DIOLINA RODRIGUES SANTIAGO SILVA[1]
(orientadora)
RESUMO: O presente artigo científico versa a respeito do negócio jurídico denominado de contrato de namoro. O objetivo principal é responder se esse acordo é um instrumento válido e eficaz em nosso ordenamento jurídico. Já o problema questiona se tal contrato é um instrumento com eficácia de provar a inexistência de uma união estável. Justifica-se a presente pesquisa no meio acadêmico em decorrência da dúvida que permeia sobre o assunto ocasionando um palco para grandes discussões e diálogos sobre o contrato de namoro, ainda, no âmbito social, pela importante função do contrato em si, pois, seja ele qual for, tem um papel crucial em nossa sociedade atual. Para tanto, o método utilizado será o dedutivo. Quanto às hipóteses é que inexiste qualquer violação na elaboração do contrato de namoro em nossa legislação pátria, isto é, não se caracteriza qualquer ilegalidade na realização desse acordo, seja de natureza constitucional ou infraconstitucional. Por fim, os resultados alcançados foram que o contrato de namoro é um acordo válido, de acordo com o artigo 104 do Código Civil, e sua eficácia é relativa, não tendo o condão de descaracterizar a união estável, e sim de declarar que na relação afetiva existe apenas um mero namoro.
Palavras-chave: Contrato de namoro; União estável; Eficácia.
ABSTRACT: This scientific article deals with the legal transaction called dating contract. The main objective is to answer whether this agreement is a valid and effective instrument in our legal system. The problem, on the other hand, questions whether such a contract is an effective instrument to prove the inexistence of a stable union. This research in academia is justified as a result of the doubt that permeates the subject, causing a stage for great discussions and dialogues about the dating contract, even in the social sphere, due to the important function of the contract itself, as it is whichever it is, it plays a crucial role in our society today. For that, the method used will be the deductive one. As for the hypotheses, there is no violation in the drafting of the dating contract in our country's legislation, that is, there is no illegality in the execution of this agreement, whether constitutional or infra-constitutional in nature. Finally, the results achieved were that the dating contract is a valid agreement, according to article 104 of the Civil Code, and its effectiveness is relative, not having the power to mischaracterize the common-law marriage, but to declare that in the relationship affective there is only a mere dating.
Keywords: Dating contract; Stable union; Efficiency.
1 INTRODUÇÃO
O direito de família é um dos ramos jurídicos que mais sofrem modificações ao longo do tempo, e isso se dá em razão de uma constante evolução social e cultural que a sociedade vem passando. Tais mudanças têm como finalidade se adequar mais próximo possível da nossa realidade atual.
Neste ponto, observa-se que a união estável foi incluída nessas modificações, visto que, anteriormente não passava de um fato social sem qualquer tipo de repercussão jurídica reconhecida, para ser declarada posteriormente como uma forma legítima de entidade familiar.
Diferente do casamento, que existe toda uma solenidade, a união estável por muitas vezes é caracterizada pela sua informalidade, neste caso, é necessário observar se os requisitos estabelecidos pela legislação estão sendo realmente respeitados.
Ocorre que, com a necessidade de verificação desses requisitos e também em decorrência da dificuldade de deixar explícita a intenção ou não de constituir família em algumas relações, foi o ponto crucial para que alguns casais procurassem um resguardo jurídico no enfático contrato de namoro.
Dessa forma, o presente trabalho visa discutir a respeito do contrato de namoro, que vem se tornando uma possível solução para os casais que não possuem intenção de constituir família, pelo menos no momento atual, possibilitando desfrutar do seu namoro sem correr o risco de ter sua relação confundida com uma união estável, bem como todos seus efeitos jurídicos.
A problemática principal que é trazida no decorrer da pesquisa questiona o seguinte: o contrato de namoro é um instrumento eficaz para provar a inexistência de uma união estável?
Justifica-se a presente pesquisa no meio acadêmico em decorrência da dúvida que permeia sobre o assunto, o que levou os doutrinadores especialistas neste ramo do direito, a adotarem diferentes caminhos, ou seja, significa dizer que não houve um consenso sobre o novo tipo de instrumento contratual pactuado pelos brasileiros, ocasionando um palco para grandes discussões e diálogos sobre o contrato de namoro.
Justifica-se, ainda, no âmbito social, a realização desse estudo em função do contrato em si, pois, seja ele qual for, tem um papel crucial em nossa sociedade atual, tendo em vista sua abrangência e utilização frequente em diferentes esferas, bem como pela possibilidade de gerar consequências jurídicas para os contratantes.
Embora existam opiniões distintas a respeito do contrato de namoro, o importante é trazer os principais argumentos que exploram, de um lado, a invalidade do contrato, e de outro a possibilidade de efetuar-se esse tipo de negócio jurídico, da mesma forma que, é necessário examinar a utilidade do contrato de namoro para os casais e para a sociedade, melhor dizendo, se o uso desse instrumento irá beneficiar ou prejudicar as partes que o pactuam.
Nesta ótica, ressaltasse também a importância da pesquisa, em frente à demanda crescente pela sua elaboração em nossa coletividade, como forma de regular as relações pessoais que, todavia, enfrentam uma pertinente dúvida quanto a sua segurança jurídica e seus reflexos patrimoniais.
O objetivo geral do trabalho é verificar se o contrato de namoro irá eficazmente gerar serventia como prova cabal de descaracterizar a união estável, produzindo os efeitos jurídicos às partes contratantes ante os princípios da função social e a boa-fé presentes no direito contratual.
Os objetivos específicos são: avaliar se existe possibilidade jurídica do objeto no contrato de namoro, como requisito de validade dos negócios jurídicos previsto no artigo 104 do Código Civil; diferenciar o namoro simples, namoro qualificado e união estável; comprovar que a realidade dos fatos prevalece sobre uma declaração convencionada entre as partes em um contrato; por fim, apurar se o contrato de namoro é instrumento hábil para comprovar a existência de um namoro, sendo este considerado como um fato social.
Assim, o primeiro capítulo do presente trabalho será voltado para explorar inicialmente assuntos mais abrangentes, para que seja possível compreender de melhor forma, por exemplo, como é vista a instituição da família em nossa sociedade contemporânea, além disso, entender como funciona a união estável e diferenciar essa entidade familiar das formas distintas de namoro, como também observar a maneira que as relações amorosas estão se comportando na atualidade.
O segundo capítulo cuidará de fazer uma abordagem direcionada ao contrato de namoro, bem como apresentar os diversos entendimentos doutrinários a seu respeito, do mesmo modo que discorrerá da eficácia e validade deste acordo em frente ao nosso ordenamento brasileiro, uma vez que, a possibilidade de efetuar o contrato em estudo, vai gerar aos contratantes repercussões jurídicas importantes.
