ÊNIO WALCACER DE OLIVEIRA FILHO
(orientador)
RESUMO: O presente artigo propõe o estudo e pesquisa detalhada acerca do estupro de vulnerável, com a especificação dos atos cometidos para a caracterização do delito, do instituto do standard probatório que corresponde a existência mínima de provas produzidas nos autos para fundamentar decisão definitiva condenatória, bem como, buscará trazer atos jurisprudenciais de casos concretos que sinalizam a precisão do depoimento especial da vítima, isto é, a prova testemunhal da criança vítima do estupro ainda que seja o único meio de prova que embasará a condenação do autor do crime.
Palavras-chave: Estupro de Vulnerável. Depoimento sem dano. Vítima. Escuta especialisada. Condenação.
ABSTRACT: This article proposes the study and detailed research on the rape of the vulnerable, with the specification of the acts committed to characterize the crime, the institute of the evidential standard that corresponds to the minimum existence of evidence produced in the records to substantiate the final condemnatory decision, as well as , will seek to bring jurisprudential acts of concrete cases that signal the accuracy of the victim's special testimony, that is, the testimonial evidence of the child victim of the rape, even though it is the only means of evidence that will support the conviction of the offender.
Keywords: Vulnerable Rape. Testimony without damage. Victim. Expert listening. Conviction.
Sumário: 1 Introdução. 2 Conceito de estupro de vulnerável. 2.1 Princípio da presunção de inocência e a produção probatória nos casos de estupro de vulnerável. 2.2 Conceito de standard probatório. 2.3 Declaração da vítima: o depoimento sem dano e a sua composição no processo. 3 A jurisprudência sobre o tema. 4. Conclusão. 5. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Previsto no artigo 217-A do Código Penal, o estupro de vulnerável caracteriza-se como o coito vagínico ou qualquer outro ato libidinoso praticado com ou sem consentimento do indivíduo menor de 14 (catorze) anos de idade, isto por ser considerado absolutamente vulnerável.
O controle do poder punitivo trata-se de tema muito debatido no âmbito do processo penal em razão da valoração das provas produzidas durante o processo por meio de decisão judicial. Com isso, vêm à tona o instituto do standard probatório, adotado basicamente para garantir a existência mínima de provas para proferir decisão condenatória.
Teoricamente integrada com padrões probatórios, o standard é constituído com parâmetro de prova clara e convincente, prova mais provável que sua negação, preponderância da prova e prova além da dúvida razoável. Como um dos requisitos para proferir decisão, o standard probatório assegura o seu preenchimento de forma suficiente para basear o entendimento do Magistrado e garantir legitimidade do julgamento.
No sistema penal brasileiro, como um dos meios de obter prova existe o que se caracteriza como a escuta especializada em casos de comentimento do crime de estupro de vulnerável, onde a crinaça pode ser entrevistada por outrem, sendo este especializado no âmbito da educação e da saúde, de forma que busque informações acerca do delito ocorrido assegurando a proteção e o cuidado da vítima, especificamente crianças ou adolescentes.
A escuta especializada consiste em uma das modalidades de provas para descobrir a realidade dos fatos, bem como para se comprovar a autoria e a materialidade do delito, tendo em vista que, a realização do interrogatório perante a pessoa do Magistrado pode acarretar maiores traumas à vítima vulnerável e, consequentemente, não atingindo o objetivo de punir o responsável pelo crime.
Destarte, estudos realizados e pesquisas recentes têm demonstrado que a escuta especializada, também chamada de depoimento sem dano, corresponde a um método que mantém a preservação da vítima e garante o atendimento do princípio da ampla defesa e contraditório, sendo, portanto, prática inovadora que emergindo no país.
2. CONCEITO DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL
Instituído pela Lei nº 12.015/09 que, consequentemente alterou o Código Penal Brasileiro substituindo o artigo 224 pelo artigo 217-A, o crime de estupro de vulnerável consiste em “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menos de 14 (catorze) anos”, cuja pena decorre de 8 (oito) a 15 (quinze) anos de reclusão.
O delito de estupro de vulnerável pode ser caracterizado com a consideração de ato de violação ou qualquer ato praticado visto como libidinoso, com ou sem o consentimento da vítima menor de 14 (catorze) anos de idade, não necessariamente precisando ocorrer a conjunção carnal para a consumação do crime.
Para Chammas (2012, p. 35), o ato ilícito do estupro de vulnerável também pode ser encarado diante de diversas condutas que expõem intimamente a vítima, como “todo ato ou jogo sexual de relação hétero ou homossexual, no qual o agressor está em estágio de desenvolvimento psicossexual mais adiantado que a criança ou adolescente (...) o abusador busca obter suas próprias gratificações sexuais.” Isto é, o crime se vê caracterizado diante de condutas que descortinam indevidamente a imagem da criança e do adolescente.
