RESUMO: Este trabalho foi desenvolvido a partir dos questionamentos sobre a garantia dos direitos do cônjuge sobrevivente em relação aos demais herdeiros, no caso de casamento em regime de separação total de bens quando ocorrer de um dos cônjuges vir a óbito. Buscando respostas no Código Civil, que através do art. 1.829, assegura ao cônjuge sobrevivente o direito de concorrer com os herdeiros ascendentes e descendentes do autor da herança quando casados no regime da separação total de bens. O direito da sucessão do cônjuge sobrevivente, nos casos de casamentos sob regime de separação total de bens é uma constante preocupação do ramo das sucessões, uma vez que restam dúvidas sobre como amparar ou garantir os direitos do cônjuge que continua vivo em relação aos herdeiros da pessoa que foi a óbito, evitando uma grande injustiça social. Com essa pesquisa, pretende-se mergulhar em estudos que possam corroborar com o ramo das sucessões legítimas e que sirvam de subsídios a novos trabalhos acadêmicos a respeito do tema. Além disso, espera-se influenciar nas reparações de possíveis injustiças aos cônjuges sobreviventes que possam ter perdido o direito à herança que, no mínimo, teria o direito de concorrer com os herdeiros.
PALAVRAS-CHAVE: Sucessão. Separação de Bens. Herança.
ABSTRACT: This work was developed from questions about the guarantee of the surviving spouse's rights in relation to the other heirs, in the case of marriage under a regime of total separation of property when one of the spouses dies. Seeking answers in the Civil Code, which through art. 1,829, ensures the surviving spouse the right to compete with the ascendant and descendent heirs of the author of the inheritance when married under the conventional separation of property regime. The right of succession of the surviving spouse, in cases of marriages under a regime of total separation of property, is a constant concern of the succession branch, since there are doubts about how to support or guarantee the rights of the spouse who remains alive in relation to the heirs of the person who died, avoiding a great social injustice. With this research, it is intended to delve into studies that can corroborate the field of legitimate successions and that serve as subsidies for new academic works on the subject. In addition, it is expected to influence the reparations of possible injustices to surviving spouses who may have lost the right to inheritance, which, at the very least, would have the right to compete with the heirs.
KEYWORDS: Succession. Separation of Goods. Heritage.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Do casamento. 3. O Regime de bens. 4. Regime de separação de bens. 4.1 As garantias dos direitos das sucessões do cônjuge sobrevivente quando casado no regime da separação de bens. 4.2 Das sucessões legítimas. 4.3 Da ordem da vocação hereditária. 4.4 Vocação concorrente do cônjuge com os descentes e direito real de habitação. 4.5 A reserva da quarta parte da herança em favor do cônjuge sobrevivente na concorrência com os descendentes. 4.6 Sucessão do cônjuge sobrevivente. 4.7 A partilha de bens e o reflexo do regime de bens. 4.8 Entendimento do STJ, descarta a hipótese de o cônjuge sobrevivente casado com separação de bens ser herdeiro necessário. 5. Conclusão. 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho aborda o problema gerado pelo casamento em regime de separação total de bens, em caso de óbito de um dos cônjuges, e se existe garantia dos direitos do cônjuge sobrevivente em relação aos demais herdeiros.
E apresenta a hipótese trazida pelo Código Civil, através do art. 1.829, assegura ao cônjuge sobrevivente o direito de concorrer com os herdeiros ascendentes e descendentes do autor da herança quando casados no regime da separação total de bens.
Foi estabelecido como objetivo geral: Analisar o regime de casamento da separação total de bens e como tratar a sucessão de bens para o cônjuge sobrevivente. Além disso, adotaram-se os seguintes objetivos específicos: demonstrar como ocorre a sucessão legítima de bens; verificar quando ocorre a vocação concorrente do cônjuge com os descentes e direito real de habitação; explicar como ocorre a sucessão do cônjuge sobrevivente.
O direito de sucessão do cônjuge sobrevivente, nos casos de casamentos sob regime de separação total de bens é uma constante preocupação do ramo das sucessões, uma vez que restam dúvidas sobre como amparar ou garantir os direitos do cônjuge que continua vivo em relação aos herdeiros da pessoa que foi a óbito, evitando uma grande injustiça social.
