MICHAEL LUCAS COUTINHO DUARTE
(orientador)
RESUMO: o escopo central deste artigo é apresentar, por meio das fontes consultadas, como as mudanças na legislação penal brasileira, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, ajudaram no combate da violência contra a mulher, Identificando o tratamento adquirido pela mulher com a CF/88. Dessa forma, o artigo busca demonstrar, através de conceitos históricos, as mudanças legislativas no tratamento desse problema social que, no entender de muitos historiadores, foi criado ao longo do tempo com legislações que ressaltavam o papel de submissão da mulher. Além disso, é destacado as leis mais atuais de combate da violência contra a mulher, em especial a Lei 11.340/2006, Lei 13.104/2015 e, a mais recente, Lei 14.188/21.
Palavras-chave: História. Violência. Constituição. Direito. Mulher.
ABSTRACT: the central scope of this article is to present, through the sources consulted, how the changes in Brazilian penal legislation, with the enactment of the Federal Constitution of 1988, helped in the fight against violence against women, Identifying the treatment acquired by women with CF/88. Thus, the article seeks to demonstrate, through historical concepts, the legislative changes in the treatment of this social problem that, according to many historians, was created over time with legislation that emphasized the submission role of women. In addition, the most current laws to combat violence against women are highlighted, in particular Law 11.340/2006, Law 13.104/2015 and, the most recent, Law 14.188/21.
Keywords: History. Violence. Constitution. Right. Woman.
1.INTRODUÇÃO[1]
A legislação brasileira é repleta de inovações que, quase sempre, refletem os interesses de grupos de influência social, seguramente representados nas casas de leis brasileiras.
Nesse contexto, o presente artigo busca ressaltar as mudanças na legislação penal brasileira, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que ajudaram no combate da violência contra a mulher, sendo que nem sempre, ao longo da história, teve a tutela jurisdicional que possui hoje.
Parte da sociedade acredita que penas mais duras ajudam a coibir a prática da violência contra a mulher, contudo, é bom ter em mente que esta não é a única política para o enfrentamento. Ressalta-se ainda que é necessária a declaração da inconstitucionalidade de previsões legais que excluem a ilicitude na prática de violência contra a mulher, como por exemplo, a ainda usada “legítima defesa da honra”.
Nesse sentido, é importante verificar se a legislação penal está combatendo, de forma eficiente, a prática da violência contra a mulher.
Atualmente, o movimento feminista, que impulsiona o combate da violência de gênero, está em pauta em vários debates, tendo em vista a continua prática desse crime. Destarte, com base em doutrinas, torna-se necessário demonstrar, brevemente, como a prática da violência contra a mulher foi construída e como vem sendo desestimulada pela legislação penal brasileira, principalmente, após a promulgação da Constituição Federal de 1988.
Na condição de cidadão, é essencial o acesso à informação, de forma didática, possibilitando um senso crítico sobre a legislação penal brasileira, ajudando a traçar os caminhos que devem ser seguidos, visando maior efetividade da legislação penal no combate da violência contra a mulher.
O presente artigo foi proposto com o intuito de analisar, com base na legislação penal brasileira, como o Brasil vem enfrentando esse problema social, elucidando quais os mecanismos que utiliza para resolver tal problema.
Dessa forma, com uma maior compreensão sobre o assunto, a sociedade poderá enxergar e se posicionar de maneira mais efetiva sobre o tema.
Cabe salientar que o presente artigo não busca exaurir o tema, mas sim, demonstrar a importância dessas alterações que tiveram o intuito de combater esse problema social que, pode-se dizer, atravessa gerações e longos debates.
2.CONTEXTO HISTÓRICO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA[2]
A legislação brasileira, ao longo do tempo, é responsável por dizer o que é aceito ou não pela sociedade. Em virtude disso, as leis brasileiras, nos seus primórdios, criaram uma cultura em que a mulher tinha o dever, assim como os filhos, de obediência ao homem. Com isso, a mulher ganhou um papel de submissão em que o não cumprimento das ordens de seus maridos poderiam acarretar em severos castigos.