Para a consumação do crime não é necessário o uso de violência ou grave ameaça, ou resistência do ofendido, podendo ser o ato consensual. Diante dos ensinamentos de Prado (2020, 35)
Se além da conjunção carnal, o agente pratica outros atos libidinosos, constrangendo a vítima, por exemplo, ao coito anal ou ao sexo oral, há um único delito, pois tais condutas subsomem-se ao mesmo tipo penal. Caso o agente transmita a vítima doença sexualmente transmissível de que sabe ou deveria saber ser portador, aplica-se a causa de aumento de pena de um sexto até a metade prevista no artigo 234-A, inciso IV, do Código Penal
Assim, cumpre ressaltar que a conduta ilícita do crime de estupro de vulnerável é reconhecido desde que praticados atos libidinosos ou que se tenha a conjunção carnal com crianças ou adolescentes menores que 14 (catorze) anos de idade.
Para Bezerra (2006, p. 22):
É possível encontrar no Código Penal de forma explicita, um conceito de vulnerável como sendo uma pessoa menor de quatorze anos ou o indivíduo por alguma enfermidade ou deficiência mental, não tenha o discernimento necessário para prática do ato ou que não possa oferecer resistência.
Neste contexto, é uma pessoa frágil, que vulnerar significa ferir, lesar ou prejudicar. Já o bilis significa suscetível. Portanto, o estupro de vulnerável consiste em ser um bem jurídico tutelado a dignidade sexual do menor.
Na verdade, a vulnerabilidade não se relaciona com a maturidade da vítima, para a nossa lei, mas sim é uma presunção legal que visa coibir o ingresso prematuro da criança ou adolescente na sexualidade, independentemente da maturidade que tenha.
Destarte, o consentimento da vítima não é válido, ou seja, o legislador entende que o crime independe do consentimento por ser presumida a vulnerabilidade, ressalte-se, uma vulnerabilidade com presunção absoluta e não apenas relativa.
Atualmente, o ato libidinoso é todo qualquer ato praticado de forma que venha ocorrer à satisfação da lascívia, de forma que foi agrupado ao delito com a conjunção carnal no capítulo de estupro de vulnerável. Entretanto, a vulnerabilidade deve ser absoluta independente das circunstâncias, como esclarece a Súmula 593 do Superior Tribunal de Justiça (STJ):
O crime de estupro de vulnerável se configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente.
Por outra forma, é possível compreender que o objeto jurídico do crime de estupro pode ser validado não apenas diante do coito vagínico, podendo ainda elencar que o “beijo roubado”, consoante entendimento de Brocanelo (2019, online), “beijar e agarrar à força, mão boba e puxar o cabelo, são consideradas agressões sexuais e a pessoa que pratica esses atos pode ser severamente punida”. Isto é, também é capaz de ser considerado como ato libidinoso contra a criança ou o adolescente menor de catorze anos.
Observa-se que o artigo 5°, inciso XLIII, da Constituição Federal dispõe como sendo os crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia: a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, assim como o crime de estupro de vulnerável.
Como bem ensina Nucci (2020, p. 48), “o acusado por crime hediondo não deve permanecer, como regra, em liberdade, nem pode ter sua pena perdoada ou comutada de qualquer modo”, visto a ausência de segurança às vítimas e pessoas com característica semelhantes que podem ser novas vítimas de tais agentes.
Por consequência do ato denunciado, o agente que cometeu crime classificado como hediondo é considerado perigoso e ameaçador para viver em sociedade, podendo, no respectivo caso justificar que pode ser arriscado permitir que o estuprador esteja em convivência com crianças e adolescentes em meio a sociedade.
Muitos tendem a associar os crimes hediondos com a prática de atos reconhecidos como cruéis e violentes, onde o criminoso atua com frieza e crueldade. Todavia, para Estefam (2016, p. 21) “a conduta nuclear reside no ato de obrigar, forçar, compelir, impor a vítima que realize determinado comportamento ou a ele se sujeite, contra a sua vontade”. Ou seja, no que tange ao crime de estupro de vulnerável é possível atentar-se para a existência do ato de agressão a integridade física e moral das vítimas menores de catorze anos de idade.
De acordo com os ensinamentos de Jesus (2011, p. 88-89), entende-se que “ato libidinoso é o que visa ao prazer sexual. É todo aquele que serve de desafogo à concupiscência. É o ato lascivo, voluptuoso, dirigido para a satisfação do instinto sexual.” Por essa razão é considerado de forma objetiva a representação de ofensa ao pudor geral, conferindo discrepância a aparência sexual e, subjetivamente, o objetivo de satisfação por impulso de luxúria e lascívia.
Desse modo, Cachapuz, (2015, p. 36) ensina que “o ato libidinoso acaba sendo considerado por muitos uma ação menos gravosa do que a extremidade ofensiva, como são os casos de coito anal e sexo oral”, tendo em vista que o ato libidinoso é toda ação capaz de atingir a violar incontestavelmente a dignidade sexual da vítima, cuja finalidade seja a motivação de obter prazer sexual.
