RESUMO: O presente artigo tem como objetivo analisar de como a Lei 12.737/2012, conhecida como a “Lei Carolina Dieckmann”, contribuiu para o tratamento dos crimes cometidos no ambiente cibernético. A referida Lei tipifica como crime condutas realizadas em ambiente virtual. Com os adventos tecnológicos fez-se necessário que o Direito acompanhe esta evolução, uma vez que antes da aprovação da lei não existia tipo penal de tal conduta. Tal tipificação é relevante na área penal, uma vez que esta área trata com primazia a legalidade estrita, ou seja, “nullum crimen nulla poena sine lege”, não existindo delito sem lei anterior que o defina. Assim, apesar de não poder abranger a todas as ocorrências cometidas virtualmente, a Lei 12.737/2012 foi precursora, inovando nesse âmbito. Este trabalho pretende demonstrar com clareza os benefícios advindos da lei conhecida como “Lei Carolina Dieckmann”, bem como verificar as inovações que vieram através dessa, já que foi a primeira a possuir regulamentação. Ademais, caberá também centrar-se esta discussão nos pontos negativos desta regulamentação, que se pode afirmar, diz respeito às imprecisões legislativas e terminológicas, bem como a falta de profundidade nas especificações da lei e também devido à falta de atividade legislativa quanto aos crimes cibernéticos. Igualmente, caberá também a este trabalho reiterar os pontos da lei que foram recentemente atualizados, que, pode-se dizer, tornou a lei mais severa e tentou mitigar alguma de suas imprecisões.
PALAVRAS-CHAVE: Cibercrime. Direito Penal. Invasão. Lei Carolina Dieckmann.
ABSTRACT: This article aims to analyze how Law 12,737/2012, known as the “Caroline Dieckmann Law”, contributed to the treatment of crimes committed in the cyber environment. The aforementioned Law typifies conducts carried out in a virtual environment as a crime. With technological advances, it became necessary for the Law to accompany this evolution, since before the approval of the law there was no law that typified such conduct. This classification is relevant in the criminal area, since this area deals primarily with strict legality, that is, “nullum crimen nulla poena sine lege”, with no offense without a previous law that defines it. Thus, despite not being able to cover all occurrences committed virtually, Law 12,737/2012 was a precursor, innovating in this area, this work intends to clearly demonstrate the benefits arising from the law known as the “Caroline Dieckmann Law”, as well as verifying the innovations that came through this one, as it was the first to have regulation. Furthermore, it will also be necessary to focus this discussion on the negative points of this regulation, which can be affirmed, concerns the legislative and terminological inaccuracies, as well as the lack of depth in the law's specifications and also due to the lack of legislative activity regarding cyber crimes. Likewise, it will also be up to this work to reiterate the points of the law that were recently updated, which, it can be said, made the law more severe and tried to mitigate some of its inaccuracies.
KEYWORDS: Cybercrime. Criminal Law. Invasion. Carolina Dieckmann Act.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Crimes Cibernéticos e a Lei 12.737/2012. 3. Crimes informáticos. 4. O caso Carolina Dieckmann 5. A criação da Lei. 6. Consequências e perspectivas da Lei Carolina Dieckmann 7. Conclusão 8. Referências
O ambiente jurídico tem por escopo regular condutas realizadas em situações concretas. Com a globalização e a utilização de ferramentas tecnológicas cada vez mais frequente surgem diversas novas situações que devem ser acompanhadas pela lei. Assim, a evolução tecnológica é acompanhada do surgimento de diversas novas possibilidades de delito, é importante que a problemática gerada com tais avanços também tenha regulamentação, na medida em que avança a criminalidade, também se avance a repressão aos delitos cometidos nesse ambiente.
Ora, é evidente que o Direito não consegue adaptar-se em velocidade igual à evolução tecnológica, por isto torna-se mais que necessário que os debates envolvendo o ambiente virtual sejam recorrentes, em temáticas que não envolvam apenas o Direito Penal, mas também todo o arcabouço jurídico-legal protegido pelos direitos fundamentais.
