da Alteridade
O princípio da alteridade surge, por meio do pressuposto de que o Direito Penal não interfere nas condutas, que mesmo reprovadas pela sociedade, não chegam a atingir o bem jurídico de outros. Nesse sentido, leciona Nilo Batista (apud, CAPEZ, 2018, p. 78):
Tal princípio foi desenvolvido por Claus Roxin, segundo o qual só pode ser castigado aquele comportamento que lesione direitos de outras pessoas e que não seja simplesmente pecaminoso ou imoral. À conduta puramente interna, ou puramente individual – seja pecaminosa, imoral, escandalosa ou diferente –, falta a lesividade que pode legitimar a intervenção penal.
Portanto, devido ao referido Princípio o suicídio e autolesões não são condutas elencadas como crime.
2.5 Princípio da Adequação Social
O Princípio da Adequação Social, concebido por Hans Welzel, preconiza que não se pode considerar criminosa uma conduta que é aceita pela sociedade. Tal Princípio, levado em consideração a um caso concreto, pode constituir causa supralegal de exclusão da tipicidade. Assim, entendeu o Superior Tribunal de Justiça:
É incabível a aplicação do princípio da adequação social, segundo o qual, dada a natureza subsidiária e fragmentária do direito penal, não se pode reputar como criminosa uma ação ou omissão aceita e tolerada pela sociedade, ainda que formalmente subsumida a um tipo pela incriminador. (STJ: RHC 60.611/DF, rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 6ª Turma, j. 15.09.2015).
Dessa forma, devido ao referido princípio, não será considerado crime o fato de uma mãe furar a orelha de sua filha para colocação de brinco. Pois tal conduta não é socialmente reprovada.
2.6 Princípio da Intervenção Mínima
Inicialmente, cabe destacar que, o Direito Penal deverá ser usado estritamente quando necessário. Deixando, dessa forma, condicionado sua utilização quando, às outras esferas de controle social falharem. À vista disso, que o legislador entendeu a importância do referido Princípio. Uma vez que, segundo o qual, o Direito Penal só deverá ser utilizado em ultima ratio. É nesse sentido, que aduz Heleno Cláudio Fragoso ( 2003, p. 05) :
Desde logo se deve excluir do sistema penal a chamada criminalidade de bagatela e os fatos puníveis que se situam puramente na ordem moral. A intervenção punitiva sóse legitima para assegurar a ordem externa. A incriminação só se justifica quando está em causa um bem ou valor social importante. Não é mais possível admitir incriminações que resultem de certa concepção moral da vida, de validade geral duvidosa, sustentada pelos que têm o poder de fazer a lei. Orienta-se o Direito Penal de nosso tempo no sentido de uma nova humanização, fruto de larga experiência negativa.
Nesse sentido, o Princípio da Intervenção Mínima se divide em dois outros príncipios, Princípio da Fragmentariedade e o Princípio da Subsidiariedade, os quais serão objeto de estudo à frente.
2.7 Princípio da Fragmentariedade
O Princípio da Fragmentariedade faz ilação ao Princípio da Intervenção Mínima, assim, põe em evidência que o Direito penal não abarca, ou se importa, com a proteção de todos os bens jurídicos, mas tão somente, apenas, uma parte deles. Assim leciona Masson (2017, p. 54) :
Portanto, o Direito Penal preocupa-se unicamente com alguns comportamentos (´´fragmentos``) contrários ao ordenamento jurídico, tutelando somente os bens jurídicos mais importantes à manutenção e ao desenvolvimento do indivíduo e da coletividade.
Em conclusão, a palavra ´´fragmentariedade`` emana de ´´fragmento``: no universo da ilicitude, somente alguns blocos, alguns poucos fragmentos constituem-se em ilícitos penais. Pensemos em uma visão noturna: o céu representaria a ilicitude em geral; as estrelas seriam os ilícitos penais.
Em suma, nem todos ilícitos acontecidos em nosso sistema jurídico serão de relevância para o Direito Penal, entretanto, se forem pertinentes para este ramo, serão considerados ilícitos para os outros ramos do nosso Ordenamento Jurídico.