Nesse trilhar, cabe salientar que a violência contra a mulher nem sempre foi vista como violência, tendo em vista que estas, por força de lei, em especial as Ordenações Filipinas que ficou em vigor até o Código Civil de 1916, estabelecia o poder disciplinar que o marido tinha em face da mulher.
Na opinião de Batista Pereira (apud GODOY, 2017. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-mar-12/embargos-culturais-ordenacoes-filipinas-violencia-mulheres>. Acesso em: 15/05/2021), “No Livro V das Ordenações, espelha-se todo o despotismo e a beatice da cultura portuguesa arcaica que herdamos, na qual a misoginia e o androcentrismo eram enfáticos e assumidos”.
Ressalta-se que, ao analisar a história brasileira, pode-se inferir que, desde o Brasil colônia, apenas adjetivos como o de reprodutora era introduzida ao conceito de ser mulher, sendo esta, responsável apenas por cuidar dos filhos e da casa. Nesse trilhar, qualidades como liderança, intelecto, sabedoria, entre outras, eram empregadas apenas aos homens.
A violência contra a mulher ou violência de gênero, como é reconhecida internacionalmente, é um assunto que vem ganhando destaque, na medida em que é reconhecida como um problema social que foi construído ao longo do tempo.
Cabe salientar que, esse problema social, ao tratar a mulher como um indivíduo inferior ao homem, é drasticamente mais evidente quando é relacionada com a cor, pois a violência, nesse caso, é culturalmente acentuada, tendo em vista o racismo ainda existente no Brasil.
Com isso em mente, para Mary Del Priore (2013, p.24),
Temperadas por violência real ou simbólica as relações eram vincadas por maus-tratos de todo tipo, como se veem nos processos de divórcio. Acrescente-se à rudeza atribuída aos homens o tradicional racismo, que campeou por toda parte: estudos comprovam que os gestos mais diretos e a linguagem mais chula eram reservados a negras escravas e forras ou mulatas; às brancas se direcionavam galanteios e palavras amorosas. Os convites diretos para fornicação eram feitos predominantemente às negras e pardas, fossem escravas ou forras. Afinal, a misoginia – ódio das mulheres – racista da sociedade colonial as classificava como fáceis, alvos naturais de investidas sexuais, com quem se podiam ir direto ao assunto sem causar melindres.
Destarte, a luta iniciada pelas mulheres precisou do apoio do Estado, sendo este, responsável para dizer o que é aceito ou não pela sociedade, tendo em vista que aquilo que não é regulado pelo Estado vive as margens da sociedade.
Ao ser estabelecido o tratamento igualitário entre homens e mulheres, com a Constituição Federal de 1988, nasce o dever do Estado, através de legislações especificas, de estabelecer medidas que tornem eficaz esse direito constitucional.
Não obstante o código Penal seja de 1940, este passou por diversas alterações, em especial a Lei Maria da Penha de 2006, que estabelece mecanismos para coibir a prática de violência contra a mulher, e a Lei 13.104/2015 que introduziu o feminicídio como qualificadora do homicídio.
Noutro giro, ainda existem muitas críticas que norteiam a legislação penal brasileira, como por exemplo, a inconstitucionalidade da legítima defesa da honra que está sendo debatida este ano no Supremo Tribunal Federal, sendo este instituto geralmente usado para absolvição de homens que cometem crimes passionais.
3.DO COMBATE À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NO ORDENAMENTO JURÍDICO NACIONAL[3]
A violência contra a mulher é um fato que sempre esteve presente na história do país, mas nem sempre teve a visão e proteção que se tem nos dias contemporâneos. Ganhou tal notoriedade pela visibilidade que teve em casos que comoveram a sociedade, marcados pela sua brutalidade e barbárie. Apesar da Carta Magna ter garantido diversos direitos, foi somente em 2006, com a Lei Maria da Penha que houve a implantação de legislação específica para regular o processo dos crimes praticados contra a mulher.
