MAÍRA BOGO BRUNO[1]
(orientadora)
RESUMO: A presente tese tem por objeto o estudo da viabilidade do reconhecimento jurídico da família poliafetiva como núcleo familiar legítimo, que já vem sendo realidade há muito tempo, razão pela qual merece tutela do Estado. Pretende-se, por meio da metodologia da pesquisa jurídica, de cunho bibliográfico e documental, utilizando o método dedutivo e técnica de análise de dados com abordagem qualitativa, demonstrar que o conceito de família muda com o tempo, ao passo que a sociedade evolui e que o direito deve continuamente acompanhar essas mudanças, argumentar sobre a monogamia servir apenas como valor jurídico, não devendo ser considerada como um princípio fundamental e abordando o tipo penal da bigamia e porquê as famílias poliafetivas não antagonizam com essa norma penal. Ainda, busca-se discorrer acerca dos permissivos constitucionais que norteiam o direito de família atual e como eles amparam o reconhecimento de novas formas de família. Para isso, o estudo focou-se no princípio constitucionais da dignidade humana, que evidencia a importância da afetividade para o direito de família, no princípio da igualdade, garantindo tratamento igual ou desigual quando devido e no princípio da autonomia privada, proporcionando a liberdade ao indivíduo de criar sua família de sua própria forma. Assim, compete ao Estado apenas o dever de garantir a tutela e proteção à essas famílias.
Palavras-chave: Poliamor, Família, Princípios Constitucionais, Afetividade.
ABSTRACT: This thesis aims to study the feasibility of legal recognition of the polyaffective family as a legitimate family nucleus, which has been a reality for a long time, which is why it deserves protection by the State. It is intended, through legal research methodology, bibliographical and documentary, using the deductive method and data analysis technique with a qualitative approach, to demonstrate that the concept of family changes over time, while society evolves and that the law must continually monitor these changes, arguing about the monogamy serves only as a legal value and should not be considered a fundamental principle and addressing the criminal type of bigamy and why the polyamorous families do not antagonize this criminal rule. In addition, it seeks to discuss the constitutional permissives that guide the current family law and how they support the recognition of new forms of family. For this, the study focused on the constitutional principle of human dignity, which highlights the importance of affection for the family law, the principle of equality, ensuring equal or unequal treatment when due, and the principle of private autonomy, giving the individual the freedom to create his family in his own way. Thus, it is the State's duty only to guarantee protection to these families.
Keyword: Polyamory, Family, Constitutional Principles, Affection.
1.INTRODUÇÃO
O presente trabalho versa sobre o reconhecimento da união poliafetiva como núcleo familiar no Ordenamento Jurídico brasileiro. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, por meio de seu artigo 226, reconheceu diversas espécies de constituição familiar, além de garantir a proteção do Estado em favor desses entes familiares (BRASIL, [2021]). Orlando Gomes (1983) defendia que o regime legal da família não devia se restringir aos modelos antigos e tradicionais, mas sim que todas as formas de família fossem tuteladas, na medida do possível.
Baseado neste dever de proteção à família e na evolução social, foi reconhecida as uniões homoafetivas como núcleo familiar. Isto não se aplica, no entanto, às uniões poliafetivas. O Estado se recusa a reconhecê-las como entidade familiar, tanto que, em 2018, o Conselho Nacional de Justiça decidiu que cartórios não poderiam registar uniões poliafetivas em escrituras públicas (CNJ, 2018).
Diante disso, o principal questionamento que se pretende responder no decorrer da pesquisa é: Há na Constituição Federal de 1988 preceitos que viabilizam o reconhecimento das uniões poliafetivas como núcleo familiar?
O objetivo geral do trabalho é demonstrar que há princípios constitucionais e direitos que amparam as uniões poliafetivas como núcleo familiar, o que viabiliza o seu reconhecimento pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Os objetivos específicos são: (i) compreender o conceito de união poliafetiva por uma ótica jurídica, de modo a teorizar acerca do seu reconhecimento como núcleo familiar; (ii) analisar os argumentos contrários ao reconhecimento do instituto da família poliafetiva e os permissivos legais que amparam o seu reconhecimento; (iii) discorrer sobre os principais permissivos, constitucionais e infraconstitucionais que amparam o reconhecimento dessas famílias.
Assim, o primeiro capítulo do presente trabalho será voltado para discorrer acerca das múltiplas formas de constituição familiar tuteladas pelo ordenamento jurídico brasileiro; bem como, dos argumentos contrários ao reconhecimento das uniões poliafetivas, onde será dado enfoque a decisões e leis que contrariam, direta e indiretamente, o reconhecimento de tais núcleos familiares.
O segundo capítulo será dedicado a relacionar os permissivos legais à um possível reconhecimento do instituto. Aqui serão discutidos os princípios constitucionais e direitos fundamentais que amparam a família poliafetiva.
Para alcançar seus objetivos, o presente estudo utiliza a metodologia da pesquisa jurídica, com técnica de coleta de dados bibliográfica e documental. Bibliográfica, porque, segundo Henriques e Medeiros (2017, p. 106), “Consiste basicamente em selecionar informações bibliográficas (livros, dicionários, artigos científicos, documentos) que possam contribuir para explicar o problema objeto da investigação”. E documental, porque, na concepção de Henriques e Medeiros (2017, p. 107), se assemelha à pesquisa bibliográfica, porém tem como alvo documentos de outro tipo, nesse caso, jurisprudências e a própria legislação brasileira.
O método utilizado é o dedutivo, que, segundo Bittar (2016, p. 34), corresponde à extração discursiva do conhecimento a partir de premissas gerais aplicáveis a hipóteses concretas. Por fim, é utilizada a técnica de análise de dados com abordagem qualitativa, sendo essa “um tipo de investigação voltado para as características qualitativas do fenômeno estudado, considerando a parte subjetiva do problema” (GERHARDT; SILVEIRA apud LOZADA; NUNES, 2019, p. 133).
Esta pesquisa se justifica no meio acadêmico pelo fato de que é necessário compreender a situação das uniões poliafetivas no âmbito jurídico, pelo ponto de vista jurisprudencial e doutrinário. Justifica-se, ainda, no âmbito social, em função do aumento do número de famílias poliafetivas, não reconhecidas pelo ordenamento jurídico, e sua necessidade de ter acesso aos seus direitos constitucionalmente assegurados.