2.8 Princípio da Subsidiariedade
Desde 1830, o Código Criminal, hoje, chamado de Código Penal, traz a ideia de um instrumento de controle social repressivo e punitivo. Assim, deverá ser utilizado naqueles casos em que os outros meios de controle social não são suficientes para proteção dos bens jurídicos tutelados pelo Ordenamento Pátrio. Nesse sentido, Mir Puig (apud Masson, 2017, p. 55), aduz que:
O Direito Penal deixa de ser necessário para proteger a sociedade quando isto se pode conseguir por outros meios, que serão preferíveis enquanto sejam menos lesivos para os direito individuais. Trata-se de uma exigência de economia social coerente com a lógica do Estado Social, que deve buscar o maior bem social com o menor custo social. O princípio da ´´máxima utilidade possível`` para os delinquentes. Ele conduz a uma fundamentação utilitarista do Direito Penal no tendente à maior prevenção possível, senão ao mínimo de prevenção imprescindível. Entra em jogo assim o ´´princípio da subsidiariedade``, segunda o qual o Direito Penal há de ser a ultima ratio, o último recurso a utilizar à falta de outros menos lesivos.
Desse modo, a interferência pelo Direito Penal ficará condicionada a falha das outras áreas de controle social, ou seja, em casos de grande relevância e necessidade de proteção aos bens jurídicos.
2.9 Princípio da Proporcionalidade
Preliminarmente, o referido Princípio Constitucional é considerado pela Doutrina, um desdobramento lógico do Príncipio da Individualização da pena. Embora encontra-se assento Constitucional em nosso Ordenamento Pátrio, no artigo 5º, XLII, XLIII, XLIV, XLVI, tal Princípio não foi considerado de forma expressa na aludida Carta Conctitucional. Nesse sentido, Franco (apud GRECO, 2017, p. 155) leciona sobre o Princípio em comento:
O princípio da proporcionalidade exige que se faça um juízo de ponderação sobre a relação existente entre o bem que é lesionada ou posto em perigo (gravidade do fato) e o bem que pode alguém ser privado (gravidade da pena). Toda vez que, nessa relação, houver um desequilíbrio acentuado, estabelece-se, em consequência, inaceitável desproporção. O princípio da proporcionalidade rechaça, portanto, o estabelecimento de cominações legais (proporcionalidade em abstrato) e a imposição de penas (proporcionalidade em concreto) que careçam de relação valorativa com o fato cometido considerado em seu significado global. Tem, em consequência um duplo destinatário: o poder legislativo (que tem de estabelecer penas proporcionadas, em abstrato, à gravidade do delito) e o juiz (as penas que os juízes impõem ao autor do delito têm de ser proporcionadas à sua concreta gravidade).
Assim, o Prícinpio da Proporcionalidade, constitui-se como espécie de proteção ao excesso. Visando estabelecer, a não utilização de penas desnecessárias e também, por outro lado, restringindo que as punições não sejam abaixo do cabível em cada caso concreto.
3 DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
O princípio da Insignificância é oriundo do Direito Romano, e foi reinserido no Sistema Penal por Claus Roxin no ano de 1964. Assim, possui como brocardo minimis non curat praetor, ou seja, quando a lesão é insignificante, não há necessidade de aplicação de uma pena. Desta feita, é de se observar, que o Direito Penal pátrio, não deverá se preocupar com bagatelas, bem como não se deve admitir ou autorizar, a criação de tipos penais incapazes de gerar dano a bens tutelados. Nesse sentido, orienta Bitencourt (2018, p. 81-82):
O princípio da insignificância foi cunhado pela primeira vez por Claus Roxin em 1964, que voltou a repeti-lo em sua obra Política Criminal y Sistema del Derecho Penal, partindo do velho adágio latino minima non curat praetor. A tipicidade penal exige uma ofensa de alguma gravidade aos bens jurídicos protegidos, pois nem sempre qualquer ofensa a esses bens ou interesses é suficiente para configurar o injusto típico. Segundo esse princípio, que Klaus Tiedemann chamou de princípio de bagatela, é imperativa uma efetiva proporcionalidade entre a gravidade da conduta que se pretende punir e a drasticidade da intervenção estatal. Amiúde, condutas que se amoldam a determinado tipo penal, sob o ponto de vista formal, não apresentam nenhuma relevância material. Nessas circunstâncias, pode-se afastar liminarmente a tipicidade penal porque em verdade o bem jurídico não chegou a ser lesado.
