SARA RESENDE DE OLIVEIRA
(orientadora)
RESUMO: A situação prisional do Brasil não vem nas últimas décadas sendo capaz de conceder aos apenados os preceitos básicos da execução penal: a ressocialização desses indivíduos à sociedade. Isso se deve ao fato de que dentro dos presídios é possível encontrar diversos problemas, desde a falta de higienização até a superlotação, o que acaba dificultando o reingresso do apenado ao convívio social de forma correta. Frente a isso, o presente estudo tem como objetivo primário discutir o real quadro do sistema carcerário brasileiro, em especial os presídios femininos. Para melhor entendimento desse assunto, têm-se como base os casos apresentados pelo Estado do Tocantins. Para realizar esse estudo, tem-se como metodologia a pesquisa bibliográfica, baseada em livros, artigos científicos e na legislação brasileira. Nos resultados, detectou que apesar dos problemas existentes nos presídios, o Tocantins vem ao longo dos últimos anos apresentando diversos programas de ressocialização das apenadas, respeitando-os na sua dignidade.
Palavras-chave: Presídio feminino. Ressocialização. Tocantins. Efetividade.
ABSTRACT: The prison situation in Brazil has not been able in recent decades to grant inmates the basic precepts of criminal execution: the re-socialization of these individuals into society. This is due to the fact that within prisons it is possible to encounter several problems, from lack of sanitation to overcrowding, which ends up making it difficult for the inmate to reenter social life correctly. In view of this, the present study has as its primary objective to discuss the real picture of the Brazilian prison system, especially women's prisons. For a better understanding of this matter, the cases presented by the State of Tocantins are based on. In order to carry out this study, bibliographic research is used as a methodology, based on books, scientific articles and Brazilian legislation. In the results, it was detected that despite the existing problems in prisons, Tocantins has, over the last few years, presented several programs for the rehabilitation of inmates, respecting their dignity.
Keywords: Women's prison. Resocialization. Tocantins. Effectiveness.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1 A MULHER NO CONTEXTO SOCIAL. 2 OS PRESÍDIOS FEMININOS NO BRASIL. 3 EFICÁCIA DA RESSOCIALIZAÇÃO NO SISTEMA CARCERÁRIO FEMININO: ANÁLISE SITUCIONAL NO ESTADO DO TOCANTINS. CONSIDERAÇOES FINAIS. REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO
Um dos maiores problemas encontrados na área de segurança pública e na jurídica é a situação dos presídios brasileiros. A título de exemplo, em pesquisa recente divulgada pelo Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), expôs que no Brasil há pelo menos 322 pessoas presas para cada 100 mil habitantes, colocando o país na posição de 26º em um ranking de aprisionamento com outros 222 países e territórios (SILVA et al. 2021).
Para além do problema da superlotação encontrada nos presídios, como mostra o dado acima, nesses locais é possível encontrar uma série de outros problemas. Falta de higienização, de vagas de trabalho, de condições estruturais mínimas de conforto e espaço, de apoio social e do Estado, dentre outros, mostra o quão é preocupante o cenário de encarceramento no Brasil.
Frente a essa realidade, encontra-se a situação das mulheres. Assim como a dos homens, as mulheres também enfrentam os mesmos dilemas e problemas no contexto prisional. Só que além destes, esbarram ainda na falta de amparo familiar, na falta de equipamentos para as suas necessidades básicas e do enorme preconceito por serem mulheres e presidiárias.
É no cenário dos presídios femininos que o presente trabalho se baseia. Desse modo, busca-se discorrer a respeito da situação encontrada pelas mulheres dentro dos presídios brasileiros. Dessa forma, é necessário trazer à tona um quadro verdadeiro e legítimo de como essas presidiárias estão sendo aprisionadas.
Além da análise fática sobre os presídios femininos, importante também analisar a eficácia da sua ressocialização, uma vez que esse é um dos pilares do cumprimento de pena no país. Aqui, para melhor entendimento desse fato, será observado a realidade encontrada no Estado do Tocantins, como forma de compreender o processo ressocializador e a busca pela reinserção dessas mulheres à sociedade.