Salienta-se ainda que todas aquelas condutas dos agentes que apresentarem constrangimento ilegal à dignidade sexual da criança e do adolescente é conhecido como “ato libidinoso”, ainda que diversos da conjunção carnal que, junto a esta compreende a caracterização do crime de estupro de vulnerável.
Para Greco (2016, p. 155), considerando a presunção de vulnerabilidade quando a vítima for menor de 14 anos de idade, a prática de atos libidinosos ainda que uma única vez é possível reconhecer a consumação do crime de estupro de vulnerável, à exemplo que se dá quando o autor do crime pratica o ato de apalpar o corpo da vítima/menor de idade, buscando assim a satisfação sexual.
A liberdade sexual e autonomia sexual de um menor de 14 anos deve ser preservada, como dispõe Prado (2020, p.125), tendo a objetividade de proteger a formação da personalidade da criança e do adolescente, com a segurança da identidade ou intangibilidade sexual. Assim, assegura-se o direito à liberdade e o respeito à dignidade de pessoas menores de catorze anos que se encontram no auge do desenvolvimento psicológico e início da fase de criação da clareza de discernimento para sua própria segurança social.
O princípio da presunção de inocência está descrito na Constituição Federal de 1988, descrevendo constitucionalmente a liberdade, a igualdade e a dignidade da pessoa humana, concluindo um rol de direitos e garantias fundamentais ao cidadão.
O princípio previsto na Declaração dos Direitos do homem e do Cidadão de 1789 foi criado no início da Revolução Francesa, quando houve a aprovação da Organização das Nações Unidas em 1948. Este dispõe em seu artigo 9°, que todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado por meio comprobatório, julgando indispensável prendê-lo, a todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa, a qual deverá ser severamente reprimido pela lei.
Conforme entendimento de Lopes Júnior (2006, p. 187-188), há três principais manifestações que não são excludentes, mas integradoras da presunção de inocência:
a) É um princípio fundante, em torno do qual é construído todo o processo penal liberal, estabelecendo essencialmente garantias para o imputado frente à atuação punitiva estatal; b) É um postulado que está diretamente relacionado ao tratamento do imputado durante o processo penal, segundo o qual haveria de partir-se da ideia de que ele é inocente e, portanto, deve reduzir-se ao máximo as medidas que restrinjam seus direitos durante o processo (incluindo-se, é claro, a fase-pré-processual); c) Finalmente, a presunção de inocência é uma regra diretamente referida ao juízo do fato que a sentença penal faz. É sua incidência no âmbito probatório, vinculando a exigência de que a prova completa da culpabilidade do fato é uma carga da acusação, impondo-se a absolvição do imputado se a culpabilidade não fica suficientemente demostrada.
Com previsão legal no artigo 283 do Código de Processo Penal, o princípio da presunção de inocência considera-se que o denunciado não seja culpado do crime imputado até a fase de julgamento do processo criminal, onde o acusado é considerado inocente até a prolação da sentença condenatória transitada em julgado.
Ademais, diante da previsão do Código é possível afirmar que o denunciado também não poderá ser sujeito a prisão, senão em casos de flagrante delito ou ordem escrita e fundamentada por autoridade judiciária competente, em virtude de decisão definitiva condenatória já transitada em julgado, ou ainda durante a tramitação de investigação ou ação penal, em virtude da prisão temporária ou prisão preventiva.
Segundo os ensinamentos de Lima (2012, p. 255) descreve que:
Um significado era ligado a regra processual e, o outro era a regra de tratamento. Para a regra processual, o acusado não precisaria fornecer nenhuma prova de que era inocente, pois essa já estaria presumida. Já para a regra de tratamento, era impedida a tomada de medidas que restringiam a liberdade do acusado, a menos que fosse este um caso de necessidade extrema.
A Constituição Federal prevê em seu artigo 5°, inciso LVII, que ninguém será considerado culpado até que aconteça o trânsito julgado da decisão definitiva penal condenatória, na qual, o acusado que comete um crime, em um processo judicial cabe provar a inocência, de modo que se finda o julgamento, que será considerado culpado ou inocente.
Vale ressaltar que no período de julgamento, deve-se preservar o princípio da presunção de inocência que está relacionado com o princípio do in dubio pro reo, o qual garante o direito da ampla-defesa e o devido processo legal.
Segundo Júnior (2019, p. 898) a presunção de inocência:
É um princípio fundamental de civilidade, fruto de uma opção protetora do indivíduo, ainda que para isso tenha-se que pagar o preço da impunidade de algum culpável, pois sem dúvida o maior interesse é que todos os inocentes, sem exceção, estejam protegidos.
Logo, entende-se que a princípio da inocência permite duas formas de tratamento, sendo que a primeira consiste no dever interno do julgador de assegurar o dever ao acusador a maior responsabilidade de apresentação de provas concretas, as quais em caso de demonstração de dúvida do julgador, este deverá determinar a inocência do acusado e ainda, o dever externo que garante a proteção contra a publicidade imatura e excessiva sobre a pessoa do acusado, de forma que se expande as garantias da dignidade, imagem e privacidade, como forma de segurança e limitação da democracia.