2 VIABILIDADE JURÍDICA-SOCIAL DA UNIÃO POLIAFETIVA COMO ENTIDADE FAMILIAR
Os modelos familiares alternativos percorreram um longo caminho até o seu eventual reconhecimento no ordenamento jurídico brasileiro. O modelo patriarcal, vertical, monogâmico e matrimonial de família era o único considerado legítimo pelas cartas magnas anteriores à de 1988, que priorizavam a “entidade” em detrimento do “indivíduo”. O advento da Constituição Federal de 1988 (CF/88), e a priorização do conceito de afetividade pelo direito de família, surgiu a possibilidade de se manter uma família fora desses padrões anteriormente impostos.
Dessa forma, será discutido nesse capítulo a evolução do conceito de família no ordenamento jurídico brasileiro, desde o Código Civil de 1916 (CC/16) até a constituição de 1988, discorrendo, ainda, sobre poligamia e afetividade e como esses conceitos podem influenciar o reconhecimento de novos núcleos familiares destoantes dos tradicionais.
2.1 FAMÍLIA É FENÔMENO SOCIAL E CULTURAL
O conceito de família está em constante mudança, acompanhando as vontades da pessoa natural e suas necessidades. Fica clara a evolução social da família ao se observar as diferenças de como eram constituídas antigamente e comparar com as famílias contemporâneas. Como bem explicado por Luciano Silva Barreto:
A família contemporânea caracteriza-se pela diversidade, justificada pela incessante busca pelo afeto e felicidade. Dessa forma, a filiação também tem suas bases no afeto e na convivência, abrindo-se espaço para a possibilidade da filiação não ser somente aquela que deriva dos laços consanguíneos, mas também do amor e da convivência, como é o caso da filiação socioafetiva. (BARRETO, 2012, p. 4)
Assim, antes de se considerar a família como um instituto jurídico, é preciso compreender que a família existe antes mesmo do próprio ordenamento jurídico. Conforme lições de Fachin, “a família antecede, sucede e transcende o jurídico. Está antes do Direito e nas entrelinhas do sistema jurídico” (FACHIN, 1999, apud FERRARINI, 2010, p. 60).
Dito isso, pode se observar a forma como essas mudanças sociais na constituição das famílias flui diretamente para o ordenamento jurídico, que se molda de para abranger todas as novas espécies de família.
O Código Civil de 1916, em seu artigo 229[2], categorizava o casamento civil como imprescindível para a constituição da família legítima, porém, não se mencionava o casamento religioso (BRASIL, [2000]). Segundo Viegas (2017, p. 63), o legislador almejava legitimar a família, deixando de lado as relações de fato, que já existiam naquela época. Este diploma legal ainda vedava o reconhecimento dos chamados “filhos incestuosos e adulterinos”[3], mesmo que isso prejudicasse apenas os filhos, privando-os de seus próprios direitos (BRASIL, [2000]).
Com o advento da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934, passou a se reconhecer o casamento religioso como capaz de produzir os mesmos efeitos que o civil, desde que cumpridos os requisitos previstos na redação de seu artigo 146[4], porém, ainda ficava evidente interesse em manter a estrutura da família intacta, visto que o casamento era indissolúvel (BRASIL, [1934]).
Permitia-se o término da sociedade conjugal apenas por meio do desquite[5], que autorizava a separação dos cônjuges, porém não extinguia o vínculo matrimonial. Ademais, o desquite apenas era permitido em casos específicos: adultério, tentativa de morte, sevícia ou injúria grave e abandono voluntário do lar conjugal ou por mútuo consentimento dos cônjuges caso fossem casados por mais de dois anos, porém, mesmo com o desquite, a pessoa não poderia se casar novamente.
Somente com a Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937 que se oficializou o reconhecimento da igualdade entre os filhos naturais e legítimos, que até então não possuíam os mesmos direitos. Essa mesma Constituição também reforçava a indissolubilidade do casamento (BRASIL, [1945]).
Em 1942, o Decreto Lei n. 4.737[6] permitiu o reconhecimento dos filhos naturais após o desquite (BRASIL, 1942) e, em 1949, a Lei nº 883 permitiu, independentemente da espécie de dissolução da sociedade conjugal, o reconhecimento desses filhos[7] (BRASIL, [1984]). Ademais, o Artigo 51 da Lei nº 6.515/77[8] permitia que qualquer dos cônjuges reconhecesse o filho havido fora do matrimônio, desde que em testamento cerrado, além de proporcionar ao filho o direito de alimentos e herança (BRASIL, [1992]).
Em 28 de junho de 1977, por meio da Emenda Constitucional nº 942, o divórcio foi oficialmente instituído. A Emenda trouxe mudanças para o Art. 175 da Constituição de 1967, acabando com a indissolubilidade do casamento, porém, ainda existia a restrição de apenas um divórcio. O divórcio foi posteriormente regulamentado pela Lei nº 6.515 do mesmo ano (BRASIL, [1992]).
Finalmente, em 1988, com a promulgação da Constituição Federal em vigor, diversos núcleos familiares foram formalmente reconhecidos como legítimos, e o divórcio, como é conhecido hoje, foi concebido. A constituição adotava, então, uma ótica focada na afetividade e na proteção da família, em contraste com as anteriores, que priorizavam a manutenção do casamento (BRASIL, [2021]).
É simples de perceber as mudanças da sociedade permeando o ordenamento jurídico e flexibilizando-o, afinal, o Direito existe para regular a sociedade e para isso deve buscar acompanhar e se moldar aos seus anseios. As relações homoafetivas, por exemplo, até pouco tempo atrás eram consideradas um tabu, foram reconhecidas pelo STF, a partir do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.277/DF (BRASIL, 2011), e hoje são tuteladas e protegidas pelo Estado[9].
Na contramão disso, as famílias que decidem por manter um relacionamento poliafetivo não disfrutam desse reconhecimento. Nos últimos anos tem ocorrido diversas discussões, doutrinárias e jurisprudenciais, sobre o assunto, como a seguinte decisão do Conselho Nacional de Justiça:
PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. UNIÃO ESTÁVEL POLIAFETIVA. ENTIDADE FAMILIAR. RECONHECIMENTO. IMPOSSIBILDADE. FAMÍLIA. CATEGORIA SOCIOCULTURAL. IMATURIDADE SOCIAL DA UNIÃO POLIAFETIVA COMO FAMÍLIA. DECLARAÇÃO DE VONTADE. INAPTIDÃO PARA CRIAR ENTE SOCIAL. MONOGAMIA. ELEMENTO ESTRUTURAL DA SOCIEDADE. ESCRITURA PÚBLICA DECLARATÓRIA DE UNIÃO POLIAFETIVA. LAVRATURA. VEDAÇÃO.