Com base nisso, a problemática dessa pesquisa se baseia na seguinte questão: quais os problemas encontrados nos presídios femininos brasileiros e qual o impacto dessa realidade no processo de ressocialização das apenadas?
Na metodologia, foi utilizada a abordagem qualitativa de investigação, a qual analisa o fenômeno estudado de forma a não medir seus dados, mas sim, procurar identificar suas naturezas, de forma a privilegiar contextos. Com isso, para discutir acerca do tema dos presídios femininos no Brasil, faz-se necessário compreender o contexto em que o assunto é inserido (GIL, 2010).
Ainda na metodologia, foi feita uma revisão de literatura, constituído de estudo bibliográfico e documental. A pesquisa bibliográfica foi realizada por meio de leituras das leis, da Constituição Federal, de revistas jurídicas, de livros e artigos vinculados ao tema.
A coleta de dados é resultado de uma busca feita em bases de dados, tais como: Scielo; Google Acadêmico, dentre outros, entre os dias 10 a 23 de agosto de 2021. Os descritores foram: Presídio Feminino. Ressocialização. Legislação Brasileira.
1 A MULHER NO CONTEXTO SOCIAL
Antes de se adentrar na discussão central desse estudo é preciso compreender a figura feminina, uma vez que será ela a principal personagem dessa pesquisa. Desse modo, nesse tópico serão apresentados os principais pontos relacionados à relação da sociedade com a mulher.
Historicamente, a mulher sempre fora relegada a “segunda posição” na hierarquia social. Desde os primórdios da sociedade, ela sempre ficara atrás do marido (homem). A ela cabia somente a procriação e os afazeres domésticos. Não detinha nenhum direito de imposição ou destaque.
A respeito desse período inicial, Duby; Perrot (1990) explicam que durante séculos, as mulheres tinham uma vida paralela à escravidão, onde não eram livres para votar, para trabalhar, para ter uma opinião, dentre outras limitações. Suas vidas eram relegadas somente às funções de amamentação, criação dos filhos e outras atividades domésticas.
No período medieval, por exemplo, as mulheres eram governadas apenas por serem mulheres. Eles tinham total controle sobre suas atividades e vidas, incluindo a atribuição de lhe castigarem, conforme achassem correto (DUBY; PERROT, 1990).
O filósofo grego Aristóteles (384 a.C. —322 a.C.) ao analisar a situação de submissão das mulheres, afirmou que esse fato se deve pela superioridade masculina perante as vontades do casal, além da precisão que as mulheres em se guardarem no interior da família, cumprindo com o seu papel de mãe e esposa (MASCARENHAS, 2020).
No período final da Idade Média surgiram os primeiros códigos que traziam a figura feminina, mas era direcionada somente a algumas regras, e ainda assim impunham restrições aos seus direitos. Somente com o avanço das revoluções trabalhistas e também a Revolução Francesa é que se iniciou o período de abertura ao espaço feminino na sociedade.
Como bem explicam Alves; Pintanguy (1981) no período da revolução francesa, as mulheres estavam insatisfeitas com o tratamento recebido pelos homens. Indignadas com essa realidade, elas buscaram lutar por maiores espaços e maior independência do homem. Depois de inúmeras batalhas, elas conseguiram o direito de voto e a entrar no mercado de trabalho.
Há de se mencionar o movimento feminista que foi essencial para que a mulher pudesse ingressar de modo integral na sociedade, até então segregadora com elas. Esse movimento tem como foco aplicar uma ação política organizada, com o intuito de reivindicação dos direitos de cidadã frente aos obstáculos que os homens as coloquem (RIBEIRO, 2018).
Nos dias de hoje, a mulher conseguiu de certo modo um papel de destaque na sociedade. Podem votar, podem se divorciar, podem ter opinião própria, podem trabalhar, podem criar seus filhos sozinhas, além de outros benefícios; o que seria impensável até pouco tempo atrás (ADICHIE, 2014).