Entretanto, vislumbra-se que o magistrado que conduzirá o processo e proferirá a decisão definitiva, este deverá julgar conforme seu convencimento motivado, tendo como parâmetro a garantia de julgar decisões de acordo com seu entendimento e fundamentação com base nas provas produzidas.
Sendo assim, ao se falar em princípio da presunção de inocência significa dizer que devem ser asseguras as garantias constitucionais, devendo ser utilizada como verdadeiros limites democráticos a abusividade de exploração midiática em torno do fato criminoso e do próprio processo judicial.
A princípio, salienta-se que no processo penal existe a relação entre provas e decisões, que perfaz o caminho até a valoração da condenação ou não do agente criminoso, de modo que compõe o controle rígido e evita que haja prolação de decisão de forma errônea no Poder Judiciário.
Nota-se que, a nivelação de provas que são exigidas nas diversas modalidades de processos judiciais é elencada diante do chamado standard probatório, que gerencia a “quantidade” mínima de provas produzidas na ação penal. Logo, há casos onde o convencimento é buscado por meio probatório mais rígido e outros mitigados, sendo no processo penal exigido a prova além de qualquer dúvida razoável.
O Standard probatório é considerado como o padrão adotado que determina o grau mínimo de provas, considerando os fatos concretos no curso do processo penal, vez que a prova serve para demonstrar ao juiz por meio da formação do convencimento quanto aos atos, os fatos e as circunstâncias.
Dessa forma, segundo os ensinamentos de Laudan (2006, p. 23), veja-se que o “os standards têm como conceito mecanismos para distribuição de erros. Entretanto, na qual é uma decisão política, quanto mais alta dedicação democrática, será a presunção de inocência desse modo, o standard probatório exigido na condenação”.
O standard, no entanto, pode ser classificado como sendo o instituto que exige apresentação mínima de provas acusatórias na ação penal, eis que a decisão condenatória não pode ser proferida com mera justificativa de prática do convencimento, esta deve abranger de forma explicativa e bem fundamentada a razão para o convencimento psicológico, de modo que seja pautado critérios objetivos, provando a existência de elementos suficientes de prova presente nos autos.
Diante do que leciona Junior e Rosa (2019, online), no processo penal o standard exigido consiste em beuond a reasonable doubt, que significa dizer que a prova tende a ser ‘além da dúvida razoável’:
É absolutamente equivocada a prática decisória brasileira de, por exemplo, supervalorizar a palavra da vítima em determinados crimes (violência doméstica, crimes sexuais, crimes contra o patrimônio mediante violência ou grave ameaça etc.) e admitir a condenação exclusivamente com base na palavra da vítima ou quase exclusivamente quando se ocorre, por exemplo, às ‘testemunhas de ouvir dizer’ que nada viram, mas ouvira.
Como cediço, a finalidade da produção de provas no processo penal consiste na ação de convencimento do magistrado, tendo relação entre a valoração probatória com o grau de precisão da decisão definitiva. Ocorre que, de maneira a evitar a nulidade da decisão por coerente motivo de ausência de fundamentação é imprescindível que haja uma maior quantidade e qualidade de provas suficientes para sustentar o fato supostamente ocorrido.
A modalidade de standard no processo penal é bem mais rigorosa que as demais, como por exemplo do processo civil, eis que deve ser observado minuciosamente a ‘prova além da dúvida razoável” tendo em vista que a evidência deve estar carreada da probabilidade de ocorrência e seja bastante elevada para que seja vedada a existência de qualquer dúvida em relação a versão que o juiz objetiva sentenciar.
No curso do inquérito policial, especificamente no crime de estupro de vulnerável, as provas são feitas e refeitas, pois o respectivo delito não deixa vestígios para que possa comprovar a conduta em primeiro momento sobre o acusado, por isso no momento de investigação policial podem ocorrer fatos contrários, na qual as provas levam um tempo para se concretizar.
Portanto, um crime que afeta a liberdade sexual da vítima, torna indispensável a palavra da vítima e até dos familiares, uma vez que é de suma importância a sua existência para o valor probatório.
Diante disso, existe o instituto nomeado como depoimento sem dano, que busca extrair das vítimas de estupro de vulnerável, de forma cautelosa, informações para desvendar o autor do crime, visto as dificuldades dos operadores do direito de realizarem a inquirição de crianças e adolescentes sem que se sujeitem a ambiente constrangedor e se sintam coagidos.
Considerando o entendimento de Homem (2015, online):
Assim, com o intuito de atender e dar a necessária efetividade aos direitos exsurgidos na doutrina e no princípio do melhor interesse da Criança e do Adolescente, nasceu esta nova técnica denominada Depoimento Sem Dano. Muito embora existente a condição de vulnerabilidade dos indivíduos envolvidos, o princípio da proteção integral assegura aos indivíduos o direito de serem ouvidos e se manifestarem em processos que os envolva e, que seus depoimentos sejam considerados e relevantes.
