JOSÉ ALVES MACIEL[1].
(Orientador)
RESUMO: Buscando enquadrar penalmente aqueles indivíduos que possuem doença mental e que cometem determinados crimes, foi criado o instituto da medida de segurança, aos quais são constituídos de dois tipos: a internação e o tratamento ambulatorial. Tais medidas possuem prazos subjetivos, que compete a cada caso concreto a sua aplicabilidade, não devendo em hipótese alguma configurar em ‘prisão’ perpétua. Diante disso, o presente estudo tem como objetivo discorrer a respeito da medida de segurança no que tange ao prazo máximo de duração. Busca-se analisar a constitucionalidade dos prazos estipulados nas medidas de segurança conforme a legislação e jurisprudência. A metodologia empregada neste estudo baseia-se em referências bibliográficas, com base em artigos científicos, livros, reportagens, leis e julgados dos Tribunais, sobretudo STJ e STF.
Palavras-chave: Medida de Segurança. Prazo. Duração. Legislação.
ABSTRACT: Seeking to criminally frame those individuals who have mental illness and who commit certain crimes, the institute of security measure was created, which are made up of two types: hospitalization and outpatient treatment. Such measures have subjective deadlines, which it is up to each concrete case to apply, and should not under any circumstances constitute 'lifelong imprisonment'. Therefore, this study aims to discuss the safety measure regarding the maximum duration period. It seeks to analyze the constitutionality of the deadlines stipulated in the security measures according to legislation and jurisprudence. The methodology used in this study was based on bibliographical references, based on scientific articles, books, reports, laws and judgments of the national courts. In the results, it was clear that the legislator needs to create more specific laws thinking about these specific cases, so that the judiciary can take special care of them, thus protecting society.
Keywords: Security measure. Deadline. Duration. Legislation.
Sumário: 1. Introdução. 2. Metodologia. 3. Medida de Segurança: Aspectos gerais. 3.1 Medida de Segurança e pena: distinções. 4. Requisitos de Aplicabilidade e prazo da Medida de Segurança. 5. Do limite máximo de duração: aspectos jurídicos 6. Considerações Finais. 7. Referências Bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
As medidas de segurança encontradas nas normas brasileira são decorrentes de uma série de movimentos sociais que ocorreram no século XIX e seguintes, e que fomentaram discussões acerca das ações que o Estado deveria ter com as pessoas com sofrimento psíquico.
A medida de segurança é um instrumento a mais (se tratando de pena) que o Estado utiliza em resposta à violação da norma penal incriminadora. Ela é aplicada aos inimputáveis que tenha cometido fatos penalmente puníveis. O foco então, seria
Submeter esses agentes a um adequado tratamento em prol da recuperação da sua saúde mental, e com um fator bastante importante à segurança da sociedade.
Diante disso, foram criadas leis presentes no texto penal, dentre outras, que buscaram enquadrar penalmente aqueles indivíduos que possuam doença mental e que cometem crimes. Dessa forma, encontram-se presente dois tipos de medidas de segurança: a internação e o tratamento ambulatorial.
O presente trabalho, ao seu turno tem como objeto a realização de uma análise crítica sobre a duração da medida de segurança, especialmente no que tange a inexistência de previsão expressa no ordenamento jurídico brasileiro do seu prazo máximo de duração da medida de segurança.
No campo legislativo, no que se refere a esse tema, possui uma lacuna quando se refere ao prazo máximo de cumprimento da medida de segurança pelo agente. Afirmando que sua extinção só poderá ocorrer por perícia médica e até a cessação da sua periculosidade.
Com essa lacuna deixada pelo legislador há uma discussão acerca do prazo máximo da medida de segurança. Principalmente nos casos de internação, tendo em vista que a carta magna, proíbe sanção de caráter perpétuo (art. 5° XLVII, “b”).
Frente a isso, apresenta-se esta análise atual e moderna a respeito da medida de segurança, que vem se tornando de suma importância a sua discussão, principalmente na execução da mesma, encontrando na realidade brasileira o seu principal obstáculo para a sua efetivação.