Apesar desses avanços, que são importantes, a mulher ainda não é vista com total respeito pela sociedade. Casos crescentes de violência doméstica praticadas diariamente mostram o quanto a mulher cresceu no espaço social, mas ainda é refém da imagem inferiorizada que carrega desde sempre.
De todo modo, todo esse processo histórico é importante ser mencionado porque mostra o quanto as mulheres sofreram para ganhar um destaque e o quanto elas são subjugadas desde o inicio da civilização. No mundo moderno, elas ainda se encontram num contexto de limitações e preconceitos, sendo vítimas constantes de todo tipo de violência.
Ao traçar um perfil das mulheres presidiárias (mais adiante analisado) é possível notar que elas adentram na criminalidade em grande parte por meio dos homens e ao viverem atrás das grades, são largadas e abandonadas por eles. Esse fato mostra o quanto as mulheres livres ou presas são vistas como inferiores ao olhar masculino. Toda a síntese histórica aqui mencionado nos mostra que as mulheres ainda precisam batalhar para ter algum destaque ou posicionamento .
2 OS PRESÍDIOS FEMININOS NO BRASIL: REALIDADE FÁTICA
No tópico anterior, ficou claro que as mulheres ao logo da história sofreram todo tipo de limitação. Mesmo que tenham conseguido seu espaço na sociedade, ela ainda enfrente obstáculos para se impor e ter respeito. Esse fato pode ser conferido principalmente quando se adentra no âmbito dos presídios femininos.
Os presídios brasileiros de modo geral se encontram em situação alarmante. Superlotação, falta de espaço adequado e de investimentos em melhorias, ausência de higienização, dentre outros inúmeros problemas, fazem com que os presídios brasileiros tenham se tornado um verdadeiro local de desrespeito aos Direitos Humanos, que propagam acima de tudo, o respeito à dignidade humana.
Mais especificamente aos presídios femininos, o primeiro problema a ser encontrado é o principal de todos: a superlotação. Milanezi (2017) cita que as prisões femininas do Brasil estão atoladas de presidiárias.
Dados mostram que desde 2005 há um número crescente de mulheres atrás das grades brasileiras. Em índice recente divulgado pelo Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias do DEPEN relativo ao período entre julho e dezembro de 2019, mostrou que houve uma pequena queda de presidiárias entre os anos de 2016 a 2018; porém, o quantitativo voltou a crescer no ano de 2019, totalizando um número de aproximadamente 37.200 mulheres presas (DEPEN, 2020).
Apenas por esse dado, já se verifica que as mulheres estão cada vez mais sendo encarceradas no país, causando o superlotamento nos presídios. Esse problema ocasiona, entre outros, a ausência de dormitório especial para gestantes até ao acompanhamento pré-natal, creches e berçários, “tornando a vida não só da grávida, como também do bebê praticamente inviável dentro dos presídios, tanto dos femininos como dos mistos” (MILANEZI, 2017, p. 01).
Efeito da superlotação também é encontrado nas condições sanitárias desses locais. Nesse sentido, Nascimento (2019, p. 01) afirma que “nos presídios femininos se encontra uma série de estruturas precárias e comprometedoras, o que gera uma instabilidade e insegurança desses locais”. Por essa razão, buscando driblar esse fato, muitas detentas acabam criando uma espécie de ‘puxadinho’, ou seja, elas mesmas criam as próprias condições de moradia.
Ao analisar a realidade da prisão feminina, Cury (2021) menciona que existe uma falsa ilusão de que na prisão as mulheres são bem tratadas e recebem o apoio necessário. Contudo, isso está longe de ser a realidade encontrada, uma vez que “as mulheres presas, muitas vezes, não têm nem sequer acesso à alimentação adequada e não têm acesso a água. É uma situação de barbárie sem tamanho" (CURY, 2021, p. 01).
Desde meados do fim de 2019 o mundo foi invadido pela expansão do Covid-19, uma doença letal, que ainda não tem cura, que trouxe uma série de problemas sociais, financeiros, políticos e estruturais, se tornando uma pandemia. Dentre as medidas impostas para prevenção do contágio está o isolamento social, o uso de máscaras e álcool em gel nas mãos, além da vacinação. Ocorre que essas medidas não foram devidamente seguidas nos presídios femininos.