Não obstante a legislação penal brasileira tenha dado um grande salto no combate da violência contra a mulher, com a entrada em vigor da Lei Maria da Penha e a Lei n. 13.104/2015 que qualificou o feminicídio, isso só foi possível com a promulgação da Constituição Federal de 1988 que, segundo Adriana Ramos de Mello (2018. Disponível em: https://www.emerj.tjrj.jus.br. Acesso em: 19/04/2021),
Tanto no âmbito público como no privado, a Constituição Federal de 1988 inovou no tratamento dispensado à mulher. De maneira direta, equiparou homens e mulheres em direitos e deveres, proibindo o tratamento discriminatório e prevendo a proteção ao mercado de trabalho da mulher. De forma indireta, abriu caminho para a proteção estatal à família “criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”, de acordo com o disposto no artigo 226.
A título de conhecimento, os dispositivos constitucionais que ajudam no combate da violência contra a mulher são oriundos, especialmente, da “Carta da Mulher Brasileira aos Constituintes”, em 1986, sendo esta elaborada durante o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, contendo reinvindicações em diferentes aspectos para tutelar os direitos das mulheres, sendo entregue para o Congresso Nacional.
Assim, ainda sobre a carta aos constituintes, Adriana (2018. Disponível em: https://www.emerj.tjrj.jus.br. Acesso em: 19/04/2021) preceitua que,
No item 7 da sessão de “reivindicações específicas” da Carta há expressamente a reivindicação de uma lei que coíba “a violência, na constância das relações familiares, bem como o abandono o abandono dos filhos menores.” A influência no texto constitucional é novamente observada, especialmente no parágrafo 8º do art. 226, que prevê a obrigação do Estado na “assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações’’.
Com isso, uma das primeiras alterações no Código Penal, em atenção à Constituição Federal de 1988, sendo que, a título de conhecimento, também foi uma recomendação da resolução n. 52/86 da Assembleia Geral das Nações Unidas, foi realizada pela Lei n. 10.886/2004 que, em seu art. 1º, incluiu os §§ 9º e 10º no art. 129, in verbis:
Art. 1º O art. 129 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 9º e 10:
"Art. 129. ...............................................................
Violência Doméstica
§ 9º Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano.
§ 10. Nos casos previstos nos §§ 1º a 3º deste artigo, se as circunstâncias são as indicadas no § 9º deste artigo, aumenta-se a pena em 1/3 (um terço)." (NR)
Infere-se do texto acima que o legislador, ao tratar sobre o crime de lesão corporal, buscou atribuir penas mais severas para coibir a prática de violência doméstica. No entanto, essa resposta, com penas mais graves, não foi bem aproveita, tendo em vista a competência dos Juizados Especiais para crimes como o de lesão corporal simples e leve, sendo considerados de menor potencial ofensivo. Nos dizeres de Damásio (2014, p.51),
Não tínha- mos, pois, mudança de relevo, uma vez que a violência contra a mulher no âmbito doméstico e familiar, resultando lesões corporais leves, embora considerada violação dos direitos humanos, prosseguia como infração de menor potencial ofensivo.
A grande mudança no tratamento da violência contra a mulher ocorreu, especialmente, com a entrada em vigor da Lei Maria da Penha, que afirmou o entendimento de que a violência contra a mulher é uma violação dos direitos humanos.
A Lei n. 11.340/2006 é fruto, especialmente, de uma recomendação da Organização dos Estados Americanos-OEA, tendo em vista o relatório que evidenciou a omissão e a negligência do Brasil no tratamento do caso de violência que Maria da Penha Fernandes sofreu.
Destarte, essa lei buscou dar efetividade paga as garantias constitucionais, especialmente, o art. 226, § 8º, da CF/88, que preceitua a criação de mecanismos para coibir a violência no âmbito da família e dos que a integram.
Nesse contexto, segundo Maria Elizabeth (2018. Disponível em <https://www.editorajc.com.br/os-direitos-da-mulher-nos-30-anos-da-constituicao-federal-brasileira/> Acesso em: 16/05/2021)
[...] a Lei no 11.340/06 estatuiu regras e institutos de extrema importância como a alteração no Código Penal, para impor como agravante o cometimento de crime com abuso de autoridade ou prevalecimento de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade; a modificação do conceito de lesão corporal decorrente de violência doméstica, pela diminuição da pena mínima de 6 para 3 meses, e o aumento da máxima de 1 para 3 anos; e a inaplicabilidade da Lei no 9.099/95, por exclusão taxativa do art. 41, com o consequente afastamento da competência dos Juizados Especiais devido a alteração do quantum sancionatório, já que antes, os crimes de violência contra mulher eram entendidos como sendo de menor potencial ofensivo, e, na maioria das vezes, operava-se a sua desclassificação.