Com base nisso, a problemática dessa pesquisa se baseia na seguinte questão: de que forma pode-se estabelecer os limites máximo do prazo de cumprimento de medida de segurança?
2. METODOLOGIA
Na metodologia, foi utilizada a abordagem qualitativa de investigação, a qual analisa o fenômeno estudado de forma a não medir seus dados, mas sim, procurar identificar suas naturezas, de forma a privilegiar contextos. Com isso, para discutir a temática proposta, faz-se necessário compreender o contexto em que o assunto é inserido (GIL, 2010).
Ainda na metodologia, foi feita uma revisão de literatura, constituído de estudo bibliográfico e documental. A pesquisa bibliográfica foi realizada por meio de leituras das leis, da Constituição Federal, de revistas jurídicas, de livros e artigos vinculados ao tema.
A coleta de dados é resultado de uma busca feita em bases de dados, tais como: Scielo; Google Acadêmico, dentre outros, entre os dias 10 de agosto a 29 de setembro de 2021. Os descritores foram: Medida de Segurança. Prazo. Jurisprudência. Legislação Brasileira.
3. MEDIDA DE SEGURANÇA: ASPECTOS GERAIS
Antes de adentrar na discussão principal desse estudo é preciso contextualizá-lo. Para isso, nesse tópico serão apresentados os principais aspectos envolvendo o instituto da medida de segurança. Diante de muitas divergências doutrinárias e jurídicas, o fato é que a Medida de Segurança é previsto no texto legal e amplamente efetuado pelo Judiciário.
A medida de segurança está diretamente ligada à periculosidade do agente. A priori, as medidas de segurança “eram utilizadas como meio preventivo às ações dos menores infratores, ébrios habituais ou vagabundos, e constituíam-se em um meio de defesa social contra atos anti-sociais” (MACHADO, 2014, p. 20). Assim, as medidas de segurança eram aplicadas a qualquer cidadão que representasse perigo à sociedade.
Foi no século XIX que as medidas de segurança começaram a ganhar natureza jurídica diversa do que lhe era conferida. Nesse período, o Estado juntamente com os avanços sociais começou a entender que no meio social existiam agentes que por serem considerados “fora da normalidade humana” praticam crimes. Por conta disso, o Estado não poderia “deixar de punir alguém por não possuir consciência nem capacidade para responder por seus atos” (FEITOSA, 2016, p. 02).
Da mesma forma, “o Estado não poderia aplicar a mesma pena que aplicaria a uma pessoa com consciência normal a uma pessoa considerada inimputável, há que se observar o grau de sanidade da pessoa que cometeu o crime” (FEITOSA, p. 2016, p. 02). Daí surgiu dois valores relevantes: “a impossibilidade de punir igualmente quem não possui consciência de seus atos e a necessidade de se responder estes atos com punição estatal” (FEITOSA, 2016, p. 02). Foi com a observância desses valores que se criou a medida de segurança para que o Estado possa punir àqueles que não possuem consciência de seus atos que estão praticando.
O grande feito do positivismo criminal foi haver imposto à consideração do direito penal a realidade humana; haver feito do delito um ato do homem, sujeitos às leis do seu comportamento; foi por fim, haver lançado, como fundamento do fenômeno do delito, um estado de desajustamento social de suas causas antropo-sociológicas (FERRARI, 2015, p. 157).
Diferente do sistema que era aplicado anteriormente, a aplicação da medida de segurança possui origem nos métodos prevenção, que visa o tratamento do delinquente e também a sua recuperação. Segundo Queiroz (2016, p. 418) “a aplicação das medidas de segurança tem uma finalidade exclusivamente preventiva, visto que, por meio delas, pretende-se evitar que o inimputável que tenha cometido um injusto penal volte a repeti-lo”.
Conceitualmente, as medidas de segurança “são consequências jurídicas do delito, de caráter penal, orientada por razões de prevenção especial” (PRADO, 2014, p. 688). Para Ribeiro (2018, p. 39) “a medida de segurança é uma reposta criminal sancionatória a certas categorias de delinquentes sem a capacidade de censurabilidade”.
