RESUMO: Com a facilidade de acesso à internet, é necessário redobrar todos os cuidados, em especial aos vulneráveis, quanto às condutas criminosas que também se fazem presentes nesse ambiente. O estupro virtual de vulnerável é um tema profundo e não está tipificado no atual código penal brasileiro. O presente estudo visa analisar a possibilidade de imputação ao crime de estupro virtual de vulnerável, e os efeitos negativos causados pela ausência de tipificação penal, considerando a não aplicação integral do art. 217-A, quanto ao aspecto virtual, tendo em vista a possibilidade de desqualificação para o crime de satisfação da lascívia do art. 218-A, bem como, conceituar estupro virtual de vulnerável no âmbito jurídico. Utilizou-se o método bibliográfico, baseado em doutrinas, jurisprudências e a legislação penal brasileira em vigor. Conclui-se que é possível imputar como crime no ordenamento jurídico o estupro virtual de vulnerável, que mesmo sem contato físico, viola a dignidade e liberdade sexual da vítima, bem como seu psicológico.
PALAVRAS-CHAVE: Estupro virtual de vulnerável. Avanço tecnológico. Imputação jurídica. Dignidade sexual.
ABSTRACT: With the constant advancement of technology and its ease of access, especially to the internet, it is necessary to redouble all care, especially for the vulnerable, with regard to criminal conduct that is also present in this environment. The virtual rape of the vulnerable is a deep issue and is not typified in the current Brazilian penal code. This study aims to analyze the possibility of imputing the crime of virtual rape of a vulnerable person, and the negative effects caused by the lack of criminal classification, considering the non-full application of art. 217-A, regarding the virtual aspect, in view of the possibility of disqualification for the crime of satisfaction of the lust of art. 218-A, as well as conceptualize virtual rape of vulnerable in the legal scope. The bibliographic method was used, covering doctrinal studies, jurisprudence, the Brazilian criminal legislation in force, in addition to legal articles related to the subject, and texts explained on the internet with an adequate source of elaboration. It is concluded that it is possible to impute as a crime in the legal system the virtual rape of the vulnerable, which even without physical contact, violates the dignity and sexual freedom of the victim, as well as their psychological condition.
KEYWORDS: Vulnerable virtual rape. Technological progress. Legal imputation. Sexual dignity.
1 INTRODUÇÃO
Considerando o constante avanço da tecnologia e sua facilidade de acesso, principalmente à internet, é notório que a cada dia que passa, as pessoas estão cada vez mais dependentes da virtualidade. Entre os diversos benefícios que a tecnologia proporciona, é necessário redobrar todos os cuidados, em especial aos vulneráveis, quanto às condutas criminosas que também se fazem presentes nesse ambiente.
No atual Código Penal, em seu art. 217-A, incluído pela Lei 12.015 de 2009, o estupro de vulnerável é caracterizado com a conjunção carnal, ou seja, acoplamento pênis-vagina, ou por outro ato libidinoso com menor de 14 anos, mas isso no mundo real.
Dessa maneira, o agressor que comete o estupro por meio virtual, muitas vezes tem uma pena mais branda, tendo em vista o art. 218-A, considerando a não aplicação integral, no aspecto virtual, do art. 217-A, cuja pena é de 8 (oito) a 15 (quinze) anos de reclusão.
Assim, o problema encontrado foi: como penalizar um crime não tipificado, considerando a não aplicação integral do art. 217-A, quanto ao aspecto virtual, tendo em vista a possibilidade de desqualificação para o crime de satisfação da lascívia do art. 218-A?
O objetivo geral da pesquisa é analisar a possibilidade de imputação ao crime de estupro virtual de vulnerável, e os efeitos negativos causados pela ausência de tipificação penal, considerando a não aplicação integral do art. 217-A, quanto ao aspecto virtual, tendo em vista a possibilidade de desqualificação para o crime de satisfação da lascívia do art. 218-A.
O tema do presente artigo foi escolhido após a notícia de um estudante de medicina do Rio Grande do Sul, ter mantida a condenação de 12 anos e 9 meses de reclusão, por estupro virtual de vulnerável. O estudante se comunicava com uma criança de 10 anos, por meio de uma rede social, mantendo conversas de cunho sexual. (LEMOS, 2020. s/n).
Sendo assim, a presente pesquisa apresenta extrema relevância social, uma vez que demonstra a incapacidade do Código Penal de 1940 de atualizar-se com a rápida evolução da sociedade, principalmente no que tange à tecnologia, algo tão presente nos dias atuais, inclusive na vida de crianças e adolescentes.
O primeiro capítulo deste artigo, intitulado: Princípios constitucionais presentes no Código Penal, aplicados à dignidade sexual, trata sobre os princípios constitucionais violados. O segundo capítulo denominado: Estupro virtual de vulnerável, abordou sobre a configuração do estupro virtual de vulnerável no âmbito jurídico; as consequências psicológicas à vítima de estupro virtual de vulnerável; e as dificuldades investigativas na obtenção de indícios de autoria e prova da materialidade.