Malgrado, o referido Princípio foi introduzido a certo tempo na dogmática penal, sua aplicabilidade, encontra-se presente nos dias atuais, e possui relevância para tutela dos direitos e garantias fundamentais.
3.1 Do Conceito e Requisitos
Como explanado anteriormente, o Princípio da Insignificância é oriundo da Fragmentariedade do Direito Penal e funciona como uma causa de exclusão da tipicidade material. Logo, a tipicidade penal é dividida em tipicidade formal e material. Assim, com a aplicação do aludido Princípio, acarretará a incidência da tipicidade formal, qual seja, a conduta cometida pelo agente e o modelo descrito na norma em abstrato; desta feita, a tipicidade material, é a conduta praticada que representa uma relevante lesão ou perigo de lesão a certo bem jurídico tutelado. Sendo assim, será excluída aquela conduta que não opera a existência da tipicidade material. Sendo assim, assevera Rogério Sanches Cunha (2021, p. 85):
O legislador, ao tratar da incriminação de determinados fatos, ainda que norteados por preceitos que limitam a atuação do Direito Penal, não pode prevê todas as situações em que a ofensa ao bem jurídico tutelado dispensa a plicação de reprimenda em razão de sua insignificância. Assim, sobre o aspecto hermenêutico, o princípio da insignificância pode ser entendido como um instrumento de interpretação restritiva do tipo penal. Sendo formalmente típica a conduta e relevante a lesão, aplica-se a norma penal, ao passo que, havendo somente a subsunção legal, desacompanhada da tipicidade material, deve ela ser afastada, pois que estará o fato atingido pela atipicidade.
Para que seja reconhecido o Princípio da Insignificância é necessário uma análise em cada caso concreto. Visando assim, analisar os requisitos objetivos em relação a vítima e o agente.
Na visão da jurisprudência, os requisitos considerados objetivos, são 4, quais sejam, a Mínima ofensividade da conduta, nenhuma de periculosidade social da ação, Reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a Inexpressividade da lesão jurídica causada. Nesse sentido a jurisprudência:
O Plenário aduziu ser necessário ter presentes as consequências jurídicas e sociais que decorrem do juízo de atipicidade resultante da aplicação do princípio da insignificância. Negar a tipicidade significaria afirmar que, do ponto de vista penal, as condutas seriam lícitas. Além disso, a alternativa de reparação civil da vítima seria possibilidade meramente formal e inviável no mundo prático. Sendo assim, a conduta não seria apenas penalmente lícita, mas imune a qualquer espécie de repressão. Isso estaria em descompasso com o conceito social de justiça, visto que as condutas em questão, embora pudessem ser penalmente irrelevantes, não seriam aceitáveis socialmente. Ante a inação estatal, poder-se-ia chegar à lamentável consequência da justiça privada. Assim, a pretexto de favorecer o agente, a imunização de sua conduta pelo Estado o deixaria exposto a uma situação com repercussões imprevisíveis e mais graves. Desse modo, a aferição da insignificância como requisito negativo da tipicidade, mormente em se tratando de crimes contra o patrimônio envolveria juízo muito mais abrangente do que a simples expressão do resultado da conduta. Importaria investigar o desvaler da ação criminosa em seu sentido amplo, traduzido pela ausência de periculosidade social, pela mínima ofensividade e pela ausência de reprovabilidade, de modo a impedir que, a pretexto da insignificância do resultado meramente material, acabasse desvirtuado o objetivo do legislador quando formulada a tipificação legal. Aliás, as hipóteses de irrelevância penal não teriam passado despercebidas pela lei, que conteria dispositivos a contemplar a mitigação da pena ou da persecução penal. Para se conduzir à atipicidade da conduta, portanto, seria necessário ir além da irrelevância penal prevista em lei. Seria indispensável averiguar o significado social da ação, a adequação da conduta, a fim de que a finalidade da lei fosse alcançada" (HC 123108/MG, Plenário, DJe 17 /08/2015).