Cury (2021) ao mencionar esse aspecto, afirma que dentro dos presídios femininos pôde-se verificar uma ausência total de aplicação das medidas preventivas ao contágio do Covid-19. Além disso, a superlotação impediu que o isolamento social e o distanciamento fosse implantado.
Marques; Barros (2021) ao também discorrer sobre essa realidade, acrescenta ainda que nas prisões de mulheres, no período de pandemia foi possível notar uma série de problemas, como a restrição ao acesso de água, a falta de condições básicas de manutenção de higiene e consumo e principalmente o total descaso com a saúde dessas mulheres pelo Estado e sociedade, uma vez que muitas da detentas doentes não tem atendimento de saúde adequado.
Cabe lembrar que uma detenta feminina é diferente de um detento masculino. Como bem destaca Tinoco (2020) as mulheres encarceradas são presas que menstruam e que demandam produtos de higiene específicos, por exemplo, o que as torna diferenciadas em relação aos homens.
Tão importante mencionar sobre a realidade fática das mulheres nos presídios é entender as causas que as levaram a esse lugar e o perfil majoritário. Nesse sentido, o DEPEN (2020) expõe na pesquisa feita que no grupo de mulheres, mais da metade se encontra encarcerada pela suposta prática de crimes relacionados ao tráfico e à Lei de Drogas (50,94%); em segundo lugar, vem a imputação de crimes contra o patrimônio (26,52%) e em terceiro de crimes contra a pessoa (13,44%), de modo que as demais imputações juntas não constituem sequer 10% do total.
Ao explicar sobre o porquê o tráfico de drogas é o crime mais cometido pelas mulheres, Lisboa (2018) cita que “as mulheres entram no tráfico para complementar a renda familiar, ou seja, são mulheres que possuem emprego, mas não conseguem sustentar seus filhos apenas com o que recebem e por isso recorrem ao tráfico”.
No tráfico, elas não ocupam cargos de comando. Em sua grande maioria, as mulheres quando adentram no trafico, ficam responsáveis pela coleta de dinheiro e entrega da droga, considerado um serviço de baixo clero do tráfico (MILANEZI, 2017).
Tendo esse fato como determinante para a causa que levam muitas mulheres para trás das grades, doutrinadores argumentam que medidas alternativas seria a melhor opção. Segundo BarcinskI; Cúnico (2016, p. 02) “grande parte das mulheres encarceradas trabalha na baixa hierarquia do tráfico. Não são grandes gerentes e com alta periculosidade. Penas alternativas poderiam ser pensadas”.
A respeito do perfil da mulher encarcerada, ela no geral é formada por mulheres negras, de baixa renda, com pouca escolaridade e sem perspectiva de futuro. Ou seja, representam a maioria da população brasileira, que se encontra atualmente à margem da sociedade dominadora (SILVA, 2019).
Muitas delas entram nessa situação em grande parte por conta dos companheiros ou da própria família. É possível encontrar mães que auxiliaram os filhos na criminalidade como também se encontra mulheres que entraram na rota do crime pela mão de seus parceiros (QUEIROZ, 2015).
Diante desse contexto, verifica-se inicialmente o quanto é delicado discutir sobre a questão da mulher presa. São inúmeros os problemas e obstáculos que essas mulheres se deparam quando estão aprisionadas.
Falta de condições de higiene nas celas, ausência de médico, falta de defensor público, demora na transferência para o regime semiaberto, tratamento recebido por agentes penitenciárias, castigos físicos, regime diferenciado, isolamento, ofensas de toda sorte e, sobretudo, o abandono pela família e antigo companheiros (NEIVA, 2017).