O terceiro capítulo explanou sobre a não aplicação integral do art. 217-A do Código Penal, quanto ao aspecto virtual, e sua possível desqualificação para o art. 218-A, do Código Penal, quanto a satisfação da lascívia. O quarto capítulo nomeado de: Atualização da legislação penal brasileira, abordou sobre a atualização do Código Penal no que tange ao capítulo dos crimes contra dignidade sexual, considerando os constantes avanços tecnológicos no cyberespaço; a possibilidade de imputação jurídica ao agente que comente o estupro virtual de vulnerável; as divergências doutrinárias e jurisprudenciais em relação ao estupro virtual de vulnerável e sobre a tipificação do fato como crime.
2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PRESENTES NO CÓDIGO PENAL, APLICADOS A DIGNIDADE SEXUAL
2.1 Princípios constitucionais violados
A Constituição Federal possui como fundamento máximo a dignidade da pessoa humana. Em suma, é um princípio constitucional que tem por finalidade valorizar homem e mulher como pessoa, abarcando valores morais, éticos e espirituais. (JESUS, 2018, p. 226).
Nesse passo, sendo o princípio norte do ordenamento jurídico brasileiro, tem como resultado todas normas, mandamento ou instrução, seja ela de cunho material ou processual, seja necessário obedecer e respeitar a dignidade da pessoa humana.
Segundo Motta (2013, s/n) entende que
A dignidade é essencialmente um atributo da pessoa humana pelo simples fato de alguém "ser humano”, se tornando automaticamente merecedor de respeito e proteção, não importando sua origem, raça, sexo, idade, estado civil ou condição sócio-econômica.
É um princípio fundamental incidente a todos os humanos desde a concepção no útero materno, não se vinculando e não dependendo da atribuição de personalidade jurídica ao titular, a qual normalmente ocorre em razão do nascimento com vida.
Estreitando para a dignidade sexual, o referido princípio busca garantir o tratamento digno à sexualidade humana, assegurando a intimidade e a individualidade, seja para pessoa plenamente capaz ou vulnerável. Noutras palavras, a pessoa não pode ter seu direito sexual violado por agressores(as) que praticam crimes dolosamente, por meio de toque físico, palavras e olhares, principalmente aquilo que cause constrangimento, humilhação a sua vida privada e à sua intimidade, uma vez que são incalculáveis os danos causados psicologicamente.
Sendo assim, quando o vulnerável passa a ser constrangido à prática da conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso, seja ela no mundo real ou virtual, entende-se violada sua dignidade humana, bem como sua dignidade sexual.
Em consonância com esse pensamento, o Superior Tribunal de Justiça (2017, p.1) publicou a Súmula nº 593
O crime de estupro de vulnerável se configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente.
Na mesma esteira, a Constituição Federal (1988, s/n) é clara quanto a proteção dos direitos e deveres individuais no âmbito da dignidade sexual, senão vejamos
Art. 5º, caput, X: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Sendo assim, a carta magna garante com clareza os direitos de todo ser humano, resguardando sua dignidade humana e sexual, devendo o Estado preservá-los e repará-los quando houver violação destes, criando normas tipificando qualquer tipo de crime que os atinja.
3 ESTUPRO VIRTUAL DE VULNERÁVEL
3.1 Configuração do estupro virtual de vulnerável no âmbito jurídico
Para uma melhor compreensão acerca do tema, é necessário entender quem são os vulneráveis para o Direito Penal. Considera-se vulnerável o menor de 14 anos e aquele que, por enfermidade ou doença mental não tenha o necessário discernimento para a prática do ato, ou aquela que, mesmo por causa transitória, não possa oferecer resistência, de acordo com a redação do art. 217-A, caput e §1º, do Código Penal.
Sendo assim, são essenciais normas especiais para proteger essas pessoas consideradas vulneráveis. Para Oliveira Júnior (2010, s/n) “a proteção legal passa a ser a lente pela qual possa ser visualizado aquele que se apresenta como o mais frágil, necessitando de cuidados especiais”.
Noutro giro, vale ressaltar o fato de que, a geração atual é altamente inserida no mundo da tecnologia. Redes sociais e jogos on-lines fazem parte da composição do ciclo de amizades das crianças e adolescentes no mundo de hoje. Porém, é importante distinguir que tamanha agilidade e destreza não significa ter maturidade para lidar com as mais variadas armadilhas da internet.
Nessa esteira, Zamataro (2019, s/n) explana que
Apesar de todas as vantagens que esses espaços oferecem, eles também são considerados a face mais perigosa do universo virtual. Isso porque as crianças são colocadas diante de uma tela cheia de possibilidades e informações quando ainda estão desenvolvendo a capacidade de discernir o que é verdadeiro ou falso e bom ou mau. Assim, a rede vira uma porta aberta para diferentes perigos.