O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça entendem que, para a configuração do delito de bagatela, devem estar presentes, de forma concomitante, os seguintes requisitos: a) conduta minimamente ofensiva; b) ausência de periculosidade do agente; c) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e d) lesão jurídica inexpressiva" (HC AgRg no REsp 1388342, Quinta Turma, DJe 10/09/2013).
Além do mais, os requisitos subjetivos são divididos em dois aspectos, as Condições Pessoais do Agente, dividido na reincidência e o criminoso habitual; e as Condições da Vítima, do valor do objeto material, no aspecto econômico e intelectual, as circunstâncias que ocorreu o crime e o resultado da lesão causada.
Nesse diapasão, a jurisprudência dos Tribunais Superiores sobre aplicação do princípio da insignificância em réu não primário:
EMENTA: PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE RECEPTAÇÃO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. REPROVABILIDADE E OFENSIVIDADE DA CONDUTA DO AGENTE. REITERAÇÃO CRIMINOSA. ORDEM DENEGADA. I – A aplicação do princípio da insignificância exige a satisfação, de forma concomitante, de certos requisitos, quais sejam, conduta minimamente ofensiva, ausência de periculosidade social da ação, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e lesão jurídica inexpressiva. II – No caso sob exame, a conduta do paciente não pode ser considerada minimamente ofensiva, pois, além de apresentar elevado grau de reprovabilidade, por ser contumaz na prática incriminada, verifica-se que ele é reincidente. III – Ademais, infere-se dos autos que o paciente dá mostras de fazer das práticas criminosas o seu modus vivendi. IV – Na espécie, a aplicação do referido instituto poderia significar um verdadeiro estímulo à prática desses pequenos delitos, já bastante comuns nos dias atuais, o que contribuiria para aumentar, ainda mais, o clima de insegurança hoje vivido pela coletividade. V – Ordem denegada. (HC 120.489/MG, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 2ª turma, j. 10/12/13).
(...) Apesar de não configurar reincidência, a existência de outras ações penais ou inquéritos policiais em curso é suficiente para caracterizar a habitualidade delitiva e, consequentemente, afastar a incidência do princípio da insignificância. No caso, há comprovação da existência de outros inquéritos policiais em seu desfavor, inclusive da mesma atividade criminosa. (...) (AgRg no AREsp 332.960/PR, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 22/10/2013).
(...) A reincidência específica é prognóstico de risco social, recaindo sobre a conduta do acusado elevado grau de reprovabilidade, o que impede a aplicação do princípio da insignificância. (...) (STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 487.623/ES, julgado em 18/06/2014).
(...) Sentenciados reincidentes na prática de crimes contra o patrimônio. Precedentes do STF no sentido de afastar a aplicação do princípio da insignificância aos acusados reincidentes ou de habitualidade delitiva comprovada. (...) (STF. 2° Turma. HC 117083, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 25/02/2014).
3.2 Da Aplicação do Princípio da Insignificância no Crime de Furto
No ordenamento pátrio, a aplicação do Princípio da Insignificância encontra amparo, tão somente, na jurisprundência e na Doutrina. Assim, para que prospere tal aplicação, é preciso levar em consideração alguns requisitos, que foram trazidos pela Jurisprudência dos Tribunais Superios. É nesse sentido, o entendimento do Supremo Tribunal Federal:
1.O princípio da insignificância inside quando presentes, cumulativamente, as seguintes condições objetivas: (a) mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento, e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. 2. A aplicação do Princípio deve, contudo, ser precedida de criteriosa análise de cada caso, a fim de evitar que sua adoção indiscriminada constitua verdadeiro incentivo à prática de pequenos delitos (HC 142.200 AgR/MG, Primeira Turma, DJe 20/06/2017).