De antemão, devemos relembrar que o sistema jurídico pátrio é fundado na primazia da dignidade da pessoa humana e no império da lei. Isto não se deixa de aplicar-se ao Direito Penal também, bem como nos seus princípios que limitam o poder punitivo do Estado. Claro, é assaz relevante a importância do Direito Penal e da estrita legalidade, visto que cabe a esta seara prever punições aos delitos praticados que violem os bens jurídicos mais relevantes. Assim, cabe à lei exercer sua função social, que é justamente promover a ressocialização dos autores de delitos, de modo a evitar a reiteração de tais condutas ilícitas.
Neste contexto advém a Lei n.° 12.737/12, popularmente conhecida como a “Lei Carolina Dieckmann”, que surgiu no seio da pressão midiática de quando a citada atriz foi alvo de criminosos que invadiram seus arquivos e a ameaçaram divulgar sua intimidade. Desde então as condutas descritas na Lei não apenas foram conhecidas na esfera jurídica, como também representou verdadeira inovação na legislação pátria.
Verifica-se ainda que é necessária uma análise minuciosa dessa Lei, que embora tenha sido alvo de muitas críticas por muitos doutrinadores, foi precursora no que se refere a regulamentação de condutas criminosas em crimes cometidos no âmbito cibernético. Ademais, ao tecer as críticas necessárias, enfatiza-se que essas são importantes num momento de grande evolução tecnológica e clamor social por paz e justiça.
2. CRIMES CIBERNÉTICOS E A LEI 12.737/2012
A lei 12.737/2012 em seu escopo tipifica os crimes classificados como “delitos informáticos”. Assim, as razões de existência desta advêm do avanço tecnológico e da consequente inclusão digital que abarca um número cada vez maior de pessoas. Desta forma, o acesso aos meios digitais e tecnológicos configura-se como figura ímpar de cidadania e acesso ao conhecimento, informações e bem-estar.
Por outro lado, é evidente que nem só de aspectos positivos vive a evolução digital, a sua expansão exponencial, bem como a falta de conhecimento técnico de grande parte dos usuários, faz com que estes últimos tornem-se suscetíveis às diversas práticas delituosas que surgem com essa nova realidade.
Ora, desta forma insta pontuar a essencialidade do Direito Penal nesta temática, uma vez que este atua como ultima ratio, princípio norteador desta seara, cabendo ao Direito Penal tratar somente das lesões ou atos ilícitos mais graves.
Outrossim, conforme Nucci (2014, p. 60), o Direito Penal constitui a mais drástica opção estatal para regular conflitos e aplicar sanções, devendo também moldar-se ao princípio constitucional da dignidade humana.
De outra forma, a criação da lei 12.737/2012 fundamenta-se em dois princípios que regem a lógica e são essências do Direito Penal, dentre outros: o princípio da legalidade e da anterioridade.
Portanto, o primeiro aponta que os tipos penais somente podem ser criados por lei em sentido estrito, conforme o processo legislativo devido (artigo 5.°, XXXIX, CF). O segundo princípio pode ser resumido pela máxima “não há crime sem lei anterior que o defina e sem prévia cominação legal” (Nucci, 2014, p. 62-63).
Assim, não cabe a este artigo esgotar a temática principiológica, em suma, reitera-se que o Direito Penal é construído sob um denso arcabouço jurídico-legal, a qual cabe sempre ponderação acerca de quais situações devem ser regidas pela lei penal. Conforme o princípio da intervenção mínima, nem todo bem jurídico é tutelado pelo Direito Penal, uma vez que a esta seara deve-se a proteção dos bens jurídicos mais relevantes para a pessoa humana e para a vida em sociedade.
3.CRIMES INFORMÁTICOS
Conforme o exposto por Nucci (2014, p. 137 e ss.) o crime pode ser definido conforme três conceitos: material, formal e analítico. O primeiro define o crime como conduta que ofende um bem juridicamente tutelado e merecedor de pena; o conceito formal entende ser crime toda consulta que colide frontalmente contra a lei penal editada pelo Estado; já o conceito analítico de crime adota uma definição tripartida, ou seja, trata-se de crime toda conduta típica, antijurídica e culpável.