É importante frisar que abusos sexuais também são cometidos pela internet. Os agressores sabendo do exorbitante número de menores presentes no mundo virtual, misturaram-se por meio de perfis fakes, sejam em redes sociais ou em jogos on-lines, para então entrarem em contato com estas. Usando uma linguagem simples e atual, conquistam as vítimas por meio de chats, com o objetivo de conseguir materiais de cunho eróticos da vítima.
Nessa lógica, o Recurso Ordinário em Habeas Corpus – RHC 70976/MS/2016/0121838-5 (2016, s/n) tendo como relator o Ministro Joel Ilan Paciornik, entendeu que “a dignidade sexual não se ofende apenas por meio de lesões de natureza física, mas também com transtornos psíquicos que a vítima terá que suportar. Assim, ocorrendo lesões físicas à vítima, estas serão levadas em consideração no momento de dosimetria da pena”.
Dessa maneira, o estupro virtual de vulnerável se consuma com a prática de qualquer ato de libidinagem ofensivo à dignidade sexual da vítima. A ocorrência de contato físico direto é dispensável, pois o que vale é o nexo causal entre o ato praticado, destinado à satisfação da sua lascívia, ainda que por meio virtual, e o efetivo dano sofrido pela parte ofendida.
Ressalta-se que, assim como no estupro físico, no estupro virtual, consequentemente, haverá danos psicológicos irreversíveis à vítima, lesando sua dignidade humana e sexual, bem como psicológica.
Com isso, no momento que o vulnerável for coagido à prática de libertinagem, mesmo que sem contato físico, ou mesmo que ingenuamente, seja convencida a trocar qualquer material de cunho erótico sem o potencial conhecimento disso, entende-se violada sua dignidade humana e sexual, e mais que isso, também se considera violada sua dignidade psicológica.
3.2 Consequências psicológicas à vítima de estupro virtual de vulnerável
É de suma importância adentrar nas consequências que o abuso sexual pode causar à vítima, uma vez que não é possível diferenciar dano superior ou inferior, se tratando de crimes sexuais, tendo em vista que as sequelas podem acompanhá-la para sempre.
É sabido que traumas psicológicos mudam totalmente a vida de um indivíduo, ou seja, obscurecem e são capazes de impedir o bem-estar conforme a realidade subjetiva de cada ser humano.
Nesse aspecto, Campos (2018, s/n) explica que
Traumas psicológicos são sequelas emocionais, deixadas por uma experiência que causou imensa dor e sofrimento ao traumatizado, tal experiência (também chamada de evento traumático) é de tal magnitude que afetam profundamente o comportamento, pensamento e sentimentos do indivíduo, e este, por sua vez, fará de tudo para evitar reviver ou relembrar qualquer fato ligado ao que lhe causou traumatizou.
Nas lições de Prado (2004, p.64) em sua grande maioria, as alterações emocionais traduzem-se em sentimento de medo, culpa, vergonha, tristeza, ansiedade, irritabilidade e raiva, além de possíveis mudanças no comportamento sexual, isolamento social, mudanças na alimentação, na qualidade do sono, e ainda a vontade de se mutilar.
Lobo (2016, s/n) corrobora do mesmo pensamento
Distúrbios do sono são comuns, depressão, transtorno de estresse pós-traumático, sentimento de degradação e perda da autoestima, sentimento de despersonalização ou desrealização, culpa, ansiedade, temor de andar ou ficar só. Medo das pessoas atrás delas e de multidões, temores sexuais, pesadelos repetidos recapitulando o estupro, síndrome do pânico, tendências suicidas e problemas com relacionamentos íntimos.
O constrangimento é constante e o convívio social torna-se um desafio. Essas alterações no comportamento da vítima podem incluir baixa atenção e concentração, baixo rendimento escolar, rebeldia, desconfiança, entre outros. Nesse aspecto, entre vários distúrbios causados pelo abuso sexual, muitas vezes levam à vítima a buscar “uma saída” no suicídio, acreditando ser a solução para todo ocorrido.
3.3 As dificuldades investigativas na obtenção de indícios de autoria e prova da materialidade
Como já explanado nos capítulos anteriores, com a facilidade de acesso à internet, as pessoas estão cada vez mais dependentes da virtualidade. Entre os diversos benefícios que a tecnologia proporciona, é necessário redobrar todos os cuidados, em especial aos vulneráveis, quanto às condutas criminosas que também se fazem presentes nesse ambiente.
Com o conhecimento do grande número de crianças e adolescentes usando a web, os predadores virtuais atacam das mais variadas formas, a exemplo disso a mais comum, a criação de perfis fakes, com o intuito de aproximação das vítimas através de salas de bate-papo e similares.