Com essa pesquisa, pretende-se mergulhar em estudos que possam corroborar com o ramo de sucessões legítimas e que sirvam de subsídios a novos trabalhos acadêmicos a respeito do tema.
Além disso, espera-se influenciar nas reparações de possíveis injustiças aos cônjuges sobreviventes que possam ter perdido o direito à herança que, no mínimo, teria o direito de concorrer com os herdeiros.
Tartuce (2019, p.1076), conceitua casamento como a união de duas pessoas, reconhecida e regulamentada pelo Estado, formada com o objetivo de constituição de uma família e baseado em um vínculo de afeto.
Segundo Cassettari (2020, p. 591), casamento é a união de pessoas de sexos distintos ou do mesmo sexo (casamento homoafetivo) reconhecida e regulamentada pelo Estado, constituída com o objetivo de criação de uma família e baseada em um vínculo de afeto.
A concepção família é muito antiga e vem ultrapassando gerações através dos séculos. Óbvio que a família tem passado por transformações sociais inerentes a cada época, por isso as leis que preveem os direitos da família, também passa por reformas adequações. Assim, é necessário abrir um parágrafo para entender o que vem a ser família, na conceituação de alguns estudiosos a saber:
1- é uma instituição social, composta por mais de uma pessoa física, que se irmanam no propósito de desenvolver, entre si, a solidariedade nos planos assistencial e da convivência ou simplesmente descendem uma da outra ou de um tronco comum (NADER, 2014, p. 3)
2- A família contemporânea pode ser conceituada como um conjunto, formado por um ou mais indivíduos, ligados por laços biológicos ou sociopsicológicos, em geral morando sob o mesmo teto, e mantendo ou não a mesma residência (família nuclear). Pode ser formada por duas pessoas, casadas ou em união livre de sexo diverso ou não com ou sem filho ou filhos; um dos pais com um ou mais filhos (família monoparental); uma só pessoa morando só, solteira, viúva, separada ou divorciada ou mesmo casada e com residência diversa daquela de seu cônjuge (família unipessoal); pessoas ligadas pela relação de parentesco ou afinidade. [GLANZ, 2005, p.30)
A concepção família se redesenha em função dos avanços sociais em concordância com o momento histórico de cada época. Isso fica claro que se for feita uma análise entre o modelo antigo de família patriarcal e a família contemporânea, que vêm ao longo dos tempos se readequando, tirando de foco o poder masculino sobre a mulher e os filhos, dando passagem a uma nova cultura onde prevalecem os interesses de família, sejam eles sociais, afetivos ou econômicos.
No modelo antigo de família, os filhos eram preparados para sustentar os pais na velhice, por isso a preferência por homens. Atualmente esse hábito perde o papel com o advento da aposentadoria trazida pela previdência. Esse fator foi muito importante e “decisivo a progressiva independência econômica, social e jurídica feminina, bem como a redução da quantidade média de filhos das entidades familiares”, segundo Lobo (2008, p. 3).
A partir da Constituição Federal de 1988, houve o reconhecimento de união estável e da família monoparental através do arts. 226, § 3º e 4º, tirando do casamento o monopólio da formação da família. Além disso, com o princípio da dignidade humana (art. 1º, III, da CF), torna como único requisito básico para formar família “o afeto”, derrubando aquele compromisso de se fazer casamento por interesses comuns, e deixa de ser jurídico, passando a ser fatídico.
Diante da nova visão de casamento a família deverá ser reconhecida como todo e qualquer grupo no qual os seus membros enxergam uns aos outros como seu familiar.
Segundo Lôbo (2005, p.134-5), “a dignidade é o maior valor do ser humano”, mas chama a atenção para a importância da construção da personalidade, através da afetividade, pois esse conjunto de elementos é que compõe a dignidade de um indivíduo. Nessa construção o papel da família é fundamental, pois é nela que se aplica vários níveis de relações como as patrimoniais, as afetivas, as dos direitos e deveres e as de exercício de papéis, todos buscando um só objetivo a intimidade da família e a afetividade.