A técnica do depoimento sem dano decorre de uma das alternativas utilizadas para resultar em um standard probatório qualitativo em crimes que violam a dignidade sexual das crianças e adolescentes que estão em fase de desenvolvimento, bem como, alternativa essa que assegura a redução dos danos experimentados pelos infantes e adolescentes.
Neste aspecto, nota-se a importância dos direitos e garantias fundamentais da criança e do adolescente, sobretudo a dignidade da pessoa humana, tendo em vista que o delito do estupro de vulnerável implica em alterações preocupantes no desenvolvimento da vítima que ainda não possui completo discernimento para defesa.
Diante do entendimento de Cezar (2007, p. 62):
Em síntese, o depoimento especial nada mais é do que minimizar os danos psicológicos e não revitimizar a vítima de violência sexual. Com vistas para um depoimento técnico em ambiente menos hostil que uma sala de audiências, por exemplo. Ademais, busca evitar o contato da vítima com o abusador.
No que pese nas falsas memorias da vítima no momento da ação, Damásio (2012, p. 12), coloca que, as falsas memórias:
As imagens não são armazenadas sobre forma de fotografias fac-similares de coisas, de acontecimentos, de palavras ou de frases”. O cérebro não arquiva fotografias de pessoas, objetos, paisagens; não armazena fitas magnéticas com música e fala; não armazena filmes de cenas de nossa vida; nem retém cartões com “deixas ou mensagens de teleprompter do tipo daquelas que ajudam os políticos a ganhar a vida”. Se o cérebro fosse uma biblioteca esgotaríamos suas prateleiras à semelhança do que acontece nas bibliotecas.
Assim, por serem as vítimas crianças e adolescentes, há grande probabilidade de serem influenciadas e convencidas pelos autores do crime, que inclusive podem ser os próprios familiares. Veja-se que, o exame de corpo de delito consiste em ser uma das provas produzidas logo em seguida do ato criminoso e, cabendo ressaltar que nenhuma prova relacionada a este exame será considerada nula.
Segundo os ensinamentos do Bitencourt (2020, p. 55), é necessário que a criança e o adolescente sejam observadas minuciosamente o seu comportamento pelos pais e/ou demais responsáveis, visto que é fundamental que:
Se perceba de uma vez por todas que crianças e adolescentes, vítimas de violência sexual, intrafamiliar ou não, antes do objeto de investigação e de meio de prova, são, acima de tudo, sujeitos de direitos, e que a sociedade, em nenhuma hipótese, tem o direito de revitalizá-los, seja a pretexto da busca da mitologia verdade real, seja para assegurar a mais ampla defesa do eventual acusado.
A vítima em seu depoimento sem dano não tem qualquer responsabilidade em dizer a detalhes acerca do ocorrido, vez que não responde pelo delito de falso testemunho em razão de todo o constrangimento experimentado no ato criminoso em seu desfavor e, em razão disso, Fernandes (2021, online) afirma que:
Na análise do técnico entrevistador existem questões como estágios cognitivos, emocional, social e físico, remete o mesmo para o acolhimento final, no sentido de orientar a pessoa de confiança da criança, caso necessário, a buscar auxílio na rede de acolhimento.
À frente de tamanha gravidade das consequências deixadas física e psicologicamente no indivíduo vulnerável é vedado a falta de capacitação, qualificação e competência àquele que vai entrevistar a vítima, uma vez que deve ser garantido que não haverá questionamentos claros e íntimos acerca dos atos praticados contra o menor vulnerável.
Outrossim, cabe insistir na ideia do uso de utensílios criativos para promover um ambiente mais lúdico e descontraído, no intuito de alcançar a confiança da vítima e deixá-los a vontade no local do depoimento para que consigam se sentir confortáveis e explanarem seus sentimentos e ainda, informações imprescindíveis acerca do crime ocorrido.
Para demonstração sintética dos procedimentos adotados, Mattos (2015, p. 104) sustenta que:
Após o acompanhamento psicológico inicial, na DPCA, Delegacia de Proteção da Criança e Adolescente, as vítimas são encaminhadas para redes de atendimento e acompanhamento. Ao término da entrevista, a psicóloga elabora um parecer psicológico com as suas considerações sobre o que foi narrado. Tal parecer integra o Inquérito Policial no qual também é incluído um CD com filmagem, além do termo de declarações.
Isto é, há situações em que o depoimento da vítima equivale a prova principal do processo de investigação, devido ao fato do crime ter ocorrido de forma obscura, em local sem que ninguém presenciasse a sua consumação, como ocorre em sua maioria nos crimes contra a dignidade sexual.
Importante salientar que há a possibilidade de condenação com base em depoimento da vítima do crime de estupro de vulnerável, desde que devidamente fundamentado e motivado a prolação da decisão. Logo, Lopes Júnior (2019, online) leciona no sentido de que é necessário bastante cautela e interesse para se duvidar ou questionar o que se ouve do depoimento da vítima, de forma a evitar aberturas para condenações injustas e inobservância para os demais contextos probatórios.