Explica-se.
Fato típico é aquele que se adéqua ao tipo penal, lastreado pelo nexo causal. Antijurídico é todo fato contrário ao direito e que cause efetiva lesão ao bem tutelado. Já a culpabilidade, em suma, pode ser definida como o juízo de reprovabilidade social da conduta a incidir sobre o fato e seu autor[1].
Outrossim, os cibercrimes ocorrem em decorrência de toda e qualquer atividade ilícita exercida no ambiente virtual, por meio de dispositivos eletrônicos, cometidos por hackers[2] ou crackers[3]. Podendo envolver crimes como fraudem, estelionato, bullying na internet, falsificação de identidade, ameaças, etc. Trata-se de condutas antijurídicas e culpáveis, utilizando-se dos meios eletrônicos para atingir pretensão ilegal (Sá e Silva, 2020, p. 4).
Destarte, conforme a exposição de Kummer (2017, p. 55 e ss.) a doutrina pátria classifica os crimes informáticos da seguinte forma:
Crimes impróprios: aqueles que apesar de serem cometidos por sistemas informatizados, poderiam ocorrer por si só, violando bens já protegidos pelo Código Penal. Ora, entre os crimes cibernéticos mais comuns podem ser citados: extorsão, falsidade ideológica, ameaça, pornografia infantil, furto qualificado por fraude, estelionato. Nesse sentido, um crime informático muito comum é o crime contra a honra, principalmente via exposição em redes sociais, uma vez que a Constituição Federal traz em seu bojo a proteção à intimidade, à vida provada, à honra e à imagem das pessoas.
Crimes próprios: neste caso os bens jurídicos violados são os próprios dados computacionais, situação que só pode ser realizada por meio de sistemas informáticos. Como exemplos podem ser citados os seguintes casos: invasão a dispositivos informáticos para furtos de senhas, obtenção e transferência de senhas, obtenção e transferência ilegal de dados, dano ao banco de dados ou sistemas de informação, disseminação de vírus, ataques de phishing[4], socialengineering[5] e pharming[6].
Ainda há crimes informáticos mistos, situação em que existe a violação dos dados informáticos e dos bens jurídicos distinto destes e protegidos legalmente
Ademais, conforme a classificação acima exposta por Kummer (2020, p. 64), nos chamados crimes informáticos impróprios os bens jurídicos a serem protegidos pelo ordenamento jurídico vigente seriam a intimidade, a honra, a propriedade, etc. Ao passo que nos chamados crimes informáticos próprios, os bens jurídicos a serem protegidos seriam bens intrinsecamente informáticos, muitos dos quais ainda não devidamente protegidos pelo Código Penal e legislações especiais, como aqueles bens que foram adotados pela Convenção de Budapeste[7]: confidencialidade, integridade e disponibilidade de sistemas de computador, redes e dados de computador.
4. O CASO CAROLINA DIECKMANN
Em breve síntese, a situação origina-se de um spam enviado para a atriz, esta clica neste arquivo e o abre em seu computador, possibilitando, assim, a invasão do computador de Carolina e o posterior acesso ao conteúdo íntimo[8]. A atriz foi vítima de diversas chantagens e a ameaça de extorsão[9].
Todavia, ao tempo do ocorrido, não havia legislação que se tornasse mais especifica ao fato, isso é, a pratica de condutas que tipificassem o acesso a dispositivos informáticos alheios, sem autorização. Mesmo com o acompanhamento policial havia barreiras jurídicas, quanto ao ajuizamento da ação.
Conforme Garcia (2017, p.38), o delegado que estava à frente das investigações informou que foi aberto um registro de ocorrência, pelo crime de extorsão qualificada pelo concurso de agentes, e ainda pelos crimes de difamação e furto. Surgindo nesse sentido a necessidade de criação de lei específica que tipificasse delitos cometidos no âmbito cibernético.