A presente pesquisa utiliza a metodologia da pesquisa jurídica, que é “voltada às instruções práticas para a formatação e a compreensão da engrenagem de técnicas de organização do trabalho jurídico científico.” (BITTAR, 2015, p. 53). O método de abordagem teórica utilizado será o dedutivo, com finalidade de analisar teorias e concepções utilizadas, partindo para tanto de premissas gerais (BITTAR, 2015, p. 34) para verificar se o contrato de namoro poderá ser realmente um instrumento válido no ordenamento pátrio.
Já a espécie de pesquisa adotada será a exploratória, consoante à análise qualitativas, fundamentada em coletas de dados através de estudos bibliográficos, ou seja, entendimentos desenvolvidos por doutrinadores como Zeno Veloso, Carlos Roberto Gonçalves, Sílvio de Salvo Venosa, dentre outros, tal qual pesquisas documentais, neste caso, realizadas através das legislações e jurisprudências.
Os resultados alcançados foram que o contrato de namoro é um acordo válido, de acordo com o que dispõe o artigo 104 do Código Civil, e sua eficácia é relativa, não tendo o condão de descaracterizar a união estável, e sim de declarar que na relação afetiva existe apenas um mero namoro sem qualquer repercussão jurídica reconhecida. Sendo assim, é plenamente possível realizá-lo, desde que seja pactuado de acordo com a realidade de fato vivida pelo casal e respeitando todos os princípios como da boa-fé e função social presentes no direito contratual.
2 CONCEITO DE FAMÍLIA CONTEMPORÂNEA
A família exerce um papel muito importante na vida de qualquer pessoa, em virtude de ser o primeiro contato de um indivíduo com a convivência em sociedade e também para a construção de valores morais, éticos, etc. Devido a sua grande relevância social, não poderia a família ser meramente um espaço para formação do ser humano, no qual ficaria desamparada da proteção estatal.
Muito pelo contrário, em consequência da sua relevância para o corpo social, merece toda a atenção e segurança do nosso ordenamento jurídico, como satisfatoriamente regulou nossa Carta Magna de 1988, reconhecendo a família como “base da sociedade”. (BRASIL, [2021a]). Vale ressaltar, que o instituto da família passou por grandes modificações, seja elas de caráter conceitual como também estrutural.
Atualmente, já não é mais possível nem adequado definirmos família como era feito tradicionalmente, no qual era composta pelo pai como detentor do pátrio poder, mãe e filhos, esta conhecida como família nuclear, e que exerciam com maior intensidade funções econômicas, patrimoniais, e para fins de reprodução.
Muito bem pondera sobre o assunto o doutrinador Madaleno (2021, p.5),
A família do passado não tinha preocupações com o afeto e a felicidade das pessoas que formavam seu principal núcleo, pois eram os interesses de ordem econômica que gravitavam em torno daquelas instâncias de núcleos familiares construídos com suporte na aquisição de patrimônio.
Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, várias mudanças ocorreram no âmbito do direito de família, trazendo consigo novos modelos de famílias, afastando aquela ideia ultrapassada de que o núcleo familiar se constituía apenas através do matrimônio.
Madaleno (2021, p.5) acrescenta ainda que:
A nova família foi desencarnada do seu precedente elemento biológico para ceder lugar aos vínculos psicológicos do afeto, consciente a sociedade que, na formação da pessoa humana, os valores como a educação, o afeto e a comunicação contígua guardam muito mais importância do que o elo da hereditariedade.
Ou seja, a família que era vista como núcleo econômico e de reprodução, passa agora a ser compreendida como um espaço de afetividade entre seus membros, abrindo portas para novas concepções a respeito do tema, bem como o reconhecimento de novos meios de constituição de família, no qual tinha o legislador o dever de reconhecê-las e garantir sua proteção.
Vejamos como se posicionaram Gagliano e Pamplona Filho (2021, p.17) acerca dos novos modelos de famílias: “É preciso compreender que a família, hoje, não é um fim em si mesmo, mas o meio para a busca da felicidade, ou seja, da realização pessoal de cada indivíduo, ainda que existam - e infelizmente existem - arranjos familiares constituídos sem amor”.
Importante reforçar que a consagração da dignidade da pessoa humana em nossa Constituição, sendo considerada como um macro princípio, foi fundamental para concretização de muitos direitos, sejam eles de natureza familiar ou de qualquer outro ramo. Em decorrência disso, hoje já é possível o reconhecimento de várias formas distintas de constituir uma família, destacamos aqui a união estável, entidade familiar de grande relevância que será abordado neste trabalho.
2.1 RECONHECIMENTO DA UNIÃO ESTÁVEL COMO ENTIDADE FAMILIAR
Por muito tempo, o que hoje chamamos de união estável, na verdade era denominado como concubinato (GONÇALVES, 2021), porém, com o reconhecimento legal dessa entidade familiar (união estável) como meio de constituir família, vários dos entendimentos já formulados pela doutrina e pelos tribunais tiveram que se adaptar conforme os casos concretos apresentados.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 consagrou expressamente a proteção da união estável em seu artigo 226, § 3º, dispondo que: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.” (BRASIL, [2021a], não paginado).
Já é de notório saber que as relações com orientações sexuais diferentes das relações heterossexuais devem ser protegidas de igual forma, com o fim de evitar discriminação que é vedado em nosso país. Com propriedade, a respeito desse tema, prelecionam Chaves e Rosenvald (2011, p.520),
Efetivamente, a união entre pessoas homossexuais poderá estar acobertada pelas mesmas características de uma entidade heterossexual, fundada, basicamente, no afeto e na solidariedade. Sem dúvida, não é a diversidade de sexos que garantirá a caracterização de um modelo familiar, pois a afetividade poderá estar presente mesmo nas relações homoafetivas.
Para identificar a existência de união estável em uma relação, é necessário verificar alguns requisitos que estão disciplinados, especificamente no artigo 1.723 do Código Civil, com a seguinte redação: “É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família.” (BRASIL, [2021b], não paginado).
Dividem-se os requisitos trazidos pela lei da união estável em objetivos, que seria a convivência duradoura, pública e contínua, e requisito subjetivo, que é a intenção de constituição de família. Este poderá ser o requisito mais complexo de comprovar, uma vez que, tal intenção de constituir família pode não está tão explicito, dificultando o reconhecimento da entidade familiar, e consequentemente, poderá ser direcionado a um mero relacionamento afetivo, como é o caso do namoro. (GONÇALVES, 2021).
Segundo Gonçalves (2021, p.243),
Não configuram união estável, com efeito, os encontros amorosos mesmo constantes, ainda que os parceiros mantenham relações sexuais, nem as viagens realizadas a dois ou o comparecimento juntos a festas, jantares, recepções etc., se não houver da parte de ambos o intuito de constituir uma família.