Além disso, Granchi (2020, s/n) aponta
A tática de abordagem é da engenharia social. Eles (os criminosos) descobrem um ponto de ligação do jovem para início de uma conversa. Às vezes se passam por crianças ou adolescentes, usando perfil falso para começar o contato com essas crianças. Quando passam a ter uma intimidade com a criança ou adolescente, ele se revela.
Por isso, é de extrema relevância a presença dos pais no controle destas ferramentas, uma vez que a internet coloca o mundo à disposição dos vulneráveis, possibilitando o cometimento de crimes por esse meio. (SEIXAS, 2019, s/n).
Desse modo, é importante salientar as dificuldades encontradas para o combate dos crimes cometidos pelo virtual. Nesse sentido, ainda segundo o autor, explica que
Muitas vezes a polícia consegue chegar ao crime, mas não consegue provar a autoria. “A internet é um meio que deixa rastro, mas ainda assim a nossa legislação está muito defasada. É preciso que os rastros sejam armazenados pelas operadoras de internet. Muitas vezes a gente consegue chegar ao crime, mas não consegue provar a autoria porque o provedor de internet não guarda esses rastros que o criminoso deixou.
Mesmo com as dificuldades encontradas, Granchi (2020, s/n) alerta
É importante dizer que o crime pela internet, por mais técnico que seja, é possível de ser rastreado. As pessoas, normalmente, deixam pegadas digitais e a polícia consegue fazer toda a investigação. É engano dos criminosos acharem que praticam crimes sem deixar nenhum tipo de rastro nos meios digitais.
Sendo assim, especialistas na área da informática afirmam que é possível rastrear os rastros deixados pelos pedófilos atrás dos endereços de IP (Internet Protocol), que é conhecido como o endereço do computador. Nesse sentido, Dorigon e Soares (2018, p.2) concordam que
A autoria é o primeiro problema a ser enfrentado pela polícia investigativa ao que concerne aos crimes virtuais, uma vez que dificilmente uma pessoa que cometeu um ilícito penal utilizou de sua identificação real. É esse um dos motivos que fazem com que o endereço do protocolo de internet seja uma das evidências de maior relevo nas investigações dos crimes cibernéticos. O endereço IP ou Protocolo de Internet – Internet Protocol – é a identificação atribuída a um dispositivo de acesso à rede mundial de computadores a cada conexão deste com a internet. É com a descoberta da identificação do número IP que será possível localizar de onde se originou a conexão criminosa no mundo físico e, consequentemente, criando a possibilidade de se identificar a pessoa que se utilizou do instrumento do crime, ou seja, os possíveis autores do ato delitivo.
Assim sendo, são inúmeras dificuldades que se tem pela busca de materialidade delitiva e indícios de autoria. Considerando a dinâmica do mundo virtual, os crimes na web são praticados das mais variadas formas, com isso, o trabalho dos investigadores torna-se cada vez mais complexo. Seixas (2019, s/n) orienta que
Primeiro é preciso ter uma legislação adequada, depois a gente precisa de uma polícia estruturada e pessoal capacitado, que conheça o funcionamento da internet, os termos técnicos, e que saibam fazer uma investigação virtual. Com isso e com a colaboração da sociedade, que precisa denunciar e confiar nas instituições para resolver esses problemas, a gente consegue reduzir bastante a incidência do crime de pedofilia na internet.
Diante disso, o meio mais eficaz ao combate de crimes cometidos pelo meio virtual são as denúncias. Para isso, é necessário um maior controle dos pais e a observação da criança ou adolescente perante o mundo da internet.
Destarte, salienta-se ainda que, por mais que as dificuldades da polícia investigativa sejam uma realidade, fica explícito também a falta de investimento por parte do Estado na capacitação recorrente dos agentes incumbidos pelo andamento de quaisquer investigações nesse tipo de crime, para assim, acompanhar o desenrolar diário da tecnologia e inibir o surgimento de novos crimes pelo meio virtual.
4 A NÃO APLICAÇÃO INTEGRAL DO ART. 217-A DO CÓDIGO PENAL, QUANTO AO ASPECTO VIRTUAL, E SUA POSSÍVEL DESQUALIFICAÇÃO PARA O ART. 218-A, DO CÓDIGO PENAL, QUANTO A SATISFAÇÃO DA LASCÍVIA
A Lei 12.015, de 2009 trouxe importantes alterações para o Código penal, entre elas os artigos 217-A e 218-A, que tratam sobre estupro de vulnerável, e satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente, respectivamente.
Considerando os verbos “ter” e “praticar” do art. 217-A, é possível entender que o crime de estupro de vulnerável, somente se consuma com o contato físico, seja a conjunção carnal ou a prática de qualquer outro ato libidinoso. Em outras palavras, é necessário o agente tocar na vítima para que seja consumado tal delito.