1. A Constituição Federal de 1988 assegura à família a especial proteção do Estado, abarcando suas diferentes formas e arranjos e respeitando a diversidade das constituições familiares, sem hierarquizá-las.
2. A família é um fenômeno social e cultural com aspectos antropológico, social e jurídico que refletem a sociedade de seu tempo e lugar. As formas de união afetiva conjugal – tanto as “matrimonializadas” quanto as “não matrimonializadas” – são produto social e cultural, pois são reconhecidas como instituição familiar de acordo com as regras e costumes da sociedade em que estiverem inseridas.
3. A alteração jurídico-social começa no mundo dos fatos e é incorporada pelo direito de forma gradual, uma vez que a mudança cultural surge primeiro e a alteração legislativa vem depois, regulando os direitos advindos das novas conformações sociais sobrevindas dos costumes [...] (BRASIL, 2018, não paginado).
O relator João Otávio de Noronha ainda sumariza perfeitamente o conceito das relações poliafetivas:
[...] 4. A relação “poliamorosa” configura-se pelo relacionamento múltiplo e simultâneo de três ou mais pessoas e é tema praticamente ausente da vida social, pouco debatido na comunidade jurídica e com dificuldades de definição clara em razão do grande número de experiências possíveis para os relacionamentos.
5. Apesar da ausência de sistematização dos conceitos, a “união poliafetiva” – descrita nas escrituras públicas como “modelo de união afetiva múltipla, conjunta e simultânea” – parece ser uma espécie do gênero “poliamor” [...] (BRASIL, 2018, não paginado).
O relator então finaliza argumentando que ainda falta o amadurecimento do debate para que se possa reconhecer o poliamor como instituidor de entidade familiar:
[...] 6. Os grupos familiares reconhecidos no Brasil são aqueles incorporados aos costumes e à vivência do brasileiro e a aceitação social do “poliafeto” importa para o tratamento jurídico da pretensa família “poliafetiva”.
7. A diversidade de experiências e a falta de amadurecimento do debate inabilita o “poliafeto” como instituidor de entidade familiar no atual estágio da sociedade e da compreensão jurisprudencial. Uniões formadas por mais de dois cônjuges sofrem forte repulsa social e os poucos casos existentes no país não refletem a posição da sociedade acerca do tema; consequentemente, a situação não representa alteração social hábil a modificar o mundo jurídico.
8. A sociedade brasileira não incorporou a “união poliafetiva” como forma de constituição de família, o que dificulta a concessão de status tão importante a essa modalidade de relacionamento, que ainda carece de maturação. Situações pontuais e casuísticas que ainda não foram submetidas ao necessário amadurecimento no seio da sociedade não possuem aptidão para ser reconhecidas como entidade familiar.
9. Futuramente, caso haja o amadurecimento da “união poliafetiva” como entidade familiar na sociedade brasileira, a matéria pode ser disciplinada por lei destinada a tratar das suas especificidades, pois a) as regras que regulam relacionamentos monogâmicos não são hábeis a regular a vida amorosa “poliafetiva”, que é mais complexa e sujeita a conflitos em razão da maior quantidade de vínculos; e b) existem consequências jurídicas que envolvem terceiros alheios à convivência, transcendendo o subjetivismo amoroso e a vontade dos envolvidos [...] (BRASIL, 2018, não paginado).
Conclui-se desta decisão do CNJ que o judiciário está ciente da necessidade de abordar o tema, para que se possa tomar uma decisão a respeito, porém, por ainda ser uma discussão em sua infância, há um receio quanto aos reflexos jurídicos que uma família poliafetiva poderia ocasionar.
Apesar disso, a mera existência de discussões acerca do tema é uma boa notícia para as famílias que querem sua existência reconhecida pelo Estado, para assim terem acesso aos seus direitos.
2.2 MONOGAMIA É VALOR JURÍDICO E NÃO AFETIVO
A monogamia, em seu significado mais simples, é o regime social ou cultural segundo o qual uma pessoa pode ter apenas um cônjuge, enquanto estiver casada (2021). Claúdia Mara de Almeida Rabelo Viegas (2017, p. 166) define a monogamia como “a condição daquele indivíduo que se relaciona afetiva e sexualmente com apenas um parceiro durante toda a sua vida”. Por sua vez, Letícia Ferrarini conceitua a monogamia como uma “característica histórico-sociológica” reconhecida como padrão de conduta socialmente institucionalizado da família ocidental, que gera estigma àqueles desviantes dos comportamentos que não se adéquam à orientação monogâmica (FERRARINI, 2010, p. 92).
Opostamente, pessoas que mantém relações de fato com outro(s) companheiro(s) configuram concubinato. De acordo com Carlos Roberto Gonçalves:
A expressão concubinato é hoje utilizada para designar o relacionamento amoroso envolvendo pessoas casadas, que infringem o dever de fidelidade, também conhecido como adulterino. Configura-se, segundo o novo código civil, quando ocorrem “relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar. (GONÇALVES, 2013, p.609)
Assim, as famílias paralelas nascem de uma relação de concubinato, onde um dos cônjuges mantém relações com diversos parceiros e, por consequência, faz parte de diversas famílias. Tais famílias paralelas, decorrentes de concubinato, contrariam diretamente a monogamia.
Rodrigo da Cunha Pereira, defensor da monogamia como princípio jurídico, ao analisar um caso de união poliafetiva entre três mulheres concluiu que o princípio da monogamia não pode ser absoluto, devendo ser ponderado de acordo com o caso:
A monogamia funciona como um ponto chave das conexões morais de determinada sociedade. Mas não pode ser uma regra ou princípio moralista, a ponto de inviabilizar direitos. Por exemplo, se se constitui uma família paralelamente à outra, não se pode negar que aquela existiu. Condená-la à invisibilidade é deixá-la à margem de direitos decorrentes das relações familiares. O princípio da monogamia deve ser conjugado e ponderado com outros valores e princípios, especialmente o da dignidade da pessoa humana. Qualquer ordenamento jurídico que negar direitos às relações familiares existentes estaria invertendo a relação sujeito e objeto, isto é, destituindo o sujeito de sua dignidade e colocando a lei como um fetiche. (PEREIRA, 2013, não paginado).