Há condenações que ocorreram de forma errônea, baseadas em frutos de falsas memórias, depoimentos coletados que não consentiam com a verdade e falso reconhecimento, uma vez que acarretou com que a palavra da vítima tivesse total relevância para a formação da culpa do inocente.
Segundo Lopes Junior (2019, p. 729-730), “é preciso fazer uma recusa aos dois extremos valorativos: não endeusar, mas também não demonizar”. Desta forma, faz-se marcante destacar que o depoimento deverá ser considerado por sua qualidade, coerência e credibilidade.
Logo, de forma a não desvalorizar a palavra da vítima, é considerável que haja maiores investigações por outros meios, objetivando assim a não precipitação por parte do julgador de condenar injustamente o suposto auto do crime, observando assim que o fator problemático é o valor probatório da palavra da vítima, pois na maioria dos casos acarretam direitos e sentimentos dos mais diversos na sociedade.
Em análise de casos concretos, é notório a dimensão de casos de estupro de vulneráveis no Brasil, diante do índice de violência existente no país. Com isso, será buscado jurisprudências acerca do tema, especificamente em sua competência para ser julgada conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a relevância da palavra da vítima e a irrelevância de experiência anterior diante dos Tribunais de Justiça do país, especificamente nos estados do Amapá e São Paulo, bem como, jurisprudências no estado do Tocantins, no período dos últimos dois anos.
Há anos atrás havia o entendimento por alguns Tribunais no sentido de que não existia competência da Vara da Infância e da Juventude para julgar crimes contra a dignidade sexual das crianças e adolescentes. Assim, de forma que fora discutido pelo STJ no ano de 2008, foi apresentado entendimento de concordância com os demais Tribunais de Justiça que possuíam entendimento idêntico e assim julgou o conflito de competência nº 94767, senão vejamos:
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. INQUÉRITO POLICIAL. MAUS TRATOS CONTRA MENOR. JUIZADO ESPECIAL E VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE. RESOLUÇÃO 534 DO TJMS. ART. 145 E 148 DO ECA. CRIME DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. CONFLITO CONHECIDO PARA DECLARAR A COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITANTE. 1. No rol da competência da Vara da Infância e da Juventude estabelecido no art. 148 do ECA não está inserido o julgamento dos crimes contra o menor previstos no Código Penal, como ocorre na hipótese em discussão, em que o crime a ser apurado é o de maus tratos (art. 136, § 3o. do CPB). 2. Ainda que o Tribunal possa criar Vara da Infância e da Juventude, como prevê o art. 145 do ECA, não pode lhe atribuir competência fora das hipóteses definidas na referida legislação. 3. Cuidando-se de crime de menor potencial ofensivo, pois a pena máxima cominada é de 1 ano de detenção, a competência é do Juizado Especial Criminal (art. 61 da Lei 9.099/95). 4. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 4a. Vara do Juizado Especial Cível e Criminal de Campo Grande/MS, o suscitante, em consonância com o parecer ministerial. (STJ - CC: 94767 MS 2008/0061273-5, Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Data de Julgamento: 25/06/2008, S3 - TERCEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: --> DJe 08/08/2008, --> DJe 08/08/2008). (g.n.)
Entretanto, atualmente há entendimento contrário pelo próprio Superior Tribunal de Justiça, de modo que se posiciona no sentido de que a legítima competência para processar e julgar crimes de estupro de vulnerável consiste ao Juizado da Infância e Juventude, conforme Habeas Corpus nº 398535/RS, relatado pelo Ministro Feliz Fischer, julgado na Quinta Turma, Habeas Corpus nº 316292/RS, relatado pelo Ministro Sebastião Reis Júnior, julgado na Sexta Turma e ainda, pelo Agravo Regimental no Habeas Corpus nº 2019/0034508-1, relatado pelo Ministro Ribeiro Dantas, julgado na Quinta Turma.
No que tange a relevância da palavra da vítima no curso da investigação e da própria ação penal de crimes de estupro de vulnerável cabe ressaltar a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Amapá na apelação nº 0021776-34.2019.8.03.0001, no sentindo de que o depoimento da vítima possui imensa relevância para comprovação dos fatos, vez que boa parte desses crimes ocorrem clandestinamente, sem que haja qualquer testemunha no ato da tentativa ou consumação, observe:
APELAÇÃO. INFÂNCIA E JUVENTUDE. ATO INFRACIONAL ANÁLOGO AO CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL. DEPOIMENTO DA VÍTIMA E DE POLICIAIS. RELEVÂNCIA. ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. MEDIDA SOCIOEDUCATIVA INTERNAÇÃO. RECOMENDÁVEL. 1)É cediço o entendimento de que nos crimes contra a liberdade sexual a palavra da vítima tem uma especial relevância, tendo em vista que na maioria das vezes esses crimes são praticados na clandestinidade, mormente quando está associada com as outras provas no processo. 2)Comprovada a autoria e materialidade delitiva, em especial pelo depoimento da vítima e dos policiais que efetuaram o flagrante, os quais em harmonia com as outras provas dos autos, a imposição de medida socioeducativa é medida que se impõe. 3) Tratando-se de ato infracional análogo ao crime de estupro de vulnerável (crime hediondo), a medida socioeducativa de internação revela-se adequada à reprovação e prevenção do ilícito. 4) Recurso não provido. (TJ-AP - APL: 00217763420198030001 AP, Relator: Desembargador CARLOS TORK, Data de Julgamento: 10/12/2020, Tribunal). (g.n.)