Em outro conceito, as medidas de segurança:
[...] são sanções penais destinadas aos autores de um injusto penal punível, embora não culpável em razão da inimputabilidade do seu agente. Tais medidas, para serem aplicadas, exigem o concurso simultâneo de todos os requisitos e pressupostos do crime, como exceção, unicamente, da imputabilidade do seu autor (QUEIROZ, 2016, p. 417).
Nesse mesmo sentido, tem-se:
[...] uma forma de sanção penal, com caráter preventivo e curativo, visando a evitar que o autor de um fato havido como infração penal, inimputável ou semi-imputável, mostrando periculosidade, torne a cometer outro injusto e receba tratamento adequado (NUCCI, 2017, p. 479).
No entendimento de Lopes (2015, p. 252) “é o meio empregado para a defesa social e o tratamento do indivíduo que comete crime e é considerado inimputável”. Já para Marques (2017, p. 29) “é a providência ditada pela defesa do bem comum baseada no juízo de periculosidade, que, no tocante aos inimputáveis, substitui o juízo de reprovação consubstanciado na culpabilidade”.
Ademais, Machado (2014, p. 15) entende que “a medida de segurança é uma sanção penal com finalidade preventiva e de caráter terapêutico, visando o tratamento de portadores de periculosidade, evitando assim futuras infrações penais”. Em contraponto a essa definição, muito se discute a respeito da pena e da medida de segurança. Sobre esse aspecto, apresenta-se o tópico a seguir.
3.1 MEDIDA DE SEGURANÇA E PENA: DISTINÇÕES
A pena é uma consequência jurídica do crime. A prática de qualquer ato ilícito, no ordenamento jurídico brasileiro, deve gerar uma sanção, sob pena de nenhuma pessoa ser desestimulada a delinquir.
O Estado tem o dever/poder de aplicar a sanção penal ao autor da conduta ilícita e culpável como forma de retribuição do mal provocado por tal conduta, “castigando” o agente da conduta criminosa, e com a finalidade de evitar que novos crimes possam ser cometidos.
Com isso, a pena possui a finalidade de ser retributiva (retribuição do mal injusto praticado pelo criminoso), preventiva (impedir que se venha praticar novos delitos) e ressocializadora (reeducá-lo para que no futuro, possa reingressar ao convívio social).
Num conceito mais amplo, tem-se:
A pena é a sanção aflitiva imposta pelo Estado, mediante ação penal, ao autor de uma infração (penal), como retribuição de seu ato ilícito, consistente na diminuição de um bem jurídico, e cujo fim é evitar novos delitos (JESUS, 2015, p. 563).
Já em relação a Medida de Segurança, Segundo Dower (2000, p. 122) “a medida de segurança não é pena. A pena é uma sanção baseada na culpabilidade do agente. O louco age sem culpa. Portanto a medida de segurança se fundamenta na periculosidade do agente”. Em posição oposta Pierangeli; Zaffaroni, (2017, p. 29) sustentam “ser a medida de segurança uma forma de pena, pois sempre se retira a liberdade do homem, por uma conduta por ele praticada, na verdade o que existe é uma pena”.
Num posicionamento mais flexível, encontra-se:
Como a pena, e a medida de segurança sanção penal. Bem sabemos que esta concepção não é pacífica, mas ontologicamente, para nós, elas não apresentam distinção. São outras diferenças que as caracterizam, e de natureza quantitativa antes que de qualidade. Na pena prevalece o cunho repressivo, ao passo que na medida de segurança predomina o fim preventivo; porém, como já se fez sentir, a prevenção também não é estranha à pena (NORONHA, 1987, p. 298).
De fato, “o objetivo da pena é a readaptação do criminoso diante da sociedade, por vez que na medida de segurança, a proteção da sociedade contra possível reincidência é o bem jurídico em questão” (MACHADO, 2014, p. 19).