Essas mudanças que estão ocorrendo nas nossas formas de organização – família, escola, empresa, amizade – implicam em modificações em nossos anseios e quanto ao exercício de papéis. Há uma maior complexidade nas relações humanas em geral e na emergência dos conflitos. Os impasses, que eram resolvidos de modo tradicional na esfera mais rígida das organizações ou mesmo levados ao Judiciário, necessitam de outra forma de tratamento que considere inclusive seu potencial transformador. (LÔBO, 2005, p. 139)
Para Lôbo (2005, p. 145-146), “o regime de bens entre cônjuges inaugura o direito patrimonial de família e trata o casamento como o consórcio de toda a vida, a comunicação do direito divino e humano”, cuja natureza está baseada em duas teses principais que são: a que sustenta ser ele uma instituição e a que caracteriza como contrato. Diversos legistas abordam esse tema usando outras formas de tratamento, porém todas convergem para esse pensamento, que vem explicitado da seguinte forma:
Quanto à natureza jurídica do casamento, há duas teses principais: a que sustenta ser ele uma instituição e a que o caracteriza como contrato.
Segundo a ótica institucionalista, o casamento é uma instituição social, refletindo uma situação jurídica que surge da vontade dos contraentes, mas cujas normas, efeitos e forma encontram-se preestabelecidos pela lei.
Uma vez que houve adesão ao “estado matrimonial”, a vontade dos nubentes não é bastante, sendo automáticos os efeitos da instituição por serem de ordem pública ou cogentes.
O estado matrimonial é um estatuto imperativo com regras preestabelecidas ao qual os nubentes simplesmente emprestam sua adesão, sem liberdade de adotar outras normas. (LOBO, 2005, P. 146)
Um casal tem total liberdade para escolher sob qual regime de bens pretende casar-se. Porém, muitas situações de dúvidas ocorrem quando um dos cônjuges vem a óbito e como ficará definida a situação da herança, uma que o regime da separação total de bens não limita o patrimônio particular dos cônjuges do início até o fim do casamento, e isso vem à tona na hora do falecimento de um deles. Para isso, os regimes de bens para o casamento foram criados, como meio de inibir a integração do patrimônio dos nubentes, sempre de acordo com a vontade de ambos.
Regime de bens é um conjunto de regras que visa disciplinar as relações patrimoniais entre marido e mulher, relativos à propriedade, disponibilidade, administração e gozo de seus bens.
Para Farias e Rosenvald (2017, p. 426), regime de bens é o estatuto que disciplina os interesses econômicos, ativos e passivos, de um casamento, regulamentando as consequências em relação aos próprios nubentes e a terceiros, desde a celebração até a dissolução do casamento, em vida ou por morte.
Pode ser considerado como o estatuto patrimonial dos cônjuges e compreende as relações patrimoniais entre os cônjuges e terceiros e a sociedade conjugal.
O regime de bens está estatuído, em regras gerais, no Art.1.639 do Código Civil com a seguinte redação:
Art.1.639.É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver.
§1º O regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento.
§2º É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial impedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros.
Art.1.640. Não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial.
Segundo Tartuce (2019, p.1126) demonstra que são quatros os regimes previstos pela atual Codificação Civil, a saber:
Regime de Comunhão parcial – arts. 1.658 a 1.666 do CC.
Regime de Comunhão universal de bens – arts. 1.667 a 1.671 do CC.
Regime de participação final nos aquestos – arts. 1.672 a 1.686 do CC.
Regime de separação de bens – arts. 1.687 a 1.688 do CC.
Tartuce (2019, p. 1126), chama atenção para dois detalhes importantes: primeiro a extinção do regime dotal, conhecido como regime dos coronéis. Segundo o rol não é taxativo (numerus clausus), mas exemplificativo, sendo possível criar outro regime, inclusive combinando regras dos já existentes, como o pacto antenupcial.