Alguns casais optam por formalizarem suas uniões estáveis firmando um contrato, entretanto, somente isto não é capaz de provar a existência da entidade familiar, sendo necessário também comprovar os requisitos mínimos. Vejamos o posicionamento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DESCONSTITUIÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. ANULAÇÃO DE REGISTRO PÚBLICO. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS CARACTERIZADORES DA UNIÃO ESTÁVEL. A escritura pública, embora dotada de fé pública, não acarreta presunção juris tantum da veracidade dos fatos declarados, apenas prova a formação das declarações das partes e não sua eficácia. Havendo prova concreta de que não existiu união estável entre a apelante e o de cujus, necessário se faz a anulação da escritura pública de união estável, com a consequente declaração de inexistência da mesma. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível, Nº 70060016508, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luís Dall'Agnol, Julgado em: 27-08-2014).
A união estável merece receber toda atenção necessária para impedir qualquer tipo de fraude que tenha como intuito se aproveitar da atual potencialidade da instituição. Os Tribunais nesta ótica exercem um papel importante, traçando caminhos que possam identificar o uso inadequado e ilegal para fins de vantagens patrimoniais, desvirtuando a real intenção da instituição.
2.2 DIFERENÇAS DO NAMORO SIMPLES, NAMORO QUALIFICADO E UNIÃO ESTÁVEL
Para melhor compreensão do trabalho, faz-se necessário diferenciar o namoro simples, namoro qualificado e união estável, trazendo as principais características que os distingui, conforme entendimento já consolidado.
O namoro simples é o mais fácil de ser diferenciado, devido ser a fase inicial de um relacionamento. Em nosso ordenamento inexiste o reconhecimento da natureza jurídica do namoro, sendo assim, tal “status social” não gera nenhuma repercussão jurídica em decorrência da sua constituição. (MANHÃES, 2021).
Observa-se como lecionou Oliveira (2011, p.256):
Dá-se então, o namoro, já agora um compromisso assumido entre homem e mulher que se entendem gostar um do outro. Pode ser paixão à primeira vista, embora nem sempre isso aconteça, pois o amor vai se consolidando aos poucos, com encontros e desencontros do casal embevecido. Do latim in amoré, o namoro sinaliza situação mais séria de relacionamento afetivo.
No namoro simples, embora já exista uma relação afetiva entre o casal, pode ser que não haja um tempo razoável e contínuo de duração, ou então não exista compromisso recíproco, bem como a ausência da demonstração pública do casal perante a sociedade.
O problema não está em identificar o namoro simples, mas sim em diferenciar o namoro qualificado e a união estável, em razão de existir uma linha tênue entre estes, dificultando determinar, por exemplo, quando o namoro qualificado termina para então ser configurado o começo da união estável.
Por este motivo, seja o receio de caírem na malha jurídica da união estável e seus respectivos efeitos, muitos casais brasileiros convencionaram celebrar, o denominado “contrato de namoro”, negócio jurídico firmado com o objetivo de afastar o regramento do Direito de Família. (GAGLIANO; PAMPLONA, 2021, p.157).
Já o namoro qualificado, como bem demonstrado acima, tem maior proximidade com a união estável, em decorrência de já encontrarem presentes alguns requisitos desta entidade familiar, como publicidade, continuidade e durabilidade. Em razão disso é denominado de namoro qualificado, pois tais requisitos se encontram mais marcantes e visíveis na relação amorosa.
O que o diferencia da união estável, é justamente por não haver objetivo de constituir família, ou pode ser que exista, porém, esse objetivo seja futuro, não podendo gerar consequências jurídicas, enquanto que na união estável, o objetivo de constituir família é atual, no presente, o que possibilita todos os efeitos legais do seu reconhecimento.
Vejamos o atual entendimento do Tribunal de Justiça do Amapá:
CIVIL E PROCESSO CIVIL - APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE RECONHECIMENTO E POSTERIOR DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL C/C PARTILHA DE BENS - AUSÊNCIA DE AFFECTIO MARITALIS - NAMORO QUALIFICADO. 1) Para que haja o reconhecimento da união estável entre as partes faz-se necessária a comprovação da existência de affectio maritalis, isto é, a vontade de constituir família, o que, in casu, não ocorreu, tratando-se apenas de mero namoro qualificado. 2) Diante da inexistência de união estável, não há que se falar em partilha de bens. 3) Apelo não provido. (APELAÇÃO. Processo Nº 0023284-49.2018.8.03.0001, Relator Desembargador GILBERTO PINHEIRO, CÂMARA ÚNICA, julgado em 11 de Março de 2021).
Sendo assim, fica demonstrada a importância de diferenciar esses tipos de relacionamentos abordados, para que posteriormente facilite o entendimento de quando há situação de união estável e quando há namoro simples ou qualificado, bem como a utilização adequada do contrato de namoro nestas circunstâncias.
2.3 RELAÇÕES AFETIVAS E A MODERNIDADE LÍQUIDA: DIREITO DE NÃO CONSTITUIR FAMÍLIA COMO NOVA REALIDADE A SER ABORDADA
Como já foi dito, a sociedade está em uma constante evolução, e isso acaba acarretando inúmeras modificações nas relações humanas, sejam elas de natureza social, cultural, dentre outras. Portanto, isso acaba gerando uma tarefa árdua ao direito que necessita acompanhar a atual realidade.
O novo modo de conviver como um membro social ganhou traços diferentes, trazendo consigo grandes mudanças comportamentais dos indivíduos. Cita-se para exemplificar as novas formas de relações interpessoais ou então no modo de portar-se nessa “moderna” coletividade. O grande sociólogo polonês Zygmunt Bauman, foi o responsável por desenvolver um novo modo de pensar acerca das relações pessoais que antes eram solidas e passaram a ser superficiais e temporários.
Assim acabou surgindo um novo conceito denominado de Modernidade Líquida, desenvolvido pelo escritor Bauman (2007, p.7),
A ‘vida líquida’ é uma forma de vida que tende a ser levada à frente numa sociedade líquido-moderna. ‘Líquido-moderna’ é uma sociedade em que as condições sob as quais agem seus membros mudam num tempo mais curto do que aquele necessário para a consolidação, em hábitos e rotinas, das formas de agir. A liquidez da vida e da sociedade se alimentam e se revigoram mutuamente. A vida líquida, assim como a sociedade líquido-moderna, não pode manter a forma ou permanecer em seu curso por muito tempo.
Na sociedade líquido-moderna, as pessoas precisam aprender a reinventarem-se diariamente, uma vez que nada costuma ser duradouro, as relações sociais passam a ficar enfraquecidas, os compromissos que eram rigorosos, se tornam revogáveis a qualquer momento, dentre muitas outras mudanças. Os relacionamentos amorosos também sofrem modificações, com uniões que podem ter um vínculo forte, intenso, porém extinguível a qualquer momento, resumindo, nada é feito para durar por muito tempo (BAUMAN, 2007).