Num contexto mais específico, Cezar Roberto Bittencourt (2020) explica as principais diferenças entre a pena e a medida de segurança; a saber:
a) As penas têm caráter retributivo-preventivo; as medidas de segurança têm natureza eminentemente preventiva.
b) O fundamento da aplicação da pena é a culpabilidade; a medida de segurança fundamenta-se exclusivamente na periculosidade.
c) As penas são determinadas; as medidas de segurança são por tempo indeterminado. Só findam quando cessar a periculosidade do agente.
d) As penas são aplicáveis aos imputáveis e semi-imputáveis; as medidas de segurança são aplicadas aos inimputáveis e, excepcionalmente, aos semi-imputáveis, quando estes necessitarem de especial tratamento curativo.
(BITERNCOURT, 2020, p. 44)
ara aplicação da medida de segurança é necessário observar determinados princípios. Dentre os vários presentes na norma constitucional e infraconstitucional, os destaques, a início é o da legalidade. Encontrado no art. 5º, XXXIX da Carta Magna, “o princípio da reserva legal é um imperativo que não admite desvios nem exceções e representa uma conquista da ciência jurídica que obedece a exigências da justiça, que somente os regimes totalitários o têm negado” (BITENCOURT, 2020, p. 279).
Nesse sentido, “a exemplo das penas, as medidas de segurança também são submetidas ao princípio da legalidade, onde não poderá ser considerado crime, um ato que não tiver sua previsão legal nem tenha sua determinação taxativa de crime” (PRADO, 2014, p. 688).
Tem-se também o princípio da anterioridade, onde “a medida de segurança só poderá ser aplicada se de sua cominação legal preceder à prática de delito, ou seja, se anterior ao ato delituoso já existir uma legislação que condene o ato e o puna com a medida de segurança” (FEITOSA, 2016, p. 05).
Por fim, o princípio da jurisdicionalidade, onde “a medida de segurança só poderá ser aplicada respeitando o ‘due process of law’, também, a competência funcional onde, somente o juiz investido de jurisdição poderá estabelecer e exigir a aplicabilidade da medida de segurança” (FEITOSA, 2016, p. 05).
Passados esses dados preliminares acerca da medida de segurança, necessário tecer alguns comentários a respeito dos requisitos para a sua aplicação, os agentes destinatários da medida e principalmente a respeito do seu prazo. Sobre essas questões apresenta-se o tópico seguinte.
4 REQUISITOS DE APLICABILIDADE E PRAZO DA MEDIDA DE SEGURANÇA
No tópico anterior, verificou-se o que seja uma Medida de Segurança. No texto legal, os artigos 96 a 99 traz as denominadas medidas, que são formas de tratamento compulsório para indivíduos que cometeram delitos, mas que devido ao fato de possuírem doenças ou problemas em saúde mental, não podem sofrer as penas cabíveis (COSTA, 2021).
Com isso, os indivíduos aos quais são destinadas as medidas de segurança são os inimputáveis e semi-imputáveis dotado de periculosidade. O indivíduo inimputável é aquele que não possui “condições de autodeterminação no momento da ocorrência do crime, ou seja, não possuía a plena capacidade de entender o que estava fazendo e nem compreensão do caráter ilícito do fato” (JUNCAL, 2021, p. 30).
De acordo com Carvalho (2020) os inimputáveis são aqueles incapazes de entender seus atos, de saber que o ato é uma infração penal, seja de maneira absoluta ou relativa. Por essa razão, esses indivíduos não podem responder pelo que fizeram e são excluídos penalmente. Entretanto, ficam sujeitos ao cumprimento medidas de segurança estabelecidas na lei.
Importante mencionar que, em determinadas situações, o agente mesmo não possuindo uma doença mental, mas somente uma perturbação psicológica, ainda assim o exame psiquiátrico poderá ser pedido em qualquer momento do procedimento, quando o magistrado entender que será útil. In casu, os indivíduos que não possuem uma doença mental total e sim parcial, são denominados de semi-imputáveis (BRANCO, 2018).
Continuando, a medida de segurança possui dois tipos: a internação em hospital psiquiátrico ou estabelecimento equivalente (natureza detentiva) e o tratamento ambulatorial (natureza restritiva).