5. A CRIAÇÃO DA LEI
De acordo com o dito por Pragana (2018, p.14 e SS.), antes da promulgação da Lei n° 12.737/2012 invadir dispositivo informático (tais como smartphone, servidores, desktop, notebook, pen drive e HD externo) constituía fato atípico. Muitas vezes o Judiciário se utilizava indevidamente da analogia em malam partem no direito material penal para reparar a vítima pela agressão ao patrimônio material ou imaterial, enquadrando como furto, dano ou outro tipo penal não adequado à realidade fática.
Conforme Garcia (2017, p. 38), o Congresso Nacional discutia o tema havia mais de 10 anos, no ano de 1999, Luiz Piauhylino de Melo Monteiro, à época deputado, propôs o PL de nº 84/99, que tinha por alvo dispor a respeito de crimes praticados em âmbito informático, bem como sanções.
Entretanto, com o a propagação do caso da atriz Carolina Dieckmann os projetos de Lei passaram a ter prioridade e, assim, o Congresso Nacional adotou medidas concretas na repressão ao cometimento de delitos informáticos. Tal repercussão trouxe pressão social quanto à criminalização das condutas, visto que estas não eram consideradas crimes em espécie segundo o Código Penal Brasileiro, conforme o exposto por Garcia (2017, p. 38).
A aprovação ocorreu em 30 de novembro de 2012, onde na Câmera dos Deputados, o PL de nº 35/2012, tendo sua origem no PL º 2.793/2011, sendo alternativa ao PL de nº 84/99. Nesse caso, o projeto teve sua promulgação e sanção pela presidência da República, por meio da Lei 12.737/12, que popularmente ficou conhecida como: A lei Carolina Dieckmann. Tendo a publicação em Diário oficial da União em 03 de dezembro de 2012, e entrando em vigor 120 (cento e vinte) dias posteriores a sua publicação.
5. PREVISÃO NO CÓDIGO PENAL
A Lei 12.737, de 30 de novembro de 2012, tipificou um novo crime denominado Invasão de Dispositivo Informático, com previsão no art. 154-A, do Código Penal, o que cumpre mencionar:
Invadir dispositivo informático de uso alheio, conectado ou não à rede de computadores, com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do usuário do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita (CP, art. 154-A, caput).
Adicionalmente, o parágrafo primeiro aponta que incorre na mesma pena quem produz, oferece, distribui, vende ou difunde dispositivo ou programa de computador com o intuito de permitir a prática da conduta do crime de invasão de dispositivo informático.
Ademais, cumpre relembrar que recentemente, neste mesmo ano, houve pequenas alterações legislativas através da Lei 14.155/2021 que entrou em vigor em 28.05.2021.
Assim, o crime de invasão de dispositivo informático que antes possuía pena de detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa, passou a ter pena reclusão de 1(um) a 4 (quatro anos), e multa.
Portanto, este deixou de ser um crime de menor potencial ofensivo (Lei 9.099/95[10]), não cabendo mais transação penal[11], apesar de poder ser possível aplicar-se o instituto da suspensão condicional do processo[12] e o acordo de não persecução penal[13] (art. 28-A, CPP).
Destarte, é nítido o tratamento mais severo que foi dado a esse tipo penal por meio das recentes atualizações legislativas, visto que o amplo acesso às redes possibilita cada vez mais o aumento das práticas ilícitas por meio virtual.
Igualmente, antes da lei n° 14.155/2021 a causa de aumento de pena do § 2º do art. 154-A previa o intervalo de 1/6 a 1/3, contudo, atualmente, o aumento de pena passou a variar de 1/3 a 2/3 se da invasão houver prejuízo econômico.
Desta forma, insta salientar que o parágrafo § 3 é uma qualificadora que prevê pena de 2 a 5 anos, dispondo que se da invasão houver obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos comerciais ou industriais, informações sigilosas definidas em lei ou se houver também o controle remoto do dispositivo invadido.
Ora, ainda considerando as normas de Direito Penal[14], tais inovações trazidas pela lei 11.455/2021 são prejudiciais ao réu, assim, então, as mesmas só poderão ser aplicadas às condutas praticadas a partir do dia 28.05.2021, referente à vigência da respectiva lei.
Ainda no seio da Lei 12.737 de 2012, o parágrafo § 4 aponta para caso de aumento de pena de 1/3 a 2/3 se houver divulgação, comercialização ou transmissão a terceiro, a qualquer título, dos dados ou informações obtidas.