Nos casos de estupro de vulnerável, a produção de provas é absolutamente necessária, pois pouparia ao máximo que inocentes sejam condenados de forma injusta. No entanto, as provas produzidas ao decorrer do processo deverão ser em constância com a verdade, mediante a utilização das provas necessárias para chegar ao verdadeiro culpado, ainda que haja apenas o depoimento da vítima.
Do mesmo modo, importante apresentar o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o qual também possui entendimento positivo quanto a relevância do depoimento da vítima, senão vejamos na Apelação Criminal nº 0006783-88.2018.8.26.0127:
APELAÇÃO CRIMINAL – Estupro de vulnerável – Recurso da Defesa – Absolvição por falta de provas – Improcedência – Os firmes e coerentes depoimentos das testemunhas, aliados ao estudo social realizado na ofendida são suficientes para ensejar a condenação do réu - Relevância da palavra da vítima em crimes sexuais, geralmente cometidos na clandestinidade, longe da presença de testemunhas – Conjunto probatório robusto para lastrear o decreto condenatório – Redução da fração pela continuidade delitiva – Impossibilidade - "Em se tratando de aumento de pena referente à continuidade delitiva, aplica-se a fração de aumento de 1/6 pela prática de 2 infrações; 1/5, para 3 infrações; 1/4 para 4 infrações; 1/3 para 5 infrações; 1/2 para 6 infrações e 2/3 para 7 ou mais infrações" – Precedentes do STJ - Penas impostas e regime prisional adequados à espécie – Recurso Defensivo não provido. (TJ-SP - APR: 00067838820188260127 SP 0006783-88.2018.8.26.0127, Relator: Sérgio Ribas, Data de Julgamento: 15/04/2020, 8ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 15/04/2020). (g.n.)
Note-se com os expostos julgados que os respectivos Tribunais dão vasta relevância aos depoimentos das vítimas, tendo em vista que a conduta ilícita geralmente ocorre de forma obscura e escondida para que não haja a percepção de pessoas, incluindo familiares e amigos das vítimas, bem como, desde que no depoimento seja encontrado coerência entre si.
Ademais, cumpre trazer casos ocorrido no Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, onde no norte do Tocantins, em Wanderlândia, fora condenado por estupro de vulnerável um homem de 61 (sessenta e um) anos, o qual ficou preso por três anos, seis meses e cinco dias na Cadeia Pública de Wanderlândia. Após, ocorreu a sua absolvição concedendo-lhe liberdade após a vítima de 14 anos, que na época do crime tinha 10 anos, ter confessado o fato de ter dado depoimento falso.
Segundo as informações da Defensoria Pública, a adolescente compareceu ao órgão no município para informar que “sua consciência lhe cobrava inocentar o lavrador”. Afirmou ao órgão que, há época ofereceu depoimento falso no único intuito de proteger o atual namorado em razão de ter tido relações sexuais. Com isso, a Defensoria Pública realizou o pedido de revisão do processo criminal.
Ainda segundo o defensor público atuante no caso, durante a instrução processual foi realizado exame do corpo de delito, porém, as provas periciais requeridas não foram realizadas, como por exemplo o exame de DNA nas respectivas vestes da vítima, menor de idade, para localizar vestígios de sêmen do acusado. Assim, foram os autos julgados e o acusado condenado à pena de 11 anos de reclusão, inicialmente em regime fechado.
Com vistas ao art. 630 do Código de Processo Penal, o Tribunal poderá requerer o direito a uma indenização pelos prejuízos, mas segundo consta na sentença "o pleito de indenização não se mostra pertinente, pois não se verificou um erro do Poder Judiciário. As novas provas surgiram através da retratação da vítima".
Ao indiciar uma pessoa pelo crime de estupro de vulnerável, somente pela palavra da vítima, devem-se verificar todas as circunstâncias do crime, pois a falta de certeza da vítima ou até mesmo nas provas coletadas podem ocorrer condenações de pessoas inocentes.
Desse modo, existem casos de condenações que houve falha dentro do sistema penal brasileira, uma vez que na maioria das vezes leva-se em consideração a valoração da palavra da vítima.