Essa nova era da Modernidade Líquida trouxe uma cultura do imediatismo, em conjunto com o consumismo, onde não é mais possível esperar para que seus desejos sejam satisfeitos, onde consumir se torna algo praticamente obrigatório, e os desejos se tornam frustações rapidamente, originando um ciclo de consumo e descarte que se refletiu em várias outras esferas (BAUMAN, 2007).
Assim, podemos considerar o Amor Líquido um ramo dessa nova tendência social, onde os relacionamentos estão diante de constante fragilidade e flexibilidade, posto que, a satisfação instantânea vai em contradição de esforços demorados. De acordo com Bauman (2004, p.65): “Por essa razão, os compromissos duradouros são vistos na era líquida como focos de opressão, cujo engajamento contínuo produz uma situação de dependência degradante”.
Tal abordagem da teoria desenvolvida pelo sociólogo Zygmunt Bauman, é necessária para explicar o modo que vem se comportando atualmente os indivíduos em nossa sociedade, trazendo a ideia de “fragilidade dos laços humanos de hoje” (BAUMAN, 2004), como também de “homem sem vínculos” (BAUMAN, 2004).
Estamos vivendo em uma época em que sucessivamente conseguimos conquistar maior liberdade existencial, deixando para trás toda idealização que fora construída com rigidez, formalidades e limitações sociais, no qual hoje já não tem mais espaço para fazer parte da nossa realidade. É completamente admissível desfrutar de relações espontâneas que realizem os interesses almejados.
Pode-se apontar como exemplo, a forma que antigos casais se relacionavam em comparação com as relações amorosas atuais. Observa-se que os antigos relacionamentos, que eram caracterizados por serem mais rigorosos, onde o namoro era uma fase preparatória para um futuro casamento, vão dando espaço para formas totalmente distintas de se relacionar.
Nestes tempos modernos, as opções amorosas expandiram, surgindo até mesmo relacionamentos abertos:
Em um relacionamento aberto, não há sentido de exclusividade, e as duas pessoas concordam que podem se relacionar com outras pessoas sem isso ser considerado como uma traição ou infidelidade. Este tipo de relacionamento é visto como uma alternativa aos relacionamentos baseados na monogamia, o tipo de relacionamento mais comum atualmente. (SIGNIFICADOS, 2021).
Ainda trazendo os ensinamentos de Bauman (2004) na era do amor líquido, as pessoas acabam procurando se satisfizer ao máximo com seus parceiros, buscando o aproveitamento total da relação no presente, não pensando no futuro, para ter noção se realmente aquele relacionamento irá perdurar ao longo do tempo, enquanto que o hoje é vivido sem limites. Assim, as relações começam sem um projeto de vida pré-estabelecidos, com o fim de não ocorrer à limitação da liberdade individual.
Consequentemente, o ordenamento jurídico brasileiro precisa se adequar a essa nova realidade social, do qual chega ser um caminho oposto que estava sendo construída anteriormente, que buscava reconhecer os relacionamentos amorosos como caminhos para a constituição de possíveis famílias. Portanto, deve-se agora reconhecer também o direito de não querer formar uma família.
Claro que não devemos generalizar tais ações, sabe-se que sempre haverá aqueles que buscam em uma relação, como no namoro, uma fase de preparação com propósitos de constituir uma futura família, entretanto, é necessário abrir os olhos para as novas concepções que estão surgindo, visto que, “o direito é um organismo vivo”. (FEBBRAJO; LIMA, 2017).
3 DO CONTRATO DE NAMORO
Em decorrência da lei 9.278/96, que deixou de exigir o prazo mínimo de cinco anos para o reconhecimento das uniões estáveis, posteriormente, iniciou-se uma preocupação dos casais que se encontravam em algum relacionamento que ainda não configuraria como tal entidade familiar, exemplo do namoro, onde já é possível identificar alguns dos requisitos previstos no artigo 1.723 do Código Civil como convivência pública, contínua e duradoura (BRASIL, [2021b]).
Em virtude disso, como forma de afastar a união estável, alguns casais acabaram recorrendo para uma alternativa que pudesse resguardar e proteger suas relações que são desprovidas de interesse de constituir família. E foi diante dessa demanda que surgiu o instrumento contratual intitulado como contrato de namoro, gerando muitos questionamentos a seu respeito e dividindo opiniões pelos operadores do direito.
Acabou nascendo então, um novo tipo de contrato atípico (quando não são disciplinados expressamente pelo Código Civil) em que cada vez mais, era notável o crescimento pela busca e utilização na sociedade. E foi assim que se iniciou a questionar a validade e os efeitos gerados por este tipo de acordo que busca regular as relações entre pessoas.
Muito bem explana sobre o assunto Teixeira e Tepedino (2020, p.188),
Nos últimos anos, o crescente reconhecimento das uniões estáveis como entidades familiares suscitou o receio de que relacionamentos afetivos não inteiramente maduros, em linha limítrofe com a convivência familiar, pudessem ensejar comunicação patrimonial. Iniciou-se, com isso, a prática dos chamados “contratos de namoro”, pactos por meio dos quais casais de namorados passaram a estabelecer convencionalmente a ausência de comprometimento recíproco e a incomunicabilidade de seus respectivos patrimôios, em busca de segurança jurídica.
Aduz Maria Berenice Dias (2016, p. 432) que, a insegurança que permeia nessas relações de namoros, foi a razão para a realização de um contrato com a intenção de afastar o comprometimento de ambos, bem como também se livrar de uma comunicabilidade patrimonial, tanto do presente, quanto do futuro.
Dessa forma, é possível observar que em decorrência da dificuldade de dizer o momento correto que um namoro passa a ser caracterizado como união estável, surgiu à oportunidade para que os casais sem intenção de constituir família realizassem o contrato de namoro para não correrem o risco de terem seus relacionamentos reconhecidos como entidades familiares, bem como para buscar prevenir eventuais efeitos legais não desejados.
Ainda sobre a motivação da elaboração de tal contrato, Lôbo (2019, p.172) diz que:
Em virtude da dificuldade para identificação do trânsito da relação fática (namoro) para a relação jurídica (união estável), alguns profissionais da advocacia, instigados por seus constituintes, que desejam prevenir-se de consequências jurídicas, adotaram o que se tem denominado “contrato de namoro”.
Com isso, pode-se notar que o citado contrato de namoro já é uma realidade em nossa sociedade, importante ressaltar que chegam a ser uma ferramenta jurídica indicada por alguns advogados, e que sua confecção pode ser realizada nos próprios Tabelionatos de Notas, pois não há impedimentos legais para a lavratura deste acordo.
Assim, é necessário analisar a validade do negócio jurídico em questão, também o principal objetivo deste, e se esse instrumento vai gerar serventia, sendo capaz de provar a existência de um mero namoro ao invés de ser reconhecida uma possível união estável, tal como seus efeitos.