Dessa forma, pode-se entender que uma das principais contribuições da Lei Maria da Penha, foi a previsão de criação dos “juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher”, retirando o entendimento de que os crimes de violência contra a mulher fazem parte dos crimes de menor potencial ofensivo, sendo que a sua constitucionalidade já foi reconhecida pelo STF.
Em que pese a entrada em vigor da Lei Maria da Penha possa ser considerada um divisor de águas, outra importante medida, como fruto de uma recomendação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Violência doméstica, visando a diminuição da violência de gênero, foi a aprovação da Lei Federal n. 13.104/2015 que incluiu o “feminicídio” no Código Penal como qualificadora do homicídio.
Nesse cenário, verifica-se que o Estado, ao estabelecer a pena de reclusão de 12 a 30 anos no feminicídio, busca demonstrar uma maior repressão contra a violência contra a mulher, demonstrando uma maior preocupação com esse problema social
A respeito desse problema social, NUCCI (2021. p. 564) explica que,
No Brasil, verifica-se uma subjugação da mulher no nível cultural, que resvala em costumes e tradições. Constitucionalmente, todos são iguais perante a lei. Essa afirmação normativa não mais bastava, tendo em vista que as mulheres continuavam a sofrer dentro de seus lares (principalmente) inúmeras formas de violência física e psicológica. Adveio a Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) contendo normas explicativas, programáticas e determinadas, com o fito de tutelar, de maneira mais eficiente, a condição do sexo feminino, em particular nos relacionamentos domésticos e familiares. O feminicídio é uma continuidade dessa tutela especial, considerando homicídio qualificado e hediondo a conduta de matar a mulher, valendo-se de sua condição de sexo feminino [...]. Trata-se de uma qualificadora objetiva, pois se liga ao gênero da vítima: ser mulher.
Fica evidente que esse é um problema que foi criado ao longo do tempo, sendo que, no momento atual, busca-se estabelecer medidas para coibir essa prática, em atenção ao que a Constituição Federal de 1988 estabeleceu.
No entanto, atualmente, com relação a pratica da violência contra a mulher, as restrições e sanções impostas aos agressores não são eficazes em sua totalidade, no que se refere a finalidade da Lei que é proteger a vida e dignidade da mulher. Nos dizeres de NUCCI (2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br, acesso em: 19/04/2021),
A única forma de proteger, com maior eficácia, as mulheres brasileiras é impor aos agressores penas realmente severas por ameaças, lesões e descumprimento de medidas protetivas. Se os delitos preliminares forem apenados de maneira condizente pode ser que os agressores se sintam desestimulados a prosseguir no trajeto da agressão. O que me parece inócuo é pretender resolver a situação geral de agressão às mulheres com penas ínfimas para os delitos antecedentes ao feminicídio.
Nesse trilhar, percebe-se que a prática da violência contra a mulher é criada aos poucos, com pequenos delitos por parte do agressor que, a princípio, ainda não são corretamente desestimulados pelas penas impostas pelo Estado.
4.DA LEI 14.188/21
A pandemia trouxe um novo cotidiano para as famílias do mundo inteiro, devido as restrições que foram impostas para combater a doença.
Dessa forma, devido ao isolamento social, entre as várias mudanças que ocorreram, cabe destacar o aumento da violência doméstica, visto que, em muitos casos, a violência contra a mulher é praticada por seus companheiros ou ex-companheiros.