Dessa forma, um antagonismo entre o princípio da monogamia e as uniões poliafetivas não existe. A monogamia como princípio veda a existência de famílias paralelas, no caso de dois casamentos, ao passo que, na família poliafetiva, só existe um núcleo familiar. Como bem explica Rodrigo da Cunha Pereira:
Em alguns casos tem-se uma família paralela, em outros apenas uma relação de amantes e da qual não há consequências jurídicas. Na união poliafetiva, todos os envolvidos sabem da existência das outras relações, e muitas vezes vivem sob o mesmo teto compartilhando entre si os afetos” (PEREIRA, 2015, p. 230)
Como explicado, o princípio da monogamia não pode ser tomado como um princípio fundamental, sob pena de ferir outros princípios que também norteiam o direito de família, como o princípio da afetividade. A afetividade atualmente é o princípio que move o direito de família atual. Não há o que se falar de família sem um vínculo afetivo, nas palavras de Ricardo Calderón:
O reconhecimento de que a afetividade é o novo vetor dos relacionamentos familiares leva à percepção da alteração paradigmática que está a ocorrer, não só no Direito, mas principalmente na realidade social, respingando também em outras searas. Em um curto período de tempo, para uma perspectiva histórica, houve alterações significativas na forma de viver em família, o que levou os teóricos a revisar seus conceitos sobre o tema. Inicialmente, importa destacar que a alteração despontou inicialmente na sociedade, como manifestação social. A partir disso, coube aos estudiosos compreender essas mudanças e reescrever seus conceitos.
A afetividade passou a prevalecer sobre os critérios econômicos, políticos, relogiosos, sociais, de interesse do grupo familiar, enfim, preponderou sobre os demais fatores que influenciavam os vínculos familiares até então. O critério afetivo que figurava como coadjuvante no período da família clássica foi alçado à protagonista na família contemporânea, tanto para as suas relações de conjugalidade, como para as suas relações de parentalidade.
(CALDERÓN, 2017, p. 156)
Durante uma ação de guarda, foi proferido entendimento jurisprudencial pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal de que a afetividade é indispensável, quando se trata de relações familiares:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE GUARDA E RESPONSABILIDADE. PRETENSÃO FORMULADA PELA AVÓ PATERNA. MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. TIA MATERNA. FORTES LAÇOS DE AFINIDADE E AFETIVIDADE. SENTENÇA MANTIDA.
1. As questões que envolvam guarda e visitas devem ser analisadas buscando o melhor interesse da criança.
2. O acervo probatório produzido nos autos demonstra que o núcleo familiar da tia materna possui fortes laços de afinidade e afetividade com a criança, que chama a tia e o tio, que cuidam dele desde que ele contava com 1 (um) ano de idade, de mãe e pai, sendo as principais referências para o infante.
3. Nesse contexto, para a atribuição da guarda a outra pessoa é imprescindível a comprovação de fato desabonador e prejudicial à saúde física, psíquica e à integridade da criança, o que não ocorreu no caso concreto.
4. Recurso conhecido e não provido. (DISTRITO FEDERAL, 2021, não paginado)
A monogamia, portanto, não passa de um modo de viver, não podendo ser considerada a “forma correta” de se formar uma família. Além de regras morais e religiosas, não existem institutos jurídicos que contrariam diretamente as relações poliamorosas, pelo contrário, analisando alguns institutos presentes no ordenamento jurídico fica claro que se faz necessário o reconhecimento destes núcleos familiares, sob pena de contrariar os princípios da afetividade, dignidade, igualdade, entre outros. Maria Berenice Dias sintetiza a o motivo do não reconhecimento:
Todas as formas de amar que fogem do modelo convencional da heteronormatividade e da singularidade são alvo de danação religiosa e, via de conseqüência, da repulsa social e do silêncio do legislador. Ou o silêncio ou a expressa exclusão de direitos. Nada mais do que uma vã tentativa de condenar à invisibilidade formas de amor que se afaste do modelo monogâmico (DIAS, 2016, p. 143).
O legislador brasileiro, que atualmente reconhece diversas formas de instituição familiar, se omite em reconhecer os direitos das famílias poliafetivas. O objetivo dessas famílias não é a criação de um Estado onde a poliafetividade seja a regra, mas sim o reconhecimento de seus direitos.
2.3 UNIÃO POLIAFETIVA NÃO É POLIGAMIA
Nas palavras de Claúdia Mara de Almeida Rabelo Viegas (2017), a poligamia dispõe sobre a possibilidade de uma pessoa se casar de modo simultâneo com várias outras pessoas e é vedada no Brasil, enquanto a poliafetividade, por sua vez, decorre do poliamor qualificado pelo objetivo de constituir família, ou seja, relaciona-se com a entidade familiar formada de três ou mais pessoas, que manifestam livremente a sua vontade de constituir família, partilhando objetivos comuns, fundada na afetividade, boa-fé e solidariedade.
A existência do artigo 235 do Código Penal[10] causa controvérsia em relação a legalidade das famílias poliafetivas, pois tal dispositivo criminaliza a conduta da bigamia, que pode ocasionar equívocos.
No entanto, ao se observar a redação do artigo em questão, pode se chegar à conclusão de que o legislador queria defender o casamento, mas não exatamente a monogamia. Como explicado anteriormente, a monogamia é, meramente a condição daquele indivíduo que se relaciona com apenas um parceiro durante toda a sua vida, já o tipo penal criminaliza constituir múltiplos casamentos.