3.1 DIVERGÊNCIA DOUTRINÁRIA
Consoante a visível divergência doutrinaria a respeito do tema explanado, ratifica-se a necessidade da realização de um estudo mais amplo, explorando de forma mais específica os entendimentos já construídos e suas fundamentações. Portanto, para melhor compreensão do estudo, serão divididas e abordadas as correntes que acreditam na nulidade do contrato, e de outro lado àqueles que defendem a validade bem como a eficácia relativa do acordo.
Como já mencionado, não existe um entendimento unânime quanto ao devido acordo, muitos doutrinadores acreditam na nulidade desse contrato, vejamos o posicionamento de Venoza (2021, p.407),
Propendo, portanto, pela corrente que entende que esses contratos de namoro são nulos (art. 166, VI do Código Civil). Sua finalidade, na massiva maioria das vezes, é proteger o partícipe que possui patrimônio em detrimento daquele que não o tem, com nítida ofensa aos princípios da dignidade humana e do direito de família. Assim sendo, um contrato desse jaez não poderá nunca impedir o reconhecimento da união estável, assim como uma declaração de união estável poderá levar a uma conclusão de sua inexistência.
Teixeira e Tepetino (2020) consideram que esse negócio jurídico não tem utilidade, pois a autonomia negocial do acordo, não teria condão de negar futura configuração de união estável, poderia apenas afirmar a situação patrimonial no momento da pactuação.
Em consonância com essa ideia da falta de validade do contrato em estudo, Flávio Tartuce (2020, p.3), nos relata que: “Assim, mesmo não havendo proibição para a lavratura de contratos de namoro pelos Tabelionatos nos Estados, a minha posição doutrinária é pela sua nulidade absoluta, diante do claro intuito de fraude presente em tais atos (...).”
No entendimento de Rolf Madaleno (2021, p.1260) em relação aos efeitos gerados pelo contrato de namoro em frente a união estável, relatou que:
[...] seus efeitos não decorrem do contrato e sim do comportamento socioafetivo que o casal desenvolver, pois, se com o tempo eles alcançaram no cotidiano a sua mútua satisfação, como se fossem um casal e não mais apenas namorados, expondo sua relação com as características do artigo 1.723 do Código Civil, então de nada serviu o contrato preventivo de namoro e que nada blinda se a relação se transmudou em uma inevitável união estável.
Por outro lado, temos quem defenda a legalidade desse negócio jurídico, dado que, inexiste qualquer violação na elaboração do contrato de namoro em nossa legislação pátria, isto é, não se caracteriza qualquer ilegalidade na realização desse acordo, seja de natureza constitucional ou infraconstitucional.
Um grande defensor dessa corrente é o doutrinador Zeno Veloso (2016, não paginado) que muito bem discorre do contrato de namoro:
É uma declaração bilateral em que pessoas maiores, capazes, de boa-fé, com liberdade, sem pressões, coações ou induzimento, confessam que estão envolvidas num relacionamento amoroso, que se esgota nisso mesmo, sem nenhuma intenção de constituir família, sem o objetivo de estabelecer uma comunhão de vida, sem a finalidade de criar uma entidade familiar, e esse namoro, por si só, não tem qualquer efeito de ordem patrimonial, ou conteúdo econômico.
Esclarece ainda, Zeno Veloso (2016, não paginado) que a busca pela elaboração do contrato de namoro não tem como finalidade de "mercantilizar o envolvimento" ou então "monetizar o afeto", como alegam alguns doutrinadores, e sim para definir de forma clara e especificada, que o relacionamento amoroso existente é apenas um simples namoro.
De fato, complementando ainda o entendimento arquitetado por Veloso (2016, não paginado) o contrato de namoro também tem a intenção importantíssima de: “Prevenir e evitar a alegação da existência de efeitos materiais que podem ser de grande monta, de altíssimo valor”.
Já referente à argumentação da doutrina que afirma que o negócio jurídico em estudo tem como foco principal burlar a lei, faz-se necessário expor as acertadas palavras de Xavier (2015, p. 85): “Alegam estes autores que o contrato de namoro seria uma figura inócua por ser eivada de nulidade. Isso porque, conforme o artigo 166, inciso VI do Código Civil, o negócio jurídico em apreço teria por objeto fraudar lei imperativa.”
Entretanto, não existiria motivo cabível para imputar previamente a vontade dos contratantes em fraudar a lei. É crucial o respeito ao princípio da presunção da inocência no direito brasileiro. Sendo assim, deveria ser uma faculdade do casal a regulamentação de sua vida íntima, sem que sejam imputados de estarem agindo fraudulosamente, apenas pelo fato de concordarem em regular suas relações pessoais (XAVIER, 2015).
Dessa maneira se posicionou GONÇALVES (2021, p.254),
O denominado “contrato de namoro” tem, todavia, eficácia relativa, pois a união estável é, como já enfatizado, um fato jurídico, um fato da vida, uma situação fática, com reflexos jurídicos, mas que decorrem da convivência humana. Se as aparências e a notoriedade do relacionamento público caracterizarem uma união estável, de nada valerá contrato dessa espécie que estabeleça o contrário e que busque neutralizar a incidência de normas cogentes, de ordem pública, inafastáveis pela simples vontade das partes.
Seguindo a mesmo raciocínio do doutrinador acima, Tânia Nigri (2020) lembra que, efetuado contrato de namoro, este poderá colaborar como meio de prova quando levado para apreciação no Judiciário, por exemplo, situação em que seu ex-namorado(a) busca na justiça o reconhecimento da união estável e seus efeitos jurídicos, não aceitando o namoro como de fato era, todavia, não significa que esse documento lhe garantirá uma decisão judicial reconhecendo que o vínculo era apenas um namoro, já que sempre preponderará, no Poder Judiciário, a realidade.
Nesta perspectiva, podemos afirmar que um ponto em comum defendido por toda a doutrina é que, a realidade dos fatos sempre irá prevalecer em frente ao que foi pactuado pelas partes, ou seja, não adianta nada um documento formalizando e declarando que existe apenas um namoro, mas que na realidade se trata de uma relação onde os requisitos da união estável já estão presentes, isso seria uma fraude, e desvirtua totalmente a real intenção do contrato de namoro.
3.2 PRINCÍPIOS DA FUNÇÃO SOCIAL E DA BOA-FÉ DOS CONTRATOS
Embora nosso ordenamento jurídico assegure a liberdade de contratar, esse direito não é absoluto, posto que o artigo 421 do Código Civil salienta que: “A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato” (BRASIL, [2021b], não paginado). Determinada função social do contrato trata-se de cláusula geral implícita que tem o dever de limitar os acordos de vontade das partes.