Todavia, é plenamente possível enquadrar o estupro virtual de vulnerável ao art. 217-A, uma vez que, para a caracterização deste crime, mesmo não havendo contato algum, qualquer conduta capaz de satisfazer a lascívia e gerar prazer ao agressor, é considerado ato libidinoso. Sendo assim, há a contemplação da lasciva e, mesmo à distância, o ofensor procura satisfazer a sua libido com a nudez alheia.
Greco (2013 apud JESUS, 2018, p. 233) é adepto desta mesma linha de pensamento e acredita que o contato físico entre a vítima e o agressor não seja necessário para o reconhecimento do estupro por meio virtual, quando a conduta do agente for direcionada para própria vítima, para que esta pratique o ato libidinoso.
Capez (2012 apud CALDAS; SILVA, 2018, s/n), acredita que, se o agressor constrange ou manipula a vítima a se despir para admirá-la lascivamente, sem forçar a prática de qualquer ato de cunho sexual, poderá ser penalizado por constrangimento ilegal, já que para ser configurado estupro, seja necessário no mínimo o ato libidinoso, não podendo dizer que o olhar é considerado como tal.
Sucede que, conforme a parte final do artigo 217-A “[...] praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos”, com pena de 8 (oito) a 15 (quinze) anos de reclusão, há a realização desse ato por parte do agressor, que viola a dignidade e liberdade sexual da vítima, bem como seu psicológico. (BRASIL. 2009, s/n).
Assim, verifica-se que ainda não há entendimento pacífico sobre o tema. Com isso, acaba que por muitas vezes, o agressor é condenado pelo crime do art. 218-A, na sua parte final: “[...] “praticar ou induzir criança ou adolescente, a satisfação de lascívia, com pena de 2(dois) a 4 (quatro) anos de reclusão”. (BRASIL. 2009, s/n).
O maior prejudicado sempre será a vítima, já que teve sua dignidade sexual e seu psicológico violados, e ainda por cima, verá seu agressor ter uma pena mais branda por isso, o que deveria ser alterado, uma vez que esta é constrangida ou manipulada a participar de atos com a finalidade de gerar prazer ao ofensor.
5 ATUALIZAÇÃO DA LEGISLAÇÃO PENAL BRASILEIRA
5.1 A atualização do Código Penal no que tange ao capítulo dos crimes contra dignidade sexual, considerando os constantes avanços tecnológicos no cyberespaço
De prima, vale relembrar que antes de 2009, o Código Penal tratava o capítulo VI como: “Dos crimes contra os costumes”, uma vez que naquele tempo, se prescrevia como as pessoas deveriam se comportar sexualmente em sociedade. Com isso, a impressão que se passava era que se uma mulher fosse vítima de estupro, a culpa seria desta, e não do agressor. (JESUS, 2018, p. 233).
Ainda de acordo a autora, ensina que
A vítima quando deflorada, por exemplo, com ou sem o próprio consentimento era rejeitada muitas vezes por sua família e até mesmo pela sociedade. Entendia-se, à época, ser imoral a mulher perder a virgindade antes do casamento, de acordo com os costumes daquele tempo a mulher deveria ser honesta, não sensual a ponto de provocar a libido do agente.
Após isso, entrou em vigor a lei 12.015/2009, sendo responsável por alterar a denominação “Dos crimes contra os costumes”, adotando a seguinte nomenclatura: “Dos crimes contra dignidade sexual”. Essas alterações trouxeram diversas novidades para o direito penal, uma vez que antes da referida lei entrar em vigor, notava-se alguns dispositivos que infringiam a dignidade da pessoa humana. Com isso, foram criados novos delitos, e outros tiveram a suas penas modificadas.
Isto posto, a supracitada lei incluiu o art. 217-A, denominado “Estupro de vulnerável”, aumentando a pena se a lesão corporal resultar em natureza grave ou se a conduta resultar na morte da vítima. Bem como se prática delitiva resultar em lesão corporal de natureza leve, presume-se, então, que o agente seja punido com pena mais branda, mesmo que este cause graves danos psicológicos à vítima, como já explanados outrora em capítulos anteriores. (BRASIL, 2009, s/n).
Por mais que esta lei tenha sido uma alteração de grande importância para o Direito Penal, é necessário observar também os crimes que estão acontecendo de forma virtual e que possuem praticamente os mesmos danos dos que são realizados no mundo real. Cita-se, por exemplo, práticas sexuais que constrangem a vítima, porém, o Código Penal não as enquadra como estupro.
De acordo com Greco (2013, p. 497 apud JESUS, 2018, p. 233) é objetivo em dizer que
O estupro pode ser caracterizado mesmo sem contato físico: Entendemos não ser necessário o contato físico entre o agente e a vítima para efeitos de reconhecimento do delito de estupro, quando a conduta do agente for dirigida no sentido de fazer com que a própria vítima pratique o ato libidinoso, a exemplo do que ocorre quando o agente, mediante grave ameaça, a obriga a se masturbar.