Insta salientar que no caso de internação em hospital psiquiátrico, as internações são legisladas pela Lei nº 10.216/2001, a Lei da Reforma Psiquiátrica. Dentro dessa norma se encontra as formas de internações. Assim, cabe destacar o presente artigo que traz essas formas; in verbis:
Art. 6º. A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos.
Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica:
I - internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário
II - internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e
III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça.
(BRASIL, 2001)
Para que ocorra internação hospitalar além de atender aos requisitos previstos no art. 4º da Lei de Reforma Psiquiátrica, onde se deve verificar a impossibilidade de tratamento por outros métodos terapêuticos. A internação deve ser precedida de laudo médico, evidenciando-se a necessidade da medida. Neste laudo, devem ser indicados os motivos de ordem comportamental, de ordem clínica, necessidade de medicação, a existência de perigo para integridade física do paciente, entre outros fatores (MACHADO, 2015).
No que tange a internação de forma voluntária, não existem maiores discussões a serem apontadas, apenas a pessoa internada deve emitir uma declaração de sua vontade, no momento da internação. O seu término ocorre por solicitação escrita do paciente ou por determinação de médico que assiste o paciente (MACHADO, 2015).
Quanto às estas internações involuntárias, merece maior atenção ao tema. A internação involuntária existe porque tal capacidade de discernimento, por vezes, falta ao paciente.
De acordo com a Lei da Reforma Psiquiátrica, em seu art. 8º, o familiar pode solicitar a internação involuntária, desde que o pedido seja realizado por escrito e devidamente aceito pelo médico psiquiatra. Nestes casos, a lei determina que a internação e os motivos devem ser comunicados, pelos responsáveis técnicos do estabelecimento de saúde, no prazo de 72 (setenta e duas) horas, ao Ministério Público Estadual, devendo tal comunicação também ocorrer na alta. Esta determinação tem por objetivo evitar que a internação seja utilizada como forma de cárcere privado (BRASIL, 2001). Já o término da internação involuntária se dá por solicitação escrita do familiar, ou responsável legal, ou quando estabelecido pelo especialista responsável pelo tratamento.
Voltando às medidas de segurança, para a sua aplicabilidade é necessário observar os seus pressupostos, quais sejam: a prática de fato definido como crime, a periculosidade do agente e a prática de fato típico punível (CARVALHO, 2020).
Sobre o prazo, tema central desse estudo, pelo art. 97 § 1º será por tempo indeterminado, até que cesse – via perícia médica – a periculosidade. O prazo mínimo nesses casos é de 1 (um) a 3 (três) anos (BRASIL, 1940). É o que acentua a presente jurisprudência:
MEDIDA DE SEGURANÇA. PEDIDO DE DESINTERNAÇÃO. SUBSTITUIÇÃO DA INTERNAÇÃO POR PRISÃO DOMICILIAR OU OUTRA MEDIDA CAUTELAR. EXAME PSIQUIÁTRICO DO IML. PERICULOSIDADE DO AGENTE. COMPETÊNCIA DO JUIZ DAS EXECUÇÕES. 1 - A internação ou tratamento ambulatorial será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. 2 - Não caracteriza constrangimento ilegal a exigência de exame psiquiátrico do IML antes de se deferir a desinternação ou a transferência para clínica particular, sobretudo se os crimes pelos quais internado o paciente ocorreram no âmbito doméstico e familiar e há conflito entre os interesses do paciente - interditado - e de sua curadora e filha. 3 - Medida de segurança é espécie de sanção penal destinada a tratar inimputáveis e semi-imputáveis (CP, art. 96). Não se substitui por prisão domiciliar ou outra medida cautelar. 4 - Ordem denegada. (TJDFT Processo nº 07061188120208070000 - (0706118-81.2020.8.07.0000 - Res. 65 CNJ). 2º Turma Criminal. Relator: JAIR SOARES. Data de julgamento: 02/04/2020. Publicado no PJe: 20/04/2020). (grifo meu)
Ademais, importante citar que com o advento da reforma no Código Penal, no ano de 1984, passou-se a admitir, em nosso ordenamento jurídico, o sistema vicariante, que consiste na impossibilidade de o Juiz aplicar, cumulativamente, ao sentenciado, uma pena privativa de liberdade e uma medida de segurança. Assim, expungiu-se, do nosso ordenamento o sistema do duplo binário (JUNCAL, 2021).