Existe uma clara vontade de se proteger o casamento monogâmico por parte do legislador. Pode-se dizer que essa proteção do casamento monogâmico tem raízes na igreja católica, que a usava como forma de controlar os impulsos sexuais humanos. Como explica Arnaldo Wald: “por causa da influência da Igreja Católica, defensora do casamento monogâmico, surgiram muitas leis na tentativa de evitar o surgimento de novas relações familiares, sendo apenas tolerada a relação entre pessoas pelo casamento” (WALD, 2004, p. 21). Porém, cabe lembrar que a monogamia, como explicado anteriormente, está atrelada às regras morais, não tendo assim efeito de princípio norteador do direito. Como explica Maria Berenice Dias:
Não se trata (a monogamia) de um princípio estatal de família, mas sim de uma regra restrita à proibição de múltiplas relações matrimonializadas, constituídas sob a chancela do Estado”. E prossegue: “Ainda que a lei recrimine de diversas formas quem descumpre o dever de fidelidade, não há como considerar a monogamia como princípio constitucional, até porque a Constituição não a contempla” (DIAS, 2011, p. 60)
O entendimento jurisprudencial majoritário acerca das famílias paralelas ao casamento é o do não reconhecimento, caso não seja provada a separação de fato:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE CONCUBINÁRIA – DE CUJUS QUE PERMANECEU CASADO COM OUTRA MULHER – POLICIAL QUE REALIZAVA DILIGÊNCIAS NO INTERIOR DO ESTADO –RELACIONAMENTOS DIVERSOS, PÚBLICOS E DURADOUROS - NÃO COMPROVAÇÃO DA SEPARAÇÃO DE FATO – IMPEDIMENTO LEGAL - EXISTÊNCIA DE UM OUTRO CONCUBINATO NÃO RECONHECIDO EM SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO - FAMÍLIAS PARALELAS – IMPOSSIBILIDADE DE PROCEDÊNCIA - JURISPRUDÊNCIA NESSE SENTIDO – FUNDAMENTAÇÃO ESCORREITA – VALORAÇÃO DE TODAS AS PROVAS ANEXADAS - MANUTENÇÃO DA SENTENÇA - APELO CONHECIDO E IMPROVIDO – UNÂNIME.
- Resta assente na jurisprudência do STJ e do STF de que não pode ser reconhecida como união estável a relação concubinária não eventual, simultânea ao casamento, quando não estiver provada a separação de fato ou de direito do parceiro casado, embora comprovadas as famílias paralelas. (SERGIPE, 2020, não paginado)
Em união poliafetiva, no entanto, não existem relações paralelas, tampouco múltiplos casamentos, existe somente uma única relação entre três ou mais indivíduos. Sobre isso, Paulo Roberto Lotti Vecchiatii explica:
Primeiro, há que se diferenciar a união poliafetiva das famílias paralelas. Famílias paralelas são aquelas formadas por diferentes núcleos familiares que têm ao menos um integrante comum mantendo comunhão plena de vida e interesses com estes distintos núcleos. Logo, trata-se de situação fática na qual uma pessoa forma mais de uma família conjugal por se relacionar com duas ou mais pessoas que não mantém uma tal relação entre si. Já a união poliafetiva é aquela formada por três ou mais pessoas que mantém uma comunhão plena de vida e interesses entre si (VECCHIATII, 2016, p. 2)
Para Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas, as uniões poliafetivas não devem sofrer proibição legal, por não se enquadrarem na condição exposta pelo tipo penal do art. 235:
Bigamia é crime. O Código Penal no art. 235 tipifica com pena de reclusão aquele que contrair, sendo casado, novo casamento. A união poliafetiva não significa dizer que exista celebração de dois ou mais casamentos, o que existe é uma união, por opção, das pessoas que nela se inserem. (...) A poligamia pressupõe, portanto, o estado de casado, ao mesmo tempo, com diversos cônjuges, o que não é, definitivamente, o fundamento da união poliafetiva. Tal distinção se impõe porque não há nessas uniões qualquer proibição legal. (VIEGAS, 2018, p. 43)
Caio Mário da Silva Pereira ainda diferencia essas famílias poliafetivas das relações concubinárias:
Embora se assemelhem, a união poliafetiva se distingue da união simultânea ou paralela, porque, nesta, nem sempre as pessoas têm conhecimento da outra relação, e geralmente acontece na clandestinidade, ou seja, uma das partes não sabe que o marido/esposa e companheiro (a) tem outra relação. Em alguns casos tem-se uma família paralela, em outras apenas uma relação de amantes e de qual não há consequências jurídicas (PEREIRA, 2016, p. 233).
Segundo Carlos Eduardo Pianovski Ruzyk, mesmo que seja vedada a bigamia para casamentos paralelos, o mesmo não pode ser aplicado em todas as relações familiares:
Um direito de família plural e democrático é compatível com uma regra de monogamia imposta sobre o casamento, como vedação a mais de uma relação matrimonializada. Pode não sê-lo, porém, como uma vedação apriorística e absoluta que abarque situações familiares de fato que possam demandar o jurídico para a proteção da dignidade e da liberdade de seus integrantes (RUZYK, 2005, p. 05).
Conclui-se, então, que uniões poliafetivas não se confundem com a conduta delituosa descrita no código penal, por existir uniões paralelas, mas uma união formada por três ou mais pessoas. Portanto, assim como outros modelos familiares, devem ser protegidos pelo Estado.
3 PERMISSIVOS CONSTITUCIONAIS PARA O RECONHECIMENTO DA UNIÃO DA POLIAFETIVA NO BRASIL
A poliafetividade ainda não está regulamentada como um possível núcleo familiar no Brasil, porém, existem diversos princípios constitucionais que corroboram o reconhecimento dessas famílias. Os princípios condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico E são dotados de força normativa, eles embasam o direito e servem como pilar para a construção e manutenção das normas jurídicas. Conforme acentua Celso Antônio Bandeira de Mello que:
O princípio é um mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que ser irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para exata compreensão e inteligência delas, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a Tônica que lhe dá sentido harmônico (MELLO, 2004, p. 451).
Assim, o foco desse capítulo é discorrer sobre alguns dos permissivos legais que amparam o reconhecimento das famílias poliafetivas, para sedimentar definitivamente sua viabilidade como um núcleo familiar legítimo.
3.1 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO DETERMINANTE DA PREPONDERÂNCIA DO AFETO NA CONSTITUIÇÃO FAMILIAR
O princípio da dignidade humana se trata de um dos direitos fundamentais da Constituição de 1988. Previsto no art. 1º, III, da CF/88[11], pode-se assegurar que tal princípio é igualmente importante para as famílias poliafetivas como é para todas as outras. O ministro Ayres Britto compreende que o graças ao princípio da dignidade da pessoa humana, todos os projetos pessoais e coletivos de vida, quando razoáveis, são merecedores de respeito, consideração e reconhecimento
Maria Berenice Dias destaca que a dignidade humana:
É o princípio maior, fundante do Estado Democrático de Direito, sendo afirmado já no primeiro artigo da Constituição Federal. A preocupação com a promoção dos direitos humanos e da justiça social levou o constituinte a consagrar a dignidade da pessoa humana como valor nuclear da ordem constitucional. [...] Na medida em que a ordem constitucional elevou a dignidade da pessoa humana a fundamento da ordem jurídica, houve uma opção expressa pela pessoa, ligando todos os institutos à realização de sua personalidade. Tal fenômeno provocou a despatrimonialização e a personalização dos institutos jurídicos, de modo a colocar a pessoa humana no centro protetor do direito. (DIAS, 2016, p. 61-62).