Na mais recente atualização deste capítulo, entrou em vigor a Lei 13.718/2018. A princípio, a principal alteração foi quanto a tipificação como crime da conduta nomeada como “importunação sexual”, inserida no art. 215-A do Código Penal.
Segundo Araújo (2018, s/n) elucida que
Tal tipificação era reclamada há muito pela comunidade jurídica, eis que não havia um meio-termo entre o crime de estupro (art. 213 do CP) e a contravenção penal de “importunação ofensiva ao pudor”, antes prevista no art. 61 da Lei das Contravenções Penais, e hoje revogada pela própria Lei 13.718/18. A Lei 13.718/18 trouxe, ainda, outro tipo penal novo, que é o previsto no art. 218-C do CP, “Divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia”.
Dessa maneira, este tipo penal tem a finalidade de coibir o compartilhamento de imagens, vídeos e outro registros audiovisuais que contenham cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática; ou sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia. (BRASIL, 2018, s/n).
A Lei 13.718/2018 incluiu também algumas outras majorantes, previstas de forma genérica para os crimes contra a liberdade sexual e crimes sexuais contra vulneráveis, dispostos nos artigos 213 a 218-C do Código Penal, mediante a alteração do inciso II do art. 226 e a inclusão do inciso IV no mesmo art. 226. (ARAÚJO, 2018, s/n).
É fundamental abarcar na redação do art. 217-A do Código Penal, o estupro virtual de vulnerável, mesmo que a imputação seja mais branda, uma vez que se faz necessário repelir e impedir os criminosos de tais práticas. Com isso, espera-se dos bons costumes, o respeito da moral, bem como maior tutela do bem jurídico, isto é, a dignidade sexual. (JESUS, 2018, p. 234).
5.2 Possibilidade de Imputação jurídica ao agente que comente o estupro virtual de vulnerável
É fato que por dia, diversas pessoas vulneráveis sofrem algum tipo de abuso sexual no Brasil, todavia, muitos casos sequer são denunciados, e os que são, muitas vezes acabam impunes. Isso acarreta prejuízos enormes para as vítimas, considerando as sequelas que estas levarão pelo resto de suas vidas.
Lima (2012, p. 6) ressalta que
A prática de abuso sexual contra crianças e adolescente é um fenômeno universal. Está presente em toda história sujeito, independentemente da classe social, grupo étnico ou religioso causando dor e sofrimento em suas vítimas. Embora pareça ser um problema contemporâneo, é fruto de um processo histórico que colocou a criança em lugar de desprivilegio e desatenção. Historicamente, o abuso sexual foi uma prática exercida desde os antepassados tanto no campo bíblico quanto mitológico.
Como visto, essa conduta não é de agora. É sabido que o abuso sexual contra pessoas vulneráveis, a cada dia que passa, mostra-se como um grave e relevante problema social e de saúde pública. A consumação em tela ganhou uma “nova versão”, passando a ser cometido também pelo meio virtual. Com isso, necessário se faz a tipificação desta conduta capaz de afetar à vítima e ocasionar-lhe severas consequências.
Conforme já explanado aqui, as vítimas de abuso sexual são gravemente afetadas psicologicamente. De acordo com Cogo (et. al. 2011, s/n) reforça que
A experiência do abuso sexual pode afetar o desenvolvimento cognitivo, afetivo e social de crianças de diferentes formas e intensidade. Os diversos fatores associados ao abuso também devem ser considerados, visto que contribuem para o desenvolvimento de consequências psicológicas severas para a criança, que se não tratadas podem se perpetuar por toda a vida. (COGO et. al. 2011).
Sendo assim, o Direito Penal preocupa-se com a proteção de bens jurídicos, em ações consideradas relevantes, capazes de violar bens fundamentais, devendo estas condutas serem tipificadas.
Logo, a saúde psicológica também é um bem jurídico. Segundo a Organização Mundial da Saúde, a saúde é um estado de completo bem-estar físico, psicológico e social, e não meramente a ausência de doença ou enfermidade. Denota-se o caráter holístico da saúde, ultrapassando a noção de mera ausência de enfermidade física para adentrar na seara psicossocial. (OMS, 1999, p.1).
Desse modo, o agressor que utiliza os meios virtuais para cometer crimes capazes de abalar o emocional da vítima, merece ser punido pelo Estado, uma vez que, de acordo com o princípio da lesividade, este violou a dignidade e liberdade sexual, bem como a saúde psicológica do vulnerável.
Favorável a isso, Pazolini (2017 apud JESUS, 2018, p. 245) é claro:
[...] sem dúvida nenhuma é possível imputar como crime estupro de vulnerável sem contato físico, considerando salutar, porque, sobretudo se forem analisar os reflexos constitucionais, o art. 227, CF traz a proteção da criança e do adolescente e do estatuto, o qual tudo que está na Constituição foi replicado no ECRIAD, considerando ser a hipossuficiência em grau máximo.