Neste trabalho, estará limitado a uma abordagem sobre o Regime de Separação Total de Bens e a garantia dos direitos do Cônjuge sobrevivente.
4. REGIME DE SEPARAÇÃO DE BENS
Regime de separação de bens é aquele em que cada consorte conserva, com exclusividade, o domínio, a posse e a administração de seus bens presentes e futuros e a responsabilidade pelos débitos anteriores e posteriores ao casamento.
Trata-se de um regime em que haverá patrimônio individual, e incomunicabilidade de separação de bens, a saber:
LEGAL ou obrigatório: se imposto pela lei (CC, art. 1.641)
CONVENCIONAL: pode ser absoluta, se estabelecer a incomunicabilidade de todos os bens adquiridos antes e depois do casamento, inclusive frutos e rendimentos, ou relativa, se a separação se circunscrever apenas aos bens presentes, comunicando-se os frutos e rendimentos futuros (CC, art. 1.687)
Adaptado de Tartuce, 2019, p, 1136)
Para este trabalho, o foco será o Regime de Separação Total de Bens. Nesse caso, a mantença da família caberá ao casal (CC, art. 1.688), quando aos rendimentos de seus bens na proporção de seu valor, salvo estipulação em contrário no pacto antenupcial.
Quando ocorre dissolução, ou seja, término da sociedade conjugal por morte de um dos cônjuges, extinguem-se o casamento e o regime de bens, dessa forma:
a) os bens comuns que se comunicam serão divididos de acordo com o regime, a cada parte será denominado meação. Assim teremos a meação do morto e a meação do vivo;
b) os bens que não se comunicam em razão do regime de bens são denominados bens particulares, e cada um fica com o seu. (Adaptado de Cassettari, 2020, p. 654)
A meação do morto e seus bens são chamados de herança e serão divididos de acordo com as regras sucessórias.
4.1 As garantias dos direitos das sucessões do cônjuge sobrevivente quando casado no regime da separação de bens
Segundo Cassettari (2020, p. 773), a palavra sucessão significa substituição de uma pessoa por outra, em caráter não transitório, na titularidade do conjunto de bens deixado pelo morto. Existem seis possibilidades de classificar a sucessão:
Sucessão à título universal: tal modalidade ocorre quando for feita a transferência de todo o patrimônio (transferência total), como no caso da incorporação de uma sociedade;
Sucessão a título singular: neste caso não há transferência de todos os direitos e deveres, mas somente de alguns, por exemplo, no caso do legado, que ocorre quando o testador determina a transferência de bens determinados;
Sucessão por determinação legal: trata-se de hipótese que se encontra descrita na própria lei que irá prever a substituição, conf art. 12 da Lei n. 8245/91 (Lei de Locações);
Sucessão por vontade das partes: tal modalidade se dá quando duas pessoas celebram um negócio jurídico, com o objetivo de determinar a substituição do titular de determinado direito;
Sucessão inter vivos: trata-se de sucessão que ocorre em vida;
Sucessão mortis causa: trata-se da sucessão que ocorre em razão da morte. (Adaptado de CASSETARI, 2020, p. 773-774)
Cassettari (2020, p. 774), defende que a propriedade é um direito real que em regra, possui caráter perpétuo. Portanto, o direito sucessório terá a importantíssima função de permitir a continuidade da propriedade, que, por sua vez tem respaldo constitucional.
No Código Civil o direito sucessório possui o seguinte conteúdo:
1) Sucessão em geral: Trata-se de regras para todo o direito sucessório.
2) Sucessão legítima (que deriva da lei): trata-se daquela em que o legislador estabelece a sua vontade na norma.
3) Sucessão testamentária: hipótese em que a pessoa, não contente com a regra prevista em lei, deseja estabelecer outras regras para a sucessão.
4) Inventário e partilha: regras para a formalização da sucessão do inventário.
Gonçalves (2020, p. 19), explica que, no direito das sucessões, a palavra sucessão é empregada em sentido estrito, para designar tão somente a decorrente de morte de alguém, ou seja, a sucessão causa mortis.