Nesse contexto, Francini Imene Dias Ibrahin e Amanda Tavares Borges (2020. Disponível em < https://jus.com.br/artigos/85555/violencia-domestica-em-tempos-de-confinamento-obrigatorio> Acesso em: 17/10/2021) explicam que,
[...] a Organização Mundial da Saúde alertou sobre o aumento da violência doméstica na pandemia da Covid-19. A Itália, por exemplo, que iniciou o isolamento social mais cedo do que o Brasil, registrou um aumento de 161,71% nas denúncias telefônicas entre os dias 1º e 18 de abril de 2020, de acordo com o Ministério da Família e da Igualdade de Oportunidades. Na Argentina, o canal de denúncias, “Linha 144”, teve um aumento de 39% na segunda quinzena de março. No Brasil, o número de denúncias feitas pelo “Ligue 180” aumentou 34% entre março e abril deste ano, em relação a 2019, segundo o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos; ao comparar apenas o mês de abril de 2020, o crescimento de denúncias foi de 36%.
Cabe salientar que, não obstante o isolamento tenha sido imposto para muitas pessoas, isso não justifica a prática da violência familiar, sendo este, um problema social que ficou mais evidente com a pandemia, devido o maior tempo que a vítima passou com o seu agressor.
Nesse trilhar, surgiu a preocupação sobre como a mulher, vítima da violência, poderia procurar ajuda, visto que passa o tempo todo com o seu agressor, ficando inviabilizado qualquer forma de tentativa.
Diante disso, o foi sancionada a Lei n. 14.188 de 28 de julho de 2021, que criou o programa de cooperação Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica, visando que entidade de natureza pública e privada realizem o treinamento dos seus funcionários para detectar o sinal vermelho na mão da vítima, qual seja: um “X” vermelho.
Com isso, ao identificar o sinal, basicamente, o funcionário deverá entrar em contato com a polícia e, nesse meio tempo do deslocamento da polícia, tentará separar a vítima do agressor.
Outra novidade que ocorreu com a Lei n. 14.188/2021 foi o § 13º adicionado no art. 129 do Código Penal, in verbis:
Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano.
[...]
§ 13. Se a lesão for praticada contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro anos).
Destarte, não obstante já tenha a qualificadora do crime de lesão corporal no § 9º do art. 129, se referindo a prática do crime entre familiares, aproveitando-se das relações domésticas, o § 13º é claro ao qualificar o crime quando for praticado contra a mulher, aumentado a pena, com reclusão de 1 (um) a 4 (quatro anos).
Nesse contexto, percebe-se a tentativa do Estado coibir a prática da violência contra a mulher através de penas maiores, visando desestimular tal conduta.
Além disso, a Lei n. 14.188/2021 trouxe um novo tipo penal, visando atender melhor as diferentes situações as quais as mulheres estão sujeitas, qual seja, a “violência psicológica”, prevista no art. 147-B do Código Penal, in verbis:
Art. 147-B. Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação: (Incluído pela Lei nº 14.188, de 2021)
Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave.
O dispositivo começa ressaltando o resultado naturalístico de causa, isto é, estamos diante de um crime material, cuja a consumação irá depender do efetivo dano emocional a mulher, contudo, vale destacar que estamos diante de uma Lei sancionada recentemente e, portanto, ainda haverá muita discussão sobre os entendimentos a respeito do seu texto.
Segundo os professores Renato Borelli, Leonardo Castro e Fábio Roque (2021. Disponível em < https://blog.grancursosonline.com.br/lei-14-188-21/> Acesso em: 17/10/2021)
O crime consiste em causar dano emocional (resultado naturalístico) à mulher por meio de ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à saúde psicológica e autodeterminação da vítima.
Cabe salientar ainda que esse tipo penal pode ser considerado um crime subsidiário, haja vista à expressão no final do artigo, qual seja: “se a conduta não constitui crime mais grave”.
Por fim, a última inovação, não menos importante, foi a alteração no art. 12-C da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) que incluiu o termo “psicológica”, demonstrando a maior preocupação do legislador em tutelar o bem estar das mulheres diante das várias situações vexatórias em que são expostas convivendo com o agressor.
Dessa forma, os professores Renato Borelli, Leonardo Castro e Fábio Roque (2021. Disponível em < https://blog.grancursosonline.com.br/lei-14-188-21/> Acesso em: 17/10/2021) explicam que
O artigo 12-C trata da medida de afastamento do agressor do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida. A mudança se deu apenas em relação à integridade psicológica, adicionada ao caput do dispositivo. Com a entrada em vigor da Lei nº 14.188/21, passa a ser possível a imposição da medida de natureza cautelar também em proteção à integridade psicológica da vítima, e não apenas à integridade física. O restante do artigo permaneceu íntegro.