[...] no nosso caso aconteceu o seguinte, a pessoa não tinha relação sexual com conjunção carnal, coito anal e nem toque, mas ele induzia a vítima a ser masturbar na frente dela e a vítima era menor de 14 anos, o qual se enquadraria como estupro de vulnerável, pois se tem a presunção legal, menor de 14 anos e indícios de atos libidinosos diversos da conjunção carnal, é considerado estupro de vulnerável.
Corrobora do mesmo pensamento Cunha (2016, p. 460) “não há necessidade de contato físico entre o autor e a vítima, cometendo o crime o agente que, para satisfazer a sua lascívia, ordena que a vítima explore seu próprio corpo (masturbando-se), somente com a contemplação”.
Pelo exposto, é plenamente possível imputar a conduta em questão do agressor, como crime de estupro virtual de vulnerável, uma vez que, atendendo à tipicidade do delito previsto na lei penal, se consumado através dos meios virtuais, inexistindo contato entre o agressor e a vítima, não obsta a caracterização do fato típico, considerando que a dignidade e liberdade sexual desta, bem como seu psicológico, foram violados.
5.3 As divergências doutrinárias e jurisprudenciais em relação ao estupro virtual de vulnerável e a tipificação do fato como crime
O estupro virtual de vulnerável é um tema recente e controverso, considerando que não há tipificação legal para esse crime. Assim, há divergências doutrinárias e jurisprudenciais sobre o assunto.
De acordo com a 2ª Turma Criminal do TJDFT (2014, s/n) entende que “não se pode dar uma interpretação muito ampla ao conceito de ato libidinoso, equiparando os atos lascivos àqueles meramente ofensivos ao pudor, sob pena de se aplicar punições injustas e desproporcionais.”
DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL - MERO TOQUE CORPORAL: O toque íntimo de consequências menores e de censurabilidade pouco intensa não é suficiente para configurar o crime de estupro de vulnerável. Não se pode dar uma interpretação muito ampla ao conceito de ato libidinoso, equiparando os atos lascivos àqueles meramente ofensivos ao pudor, sob pena de se aplicar punições injustas e desproporcionais. Para o entendimento predominante, o toque superficial nas partes íntimas da vítima, de forma rápida e inesperada, embora reprovável, não caracteriza o crime de estupro de vulnerável, mas sim a contravenção penal de perturbação da tranquilidade. Dessa forma, o Colegiado, majoritariamente, desclassificou a conduta atribuída ao réu para o delito do artigo 65 da Lei de Contravenções Penais. Em sentido contrário, o voto minoritário entendeu que a conduta consistente em apalpar a genitália da vítima menor de idade, em contato direto com a pele, é fato que se amolda à figura típica do artigo 217-A do Código Penal. Acórdão n.º 793811, 20120110818353APR, Relator: ROBERVAL CASEMIRO BELINATI, Revisor: SILVANIO BARBOSA DOS SANTOS, 2ª Turma Criminal, Data de Julgamento: 08/05/2014, Publicado no DJE: 03/06/2014. p.: 253. (INFORMATIVO TJDFT DJE, 2014).
Nessa esteira, Martins (2017, s/n) afirma que a tese de estupro sem nenhum tipo de contato físico “desconsidera por completo o princípio da legalidade, gerando mais insegurança jurídica em um cenário social já bastante sofrido com a presença inflacionada de leis penais [...]”.
Sendo assim, D'Urso (2017, s/n) conclui que
[...] há os que entendem que os crimes sexuais tutelam a autodeterminação sexual e, no caso, ela não é violada, não podendo se comparar o estupro virtual a um caso de conjunção carnal forçada, até porque seria desproporcional e ilegítima uma condenação por estupro virtual e por estupro tradicional com a mesma pena.
Todavia, em decisão recente, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (2021, s/n) negou a ordem em Habeas Corpus ajuizado por homem condenado a 22 anos, 8 meses e 13 dias de reclusão pelo crime de estupro de vulnerável:
HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. QUALQUER ATO DE LIBIDINAGEM. CONTATO FÍSICO DIRETO. PRESCINDIBILIDADE. CONTEMPLAÇÃO LASCIVA POR MEIO VIRTUAL. SUFICIÊNCIA. ORDEM DENEGADA. 1. É pacífica a compreensão, portanto, de que o estupro de vulnerável se consuma com a prática de qualquer ato de libidinagem ofensivo à dignidade sexual da vítima, conforme já consolidado por esta Corte Nacional. 2. Doutrina e jurisprudência sustentam a prescindibilidade do contato físico direto do réu com a vítima, a fim de priorizar o nexo causal entre o ato praticado pelo acusado, destinado à satisfação da sua lascívia, e o efetivo dano à dignidade sexual sofrido pela ofendida. 3. No caso, ficou devidamente comprovado que o paciente agiu mediante nítido poder de controle psicológico sobre as outras duas agentes, dado o vínculo afetivo entre eles estabelecido. Assim, as incitou à prática dos atos de estupro contra as infantes (uma de 3 meses de idade e outra de 2 anos e 11 meses de idade), com o envio das respectivas imagens via aplicativo virtual, as quais permitiram a referida contemplação lasciva e a consequente adequação da conduta ao tipo do art. 217-A do Código Penal. 4. Ordem denegada. (STJ - HC: 478310 PA 2018/0297641-8, Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Julgamento: 09/02/2021, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/02/2021)
De acordo com os autos, o réu possuía forte controle psicológico sobre as vítimas, fazendo com que estas enviassem imagens de cunho sexual, visando satisfazer a lascívia do condenado. A defesa alegou que jamais houve contato físico entre este e as vítimas, não ocorrendo, portanto, o crime.