Os herdeiros legítimos, aqueles que constam na lei, são pessoas que mantêm com o falecido um vínculo de direito de família, seja ele oriundo do parentesco, do casamento, ou ainda de união estável.
Para Gonçalves (2020, p. 42), a Sucessão Legítima representa a vontade presumida do de cujus de transmitir seu patrimônio para as pessoas indicadas na lei, caso contrário, teria deixado testamento. Portanto, transmite-se a herança a seus herdeiros indicados na lei (CC. Art.1.829).
Gonçalves (2020, p.42), afirma que a sucessão legítima sempre foi a mais difundida no Brasil e que a escassez de testamento ocorre por razões de ordem cultural ou costumeira.
4.3 Da ordem da vocação hereditária
Gonçalves (2020, p.42), defende ainda que o novo Código Civil de 2002, não alterou a ordem da vocação hereditária, estabelecida no diploma de 1916, porém incluiu o cônjuge supérstite no rol dos herdeiros necessários (CC, art. 1.845), determinando que concorra com os herdeiros das classes descentes e ascendentes, e faça parte da terceira classe com exclusividade.
Após essa alteração, houve uma redução na probabilidade de elaboração de testamento para evitar o privilégio do cônjuge supérstite.
Segundo Gonçalves (2020, p.161), a ordem dos sucessores é realizada por classes, sendo que a mais próxima exclui a mais remota (CC, arts.:1833, 1836 e 1840).
O Código Civil, através do artigo 1.829, estabelece a seguinte ordem para a vocação hereditária, a saber:
I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III – ao cônjuge sobrevivente;
IV – aos colaterais.” (Adaptado de Gonçalves, 2020, p. 163)
4.4 Vocação concorrente do cônjuge com os descentes e direito real de habitação
Conforme o art. 1.846 do Código Civil, pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima. Isso garante o direito de não ser afastado pelo arbítrio do autor da herança, podendo diminuir, onerar, gravar, ou mesmo suprimir a legítima dos herdeiros necessários, salvo caso de deserdação. (GONÇALVES, 2020, p. 173)
Ao cônjuge sobrevivente é assegurado o direito real de habitação em relação ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar, independente do regime de bens. (CC. art. 1.831)
Conforme Gonçalves (2020, p. 173), o cônjuge sobrevivente permanece em terceiro lugar na ordem de vocação hereditária, mas passa a concorrer em igualdade de condições com os descendentes do falecido, salvo quando já tenha direito à meação em face do regime de bens do casamento.
Se o art. 1.829 do Código Civil estabelece que diante da ordem da vocação hereditária, o cônjuge sobrevivente concorre com os descentes, o regime de separação total de bens não está excepcionado ou ressalvado, o que permite concluir que a concorrência está garantida, segundo afirma Gonçalves (2020).
O art. 1.829, inciso I, do Código Civil, somente assegura ao cônjuge sobrevivente o direito de concorrência com os descendentes do autor quando casados no regime de separação total de bens, de comunhão parcial de bens ou participação final nos aquestos.
4.5 A reserva da quarta parte da herança em favor do cônjuge sobrevivente na concorrência com os descendentes
Segundo Gonçalves (2020, p. 180), o art. 1.832 do Código Civil trata da chamada reserva da quarta parte da herança, que diz que em concorrência com os descendentes caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com quem concorrer.
Ainda segundo Gonçalves (2020, p. 181), o objetivo da norma é assegurar um patrimônio mínimo ao cônjuge sobrevivente, papel que era exercido, no Código Civil de 1916, pelo chamado usufruto vidual.
Ao assegurar a reserva da quarta parte, somente quando todos os dependentes forem comuns é a alternativa que melhor atende a mens legis, pois a intenção do legislador foi beneficiar o cônjuge, acarretando o menor prejuízo aos filhos. Assim, o maior quinhão serão será destinado ao cônjuge, e os filhos não serão prejudicados pois isso lhes será revertido futuramente. (GONÇALVES, 2020, p. 180)
4.6 Sucessão do cônjuge sobrevivente
Quando ocorrer a falta de ascendentes, a herança da pessoa que tenha falecido enquanto casada ou separada de fato, há menos de dois anos, será deferida, por inteiro, ao cônjuge sobrevivente. É o que afirma Gonçalves (2020, p. 186).