O reconhecimento e a proteção da dignidade da pessoa humana pelo Direito são resultados da evolução do pensamento humano e da sociedade em si. Em observância a esse princípio de que o ordenamento jurídico veio a reconhecer diversas formas de família. A ementa da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.277/11, que tratou sobre o reconhecimento dos casais homoafetivos trouxe à tona discussão sobre a dignidade humana:
[...] TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO SUBSTANTIVO “FAMÍLIA” NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA COMO CATEGORIA SÓCIO-CULTURAL E PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO NÃO-REDUCIONISTA. O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão “família”, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por “intimidade e vida privada” (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência do Supremo Tribunal Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das pessoas. [...] (BRASIL, 2011)
Sob essa ótica de aceitação da diversidade, o STF reconheceu a importância da família como uma entidade necessária para a realização de direitos fundamentais ao ser humano e, por isso, o Estado não deveria delimitar sua formação, assim criando o precedente para o reconhecimento de outros núcleos familiares. Nessa mesma vertente, Renata Barbosa de Almeida e Walsir Edson Rodrigues Junior complementam:
Há que se compreender a proteção constitucional família como a mais abrangente possível. Despiciendo a forma da qual se valha, o único juízo que se admite fazer atine à preservação da dignidade e do livre desenvolvimento das pessoas que compõem o ambiente familiar. Constatado isso, toda e qualquer estrutura, toda e qualquer origem familiar, merece proteção jurídico-constitucional. [...] (ALMEIDA; RODRIGUES JÚNIOR, 2010, p. 45)
Como bem pontua Rodrigo da Cunha Pereira, para que o direito de família esteja de acordo com o princípio da dignidade humana, faz-se necessário que não existam relações excluídas da tutela do direito:
Uma sociedade justa e democrática começa e termina com a consideração da liberdade e da autonomia privada. Isto significa também que a exclusão de determinadas relações de família do laço social é um desrespeito aos Direitos Humanos, ou melhor, é uma afronta à dignidade da pessoa humana. O Direito de Família só estará de acordo e em consonância com a dignidade e com os Direitos Humanos a partir do momento em que essas relações interprivadas não estiverem mais à margem, fora do laço social. Os exemplos históricos de indignidade no Direito de Família são muitos: a exclusão da mulher do princípio da igualdade, colocando-a em posição inferior ao homem; a proibição de registrar o nome do pai nos filhos havidos fora do casamento se o pai fosse casado; e o não-reconhecimento de outras formas de família que não fosse o casamento. Como se vê, o Direito de Família está intrinsecamente ligado aos “Direitos Humanos” e à dignidade (PEREIRA, 2004, p. 71-72).
Como exemplo de aplicação do princípio da dignidade ao direito de família, o Tribunal de Justiça do Amapá, ao tratar de um caso de paternidade socioafetiva, proferiu a seguinte decisão:
DIREITO CIVIL E FAMÍLIA. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE C/C ANULAÇÃO PARCIAL DE REGISTRO CIVIL. AUSÊNCIA DE PATERNIDADE BIOLÓGICA. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA CONSOLIDADA. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCNETE. SENTENÇA MANTIDA.
1) O registro de nascimento não está sujeito a alterações, salvo quando comprovado o erro ou falsidade na realização do registro (art. 1.604 do CC).
2) A paternidade biológica não tem a capacidade de vincular, de forma inflexível, a filiação, porquanto o parentesco é natural ou civil (art. 1.593 do CC).
3) A ausência de vínculo biológico não assegura a procedência da ação negatória de paternidade, quando não comprovado o erro de vontade e houver estudo psicossocial que atestam a consolidação da paternidade socioafetiva. Precedentes.
4) A improcedência da ação negatória de paternidade baseada na consolidação da paternidade socioafetiva contempla o princípio da dignidade da pessoa humana, o melhor interesse da criança e a relevância do vínculo socioafetivo.
5) Apelo conhecido e desprovido. (AMAPÁ, 2020, não paginado)
Desse modo, resta claro que o princípio da dignidade da pessoa humana concede aos integrantes da família poliafetiva, bem como todas as outras espécies de família, o direito de serem respeitados pela sua livre escolha de constituição familiar, sem discriminação. A dignidade, então, caminha junto com o princípio da igualdade, para assegurar que todas as pessoas tenham seus interesses igualmente considerados.
3.2 IGUALDADE COMO INSTRUMENTO DE RECONHECIMENTO DAS DIVERSAS ESTRUTURAS FAMILIARES
A noção de igualdade é diretamente ligada à dignidade. Previsto na Constituição Federal de 1988, em seus artigos 3º, inciso IV[12] e 5º[13], além da Declaração Universal de Direitos Humanos, no artigo II-1 e 2[14], o princípio da igualdade assegura que não haverá distinção abusiva entre as pessoas, seja pela lei, pelo Estado ou por particulares. Este princípio, porém, não veda que a lei mantenha tratamento diferenciado quando a situação pedir por tal. Manoel Gonçalves Ferreira Filho destaca:
O princípio da igualdade não proíbe de modo absoluto as diferenciações de tratamento. Vedam apenas aquelas diferenciações arbitrárias, as discriminações. Na verdade, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência do próprio conceito de Justiça. (FERREIRA FILHO, 1999, p. 243).
O princípio em questão nos traz o entendimento que a Lei deve tratar os iguais com igualdade e os desiguais com desigualdade, se adequando a situação quando necessário. Neste sentido, não há motivos para haver desigualdade no tratamento jurídico das diferentes modalidades de família.
Além disso, o princípio da igualdade ainda rege a relação interfamiliar dos membros dessa família poliafetiva. Maria Berenice Dias aduz que:
[...] a relação de igualdade nas relações familiares deve ser pautada não pela pura e simples igualdade entre iguais, mas pela solidariedade entre seus membros, caracterizada da mesma forma pelo afeto e amor. A organização e a própria direção da família repousam no princípio da igualdade de direitos e deveres dos cônjuges, tanto que compete a ambos a direção da sociedade conjugal em mútua colaboração (DIAS, 2016, p.12).
O Superior Tribunal de Justiça, ao tratar de uniões homoafetivas, prontamente aplica o princípio da igualdade:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA. RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO. COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO.