2.1 DA RESSOCIALIZAÇÃO
Para além da superlotação, há também a questão da convivência. Os presídios foram criados inicialmente como um local onde o apenado pudesse ‘pagar’ pelo seu crime. Mas também foi criado como medida de ressocialização. Ocorre que nesses locais, acontece de tudo, menos a execução dessa medida. Isso pode ser explicado, nas palavras de Gabrielle Nascimento, jornalista que em 2019 visitou um presídio feminino no Mato Grosso e relatou a seguinte realidade:
[...] O castigo parece uma medida cada vez mais comum na gestão do sofrimento: as presas vão para o “corró” por gritar demais, chorar demais, rir demais. Parece que qualquer conduta pode resultar em dez dias solitários, sem direito a banho de sol, numa cela escura, mal ventilada, em completo isolamento. Junto ao castigo, também há a hipermedicalização como tática de controle social. Estamos falando de um cotidiano estruturado pela tortura, no qual a falta de assistência jurídica, a superlotação, as agressões físicas e psicológicas, o banimento social e familiar, a ausência da assistência material que lhes priva de itens básicos de sobrevivência, o racionamento de água, a ausência de assistência médica, as incursões militarizadas das tropas de choque e a falta de informação e comunicação geram distúrbios mentais às presas (NASCIMENTO, 2019, p. 02).
Para alguns autores a prisão feminina, assim como a masculina, dificilmente trará algum benefício. Ou seja, os presos, sejam eles homens ou mulheres não irão ser ressocializados, pois a situação ao qual passaram nos presídios impossibilita esse garantismo.
No caso das mulheres a situação ainda é pior, porque além de já terem tido a experiência negativa de um presídio, ao saírem ainda serão estigmatizadas pela sociedade e pela própria família.
Em seu depoimento após passar por um presídio feminino, o autor Gerivaldo Neiva (2017) que durante o seu trabalho como conselheiro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) relatou que a situação dos presídios femininos mesmo sendo superior ao dos homens, ainda assim apresentava um local insalubre e de difícil recuperação para aquelas mulheres. Ele cita o fato, por exemplo, de encontrar nas celas cerca de oito ou dez mulheres que se acomodavam em quatro beliches e, sendo assim, algumas dormiam no chão em finos colchões.
Em suas palavras ele ilustra o seguinte quadro:
Na condição de conselheiro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) visitei apenas um presídio feminino e já foi o bastante para entender que são absolutamente desnecessários. Não sevem de nada, não resolvem nada e apenas oferecem o palco e o gozo para os atores do sistema de justiça criminal. Presídios femininos, nem de longe, possibilitam que alguém saia dali para algum tipo diferente de vida ou sem ter enlouquecido. Cumprida a pena, ainda carregam consigo todos os estigmas que lhe tornaram “bandidas”, mas agora conhecem todos os horrores da prisão e os mais diversos agravos na saúde física e mental. Jamais serão as mesmas e nunca mais terão uma vida normal depois da experiência da prisão (NEIVA, 2017, p. 01).
Devido a isso, é quase que esperado que diante desse contexto, as mulheres presas desenvolvam insônia, depressão e ansiedade. De acordo com o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – Infopen Mulheres demonstrou que, em 2015, “as chances de uma mulher se suicidar eram até 20 vezes maiores entre a população prisional, quando comparada à população brasileira total” (NASCIMENTO, 2019, p. 03).
Com isso, fica claro que as mulheres de um modo geral não conseguem se ressocializar, justamente porque os obstáculos que elas enfrentam vão além da questão prisional, é uma questão também social. Além de terem sido presas, elas carregam consigo o peso de serem “mulheres”.
Ao explorar esse fato, Tinoco (2020, p. 03) afirma que:
Ser mulher e, portanto, materializar esta condição marcada pela opressão traz reflexos em todo o processo de encarceramento: nas causas que levam ao cárcere, nas diversas formas de violência institucional que permeiam a persecução penal e os presídios, nas dores e sofrimentos que vão além da pena.
Buscando trazer um quadro real sobre esse aspecto, apresenta-se no tópico seguinte a situação encontrada no Estado do Tocantins, como forma de dimensionar a presente questão.