Neste mesmo sentido, o parágrafo § 5 determina aumento de pena de 1/3 a metade caso o crime seja praticado contra o presidente da República, governadores e prefeitos; presidente do Supremo Tribunal Federal; e presidente da Câmara dos Deputados, Senado Federal, Assembleia Legislativa Estadual e demais autoridades descritas na lei.
Adicionalmente, conforme Pragana (2018, p.15 e SS.), o legislador pecou ao descrever, na versão original da lei publicada em 2012, que a conduta não precisava conter o termo “causar violação indevida de mecanismo de segurança”, na medida em que somente seria necessária a falta de autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo e a finalidade descrita no tipo penal. Contudo, a citada lei n.° 14.155 de 2021 veio a corrigir tal incongruência conforme a nova redação dada ao artigo 154-A do Código Penal.
Conforme expõe Kummer (2017, p. 82 e ss.) só há crime quando a conduta recai sobre dispositivo alheio. O elemento subjetivo é o dolo acrescido de uma finalidade específica, por conseguinte, não há modalidade culposa e existe a modalidade tentada.
Típica situação relativa a este crime é que apesar da existência do consentimento do titular do dispositivo informático para o acesso de determinada pessoa a informações tidas como privadas, esta divulga tais informações para terceiros não autorizados, claro, sem consentimento para isto.
A título exemplificativo, conforme ilustrado pela obra de Kummer (2017, p. 84), um tipo de crime que merece destaque, em virtude de sua frequência, são os casos em que as pessoas, principalmente as mulheres e jovens têm suas intimidades indevidamente expostas em redes sociais e em aplicativos (como o whatsapp) sem os seus consentimentos, tais situações ocorrem, sobretudo, após encaminharem tais conteúdos a seus parceiros. Desta forma, uma vez que o conteúdo é distribuído, seu alcance é rápido e incontrolável, de forma gerar danos irreversíveis às vítimas, principalmente a adolescentes e jovens.
De acordo com Kummer (2017, p. 86), a tutela penal pretendida é da liberdade individual de manter os segredos particulares, assim, visa-se resguardar a privacidade da pessoa em dispositivo informático. Portanto, convém reiterar que a privacidade envolve a liberdade pessoal de se resguardar a intimidade, a vida privada, a honra, a inviolabilidade de comunicação e correspondência e a livre manifestação do pensamento, do acesso não autorizado de terceiros.
Outrossim, conforme a opinião de Soares (2020, p. 22) o bem jurídico defendido pela lei é a inviolabilidade dos dados informáticos. O sujeito ativo é qualquer pessoa que não está habilitado ao acesso às informações. O sujeito passivo seria qualquer pessoa física ou jurídica, proprietária de documentos computacionais.
Adicionalmente, Kummer (2017, p.84) afirma que apesar da existência de proteção à violação da intimidade por invasão de dispositivos informáticos, ainda não existe no ordenamento jurídico nacional a tutela penal da intimidade por divulgação indevida de segredos ou momentos de intimidade (com exceção à previsão do ECA, para as vítimas crianças e adolescentes, no art. 241-A[15]). Assim, esta última, a depender do caso concreto pode ser tipificada como difamação ou injúria. Por fim, o autor ainda defende a necessidade de novos tipos penais para os crimes cibernéticos.
6. CONSEQUÊNCIAS E PERSPECTIVAS DA LEI CAROLINA DIECKMANN
Conforme a opinião de Barbosa e Martins (2020, p. 18) o meio digital é caracterizado pelo anonimato e acesso amplo dos indivíduos, de maneira a acarretar ao usuário uma sensação de impunidade em relação aos seus atos no cyber espaço, frente à ausência de legislação específica e pela ausência de controle estatal nesse meio.
Assim, uma vez que o desenvolvimento tecnológico propiciou um aumento em relação aos crimes nos meios digitais, principalmente relacionado a crianças e adolescentes do gênero feminino, fazem-se necessárias alternativas para tamanho problema, tendo em vista a falta de proteção aos usuários das redes digitais, amparo efetivo legal e meios adequados e suficientes para conter os autores dos crimes.