Assim como também sempre deverá prevalecer nós contratos os princípios da probidade e boa-fé conforme artigo 422 do Código Civil: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.” (BRASIL, [2021b], não paginado). Tais princípios tem o papel essencial de orientar e controlar as relações contratuais.
A respeito da função social do contrato e sua importância no ordenamento jurídico como princípio, dispõe Gagliano e Pamplona Filho (2019, p.95),
O contrato, portanto, para poder ser chancelado pelo Poder Judiciário deve respeitar regras formais de validade jurídica, mas, sobretudo, normas superiores de cunho moral e social, que, por serem valoradas pelo ordenamento como inestimáveis, são de inegável exigibilidade jurídica.
Assim sendo, a liberdade contratual no ordenamento jurídico brasileiro não é um direito absoluto, visto que, caso contrário, as pessoas teriam plena liberdade para dispor sobre qualquer coisa ou assunto, o que não é possível, isso porque os interesses dos contratantes não podem sobrepor os interesses sociais, deve-se sempre observar se o acordo vai gerar efeitos prejudiciais à coletividade social.
De acordo com Coelho (2012), considerando as leis em vigor que tratam sobre as relações contratuais, é perceptível que a função social dos contratos trata-se de uma cláusula geral, ou seja, serve para impedir que apenas os interesses individuais dos contratantes sejam respeitados. Isso irá garantir que os contratos não sejam utilizados de forma a prejudicar quaisquer interesses públicos, coletivos ou difusos.
Trazendo novamente os entendimentos de Gagliano e Pamplona Filho (2019, p.95), orientam que:
Com isso, queremos dizer que o fenômeno da socialização do contrato (função social) e o reconhecimento da boa-fé objetiva são mais do que simples parâmetros interpretativos, traduzindo, sobretudo, normas jurídicas (princípios) de conteúdo indeterminado e natureza cogente, que devem ser observadas pelas partes no contrato que celebrarem.
Já a respeito da probidade e a boa-fé dos contratos Rizzardo (2021, p.33) nós ensina que:
A segurança das relações jurídicas depende, em grande parte, da probidade e da boa fé, isto é, da lealdade, da confiança recíproca, da justiça, da equivalência das prestações e contraprestações, da coerência e clarividência dos direitos e deveres. Impende que haja entre os contratantes um mínimo necessário de credibilidade, sem o qual os negócios não encontrariam ambiente propício para se efetivarem.
Conforme doutrinador Venosa (2021, p.38): “princípio da boa-fé se estampa pelo dever das partes de agir de forma correta, eticamente aceita, antes, durante e depois do contrato, isso porque, mesmo após o cumprimento de um contrato, podem sobrar-lhes efeitos residuais.”
Outro principio que vigora nas relações contratuais é a autonomia das vontades. Embora a liberdade de contratar não seja absoluta, esse principio deve ser exercido sempre que não houver algum impedimento plausível.
Segundo Venosa (2021), a liberdade de contratar pode ser vista sob dois aspectos diferentes. Primeiro deles é da liberdade de contratar ou não, uma vez que ninguém pode ser obrigado a firmar um acordo, bem como também a liberdade para estabelecer o conteúdo do contrato, ou então escolher a modalidade do contrato. Em segundo plano, possibilita a utilização dos modelos contratuais constantes no ordenamento jurídico (contratos típicos), ou criem uma modalidade de contrato de acordo com suas necessidades (contratos atípicos).
Em respeito ao princípio da autonomia privada, não há que se falar em invalidade do atípico contrato de namoro, se a realidade fática for de namoro, pois estes acordos podem ser firmados respeitando todos os limites legais, principalmente resguardando os artigos 421 e 422 do Código Civil que cita os princípios da função social, probidade e boa-fé contratual.
3.3 CONTRATO DE NAMORO, UMA SOLUÇÃO PARA OS CASAIS NA PANDEMIA
Com a chegada do novo coronavírus no Brasil, houve a necessidade da população se adaptar a uma nova realidade, a pandemia trouxe consigo uma nova forma de viver, trabalhar, estudar, etc. Logo, com a precisão de manter o isolamento social ou até mesmo para diminuir gastos, alguns casais de namorados submeteram-se a conviverem juntos neste período que mudou a rotina de inúmeras pessoas.
É deste ponto que surge uma nova discussão, como fazer para que a convivência compartilhada não venha ocasionar futuras consequências jurídicas? Melhor dizendo, qual a maneira de se resguardar de uma possível discussão no judiciário que busque na habitação compartilhada do casal reconhecer direitos como da união estável?
Observa-se que o meio mais adequado para devida situação, foi a formalização do contrato de namoro, do qual uma parcela dos casais que estavam nesta situação optou por realizar, buscando através deste acordo um máximo de resguardo possível. Podemos reparar que conforme dados divulgados pelo Colégio Notarial do Brasil - Seção São Paulo (2020), foi possível constatar esse aumento na demanda pelo contrato:
A modalidade cresceu 54% no Brasil, de acordo com dados do Colégio Notarial do Brasil – seção São Paulo, entidade responsável pelos tabeliães de notas e de protestos em cada Estado. Desde 2016, o Brasil já registrou cerca de 40 contratos de namoro, ainda segundo a entidade Notarial. Este número pode ser ainda maior, devido a muitos casos não serem públicos.
Já quanto à coabitação de duas pessoas que namoram e passam a conviver juntos em um mesmo lar, é importante frisar que o simples fato dessa moradia ser compartilhada entre o casal, não é o suficiente para a relação existente ser caracterizada como uma entidade familiar.
Vejamos o prestigiado entendimento que o Superior Tribunal de Justiça firmou sobre o respectivo tema:
O propósito de constituir família, alçado pela lei de regência como requisito essencial à constituição da união estável – a distinguir, inclusive, esta entidade familiar do denominado ‘namoro qualificado’ –, não consubstancia mera proclamação, para o futuro, da intenção de constituir uma família. É mais abrangente. Esta deve se afigurar presente durante toda a convivência, a partir do efetivo compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros. É dizer: a família deve, de fato, restar constituída. Tampouco a coabitação, por si, evidencia a constituição de uma união estável (ainda que possa vir a constituir, no mais das vezes, um relevante indício), especialmente se considerada a particularidade dos autos, em que as partes, por contingências e interesses particulares (ele, a trabalho; ela, pelo estudo) foram, em momentos distintos, para o exterior, e, como namorados que eram, não hesitaram em residir conjuntamente. Este comportamento, é certo, revela-se absolutamente usual nos tempos atuais, impondo-se ao Direito, longe das críticas e dos estigmas, adequar-se à realidade social” (STJ, REsp 1.454.643/RJ, 3.ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 03.03.2015, DJe 10.03.2015)
Portanto, seguindo a inteligência da jurisprudência acima citada, constata-se que a convivência provisória temporária dos casais que estão na fase de namoro em seus relacionamentos, independentemente de ser durante o período de pandemia ou em qualquer outro tempo, não poderá ser unicamente utilizada como motivo para o reconhecimento de uma união estável.