E ainda deverá ser observado, parâmetros como por exemplo, a relevância da lesão patrimonial. Tal valoração é feita de maneira subjetiva, existindo entendimento majoritário de que será cabível a aplicação do Princípio da Insignificância àquelas condutas que lesam em até 10% (dez por cento) do salário-mínimo vigente, ao tempo da infração penal. É nesse sentido, que explica o Superior Tribunal de Justiça:
Consoante já assentado pelo Supremo Tribunal Federal, a incidência do princípio da insignificância pressupõe a concomitância de quatro vetores: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada (HC n. 84.412/SP, de relatoria do Ministro Celso de Mello, DJU 19/4/2004). De maneira meramente indicativa e não vinculante, a jurisprudência desta corte, dentre outros critérios, aponta o parâmetro da décima parte do sálario mínimo vigente ao tempo da infração penal, para aferição de relevância da lesão patrimonial (HC 389.537/AC, Quinta Turma, DJe 01/08/2017).
Não obstante, assentado em Jurisprudência, deverá também, ser levado em consideração, a contumácia e reincidência do agente na prática do delito de furto. Pois, o Princípio da Insignificância não deverá ser usado de forma irrestrita. Devendo o operador do Direito, avaliar minuciosamente, cada caso concreto. A fim de evitar, que o referido Princípio, seja usado como meio de proteção indiscriminada, incentivando assim pequenos delitos. É nesse sentido o entendimento do Supremo Tribunal de Federal:
1. A aplicação do princípio da insignificância envolve um juízo amplo (“conglobante”), que vai além da simples aferição do resultado material da conduta, abrangendo também a reincidência ou contumácia do agente, elementos que embora não determinates, devem ser considerados. 2. Por maioria, foram também acolhidos as seguingtes teses: (i) a reincidência não impede, por si só, que o juiz da causa reconheça a insignificância penal da conduta, à luz dos elementos do caso concreto; e (ii) na hipótese do juiz da causa considerar penal ou socialmente indesejável a aplicação do princípio da insignificância por furto, em situações em que tal enquadramento seja cogitável, eventual sanção privativa de liberdade deverá ser fixada, como regra geral, em regime inicial aberto, paralisando-se a incidência do art. 33, § 2º , c, do CP no caso concreto, com base no princípio da proporcionalidade. 3. No caso concreto, a maioria entendeu por não aplicar o princípio da insignificância, reconhecendo, porém, a necessidade de abrandar o regime inicial de cumprimento de pena. 4. Ordem concedida de ofício, para alterar o semiaberto para aberto o regime inicial de cumprimento de pena imposta ao paciente (HC 123.108/MG, Tribunal Pleno, DJe 01/02/2016).
Imperioso ressaltar, que a análise do bem subtraído, não é tão somente do seu valor econômico, mas também da importância do bem para a vítima. Assim é o entendimento do Supremo Tribunal Federal:
Vale ressaltar, que há informação nos autos de que o valor “subtraído representava todo o valor encontrado no caixa (fl.11), sendo fruto do trabalho do lesado que, passada a meia-noite, ainda mantinha o trailer aberto para garantir uma sobrevivência honesta. Portanto, de acordo com a conclusão objetiva do caso concreto, entendo que não houve inexpressividade da lesão jurídica provocada (RHC 96813, Segunda Turma, DJe 24/04/2009).
Nesse sentido, fica evidenciado, que a aplicação do Princípio da Insignificância decorre de uma análise crítica, na qual é observado que o delito ali perpetrado, não é relevante para o Ordenamento Pátrio. Assim, o Direito Penal deverá cuidar apenas das piores mazelas da sociedade, levando em consideração o Princípio da Proporcionalidade e Fragmentariedade.