Porém, para o ministro Rogério Schietti, relator, entendeu que o réu agiu mediante “nítido poder de controle psicológico sobre as outras duas agentes, dado o vínculo afetivo entre eles estabelecido”, e tirou proveito disso para cometer o crime. (VITAL, 2021, s/n).
Em consonância com esse pensamento, observa Gonçalves (2016, p. 678) “é necessário que o agente se aproveite do estado de incapacidade de defesa e que se demonstre que esse fator impossibilitava por completo a capacidade de a vítima se opor ao ato sexual”.
Perante isso, percebe-se as divergências entre as turmas dos Tribunais, bem como entre os doutrinadores a respeito dos julgamentos com a temática ora debatida. Contudo, se faz necessário uma ligeira pacificação quanto a aplicação do art. 217-A, no aspecto virtual, ou a criação de uma norma tipificando o estupro virtual de vulnerável.
Os constantes avanços tecnológicos, sem dúvidas facilitam elevadamente a vida do ser humano. É notório que a cada dia que passa, as pessoas estão cada vez mais dependentes da virtualidade. Entre os diversos benefícios que a tecnologia proporciona, é necessário redobrar os cuidados, em especial aos vulneráveis, quanto às condutas criminosas que também se fazem presentes nesse ambiente, principalmente pela facilidade de acesso à internet.
Com tamanha liberdade encontrada no cyberespaço, surgem também novos tipos de crimes, a exemplo disso, o estupro virtual de vulnerável, onde não há contato físico entre vítima e agressor, no entanto, há a violação da dignidade sexual desta, uma vez que a conduta realizada, mesmo que por meios virtuais, é capaz de satisfazer a lascívia e gerar prazer ao agressor.
É plenamente possível imputar a conduta em questão do agressor, como crime de estupro virtual de vulnerável, uma vez que, atendendo à tipicidade do delito previsto na lei penal, se consumado através dos meios virtuais, inexistindo contato entre o agressor e a vítima, não obsta a caracterização do fato típico, considerando que a dignidade e liberdade sexual desta, bem como seu psicológico, foram violados.
Embora seja um tema recente e complexo, onde não há decisões pacíficas e poucos autores ainda debatem sobre o tema, o Direito Penal brasileiro não pode sucumbir perante novas formas de se consumar delitos já tipificados. Por mais que não exista uma norma tipificando tal conduta, é possível notar a possibilidade jurídica de inserir a prática do estupro virtual de vulnerável ao tipo penal do art. 217-A do Código Penal, uma vez que a tutela quanto à dignidade e liberdade sexual são intrínsecos ao ser humano e deverá ser preservada inobstante ao meio que esteja exposta.
Com isso, mostra-se a necessidade de atualizar o Código Penal brasileiro para abranger especialmente os crimes contra a dignidade sexual, visando garantir princípios constitucionais como a dignidade da pessoa humana e liberdade sexual, tipificando e penalizando as mais diversas condutas dos agressores que se utilizam dos meios virtuais disponíveis para satisfação de seus prazeres eróticos.
Frisa-se que a vulnerabilidade está sempre presente, seja no mundo real ou virtual. Com isso, novos crimes também surgirão, todavia, mesmo que a lerdeza do legislativo não seja capaz de acompanhar as novidades tecnológicas, não se pode deixar que o Direito penal deixe de cumprir seu dever de manter o bem jurídico preservado, no caso em tela, a dignidade e liberdade sexual, bem como a saúde psicológica dos vulneráveis.
Conclui-se, portanto, que o presente estudo terá benefícios para a expansão do Código Penal, uma vez que amplia a proteção ao bem jurídico debatido, bem como para a sociedade, já que a cada dia que passa, o indivíduo encontra-se mais inserido nos meios digitais.
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Artigo publicado originalmente em 19/11/2021 e republicado em 04/07/2024
Graduado do Curso de Direito do Centro Universitário FAMETRO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RODRIGUES, Elisson Amorim. Estupro virtual de vulnerável no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 jul 2024, 04:24. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57499/estupro-virtual-de-vulnervel-no-brasil. Acesso em: 23 dez 2024.
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