O Código Civil, no art. 1.838, dispõe: Em falta de descentes e ascendentes, será deferida a sucessão inteira ao cônjuge sobrevivente. Porém no art. 1.571, diz que não se justifica, que o cônjuge sobrevivente seja chamado à sucessão se dissolvida a sociedade conjugal, uma vez que o vínculo conjugal está dissolvido.
Segundo Gonçalves (2020, p.187), a concorrência do companheiro com o cônjuge é matéria que desafia solução jurisprudencial. O Legislador procurou priorizar o direito sucessório do companheiro. Para isso, o art. 1.830 do Código Civil exclui o direito do cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, estava separado judicialmente ou separado de fato há mais de dois anos.
4.7 A partilha de bens e o reflexo do regime de bens
De acordo com Fux (2021), a partilha de bens é o nome dado ao processo que visa destinar os bens de uma pessoa falecida a seus herdeiros. Porém, é necessário estabelecer diferença entre herdeiro e meeiro.
Herdeiro é a pessoa que faz parte da sucessão patrimonial do falecido legalmente. Já o meeiro é a pessoa que tem direito a receber metade do patrimônio comum, não em decorrência do falecimento, mas sim, pelo regime de bens adotado quando da união com a pessoa falecida. (FUX, 2021).
Também, é necessário diferenciar patrimônio comum e patrimônio particular, que, para Fux (2021) patrimônio comum significa que os bens móveis e imóveis que forem adquiridos pelo casal durante o casamento ou a união estável pertencem ao casal.
Já o patrimônio particular se refere ao patrimônio adquirido antes do casamento/união estável ou, ainda que adquirido durante a relação conjugal, o bem é legalmente reconhecido como particular.
A partilha se dá com base no regime de casamento escolhido pelos cônjuges. Dados os tipos de patrimônio, três situações são possíveis:
1 – Existe somente patrimônio comum: Se o patrimônio de ambos foi conquistado após o casamento, o cônjuge sobrevivente tem direito a 50% do patrimônio comum por ser o meeiro. O restante do patrimônio comum é dividido entre os filhos herdeiros.
2 – Existe somente patrimônio individual: Se na época do casamento, o cônjuge falecido já tinha patrimônio, o patrimônio individual deve ser dividido igualmente entre o cônjuge sobrevivente e os filhos, pois todos serão considerados herdeiros.
3 – Existe tanto patrimônio individual quanto comum: Quando há tanto patrimônio individual quanto comum, o primeiro deve ser dividido igualmente entre o cônjuge sobrevivente e os filhos e o segundo será partilhado de forma que o cônjuge receba metade e o restante pertencerá aos filhos. Adaptado de (FUX, 2021)
Há que se observar que no caso de um dos filhos tenha falecido, os filhos deste herdeiro terão direito à parte que seria de seu pai.
4.8 Entendimento do STJ, descarta a hipótese de o cônjuge sobrevivente casado com separação de bens ser herdeiro necessário
Segundo o Colégio Notarial do Brasil seção São Paulo – CNBSP, há um caso em que a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o cônjuge sobrevivente casado sob o regime de separação total de bens não participa da sucessão como herdeiro necessário, em concorrência com os descendentes do falecido.
Trata-se de um caso em que o STJ acolheu o pedido de três herdeiros para negar a procedência do pedido de habilitação no inventário, formulado pela viúva do pai, uma vez que os filhos solicitaram o inventário sob o rito de arrolamento dos bens do pai, que faleceu em janeiro de 2006.
Ainda segundo o CNBSP eles declararam que o pai havia deixado bens imóveis a inventariar e que era casado pelo regime de separação convencional de bens, conforme comprovado em certidão de casamento, ocorrido em março de 2005, e escritura pública de convenção antenupcial com separação de bens.
A viúva, cônjuge sobrevivente, manifestou discordância no que se refere à partilha e postulou sua habilitação no processo de inventário, como herdeira necessária do falecido. Em decisão interlocutória, o pedido foi deferido determinado a manifestação dos demais herdeiros, filhos do falecido.