5. DO LIMITE MÁXIMO DE DURAÇÃO: ASPECTOS JURÍDICOS
Dentro da temática envolvendo a Medida de Segurança, um dos principais debates que se tem é em relação a duração da medida. Ainda que, como citado anteriormente, o art. 97 § 1º afirma que este será por tempo indeterminado e que o prazo mínimo é de 1 (um) a 3 (três) anos, o que se discute é o seu tempo máximo.
Contextualizando: como no regimento jurídico brasileiro não há cumprimento de prisão perpétua, como fica aqueles que ingressados em regime de internação ou tratamento ambulatorial, não cessam a sua periculosidade em tempo razoável? São questionamentos como esse que ainda é discutido na doutrina e na jurisprudência brasileira.
Como bem acentua Dias (2019) o estado de insanidade de um indivíduo pode ter duração eterna, ou seja, durante toda a sua vida, o que impede de ele sair de uma medida de segurança, o que por outro lado, configuraria uma prisão perpétua, que é proibida conforme expressado na atual Carta Magna em seu art. 5º, XLII, b.
Diante desse embate, ao qual o direito brasileiro ainda não possui uma decisão única, fica a cargo da doutrina e da jurisprudência em estabelecer o que seria viável a uma penalização máxima para esses casos. De um lado, encontra-se o entendimento de que o § 1º do art. 97 do Código Penal, que aduz que o prazo máximo para o cumprimento da medida de segurança deve perdurar até a cessação da periculosidade do agente, é o posicionamento correto, haja vista que essa ação teria duração até o fim da doença ou perturbação da saúde mental do agente, quando o mesmo estará apto a viver em sociedade (DIAS, 2019).
Nesse grupo, encontra-se como defensores o doutrinador Fernando Capez (2010) e Guilherme de Souza Nucci (2010). Para Capez (2010, p. 321) “o prazo nesses casos será por tempo não determinado, o que será sanado, apenas por meio de exame médico, comprovando a cessação da periculosidade do agente”.
Do mesmo modo, Nucci (2010, p. 462) afirma que “apesar de seu caráter de sanção penal, a medida de segurança não deixa de ter o propósito curativo e terapêutico. Ora, enquanto não for devidamente curado, deve o sujeito submetido à internação permanecer em tratamento, sob custódia do Estado”.
Prado (2010) corrobora com o entendimento acima descrito. Para esse autor, a medida de segurança não pode ser vista como uma pena, mas sim uma alternativa proposta pelo Estado em fazer com que os inimputáveis e os semi-imputáveis venham a cumprir o senso de justiça social por meio de medidas que adaptem à sua integridade. Busca-se, sobretudo, que ela venha a eliminar a periculosidade do agente. Portanto, a medida de segurança deve ser indeterminada no tempo, não excluindo a possibilidade de ela durar a vida toda do condenado, objetivando que o mesmo não venha a cometer novos delitos.
Em outra corrente, a presente medida deve ter um prazo já estabelecido previamente, caso contrário seria considerado como uma prisão perpétua, o que não é permito em solo jurídico brasileiro.
Nessa seara, o que se compreende é que não se deve afastar a proximidade entre a medida de segurança e a pena, porque ambas privam a liberdade de outrem devido ao cometimento de um fato típico e ilícito; assim como ambas possuem a finalidade retributiva e preventiva. Ou seja, da mesma forma que existe os limites constitucionais e legais previstos à pena também incidam nas medidas de segurança.
Uma vez estabelecido o entendimento de que a medida de segurança deve ter um prazo estipulado, discute-se qual o critério utilizado para a sua aplicação. Nesse sentido, cabe salientar que dentro dessa corrente existem duas vertentes: a primeira defende que a medida de segurança terá o prazo limite de 30 anos (como normatiza o art. 75 do código penal) e a segunda corrente entende que o limite a ser implantado tem como base a pena em abstrato cominada do delito praticado.