3 EFICÁCIA DA RESSOCIALIZAÇÃO NO SISTEMA CARCERÁRIO FEMININO: ANÁLISE SITUCIONAL NO ESTADO DO TOCANTINS
Conforme foi exposto no tópico anterior, a situação nos presídios femininos é alarmante. A falta de produtos básicos de higiene; violência de agentes penitenciários, dificuldade de conseguir uma visita íntima, dentre outros problemas são encontrados em praticamente todos os presídios femininos no Brasil. Para melhor entender essa realidade, analisa-se a situação encontrada nos presídios do Estado do Tocantins.
Assim como em outros estados, o sistema prisional do Tocantins apresenta uma superlotação carcerária. Em dados mais recentes, apontou uma crescente no número de presos. Os dados indicam um crescimento de cerca de 95,3% entre os meses de março e abril de 2019 (ABREU, 2019).
Os dados apresentados mostram que o presente estado tem 2.008 vagas nas unidades prisionais, mas abriga 3.921 presos, colocando-o entre os dez estados que apresentam maior superlotação (ABREU, 2019).
Continuando, os dados, coletados junto aos governos dos 26 estados e do Distrito Federal, via assessorias de imprensa e por meio da Lei de Acesso à Informação, também expõem uma das principais falhas no sistema penitenciário e que já fora apresentado aqui: a da ressocialização dos presos no Brasil.
Levando em conta todas as pessoas que cumprem algum tipo de pena, seja no regime semiaberto, domiciliar ou com tornozeleira eletrônica, apenas 625 (12,8%) presos do Tocantins desempenham algum tipo de trabalho. Quando o assunto é estudo os números são ainda piores. Apenas 308 presos, que corresponde a 6,3%, estão nas salas de aula (ABREU, 2019).
Com os resultados apresentados acima, nota-se que o principal problema do sistema carcerário no Tocantins é a superlotação. E isso representa um caso claro de ausência da aplicabilidade do princípio da Dignidade da Pessoa Humana, uma vez que ao serem aglomerados nas celas, os presos mal possuem condições mínimas de sobrevivência e de higiene.
Ao se deparar com o princípio em estudo, conclui-se inicialmente que o Tocantins não vem apresentando condições a seus encarcerados de sobrevivência mínima nesses locais.
Por outro lado, na coleta de dados para a realização desse estudo, foi encontrado diversos programas implantados no Estado visando a ressocialização dos apenados, o que mostra que diante do problema encontrado, o Tocantins vem trabalhando na melhoria e na solução destes.
A título de exemplo, o Tocantins desde 2006 evidenciou a importância que a educação possui para os apenados no seu processo de ressocialização e reintegração à sociedade.
Em 2006 foi anunciada a realização de um curso de qualificação profissional para 70 agentes penitenciários e 20 professores que trabalham diariamente com detentos nas quatro maiores unidades prisionais do Estado: Palmas, Araguaína, Gurupi e Porto Nacional (MURAD, 2006).
O curso profissionalizante de fato ocorreu, o que já mostra que o Tocantins já vinha buscando meios de melhoria no seu sistema carcerário. Ainda naquele ano, o Secretário de Segurança do Estado afirmara que “a educação prisional já é uma realidade no Tocantins. Buscamos fazer um trabalho de reabilitação onde não só os detentos são beneficiados, mas também suas famílias” (MURAD, 2006, p. 01).
Importante informar que no Tocantins, a oferta de educação é de competência da Seduc (Secretaria de Educação, Juventude e Esportes). Porém, no que se refere à sua aplicação no sistema prisional, só é realizada em parceria com Seciju (Secretaria de Estado da Cidadania e Justiça) que garante a segurança e estrutura adequada para os reeducandos e professores (CABRAL, 2019).
No ano de 2016, o respectivo estado instituiu o Comitê Estadual de Educação em Prisões (Comep). Tal comitê foi instituído por meio da Portaria da Seciju nº 262, de 13 de julho de 2016, e publicado no Diário Oficial do Estado nº 4.666 de 20 de julho de 2016. De acordo com Lima (2016, p. 02) “trata-se de um órgão colegiado, com atribuições normativas, deliberativas, mobilizadoras, fiscalizadoras, consultivas, propositivas e de acompanhamento e controle social da educação nas prisões do Estado”.