Em contrário, há jurisprudências do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins que entende a necessidade de dar relevância ao depoimento da vítima, conforme se vê:
EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. MATERIALIDADE E AUTORIA. DECLARAÇÕES DAS VÍTIMAS. CONDENAÇÃO. MANUTENÇÃO. - As declarações da vítima e da mãe da menor, tem relevante valor probatório para acarretar a condenação pela prática do crime de estupro de vulnerável. - Nos crimes contra os costumes, quase sempre praticados sem a presença de testemunhas, as declarações da ofendida têm valor probante, máxime quando encontram apoio em outros elementos de prova existentes nos autos. - Para a consumação do crime de estupro de vulnerável, não é necessária a conjunção carnal propriamente dita, mas qualquer prática de ato libidinoso contra menor. DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO DENOMINADO DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL PARA CONTRAVENÇÃO PENAL. - Impossibilidade de desclassificação vez que a conduta do apelante ultrapassou em muito a simples contravenção invocada de mera importunação ofensiva ao pudor, prevista no art. 61 do Decreto-Lei nº 3.688/41, ou mesmo o tipo penal inserto no art. 146, do CP, caracterizando, sim, a prática descrita no art. 217-A do Código Penal. (AP 0020956-54.2016.827.0000, Rel. Des. MOURA FILHO, 1ª Turma, 1ª Câmara Criminal, julgado em 14/02/2017). (g.n.)
EMENTA: ESTUPRO DE VULNERÁVEL. AUTORIA COMPROVADA. PALAVRA DA VÍTIMA CONVERGENTE COM AS DEMAIS PROVAS COLHIDAS NOS AUTOS. 1. Nos crimes contra a liberdade sexual, a palavra da vítima recebe importante valor probatório, principalmente quando encontra eco nos autos, decorrente das informações prestadas pelas demais testemunhas. \"Descrer delas, só quando se arregimentam elementos seguros de que têm imaginação doentia ou agem por vingança irracional\" (TJSP; RT 455/332), situação inocorrente na espécie. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. PRÁTICA DE ATOS LIBIDINOSOS DIVERSOS DA CONJUNÇÃO CARNAL. ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE DA CONDUTA E DESCLASSIFICAÇÃO PARA A FIGURA DO ARTIGO 61 DA LEI DAS CONTRAVENÇÕES PENAIS. NÃO ACOLHIMENTO. 3. Na forma da jurisprudência pacificada no STJ, a materialização do crime de estupro de vulnerável (art. 217-A do Código Penal) se dá com a prática de atos libidinosos diversos da conjunção carnal, tais como beijos lascivos e atos consistentes em passar a mão nos seios e nas partes íntimas da vítima. (AP 0007213-45.2014.827.0000, Rel. Des. HELVÉCIO MAIA, 4ª Turma da 1ª Câmara Criminal, julgado em 05/04/2016). (g.n.)
Destarte, é possível compreender a devida proporção que se encontra no depoimento da vítima do crime de estupro de vulnerável e a precisão de os julgadores se posicionarem diante da grande relevância nos mesmos, tendo em vista os costumes e características da conduta do autor do crime, considerando que decorrem de atos que ocorrem de forma clandestina, em lugares que fogem dos olhares dos responsáveis pela criança e o adolescente.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
No intuito de provocar a discussão acerca do estupro de vulnerável instituído pela Lei nº 12.015/09 e realizando a substituição do artigo 224 pelo artigo 227-A do Código Penal Brasileiro, é possível constatar que o delito pode ser caracterizado mediante diversas condutas do meliante, desde que encontre a pretensão de violação da dignidade sexual da criança vulnerável.
Ainda que suposta conduta obtenha o consentimento do indivíduo menor de 14 (catorze) anos, é possível a caracterização do crime de estupro de vulnerável em razão do entendimento de que a criança na respectiva idade não possui desenvolvimento mental e físico completo para discernir o certo e o errado.
Ademais, o estudo esclarece que o elemento subjetivo para a indicação do crime se trata do dolo, materializando na pretensão de realizar a conjunção carnal com a criança, ou ainda a prática de qualquer outro ato libidinoso.
Diante da verificação e comprovação do crime, foi instituído como medida para buscar novas e mínimas provas da realidade dos fatos o instituto do depoimento especializado da vítima, onde a mesma é ouvida em sala divergente a qual ocorre audiência, sendo entrevistada por profissional especializado da saúde e educação, com acompanhamento médico de psicólogo se necessário, no intuito de garantir a segurança mental e física da vítima do estupro de vulnerável.
No entanto, a escuta especializada e também chamada de depoimento sem dano, consiste em uma ferramenta de suma importância na ação penal por cometimento de estupro de vulnerável, cujo objetivo consiste na existência mínima de provas para legitimar decisão condenatória definitiva.
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Artigo publicado em 18/11/2021 e republicado em 16/05/2024.
Bacharela em Direito pela Faculdade Serra do Carmo - Fasec.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Renata Nascimento da. A declaração da vítima por escuta especializada nos casos de estupro de vulnerável: uma análise da presunção de inocência versus a vulnerabilidade da vítima Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 maio 2024, 04:36. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57484/a-declarao-da-vtima-por-escuta-especializada-nos-casos-de-estupro-de-vulnervel-uma-anlise-da-presuno-de-inocncia-versus-a-vulnerabilidade-da-vtima. Acesso em: 23 dez 2024.
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