1. Recurso especial tirado de acórdão que, na origem, fixou a competência do Juízo Civil para apreciação de ação de reconhecimento e dissolução de união estável homoafetiva, em detrimento da competência da Vara de Família existente. 2. A plena equiparação das uniões estáveis homoafetivas, às uniões estáveis heteroafetivas trouxe, como corolário, a extensão automática àquelas, das prerrogativas já outorgadas aos companheiros dentro de uma união estável tradicional. 3. Apesar da organização judiciária de cada Estado ser afeta ao Judiciário local, a outorga de competências privativas a determinadas Varas, impõe a submissão dessas varas às respectivas vinculações legais construídas em nível federal, sob pena de ofensa à lógica do razoável e, in casu, também agressão ao princípio da igualdade.
4. Se a prerrogativa de vara privativa é outorgada ao extrato heterossexual da população brasileira, para a solução de determinadas lides, também o será à fração homossexual, assexual ou transexual, e todos os demais grupos representativos de minorias de qualquer natureza que tenham similar demanda. 5. Havendo vara privativa para julgamento de processos de família, esta é competente para apreciar e julgar pedido de reconhecimento e dissolução de união estável homoafetiva, independentemente das limitações inseridas no Código de Organização e Divisão Judiciária local 6. Recurso especial provido. (BRASIL, 2013, não paginado)
De forma análoga, deve o Estado tratar as famílias poliafetivas em par de igualdade com as outras formas de constituição familiar. Assim, tal princípio se mostra fundamental para o reconhecimento dessas famílias, que no momento se encontram em uma situação de insegurança jurídica, sem acesso aos seus direitos.
3.3 AUTONOMIA PARA A FORMAÇÃO DA FAMÍLIA QUE MELHOR CORRESPONDA AOS INDÍVIDUOS
Assim como os princípios mencionados anteriormente, a autonomia privada é de extrema importância para esse estudo. Viegas (2017, p. 92) classifica a autonomia privada “como o poder conferido ao indivíduo, de regulamentar os próprios interesses, dentro de determinados parâmetros que preservem a individualidade alheia”. Em sua essência, a autonomia privada existe para delegar liberdade ao indivíduo, agindo em conjunto com outros princípios para garantir direitos à pessoa natural. Esse também é o entendimento de Francisco Amaral:
O princípio da autonomia privada tem, como pressuposto, a liberdade individual, que, filosoficamente, é a possibilidade de opção, como liberdade de fazer ou de não fazer, e sociologicamente, ausência de condicionamentos materiais e sociais. Do ponto de vista jurídico, a liberdade é o poder de praticar ou não, ao arbítrio do sujeito, todo ato não ordenado nem proibido por lei, e, de modo positivo, é o poder que as pessoas têm de optar entre o exercício e o não exercício de seus direitos subjetivos (AMARAL, 2008, p. 78).
A autonomia privada, portanto, delega ao indivíduo a liberdade de se autodeterminar. No âmbito familiar, a autonomia privada proporciona a escolha de como formar sua própria família. Taísa Maria Macena de Lima cita alguns exemplos da aplicação da autonomia privada:
A luta pelo direito de redesignaçao sexual, o reconhecimento de diferentes modelos de família (matrimonial, não-matrimonial, monoparental, etc.), o modelo de filiação voltado antes para a paternidade socioafetiva de que para a paternidade apenas biológica, a união legal de pessoas do mesmo sexo, entre outras (LIMA, 2003, p. 48).
Assim, em respeito aos princípios da liberdade e autonomia privada, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região julgou, de forma favorável, uma ação de conversão de união estável homoafetiva em casamento, reconhecendo a liberdade de orientação sexual e de constituição de família:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE FAMÍLIA. PROCEDIMENTO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA. CONVERSÃO DE UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA EM CASAMENTO. ARTIGO 1.726DO CÓDIGO CIVIL. INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO. IGUALDADE. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. DIREITO À LIBERDADE DE ORIENTAÇÃO SEXUAL. POSSIBILIDADE.
1 - Procedimento de jurisdição voluntária em que se pleiteia a conversão da união estável em casamento civil;
2 - O instituto da união estável, como modalidade de entidade familiar equiparada ao casamento, é possível desde que reconhecida a convivência pública, contínua e duradoura, com o objetivo de constituir família, na forma do art. 226, § 3º da CRFB, regulamentado pelo art. 1º da Lei 9.278/96;
3 - Nessa toada, o Supremo Tribunal Federal, no acórdão de julgamento da ADI nº 4.277/DF e na ADPF nº 132/RJ, com efeitos vinculantes e erga omnes, reconheceu, por unanimidade, a união estável entre pessoas do mesmo sexo também como entidade familiar, tal como a união heterossexual;
4 - Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça já reconheceu quanto à possibilidade de casamento civil entre as pessoas do mesmo sexo quando do julgamento do REsp 1183378/RS;
5 - Uma vez reconhecida a união estável entre pessoas do mesmo sexo, assegurando-lhes identidade de direitos e garantias conferidas aos companheiros de sexos opostos, há de se adotar também o entendimento conforme à Constituição quanto à possibilidade de conversão desta união estável homoafetiva em casamento, na forma do art. 1.726 do CC;
6 - Orientação sexual que não pode ser considerada como fator de distinção a justificar tratamento desigual pela lei, sob pena de discriminação infundada e atentatória ao princípio da isonomia, em afronta à garantia fundamental prescrita no art. 5º, caput, da CRFB. Direito à orientação sexual é decorrente da própria dignidade da pessoa humana, valor este de maior importância no sistema constitucional vigente, sendo também desdobramento do respeito à privacidade e vida privada. Liberdade sexual encontra-se situada no plano dos direitos fundamentais, de onde se extrai deva ser expurgada qualquer norma que não vá de encontro a tais garantias constitucionais;
7 - Inócuo o reconhecimento da igualdade entre casais homoafetivos e heterossexuais se não lhes forem assegurados o correspondente direito à formação de uma família, devendo ser esta interpretação não reducionista, e não outra, dos dispositivos do art. 1.723 e 1726 do Código Civilista à luz da Carta Constitucional, que traz o pluralismo como valor social e cultural. Reforma da sentença. Provimento do recurso. (BRASIL, 2014, não paginado)
Segundo o entendimento do Ministro Ayres Britto (2011, p. 9), “a autonomia privada em sua dimensão existencial manifesta-se na possibilidade de orientar-se sexualmente e em todos os desdobramentos decorrentes de tal orientação”. Sendo assim, o princípio da autonomia privada em conjunto com os outros princípios já mencionados, habilita o reconhecimento do relacionamento poliafetivo como unidade familiar legítima.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo buscou analisar a poliafetividade como fato constitutivo de família e os permissivos que amparam seu reconhecimento no ordenamento jurídico brasileiro. Para tanto, discutiu-se sobre a evolução social e jurídica do conceito de família, demonstrando a adequação do direito brasileiro às mudanças constantes na sociedade.