Ainda em 2016, foram ofertadas pela Seduc, turmas de educação formal em 14 das 41 unidades prisionais do Estado, atendendo diretamente a um público de 365 pessoas presas. Soma-se a isso o fato de que a Seduc promove a formação continuada dos “servidores da educação lotados na educação em prisões e sistema socioeducativo, fornece os materiais didáticos pedagógicos, responsabiliza-se pela remuneração dos servidores e repassa recursos para a alimentação escolar” (LIMA, 2016, p. 02).
Outro exemplo dentro do Estado do Tocantins é o que ocorre no município de Dianópolis. Em 2019, aconteceu a reforma da Casa de Prisão Provisória de Dianópolis (CPPD), fruto de recursos obtidos via prestação pecuniária aplicada pelo Poder Judiciário do Tocantins, por meio da Vara Criminal da Comarca daquele Município, com a parceria da Secretaria Estadual de Cidadania e Justiça (CARDOSO, 2019).
Como afirma o juiz daquela comarca Manuel Faria Reis Neto “o grande ponto da iniciativa foi fazer com que o preso seja uma pessoa diferente depois que ele deixar a prisão” (NETO, 2019 apud CARDOSO, 2019, p. 01).
Com a reforma, cujos projetos e o orçamento foram feitos pelo Estado do Tocantins, a CPP “ganhou duas celas amplas com capacidade para 12 presos, que além de dormitórios, servem como sala de aula” (CARDOSO, 2019, p. 01).
O Estado, que atualmente possui cerca de 630 presos matriculados no ensino formal, ao longo dos últimos anos buscou modernizar os presídios considerando o espaço adequado para as aulas e também para a qualificação de professores para aturarem no ambiente carcerário (TOLEDO, 2019).
Além do progresso do Estado na ressocialização por meio da educação, há o trabalho. Nesse campo, cabe citar o trabalho feito pelas detentas na Unidade Prisional Feminina de Talismã – TO, ao qual desempenham as atividades da cozinha e da horta. Em relação ao trabalho na cozinha, a unidade prisional feminina citada concede um espaço (cozinha) para que as detentas possam realizar atividades alimentares.
Assim, as detentas trabalham diariamente na cozinha, realizando trabalhos como auxílio no preparo do alimento ou até mesmo cozinhando-os, cuja destinação irá tanto para os agentes da casa prisional quanto das próprias detentas. Há ainda a limpeza desse espaço e manuseio dos equipamentos (MIRANDA, 2020).
O trabalho feito pelas detentas dessa unidade prisional é remunerado, por meio de empresa terceirizada. Isso é importante, porque conforme a LEP, é direito do apenado em receber remuneração pelo serviço que realiza no cumprimento de sua pena. A respeito desse tema, fundamenta-se:
Os efeitos do trabalho feitos pelos detentos são diversos, dentre eles, a remição da pena, profissionalização, e remuneração (salvo a prestação de serviço à comunidade, na qual não se fala em pecúlio). De acordo com o art. 29 da LEP, “o trabalho do preso será remunerado, mediante prévia tabela, não podendo ser inferior a 3/4 (três quartos) do salário mínimo”. Outrossim, o produto da remuneração pelo trabalho deverá atender: a) à indenização dos danos causados pelo crime, desde que determinados judicialmente e não reparados por outros meios; b) à assistência à família; c) a pequenas despesas pessoais; e d) ao ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a manutenção do condenado, em proporção a ser fixada e sem prejuízo da destinação prevista nas letras anteriores. Quando posto em liberdade, a parte restante para constituição do pecúlio (soma economizada e reservada em dinheiro para uma eventualidade futura) será depositada (CAMARGO, 2018, p. 08).
Informa-se que os alimentos utilizados, em sua grande maioria, são oriundos da horta, que também é uma atividade exercida pelas detentas, aliás, a principal. A horta é localizada no fundo da unidade prisional, onde possui um amplo espaço para o plantio e cultivo. Como afirma Braga (2017) a UPF de Talismã tem o propósito ressocializador, e por conta disso se configura como uma unidade moderna, ampla e arejada, com áreas de sobra para construção de espaços para realização de atividades de ressocialização, como, por exemplo, plantio de hortas e criação de viveiros de plantas.