Segundo relato do CNBSP, em primeira instância, o pedido foi acolhido para declarar a viúva habilitada como herdeira do falecido marido. A sentença determinou, ainda, que o inventariante apresentasse novo esboço de partilha, no qual ela fosse incluída e contemplada em igualdade de condições com os demais sucessores do autor da herança.
O entendimento foi de que provado que a viúva era casada com o falecido sob o regime de separação de bens convencional, ou seja, foi feito um pacto antenupcial, não sendo o caso de separação obrigatória de bens, onde o cônjuge não seria considerado herdeiro necessário, daí resultando que concorre com os sucessores em partes iguais.
Os filhos interpuseram agravo de instrumento (tipo de recurso) sustentando violação ao próprio regime de separação convencional de bens, que rege a situação patrimonial do casal não só durante a vigência do casamento, mas também quando da sua dissolução, seja por separação, divórcio ou falecimento de um dos cônjuges.
O relato conta que o pai foi casado com a mãe dos herdeiros e que ela havia morrido num acidente em 1999. Em março de 2005, ele casou-se novamente, no regime de separação convencional de bens, inclusive dos aquestos (bem adquirido na vigência do matrimônio), expressamente descrito na escritura do pacto antenupcial, que dessa segunda união não advieram filhos, já que o pai estava com a saúde bem debilitada.
O Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul (TJMS) negou o agravo. Para o TJ, a regra do artigo 1.829 do Código Civil (CC) de 2002 aplica-se ao cônjuge sobrevivente casado sob regime de separação convencional. Opostos embargos de declaração pelos herdeiros, estes foram rejeitados.
Mais uma vez, os filhos recorreram, dessa vez a STJ, onde a relatora, Ministra Nancy Andrighi, destacou que não remanesce, para o cônjuge casado mediante separação de bens, direito à meação, tampouco à concorrência sucessória, respeitando-se o regime de bens estipulado, que obriga as partes na vida e na morte.
Segundo CNBSP, a relatora alega que a separação obrigatória a que se refere o art. 1.829, I, do CC/02 é gênero que congrega duas espécies: a separação convencional e a legal. Nos dois casos, portanto, o cônjuge sobrevivente não é herdeiro necessário, e que uma vez que o casal escolheu voluntariamente se casar pelo regime da separação total de bens, optando, por meio de pacto antenupcial lavrado em escritura pública, pela incomunicabilidade de todos os bens adquiridos antes e depois do casamento, inclusive frutos e rendimentos.
Considerando ainda, que o casal firmou pacto no sentido de não ter patrimônio comum, não requereu a alteração do regime, não houve doação entre os cônjuges, tampouco foi deixado testamento ou legado para o cônjuge sobrevivente, quando seria livre e lícita qualquer dessas providências, não deve o intérprete da lei alçar o cônjuge sobrevivente à condição de herdeiro necessário, concorrendo com os descendentes, sob pena de clara violação ao regime de bens pactuado.
"O princípio da exclusividade, que rege a vida do casal e veda a interferência de terceiros ou do próprio Estado nas opções feitas licitamente quanto aos aspectos patrimoniais e extrapatrimoniais da vida familiar, robustece a única interpretação viável do artigo 1.829, inciso I, do CC/02, em consonância com o artigo 1.687 do mesmo código, que assegura os efeitos práticos do regime de bens licitamente escolhido, bem como preserva a autonomia privada guindada pela eticidade", acrescenta. (CNBSP, 2007). Esse relato demonstra a fragilidade em que o cônjuge sobrevivente é exposto, e de acordo com entendimento nosso, deveria ser revisto, de modo que os direitos do cônjuge sobrevivente venham a ser garantidos.
5. CONCLUSÃO
É notória a polêmica que existe nos casos de casamentos em regime de separação total de bens, principalmente quando ocorre óbito de um dos cônjuges, e como é frágil a garantia dos direitos do cônjuge sobrevivente em relação aos demais herdeiros.