Destarte, diante dessa cultura de violência que as mulheres são expostas, que ficou mais evidente com a pandemia, mostra-se plausível as alterações trazidas pela Lei n. 14.188/21, visando a diminuição da prática dessa conduta, demonstrando que os números dessa violência ainda são motivo preocupação.
5.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foi um estudo baseado em pesquisa bibliográfica, tendo como base em doutrinadores que possuem referência no âmbito penal, em especial o Desembargador Guilherme de Souza Nucci, que abordou a necessidade de penas mais severas para desestimular a prática da violência contra a mulher.
Outra fonte, para se obter uma breve análise histórica do contexto social da mulher no Brasil, foi utilizada na pesquisa as abordagens feitas por alguns historiadores, entre eles, pela professora, historiadora e escritora brasileira Mary Lucy Murray Del Priore, explicando que essa conduta foi criada ao longo da história, tendo uma grande contribuição das legislações que tratavam as mulheres como pessoas inferiores.
Ressalta-se que, visando uma abordagem constitucional sobre o tema, foi analisado obras referentes ao tratamento da violência contra a mulher após a promulgação da Constituição Federal de 1988.
Dessa forma, não a obstante a legislação tenha sofrido alterações para diminuir a violência contra a mulher, ainda não pode ser considerado o suficiente, tendo vista o aumento dessa violência na pandemia, o que deve ser ainda analisa com calma para tutelar as várias situação vexatórias em que a mulheres são expostas.
6.REFERÊNCIAS
BORELLI, Renato.; CASTRO, Leonardo.; ROQUE, Fábio. Sancionada lei 14.188 do Sinal Vermelho contra Violência Doméstica. Gran Cursos, 2021. Disponível em < https://blog.grancursosonline.com.br/lei-14-188-21/ >. Acesso em 17.10.2021.
BRASIL. Casa Civil. Secretaria-Geral. Código Penal. Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em 16.05.2021.
BRASIL. Casa Civil. Secretaria-Geral. Lei do feminicídio. Lei n. 13.104 de 09 de março de 2015. Altera o art. 121 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos. 2015. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13104.htm>. Acesso em 21.04.2021.
BRASIL. Casa Civil. Secretaria-Geral. Lei nº 10.886, de 17 de junho de 2004. Acrescenta parágrafos ao art. 129 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, criando o tipo especial denominado "Violência Doméstica". 2004. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.886.htm>. Acesso em 16.05.2021.
BRASIL. Casa Civil. Secretaria-Geral. Lei Maria da Penha. Lei n. 11.340 de 07 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. 2006. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em 21.04.2021.
GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. As Ordenações Filipinas e mais um exemplo de violência contra as mulheres. Consultor Jurídico, 2017. Disponível em <https://www.conjur.com.br>. Acesso em 15.05.2021.
IBRAHIN, Francini Imene Dias.; BORGES, Amanda Tavares. Violência doméstica em tempos de confinamento obrigatório a epidemia dentro da pandemia. Jus, 2020. Disponível em <https://jus.com.br/artigos/85555/violencia-domestica-em-tempos-de-confinamento-obrigatorio>. Acesso em 17.10.2021.
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ROCHA, Maria Elizabeth Guimarães Teixeira. Os direitos da mulher nos 30 anos da Constituição Federal Brasileira. Justiça e cidadania. 218.ed. 2018. Disponível em < https://www.editorajc.com.br/os-direitos-da-mulher-nos-30-anos-da-constituicao-federal-brasileira/>. Acesso em 16.05.2021.
Bacharelando em Direito pelo Centro Universitário São Lucas - Ji-Paraná/RO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: WILIAN DE Sá ARAúJO, . A importância das mudanças na legislação penal brasileira, após a Constituição Federal de 1988, no combate da violência contra a mulher Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 nov 2021, 04:19. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57475/a-importncia-das-mudanas-na-legislao-penal-brasileira-aps-a-constituio-federal-de-1988-no-combate-da-violncia-contra-a-mulher. Acesso em: 23 dez 2024.
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