Ademais, conforme expõe Sá e Silva (2020, p. 20), dos anos 2020 para 2021 houve verdadeiro aumento dos cibercrimes, em virtude da pandemia do COVID-19. O isolamento social e a limitação do ir e vir fizeram com que as pessoas utilizassem mais as ferramentas sociais, desta forma, os usuários não estão preparados para as armadilhas cibernéticas espalhadas pelo espaço virtual, os crimes virtuais mais comuns são: fraude em seguro, roubo de dados e informações pessoais, golpe de benefício ofertado pelo Governo, roubo de senhas, utilização indevida do cartão de crédito, etc.
Destarte, a opinião de Pedrosa (2020, p. 51) corrobora o aqui exposto, ora, assim não se deve mais admitir que a internet seja vista como “território sem lei”, uma vez que neste ambiente desenvolvem-se diversos serviços, constituindo-se como um espaço aberto de interação da sociedade civil.
Portanto, mesmo que muitas infrações cometidas na internet sejam semelhantes ao tipo penal tradicional, tido como cibercrime impróprio, é evidente a existência de uma lacuna que deve ser preenchida por legislação específica que demanda a criação de novos tipos penais, de forma a criar delitos cibernéticos próprios, tendo em vista que as recentes reformas penais e processuais não forma suficientes para suprir a demanda exigida pela criminalidade cibernética a eclodir.
Em artigo de opinião Beretta (2014, p.1) afirma que apesar de ser tratada como um marco na investigação de crimes informáticos no Brasil, a Lei 12.737/2012 não dispõe, dentre outras falhas, de meios processuais que garantam sua eficácia. Coube, então, ao Marco Civil da Internet a responsabilidade de garantir, em tese, o real objetivo da lei Carolina Dieckmann.
O mesmo autor tece críticas quanto ao sentido ambíguo do verbo invadir, visto que a ação de “invadir por invadir” não configura crime, uma vez que se exige a finalidade específica de obter, adulterar ou destruir dados e informações, de acordo com a estrita legalidade em matéria penal.
Conforme expõe Garcia (2017, p. 50-51), um dos aspectos positivos da criação da Lei é, justamente, que esta reflete o anseio popular, mesmo limitada, configurou-se como um grande salto na proteção às vítimas dos crimes virtuais, além de que, é claro, representou verdadeiro avanço legislativo nacional.
A lei traz consigo maior segurança jurídica e rigor penal. Logo, ao tratar tal tema na esfera penal fica demonstrada a importância da proteção deste bem jurídico, uma vez que cabe ao Direito Penal à proteção dos bens jurídicos mais relevantes.
Por conseguinte, Soares (2020, p. 22) afirma que uma das maiores desaprovações quanto à lei localiza-se no sujeito ativo, porque seria atípico o comportamento da pessoa que invade aparelho computacional próprio para conseguir dados de outrem que lá se encontrem, como exemplo num CyberCafé, assim, o autor aponta erro na regulamentação da Lei 12.737, pois quem comete o delito necessita ser sentenciado.
Portanto, a falta de punição aos crimes cibernéticos seria mitigada com uma legislação mais ampla, sendo insuficiente somente a Lei Carolina Dieckmann.
Adicionalmente, conforme Paulino (2020, p. 32), o artigo 154-A do Código e os seus pontos negativos superam os pontos positivos, uma vez que trata-se de um texto ambíguo e raso, que não adentram em diversas questões que poderiam ser suscitadas, tais quais eventuais responsabilização dos servidores, a prática de atos ilícitos na Deep Web e a retirada do conteúdo da internet, assim como também a falta de estrutura adequada para a investigação e combate a essas práticas ilícitas no meio virtual.
Sá e Silva (2020, p. 16) reiteram este último ponto, uma vez que a responsabilidade para a apuração destes crimes é da polícia judiciária, insta salientar que essa se encontra sobrecarregada com tantas ocorrências registradas, além de que seus agentes não estão devidamente preparados para desempenhar este trabalho com tanta perícia técnica, uma vez que é notória a falta de pessoal e investimento material.