3.3 Da Valoração do Princípio da Insignificância Pela Autoridade Policial
Em atenção ao disposto no artigo art.2º, §1º da lei 12.830/13 e art.3º da aludida lei, entende-se que a definição de Autoridade Policial é atribuída ao cargo de delegado de polícia, privativo de bacharel em direito, de natureza jurídica, cuja função será o exercício de polícia judiciária e apuração de infrações penais. Assim, Norberto Avena acrescenta em seu magistério (2017, p. 123):
Acerca da polícia judiciária, também tratou o art. 4.º do Código de Processo Penal, estabelecendo que será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições, incumbindo-lhe a atividade destinada à apuração das infrações penais e da sua autoria. Mais tarde, dispôs o art. 2.º da Lei 12.830/2013 que “as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado”. A relevância desta normatização é notória, pois encerra a discussão acerca do caráter jurídico ou não das funções desempenhadas pelo Delegado de Polícia, fulminando o entendimento que, a partir de interpretação literal do art. 144 da Constituição Federal, sustentava não serem jurídicas tais funções, mas tão somente atividades de segurança pública. Agiu corretamente o legislador ao assim estabelecer. Afinal, os atos que compreendem a investigação criminal, direta ou indiretamente, são praticados com supedâneo em diplomas que inserem regras jurídicas, como é o caso do Código de Processo Penal. Além disso, em determinadas hipóteses, a atuação do delegado condiciona-se a prévio pronunciamento judicial, a exemplo da busca e apreensão domiciliar, da quebra do sigilo telefônico, bancário e fiscal, da apuração da sanidade mental do investigado, da decretação da prisão temporária etc. A tudo isso, acrescente-se o fato de que, nos termos do art. 3.º da Lei 12.830/2013, o cargo de delegado de polícia é privativo de bacharel em Direito, devendo-se a ele dispensar o mesmo tratamento protocolar conferido aos magistrados, membros do Ministério Público e da Defensoria Pública e aos advogados.
Nesse diapasão e, com fulcro na lei 12.830/13 a discussão acerca da natureza jurídica do cargo de delegado de polícia tornou-se sem efeitos, pois o artigo 2º da aludida lei, confirmou a natureza jurídica do cargo, restando óbvio que as atividades da autoridade policial, não são de cunho meramente administrativo, mas processual, assim diante do caso concreto exposto fará uma análise técnico jurídica, não se limitando a avaliar a presença de indícios e materialidade, mas também dos elementos que compõe a infração penal, circunstâncias, presença de qualificadoras, causas de aumento ou diminuição de pena, dentre outras.
Em concomitância com o exposto, a instauração de um inquérito policial em desfavor de qualquer indíviduo gera inúmeras consequências, diante disso, é necessário que a persecução só ocorra devido a motivos legais, e se houver justa causa. Nesse sentido, é o entendimento de Renato Brasileiro sobre o tema (2017, p. 179):
A instauração de um inquérito policial contra pessoa determinada traz consigo inegável constrangimento. Esse constrangimento, todavia, pode ser tido como legal, caso o fato sob investigação seja formal e materialmente típico, cuide-se de crime cuja punibilidade não esteja extinta, havendo indícios de envolvimento dessa pessoa na prática delituosa. Em tais casos, deve a investigação prosseguir. Todavia, verificando-se que a instauração do inquérito policial é manifestamente abusiva, o constrangimento causado pelas investigações deve ser tido como ilegal, afigurando-se possível o trancamento do inquérito policial, objeto de nosso estudo neste tópico.
Nesse arresto de questões, é claro e objetivo que tal discussão é proveniente de imbróglios na política institucional, em face de uma ilusória hierarquia entre as instituições. Entretanto, é notório que o ordenamento jurídico brasileiro é regido por um sistema acusatório, com a clara separação das funções, e ainda, o Parquet não fica vinculado ao entendimento da Autoridade Policial, assim explana Machado (2019):
É importante ressaltar que a prerrogativa (ou dever-poder) do delegado de polícia em concluir, de maneira fundamentada, pela atipicidade do fato por ausência de expressividade da lesão ao bem jurídico protegido em nada impede que o titular do direito de ação, divergindo do entendimento firmado pela autoridade policial, resolva apresentar em juízo pretensão acusatória naquele caso concreto. É sabido que não existe qualquer vinculação na espécie. Contudo, é necessário respeitar sempre a autonomia valorativa de cada um dos órgãos estatais que atuam no sistema de Justiça criminal (polícia judiciária, Ministério Público e magistratura). Mesmo porque inexiste hierarquia entre esses órgãos. Todos são carreiras jurídicas com assento constitucional. E, acima de tudo, deveriam todos empreender medidas para a redução do arbítrio punitivo.