Vale lembrar, que o legislador ao votar na lei 13.964/2019 conhecida pelo Pacote Anticrime, inseriu importante alteração no código penal. A nova redação elevou o teto de cumprimento de pena privativa de liberdade de 30 anos para 40 anos. Ficando o artigo com a seguinte redação.
Art. 75. O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 40 (quarenta) anos.
§ 1º Quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja superior a 40 (quarenta) anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo deste artigo
A respeito dessa questão, encontra-se os posicionamentos jurisprudenciais, que assim como há na doutrina jurídica, também possui entendimento diversos. A priori, o Superior Tribunal de Justiça já vem afirmando entendimento de que a pena imposta para o presente caso é determinada conforme o delito praticado. Essa posição tem como base a Súmula nº 527, que estabelece: “O tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado”.
Como exemplo, cita-se o seguinte julgado:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. SUPERVENIÊNCIA DE PERTURBAÇÃO DA SAÚDE MENTAL. MEDIDA DE SEGURANÇA SUBSTITUTIVA. INTERNAÇÃO EM HOSPITAL PSIQUIÁTRICO. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Consolidou-se nesta Superior Corte de Justiça entendimento no sentido de que a medida de segurança prevista no art. 183 da Lei de Execução Penal é aplicada quando, no curso da execução da pena privativa de liberdade, sobrevier doença mental ou perturbação da saúde mental, ocasião em que a sanção é substituída pela medida de segurança, que deve perdurar pelo período de cumprimento da reprimenda imposta na sentença penal condenatória, sob pena de ofensa à coisa julgada. 2. Na hipótese vertente, ficou devidamente comprovada a perturbação da saúde mental do sentenciado, conforme laudo apresentado por Junta Médica Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, registrando-se que “o periciando […] possui perturbação da saúde mental codificada por Depressão recorrente (CID-10: F.33)”. Também possui diagnósticos de Hipertensão arterial (CID-10:1.10) e Apnéia obstrutiva do sono (C1D-1(l: G.47.3). Hipoxemia. Consta dos autos, outrossim, relatório médico subscrito por psiquiatra forense, atestando a gravidade do quadro psiquiátrico do ora paciente, com recomendação de sua internação hospitalar, ocasião em que o referido profissional relatou, inclusive, risco de suicídio. 3. Assim, impõe-se, efetivamente, a conversão da medida de segurança por internação em hospital psiquiátrico. 4. Agravo regimental não provido. (AgRg no HC 531.438/GO, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 12/05/2020, DJe 18/05/2020). (grifo meu)
Para entender o posicionamento desta Corte, cita-se:
A conclusão do STJ é baseada nos princípios da isonomia e proporcionalidade (proibição de excesso). Não se pode tratar de forma mais gravosa o infrator inimputável quando comparado ao imputável. Ora, se o imputável somente poderia ficar cumprindo a pena até o máximo previsto na lei para aquele tipo penal, é justo que essa mesma regra seja aplicada àquele que recebeu medida de segurança (CAVALCANTE, 2019, p. 22).
Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal vem julgando no sentido de que a pena imposta no caso de medida de segurança não pode exceder 30 anos (art. 75, do CP); a saber:
PENAL. HABEAS CORPUS. RÉU INIMPUTÁVEL. MEDIDA DE SEGURANÇA. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. PERICULOSIDADE DO PACIENTE SUBSISTENTE. TRANSFERÊNCIA PARA HOSPITAL PSIQUIÁTRICO, NOS TERMOS DA LEI 10.261/2001. WRIT CONCEDIDO EM PARTE. I – Esta Corte já firmou entendimento no sentido de que o prazo máximo de duração da medida de segurança é o previsto no art. 75 do CP, ou seja, trinta anos. Na espécie, entretanto, tal prazo não foi alcançado. II - Não há falar em extinção da punibilidade pela prescrição da medida de segurança uma vez que a internação do paciente interrompeu o curso do prazo prescricional (art. 117, V, do Código Penal). III – Laudo psicológico que reconheceu a permanência da periculosidade do paciente, embora atenuada, o que torna cabível, no caso, a imposição de medida terapêutica em hospital psiquiátrico próprio. IV – Ordem concedida em parte para determinar a transferência do paciente para hospital psiquiátrico que disponha de estrutura adequada ao seu tratamento, nos termos da Lei 10.261/2001, sob a supervisão do Ministério Público e do órgão judicial competente. (STF - HC: 107432 RS, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 24/05/2011, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-110 DIVULG 08-06-2011 PUBLIC 09-06-2011). (grifo meu)
Em que pese a diferenciação dos entendimentos das Cortes brasileiras, para fins desse estudo, o posicionamento do STJ nos parece mais viável e justo. Isso é fundamento pelo fato de que na linha de entendimento do STF, pode ser possível levar um indivíduo, que caso tenha praticado um crime de furto qualificado (pena máxima de 8 anos), por exemplo, a um período de 30 (trinta) anos de medida de segurança. Essa situação mostra um flagrante desrespeito aos princípios da isonomia, proporcionalidade, razoabilidade e proibição do excesso.