Seguindo esse contexto, demonstrou-se que a monogamia como princípio não veda a existência de famílias poliafetivas, pois o bem jurídico a ser guardado por dado princípio é o da fidelidade. A monogamia então, deve ser analisada em conjunto com outros princípios, de forma a dar a cada caso específico o tratamento devido.
Foi discorrido ainda sobre o tipo penal da bigamia, previsto no Artigo 235 do Código Penal Brasileiro, que criminaliza a conduta de manter múltiplos casamentos e como as famílias poliafetivas não se encaixam na descrição, assim, não podendo ser ignoradas como núcleo familiar legítimo.
Por fim, foram discutidos alguns permissivos constitucionais que amparam as famílias poliafetivas, e norteiam o direito de família como um todo.
O princípio da dignidade humana age dentro do direito, garantindo que não apenas o indivíduo, mas também suas escolhas e convicções sejam respeitados. Assim, a dignidade age, dando a devida importância para a família como instrumento para a realização de direitos, não devendo ser limitada sua formação desde que exista o afeto.
O princípio da igualdade prevê a igualdade e a possibilidade dos cidadãos de gozar de tratamento isonômico pela lei. Esse princípio se mostra essencial para esse estudo, bem como para o direito de família em si, visto que ele promove a igualdade de tratamento entre as múltiplas formas de constituição de família.
O princípio da autonomia privada, por sua vez, decorre do princípio da liberdade e serve como forma de se autodeterminar. Dessa forma, a autonomia privada ampara a variedade de modelos de família, visto que esse princípio proporciona aos indivíduos a liberdade para formar a família que mais se adequa à sua vontade.
Ao se observar os princípios da dignidade humana, igualdade, liberdade e autonomia privada, chega-se à conclusão de que o Estado não pode negar proteção às famílias não-monogâmicas.
A conclusão, diante do quadro exposto, foi a de que o Estado, em respeito a Carta Magna, deve amparar todos os tipos de família, não se atendo somente a uma lista limitada. Assim, segundo os preceitos constitucionais estudados neste artigo, é plenamente viável o reconhecimento da união poliafetiva como núcleo familiar no ordenamento jurídico brasileiro, sendo esta, uma medida que se faz necessária para que os indivíduos inclusos nessas famílias tenham acesso aos direitos que lhes são devidos.
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[1] Mestra em Direito. Professora da Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins (FCJP).
[2] Artigo 229 do Código Civil de 1916: Criando a família legítima, o casamento legitima os filhos comuns, antes dele nascidos ou concebidos (BRASIL, [2000]).
[3] Artigo 358 do Código Civil de 1916: Os filhos incestuosos e os adulterinos não podem ser reconhecidos (BRASIL, [2000]).
[4] Artigo 146 da Constituição Federal de 1934: O casamento será civil e gratuita a sua celebração. O casamento perante ministro de qualquer confissão religiosa, cujo rito não contrarie a ordem pública ou os bons costumes, produzirá, todavia, os mesmos efeitos que o casamento civil, desde que, perante a autoridade civil, na habilitação dos nubentes, na verificação dos impedimentos e no processo da oposição sejam observadas as disposições da lei civil e seja ele inscrito no Registro Civil. O registro será gratuito e obrigatório. A lei estabelecerá penalidades para a transgressão dos preceitos legais atinentes à celebração do casamento (BRASIL, [1934]).
[5] Artigo 144 da Constituição Federal de 1934: A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado. Parágrafo único - A lei civil determinará os casos de desquite e de anulação de casamento, havendo sempre recurso ex officio, com efeito suspensivo (BRASIL, [1934]).
[6] Artigo 1º do Decreto Lei n. 4.737: O filho havido pelo cônjuge fora do matrimônio pode, depois do desquite, ser reconhecido ou demandar que se declare sua filiação (BRASIL, 1942).
[7] Artigo 1º da Lei nº 883: Dissolvida a sociedade conjugal, será permitido a qualquer dos cônjuges o reconhecimento do filho havido fora do matrimônio e, ao filho a ação para que se lhe declare a filiação (BRASIL, [1984]).
[8] Artigo 51 da Lei 6.515: A Lei nº 883, de 21 de outubro de 1949 passa a vigorar com as seguintes alterações:
1º: Parágrafo único - Ainda na vigência do casamento qualquer dos cônjuges poderá reconhecer o filho havido fora do matrimônio, em testamento cerrado, aprovado antes ou depois do nascimento do filho, e, nessa parte, irrevogável.
2º: Qualquer que seja a natureza da filiação, o direito à herança será reconhecido em igualdade de condições.
4º:Parágrafo único - Dissolvida a sociedade conjugal do que foi condenado a prestar alimentos, quem os obteve não precisa propor ação de investigação para ser reconhecido, cabendo, porém, aos interessados o direito de impugnar a filiação. (BRASIL, [1992])
[9] Resolução 175 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ – Art. 1º É vedada às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo.
Art. 2º A recusa prevista no artigo 1º implicará a imediata comunicação ao respectivo juiz corregedor para as providências cabíveis.
Art. 3º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação. (BRASIL, 2013)
[10] Art. 235 - Contrair alguém, sendo casado, novo casamento: Pena - reclusão, de dois a seis anos.
[11] Art. 1º da Constituição Federal da República: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana. (BRASIL, 1988)
[12] Como colocado pelo Ministro Ayres Britto, Relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.277/11, o princípio da igualdade veda que o legislador e o intérprete confiram tratamento diferenciado a pessoas e a situações substancialmente iguais, sendo-lhes constitucionalmente vedadas quaisquer diferenciações baseadas na origem, no gênero e na cor da pele.
[13] Art. 5º da Constituição Federal da República: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. (BRASIL, 1988)
[14] Artigo II - 1. Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. 2. Não será tampouco feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948)
Graduando do curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins (FCJP).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Luiz Miguel Lima. A viabilidade do instituto da união poliafetiva como núcleo familiar no ordenamento jurídico brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 nov 2021, 04:19. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57501/a-viabilidade-do-instituto-da-unio-poliafetiva-como-ncleo-familiar-no-ordenamento-jurdico-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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