Deve-se observar um conjunto de requisitos antes, e não só meramente caracterizar uma entidade familiar considerando a circunstância de existir uma moradia compartilhada. Para Lôbo (2019, p.172), “[...] Com o compartilhamento consequente da moradia, podem já ter migrado da relação de namoro para a união estável. Cabe verificar se há convivência afetiva duradoura, pública e contínua como se casados ou companheiros fossem”.
Ou seja, sempre haverá necessidade de comprovar os requisitos, lembrando que existem casais que não coabitam no mesmo local, mas que formam uma entidade familiar, em contrapartida morar junto não é um sinônimo de constituição de família, ainda mais em época de pandemia, onde existem fortes fatores que colaboram para essa prática. Novamente, o contrato de namoro contribuirá para evitar possíveis batalhas judiciais, uma vez que deixara claro e bem delineado que a convivência compartilhada não passa de mero relacionamento afetivo.
3.4 DA VALIDADE E EFICÁCIA DO CONTRATO DE NAMORO
É imprescindível averiguar efetivamente, a existência ou não da possibilidade de realizar o contrato de namoro, da mesma maneira que em caso de já convencionado o acordo, apurar se de fato estão sendo respeitos todas as determinações da nossa legislação brasileira.
No que se refere à validade do negócio jurídico em apreço, para que seja possível constatar a sua legitimidade, melhor dizendo, para que o contrato de namoro seja considerado válido, devemos apreciá-lo à luz do artigo 104 do Código Civil verificando se há: agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prevista ou não vedada em lei. (BRASIL, [2021b]).
Quanto aos requisitos previstos no artigo 104 do Código Civil, o que mais é alegado pela doutrina que acredita na invalidade do contrato de namoro, seria a falta de objeto lícito do mesmo.
Isso porque para os defensores dessa corrente, o referido acordo não teria validade jurídica em razão da falta de possibilidade jurídica do seu objeto. Pois a união estável é um fato da vida, uma situação fática que detém proteção constitucional, sendo regulada por ordens cogentes, de ordem pública, bastando que o casal se porte como se casados fossem, e com indícios de definitividade para ser reconhecida (GAGLIANO; PAMPLONA, 2021).
Entretanto, há de se lembrar de que o objeto principal do contrato de namoro não é a união estável como pensam muitos doutrinadores, muito menos desqualificar tal entidade familiar, o principal propósito desse pacto é apenas para relatar que aquele casal não tem intenção nenhuma de constituir família no momento, bem como consequentemente se livrar de qualquer repercussão jurídica, visto que o namoro é apenas um “status social”.
Embora o contrato de namoro venha ganhando maior propagação na sociedade, ele ainda é um assunto novo em discursões no judiciário, com poucas decisões sobre seu tema. Igualmente a doutrina, os tribunais não conseguiram chegar a um consenso unânime.
A 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu sobre o tema expondo que:
Em especial, o contrato de namoro firmado pelas partes (fls. 41/43), que foi celebrado dentro dos ditames do artigo 104, do Código Civil, inexistindo patente vício de vontade que poderia ensejar, de plano, o reconhecimento de eventual nulidade. De tal sorte, é válido (TJSP. Apelação Cívil n°1000884-65.2016.8.26.0288 9ª Câmara de Direito Privado, Relator Rogério Murillo Pereira Cimino, julgado em 25/06/2020).
Ou seja, não havendo vícios e nem provas que comprovem a infidelidade do que foi acordado, não existem motivos pertinentes para o não reconhecimento do acordo, muito menos para não reconhecer como lícito o objeto do contrato de namoro. Para Manhães (2021, não paginado), entendeu que: “Assumem como verdade tácita que a intenção de todos que estipulam esse contrato é fraudar a lei, mas tal presunção não pode ser tida como realidade absoluta, afinal a boa-fé sempre será presumida, enquanto a má fé deverá ser provada”.
Ademais, a existência de fraude em nosso ordenamento jurídico não é uma novidade que o contrato de namoro trouxe, muitos antes disso já havia inúmeros acordos sendo estipulados com intuitos fraudulentos, forjados e simulados. Ora, se previamente rotula-se ao contrato de namoro que será utilizado para fins ilícitos, todos os demais contratos deveriam ser tidos como nulos, o que está realmente acontecendo é visível afronta ao princípio da boa-fé. (MANHÃES, 2021).
Já no que se refere à eficácia do contrato de namoro, é um ponto muito importante que precisa ser abordado de forma a entender como irá ocorrer por certo os efeitos desse acordo nos casos concretos, em quais hipóteses poderá ser realmente cabível, dentre outros importantes aspectos.
Conforme fora já debatido, o contrato não tem potencial absoluto de ser considerado eficaz, uma vez que, caso as partes optem por realizarem tal documento, isso não inválida que possa ser levado à apreciação o reconhecimento de possível união estável.
Todavia, se o casal realmente não convivia como uma família, ou talvez essa intenção de constituir um relacionamento mais serio seja apenas futuro, o acordo celebrado será avaliado de forma positiva, o que não pode acontecer é relatar no contrato um mero namoro, sendo que na verdade já existia uma união estável, neste caso, o que foi pactuado não terá qualquer validade, e por fim, nenhuma eficácia.
Nas palavras de Lôbo (2019) a união estável é uma relação jurídica da qual se caracteriza como um ato-fato jurídico, isso significado dizer que presentes os requisitos dispostos na lei, será o suficiente para aquela relação ser reconhecida legalmente como uma entidade familiar, independentemente da vontade das pessoas envolvidas, razão pela qual o contrato discutido tem eficácia limitada, servindo como elemento de prova, que, no entanto, pode ser contraditado por outras provas.
De tal forma, não é juridicamente correto falar que o contrato vai descaracterizar a união estável, pois uma vez caracterizada, um acordo firmado entre as partes não tem potencial de modificar essa realidade. Sendo assim, ao invés de descaracterizar tal união estável, na verdade, o contrato de namoro tem o papel de declarar à única e exclusiva intenção de não constituir família, como também que a relação não passa de um simples namoro.
Conforme muito bem explica Zeno Veloso (2016, não paginado):
As partes declaram, expressa e inequivocamente, sem conotação de fraude, intuito dissimulatório ou ilicitude, observados os princípios de probidade e boa-fé, e sem violar normas imperativas, a ordem pública e os bons costumes, a inexistência de uma relação jurídica. Em que lei há uma proibição de que isso seja feito? E se não há proibição, em nome do liberalismo, da autonomia privada, da democracia, vigora o secular princípio: permittitur quod non prohibetur = tudo o que não é proibido é permitido.