Por outro lado, o posicionamento do STJ é mais semelhante aos preceitos do texto constitucional brasileiro, porque traz a ideia de que a medida de segurança, não pode ser eterna, sendo, portanto, imposta conforme o limite máximo da pena abstratamente cominada ao crime, respeitando-se os princípios da isonomia e individualização da pena.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A medida de segurança, presente no ordenamento jurídico brasileiro, busca aplicar a pena cabível àqueles que cometeram crimes dos quais não se pode ficar sem julgamento. São indivíduos que não possuem o discernimento necessário, no momento do delito criminal, para entender a sua ação delituosa.
Para esses, busca-se inseri-los nos estabelecimentos adequados, ao lado da família e com constante acompanhamento médico, para que o objetivo da pena – ressocialização e reintegração social – se torne efetiva, evitando novos cometimentos de delitos.
Ocorre que a legislação brasileira não tem dado um prazo específico para aqueles que são internados, ou seja, terão tempo indeterminado, evidenciando assim uma lacuna na legislação no que se refere ao prazo máximo de cumprimento da medida pelo agente.
A justificativa da escolha desse tema, se deu inicialmente por entender, em que pese a importância da medida de segurança, no que se refere ao prazo, a legislação brasileira ainda não encontra na lei o tempo determinado para o cumprimento da pena nesses casos. A lei não disciplinou e que tem
Desse modo, fica evidente constatar que é preciso que haja uma análise mais aprofundada sobre essa questão, embasando assim, novamente a importância em se discutir tal tema.
O que ficou claro no decorrer desse estudo é que a medida de segurança ainda é motivo de debates, encontrando posicionamentos diversos. Sem adentrar no mérito dessa discussão, já explanada no trabalho, o que se conclui é que a medida de segurança não deve ser convertida em uma prisão perpétua. Deve-se buscar um limite máximo para a sua duração.
Nesse ponto, fica-se apoiado o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, ao qual entende a pena imposta deva ser conforme o limite máximo da pena abstratamente cominada ao crime, respeitando-se os princípios da isonomia e individualização da pena.
Apesar de entender que essa corrente é a mais justa, fica ainda a crítica em relação a uma decisão única sobre a questão do prazo. Nesse sentido, a situação encontrada sobre essa matéria nos mostra que há uma urgência em ter mudanças, com a criação de uma legislação mais específica sobre esse assunto.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Vol. 4 - 14ª edição. Editora: Saraiva Jur, 2020.
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[1] Professor Orientador do curso de Direito da Universidade de Gurupi – UnirG. Especialização: Direito Processual Civil- Universidade Tiradentes, Direito Penal e Processual Penal- Centro De Ensino Superior de Jataí.
Artigo publicado em 18/11/2021 e republicado em 16/05/2024
Bacharela em Direito pela Universidade de Gurupi – UnirG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MORAES, Lorena Franco. Medida de segurança: análise sobre o prazo máximo de internação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 maio 2024, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57491/medida-de-segurana-anlise-sobre-o-prazo-mximo-de-internao. Acesso em: 23 dez 2024.
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