Dessa forma, a atuação da autoridade policial é de suma importância para que, inicialmente seja respeitado o Princípio da Legalidade, como também a proteção dos direitos individuais dos indivíduos. Nesse diapasão, já se manifestou o Ministro Celso de Mello:
o delegado de polícia é o primeiro garantidor da legalidade e da Justiça” (STF, HC 84.548, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 21/06/2012).
Portanto, de acordo com os argumentos apresentados, embora exista posicionamentos controversos, vivemos em um Estado Democrático de Direito em que a Dignidade da Pessoa Humana é tida como valor jurídico a ser observado, além do mais todo indivíduo possuí direitos fundamentais a serem respeitados. Assim, em consonância com as decisões das cortes Superiores, a posição mais correta, é de que cabe a Autoridade Policial a análise do Princípio da Insignificância em claro respeito ao Ordenamento Pátrio e a justa persecução criminal.
CONCLUSÃO
Após a aceitação da Constituição Federal de 1988, por meio de um Estado Democrático de Direito, os direitos e garantias fundamentais são positivados no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, e nesse diapasão, a liberdade de qualquer ser humano é tida como fundamental em nossa sociedade.
Assim, no caso da ocorrência de uma conduta considerada criminosa, qual seja o crime de furto, deve a autoridade policial, observando o caso concreto e presentes os requisitos, aplicar o princípio da insignificância. Evitando assim, todo embaraço processual para aquele indivíduo.
É nesse sentido, que o Princípio da Insignificância torna-se necessário em nosso ordenamento jurídico, para evitar assim a instauração de uma investigação criminal ou um processo penal temerário, assegurando a liberdade do inocente.
Dessa forma, o Delegado de Polícia, tem como poder-dever, reconhecendo a ocorrência de violações aos direitos fundamentais dos indivíduos, assegurar ou não deve levar a diante a persecução penal de forma temerária, agindo como a primeira autoridade a resguardar os direitos fundamentais.
Portanto, em conformidade com a Doutrina atual, reafirma-se o entendimento pela possibilidade da Autoridade Policial, analisando cada caso concreto, de forma jurídica, a aplicar o Princípio da Insignificância diante de casos de evidente atipicidade material, por meio de decisão fundamentada, e em consonância com os
REFERÊNCIAS
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CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte geral (arts.1º ao 120) - 4ª ed. rev., ampl, e atual.- Salvador: JusPODIVM, 2016.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral, volume I. 19 ed. – Niterói, RJ: Impetus, 2017.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, volume 1, parte geral.22.ed.-São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Comentários à Lei 12.830/2013, que dispõe sobre a investigação criminal conduzida por Delegado de Polícia. Disponível em: https://www.dizerodireito.com.br/2013/06/comentarios-lei-128302013-investigacao.html.
AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal-9ªed.rev. e atual- Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017.
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo penal; volume único-5 ª ed.rev.ampl e atual.-Salvador: Ed. JusPodivm, 2017.
Lima, Renato Brasileira de. Legislação Criminal Especial Comentada: volume único-4ª ed.rev.atual.e ampl. -Salvador:JusPODIVM, 2016.
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2015.
Artigo publicado em 15/11/2021 e republicado em 01/08/2024
Graduado do Curso de Direito do Centro Universitário Fametro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARPANEZ, RUY LANZONI. Aplicação do princípio da insignificância no crime de furto pela autoridade policial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 ago 2024, 04:06. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57437/aplicao-do-princpio-da-insignificncia-no-crime-de-furto-pela-autoridade-policial. Acesso em: 23 dez 2024.
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