Adicionalmente, conforme a opinião de Prazeres e Brasil (2013, p. 16 e SS.), a lei objeto de análise assegura repressão mais severa àquelas situações em que são registrados prejuízos econômicos ou que dizem respeito a relações comerciais.
Contudo, o enfoque da lei deveria ser a proteção integral aos direitos de personalidade da vítima, e não o eventual decréscimo patrimonial por ela suportado, uma vez que o prejuízo econômico é incerto, e as lesões às garantias individuais sempre estão presentes. Fato a reforçar a necessidade de expansão das delegacias especializadas nos cibercrimes, justamente, com a finalidade de que as punições aos crimes virtuais sejam mais efetivas.
Assim, conforme o ponto de vista dos citados autores, pode-se afirmar que a lei está longe de proteger o cidadão comum das condutas criminosas praticas por meio virtual, tendo em vista não prever diversas possibilidades de ofensas a bens jurídicos, não só materiais, mas também imateriais e coletivos, a lei demonstra viés preponderantemente econômico, sendo uma lei, que a priori, foi produzida às pressas com a finalidade de dar uma resposta imediata ao clamor social e pressão midiática.
De forma a reiterar a preocupação do legislador quanto aos crimes cibernéticos, convém citar que recentemente a Câmara dos Deputados aprovou a adesão do Brasil à Convenção de Budapeste.
Ora, então, conforme expõe Grossman (2021, p. 1) assim o Brasil se compromete a elaborar leis penais que tipifiquem e punam condutas descritas em diversos artigos do compromisso internacional, bem como editar leis que estabeleçam poderes e procedimentos para fins de promoção de investigações ou processos criminais, referente aos crimes cometidos por meio de um sistema informático.
7. CONCLUSÃO
Feitas maiores considerações sobre esta temática, primeiramente, conclui-se que cabe maior atuação legislativa, devendo à jurisprudência papel ativo na resolução dos conflitos provenientes da ausência do arcabouço jurídico legal inerente ao meio cibernético.
Outrossim, convém reiterar que as recentes alterações no bojo desta lei são, justamente, uma resposta às inúmeras críticas que as imprevisões, da lei original prescrevia, como a citada “violação indevida de mecanismos de proteção do computador, portanto, tal atualização possibilitou ampliação no âmbito do escopo de aplicação da lei.
Igualmente, o fato de a pena do crime ter sido aumentada representa também um aspecto positivo, já que se trata de uma conduta agora mais grave, fato que pode vir a frear o crescimento exponencial de práticas delituosas que envolvem o âmbito digital.
Posto isto, cumpre salientar que deve ser requerida das autoridades legislativas uma atuação mais proativa, não só em relação ao aspecto legislativo, já que cabe sim aos legisladores propor leis que tipifiquem condutas e proteja o cidadão, mas também cabe investimento positivo em infraestrutura e fomentação da educação digital e segurança cibernética.
Trata-se de um de tema que vai muito além da mera especulação legislativa, configurando-se, assim, a Lei Carolina Dieckmann como um verdadeiro elemento propulsor da temática de crimes cibernéticos.
Atualmente, verifica-se o crescimento exponencial dos crimes praticados por meios virtuais, situações que podem ser protegidas através de outros tipos penais, ora, já que o Direito Penal atua em ultima ratio, é imperioso que o ordenamento jurídico acompanhe de perto tal evolução.
Outrossim, as recentes movimentações legislativas (como à adesão à Convenção de Budapeste e atualização legislativa da Lei Carolina Dieckmann) reafirmam à preocupação emergente relativa aos crimes cibernéticos e suas consequências, configurando como medidas a evitar o crescente aumento da criminalidade relacionada ao ambiente virtual.
Também tais alterações demonstram que o legislador, mesmo que tardiamente, encontra-se atento às exigências requeridas. Contudo, fica evidente que o Direito sempre anda um (ou vários) passos atrás da evolução tecnológica, a tipicidade penal demora em acompanhar a evolução social, por isso que o arcabouço jurídico torna-se obsoleto frente às constantes evoluções do mundo tecnológicos.