Geralmente, a grande incidência de casos ocorre quando uma pessoa viúva, com família formada, patrimônio constituído pelo casal, durante o primeiro casamento. O viúvo ou viúva, se vê diante a necessidade de recomeçar a vida e se unir a uma nova pessoa, porém, no intuito de preservar o interesse dos filhos do primeiro casamento, em relação ao patrimônio, a pessoa se lança num casamento de separação de bens convencional e/ou obrigatória. Tornando frágeis as possibilidades de amparo ao futuro cônjuge em caso de óbito do cônjuge detentor dos bens.
Embora o Código Civil, através do art. 1.829, assegure ao cônjuge sobrevivente o direito de concorrer com os herdeiros ascendentes e descendentes do autor da herança quando casados no regime da separação convencional de bens, poderá ocorrer discordâncias entre os filhos herdeiros e o cônjuge sobrevivente, inclusive situações que se arrastam na justiça por muito tempo, e algumas vezes, ao cônjuge sobrevivente é negado o direito à herança, em favor dos filhos, tido com herdeiros legítimos.
É certo que o direito do cônjuge sobrevivente, de um casamento sob regime de separação total de bens, constitui uma grande preocupação do ramo das sucessões, pois a ele é garantido o direito de herdeiro concorrente, ou seja, ele ainda terá que enfrentar a disputa sobre o patrimônio a herdar, e ficará suscetível à maneiro que os demais herdeiros acolhem essa disputa. Se há uma boa concordância, e quando há herdeiros do novo casamento, ainda há uma grande chance para o cônjuge sobrevivente.
Porém, quando não há entendimento entre as partes e não existem filhos na nova relação, maior será a fragilidade do cônjuge sobrevivente. O que lhe tornará dependente de decisão judicial, que poderá lhe ser favorável ou não.
A sugestão deixada a partir deste trabalho, é que haja uma melhoria na lei, que contemple melhor os direitos do cônjuge sobrevivente, influenciando nas reparações de possíveis injustiças aos cônjuges sobreviventes que possam ter perdido o direito à herança que, no mínimo, teria o direito de concorrer com os herdeiros.
6. REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Texto constitucional promulgado em 05 de outubro de 1988, com alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais de Revisão nº 1 a 6/94 - Brasília: Senado Federal, Subsecretário de Edições Técnicas, 2008. 464 p.
CASSETTARI, Christiano. Elementos do Direito Civil - 8ª Edição – São Paulo: Saraiva Educação, 2020
FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Parte Geral e LINDB. 15 ed. Salvador: Juspodivm, 2017. 976 p.
GLANZ, Semy. A família mutante: sociologia e direito comparado: inclusive o novo código civil brasileiro - Imprenta: Rio de Janeiro, Renovar, 2005. 716 p.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil – Direito Civil Brasileiro vol 7 – 14 ed – São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
LÔBO, Paulo. Famílias (Direito Civil). São Paulo: Saraiva, 2008. 407 p.
NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito – 36.a ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2014.
TARTUCE, Flávio. Manual do Direito Civil: volume único – 9 ed – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2019.
CNBSP, 2007. Colégio Notarial do Brasil Seção São Paulo. Cônjuge sobrevivente casado com separação de bens não é herdeiro necessário. Disponível em https://www.cnbsp.org.br/url_amigavel=1&url_source=noticias&id_noticia=2065&filtro=1Um&Data=&lj Acessado em 12 de outubro de 2021.
FUX e Associados - Advocacia Empresarial. 2021. Partilha de bens entre filhos herdeiros e cônjuge sobrevivente: como funciona?. Disponível em https://fuxeassociados.adv.br Acessado em 20 de outubro de 2021.
Bacharelanda em Direito pelo CEUNI- FAMETRO
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: REIS, ADRIA BARROSO DE ANDRADE. O direito das sucessões do cônjuge sobrevivente quando casado no regime da separação total de bens Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 nov 2021, 04:23. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57479/o-direito-das-sucesses-do-cnjuge-sobrevivente-quando-casado-no-regime-da-separao-total-de-bens. Acesso em: 23 dez 2024.
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