É essencial ressaltar também que as pessoas que desejam firma tal acordo, sempre que possível, procurarem orientação adequada para realização do mesmo, a fim de que possa refletir os efeitos esperados, bem como para estipular todas as cláusulas necessárias, como exemplo, uma data de renovação do contrato (caso ainda estiverem namorando na data estipulada) para facilitar como meio de prova caso levado à apreciação no judiciário.
Finalizando, para Poffo (2010, não paginado),
Deve-se permitir que estas pessoas, que pretendem namorar sem criar direitos e deveres entre si, possam se relacionar sem o receio de serem lesadas quando tiver fim a relação afetiva. Caso contrário, as relações não serão mais amorosas, mas sim negociais, de modo que antes de iniciaram qualquer aproximação, os pares deverão celebrar contrato de namoro para resguardarem seu patrimônio.
Destarte, ficou demonstrado à importância de aprofundar um pouco mais a respeito da existência, validade e eficácia dos contratos de namoro. Desta forma, é possível observar que o instrumento em estudo se destina a declarar que o casal não está se relacionando com desejo de constituir uma entidade familiar. Trata-se de um documento decorrente de uma decisão de duas pessoas, desimpedidas e conscientes, exercendo seus direitos de liberdade, apenas para constar que na relação amorosa está sendo resguardado por um negócio jurídico válido.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Assim, verificou-se que o instituto da família passou por muitas transformações ao longo dos anos, trazendo novos conceitos e novas formas de constituição. Notoriamente, a principal mudança ocorrida foi a nova forma de olhar para seu núcleo familiar, passando de entidades rígidas e dando prioridade aos novos laços de afeto que buscam garantir ampla felicidade de seus membros.
O reconhecimento e proteção da união estável em nosso ordenamento jurídico brasileiro é um exemplo de toda a evolução que a sociedade percorreu até chegar aos dias atuais. Dessa forma, estabeleceu que não é necessariamente obrigatório que haja uma formalização, como o casamento, para ser caracterizada uma entidade familiar.
Todavia, existem requisitos legais definidos para que se possa certificar que aquela relação em concreto realmente se trata de uma família, pois, uma vez identificada, resultará em diversos efeitos jurídicos, que estão regularizados extensivamente em nossa legislação vigente.
Com todo esse progresso social enfrentada pela nossa coletividade, não foi só apenas a forma de constituir família que evoluiu com o passar do tempo, mais também a forma de se relacionar efetivamente com alguém. O amor líquido é uma teoria que busca explicar essa evolução, do qual os indivíduos começaram ceder maior espaço para as relações desprovidas de toda rigidez e formalidade, que eram antes quase sempre presentes.
É nesta perspectiva que se enquadra o contrato de namoro, pois este tem o condão de fazer com que seus pactuantes possam desfrutar de uma relação com seu companheiro, sem que haja riscos de serem surpreendidos com qualquer tipo de tentativa que porventura tragam algum tipo de responsabilidade, o que torna este acordo um instrumento perfeitamente necessário para a presente geração.
Isto posto, o namoro, sendo um relacionamento sem qualquer tipo de reconhecimento e repercussão jurídica, passou ser uma preocupação para os casais, pois, embora não sejam uma entidade familiar, existem requisitos que já podem ser observados como no caso do namoro qualificado, elevando os ricos de serem confundidos com uma união estável.
Com receio de terem suas relações que não tinham nenhuma intenção de constituir família em uma entidade familiar, casais de namorados começaram pactuar os denominados contratos de namoros, e com isso, começou-se a questionar a validade de tais acordos, dividindo opiniões ao seu respeito.
O contrato de namoro é um documento crucial para diferenciar a existência de namoro e a constituição de família chamada de união estável, isso porque grande parte dos casais que firmam esse devido acordo já está compartilhando a mesma moradia, algo totalmente aceitável no atual momento que enfrentamos uma pandemia, tanto para fins de isolamento social quanto na diminuição de gastos.
Assim sendo, os casais de comum acordo, podem procurar um Tabelionato de Notas para firmar o contrato de namoro, considerando que não existe nenhum impedimento legal para a lavratura deste negócio jurídico, ficando estabelecido que naquela relação não há nada além de que um mero namoro, que por consequência não produz nenhum efeito jurídico, pois se trata de apenas um fato social.
Quanto à validade do contrato de namoro, é perfeitamente possível realizá-lo em conformidade com nosso ordenamento jurídico, em especial respeitando todas as determinações do artigo 104 do Código Civil, uma vez que o objeto do acordo é declarar a existência de um namoro e conferir ao casal o status de namorados.
Entretanto, embora exista um contrato de namoro formulado entre o casal estipulando um vínculo afetivo caracterizado como um mero namoro, este acordo pode não produzir seus efeitos desejados, uma vez que, a união estável é um instituto protegido por lei, por isso é importante lembrar que tal acordo deve ser sempre produzido conforme realidade fática do casal.
Portanto, a declaração de namoro é ato lícito, totalmente válido perante nossa legislação, não violando direitos, devendo ser realizado respeitando os princípios da função social e a boa-fé presentes no direito contratual. À vista disso, sua eficácia será relativa, pois caso não seja firmada declarando de fato a realidade vivida pelos pactuantes, não terá condão algum de produzir os efeitos almejados.
É importante ressaltar que, o contrato não tem potencial para descaracterizar a união estável, tal negócio jurídico busca declarar à existência de um mero namoro, logo, caracterizada a união estável, não há nada que possa ser feito a respeito, pois nesta hipótese não existe qualquer acordo que possa modificar a situação fática existente.
O contrato de namoro poderá ser sim ser eficaz para provar a inexistência de uma união estável, bem como ser utilizado como meio de prova no judiciário, desde que observadas às formalidades e princípios do direito contratual. Deste modo, este instrumento que também será utilizado para proteger o patrimônio individual dos contratantes, vai facilitar na hipótese de um possível término na relação, pois questões de pensão, como também de herança e partilha de bens serão resolvidas facilmente, desde que apresentado o documento acordado.
O referido contrato tem se mostrado cada vez mais relevante em nosso meio social, isso porque foi a forma mais adequada de documentar expressamente a inexistência atual ou futura da intenção de constituir família, requisito crucial para configurar união estável, sendo assim, é visto como importante meio de prova quando levados para apreciação no judiciário, bem como forma de prevenção de possíveis consequências jurídicas a exemplo da comunicabilidade patrimonial.
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[1] Mestra. Professora da Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins (FCJP). E-mail: [email protected]
Graduando do curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins (FCJP).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, EDEGAR ARTHUR HAGESTEDT. Contrato de namoro: Uma análise da sua (in)eficácia como meio de afastar o instituto da união estável Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 nov 2021, 04:17. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57478/contrato-de-namoro-uma-anlise-da-sua-in-eficcia-como-meio-de-afastar-o-instituto-da-unio-estvel. Acesso em: 23 dez 2024.
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