O trabalho da horta é realizado por meio de 10 detentas, nos períodos de manhã e a tarde, respectivamente. Cabe citar que para estarem aptas a trabalhar na horta é preciso que as detentas tenham um bom comportamento carcerário, ou seja, não devem descumprir ordens internas e não estarem presentes em brigas ou rebeliões (MIRANDA, 2020).
As detentas na horta realizam todo o processo inerente a essa função, tais como o cuidado com o canteiro, a semeação de sementes, o plantio, a capinação, o adubamento, a colheita, etc. Todos os processos da horta são feitos pelas detentas, sem exceção (MIRANDA, 2020).
Os alimentos colhidos são utilizados na alimentação não apenas das detentas, mas de todos os outros funcionários da presente unidade prisional. Dentre os alimentos plantados e colhidos, encontra-se de vários tipos como a alface, o tomate e principalmente o milho, dentre outros (MIRANDA, 2020).
Com os exemplos mostrados aqui, deixa claro que o Tocantins, vide o problema de superlotação, vem buscando efetivar projetos e ações ressocializadoras. Esse trabalho vai de encontro com o respeito aos apenados e na busca por uma sociedade mais justa e equilibrada.
Ao implantar medidas socioeducativas e de trabalho, fica nítido observar que o presente Estado tem respeitado o princípio da Dignidade da Pessoa Humana, fazendo com que suas presas tenham a oportunidade de estudar e trabalhar para que ao cumprirem a sua pena possam de fato serem ressocializadas e que possam serem reintegradas à sociedade como adultas éticas e nobres.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme exposto no decorrer desse estudo, a condição de ser mulher sempre afetou a sociedade, porque desde os primórdios da civilização, as mulheres sempre foram destinadas a serem inferiores aos homens. Somente depois de muitos séculos e brigas é que as mulheres conquistaram o seu espaço socialmente.
No entanto, o estigma ainda persiste. E isso pode ser visto mais atentamente quando se analisa a condição da mulher dentro dos presídios brasileiros. Tendo como foco analisar essa situação e verificar a eficácia da ressocialização, o que se verificou nessa pesquisa é que a mulher enfrenta os mesmos problemas encontrados pelos homens nos presídios: superlotação, falta de higienização e estrutura, além do enorme preconceito e falta de apoio social e familiar. No caso delas, esse último problema é ainda agravado pelo enorme preconceito por serem mulheres.
Ao verificar a situação da ressocialização, optou-se por observar o que ocorre no Estado do Tocantins. Nesse sentido, no presente estado, ficou evidenciado que o mesmo vem cumprindo positivamente com os preceitos elencados pela Lei de Execução Penal, o que já é um avanço, vide o fato de que a maioria dos presídios no Brasil ainda se encontram longe do ideal e normatizado pela norma penal.
Nesse ambiente restou claro que através da educação e do trabalho, os apenados podem ser respeitados na sua integridade física e moral, e que poderão alcançar pontos importantes, que não só a remição da pena, mas a possibilidade de compactar seu reingresso no mercado de trabalho, o que implicaria na sua ressocialização diante da sociedade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BARCINSKI, Mariana; CÚNICO, Sabrina Daiano. Mulheres no tráfico de drogas: retratos da vitimização e do protagonismo feminino. Civitas, Porto Alegre, v. 16, n. 1, jan./mar. 2016.
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Bacharelanda em Direito pela Universidade de Gurupi(Unirg).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MENEZES, CARLA BORGES. Problemas apresentados pelo sistema prisional feminino brasileiro e a ressocialização de mulheres egressas no Estado do Tocantins. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 nov 2021, 04:36. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57464/problemas-apresentados-pelo-sistema-prisional-feminino-brasileiro-e-a-ressocializao-de-mulheres-egressas-no-estado-do-tocantins. Acesso em: 23 dez 2024.
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