Por fim, conclui-se que é necessária a existência de legislação mais abrangente quanto ao uso da internet. As lacunas apontadas, dentre outras, devem ser preenchidas para uma efetiva punição, e consequente controle social quanto à prática destes crimes virtuais.
8. REFERÊNCIAS
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RAMOS JÚNIOR, Hélio Santiago. Invasão de Dispositivo Informático e a Lei 12.737/12: Comentários ao art. 154-A do Código Penal Brasileiro. Argentina: Simposio Argentino de Informatica y Derecho, 2013. Disponível em: <http://www.angelfire.com/falcon/hsramos/HSRAMOS42JAIIOSID09.pdf>. Acesso em: 11/11/2021
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Artigo publicado em 22/11/2021 e republicado em 09/07/2024
[1]Como pré-requisitos da culpabilidade apontam-se também a imputabilidade do agente, que este atue com consciência potencial de ilicitude e de possibilidade de atuação de modo diverso, conforme os demais pormenores legais.
[2]Em suma, o hacker utiliza seu conhecimento para melhorar sistemas e encontrar brechas de segurança para que elas possam ser corrigidas, sem a intenção de prejudicar terceiros.
[3]Os crackers visam burlar a segurança eletrônica para obter alguma vantagem ou prejudicar pessoas e empresas. São vistos como cibercriminosos, já usam seus conhecimentos de forma ilegal.
[4]Nesta situação, o spam é enviado ao usuário, que clica neste e é encaminhado a um site falso, que pode oferecer algum benefício, mas que visa invadir o computador e baixar um programa malicioso com a finalidade de roubar os dados e informações do usuário.
[5]Um tipo de fraude virtual onde o usuário é levado a preencher determinado formulário tido como confiável, mas na verdade está fornecendo dados para que criminosos façam uso.
[6]Trata-se de técnica em que o os nomes do domínio são modificados a fim de que o usuário seja conduzido a um endereço que contenha um site falso, a partir daí podem ser coletados dados sigilosos do usuário como diversas situações.
[7]Insta salientar que em 2021 o Brasil deu passos positivos à adesão à Convenção de Budapeste, um acordo internacional para unificar tipos penais e medidas de colaboração relacionadas ao combate aos crimes cibernéticos.
[8]Os criminosos fizeram uso de phising.
[9]Conforme o artigo 158 do Código Penal trata-se de situação de constrangimento a alguém mediante violência ou grave ameaça, com o intuito de obter para si ou para outrem vantagem econômica indevida, a fazer, tolerar ou deixar de fazer alguma coisa.
[10]Em seu artigo 61. ° dispõe que consideram-se infrações de menor potencial ofensivo as contravenções penais e os crimes que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.
[11]Trata-se de acordo firmado entre o réu e o Ministério Público, no qual o causado aceita cumprir pena antecipada de multa ou restrição de direitos e o processo é arquivado.
[12]Benefício trazido pela lei 9.099/95 que permite a suspensão do processo, submetendo o acusado a um período de prova de 2 a 4 anos, sendo que expirado tal prazo sem revogação do benefícios, o juiz declarará extinta a punibilidade.
[13]Trata-se de instituto recentemente introduzido em nosso ordenamento que beneficia o investigado que tenha confessado a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça cuja pena seja inferior a quatro anos.
[14] Em conformidade também com a regra do inciso XL do art 5.° da Constituição Federal, uma vez que a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.
[15]Conforme o ECA é qualificado como crime: Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente. Igualmente estão sujeitos às penas de 3 a 6 anos: assegurar os meios ou serviços para o armazenamento das fotografias, cenas ou imagens anteriormente citadas; assegurar, por qualquer meio, o acesso por redes de computadores às fotografias, cenas ou imagens citadas inicialmente.
Graduando(a) do Curso de Direito do Centro Universitário FAMETRO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALMEIDA, Cassia Evelyn Correia De. Crimes cibernéticos e a Lei 12.737/2012 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 jul 2024, 04:47. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57534/crimes-cibernticos-e-a-lei-12-737-2012. Acesso em: 23 dez 2024.
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