RESUMO: A impossibilidade de prisão civil do devedor de alimentos sob o regime fechado durante a pandemia de COVID-19 no Brasil é um assunto de interesse público. Dessa forma, o presente artigo tem como objetivo analisar as legislações utilizadas sobre a execução de alimentos em tempos de pandemia de COVID-19, com ênfase na impossibilidade de prisão civil sob o regime fechado. O artigo, em formato de revisão da literatura, possui três seções que foram extraídas a partir dos objetivos específicos: identificar a manutenção da prisão civil; substituição da prisão civil do regime fechado pelo regime domiciliar; e os impactos das medidas judiciais sobre a sociedade e como preservar os direitos e garantias do alimentado. Para tanto, utilizou-se a pesquisa bibliográfica e abordagem qualitativa. Recorremos às medidas legais como: a recomendação nº 62 do Conselho Nacional de Justiça (2020), Lei nº 14010/20 (BRASIL, 2020) e a autores como Madaleno (2020), Rizzardo (2019), entre outros. Elucidou-se então que é pertinente a adequação de medidas de combate à proliferação do vírus, assim como não eximir o devedor de alimentos com suas obrigações. No final adquiriu-se a compreensão das medidas sanitárias e impactos sobre vários aspectos sociais. Por fim, percebe-se que estes impactos causam incertezas sobre os direitos do alimentando.
PALAVRAS-CHAVE: Pandemia. Substituição. Prisão. Medidas Judiciais. Leis.
ABSTRACT: The impossibility of civil imprisonment of the food debtor under the closed regime during the COVID-19 pandemic in Brazil is a matter of public interest. Thus, this article aims to analyze the laws used on the execution of food in times of pandemic COVID-19 with emphasis on the impossibility of closed civil prison. Thus, the article in literature review format has tese sections that were extracted from the specific objectives: identify the maintenance through civil imprisonment; replacement of the civil prison from the closed to the domiciliary regime; and the impacts of legal measures on society as well as preserving the rights and guarantees of the fed. For this purpose, bibliographical research and a qualitative approach were used. We use legal measures such as: recommendation nº.62 National Council of Justice (2020), Law nº 14010/20 (BRASIL, 2020) and authors such as Madaleno (2020), Rizzardo (2019), among others. It was then elucidated that the adequacy of measures to combat the spread of the virus is pertinent, as well as not exempting the debtor of maintenance with its obligations. In the end, an understanding of health measures and impacts on various social aspects was acquired. Finally, it is clear that these impacts cause uncertainties about the rights of the fed.
KEYWORDS: Pandemic. Replacement. Prison. Judicial Measures. Laws.
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como propósito apresentar algumas considerações acerca da impossibilidade de prisão civil do devedor de alimentos sob o regime fechado durante a pandemia de COVID-19 no Brasil. Para tanto, o objetivo principal é analisar a manutenção da prisão civil do devedor de alimentos em tempos de pandemia de COVID-19 com ênfase na impossibilidade de prisão civil sob o regime fechado.
O tema objeto desta pesquisa justifica-se na importância de entender os efeitos das medidas de execução de alimentos, alterados devido à pandemia. Neste caso, sabe-se que para que seja satisfeito o crédito, são adotadas medidas como as dos artigos 528 e 911 do Código de Processo Civil, em que o Executado é intimado para pagar o débito ou justificar a impossibilidade de fazê-lo. No entanto, com o avanço da pandemia, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), através do art. 6º da Recomendação nº 62/20, visando conter a contaminação pelo vírus, orientou que pessoas presas por prisão alimentícia deveriam ser colocadas em prisão domiciliar, em seguida, essa medida ficou estabelecida pela Lei nº 14.010/2020.
Sobretudo, durante a pandemia de COVID-19, diversas medidas foram ajustadas, gerando uma perspectiva de risco de inadimplência. Diante disso, se torna relevante entender que a atualização e adequação das leis devem estar em sintonia com as reais demandas expressas pela sociedade. Neste cenário, buscou problematizar e buscar responder a seguinte questão: Como minimizar os impactos decorrentes das legislações que impossibilitam a prisão do devedor de alimentos sobre os direitos do alimentando?
A estrutura metodológica de pesquisa foi a bibliográfica, e teve como base o levantamento foi realizado através de artigos, livros, teses e pesquisas em fontes coletadas em sites na internet, e, portanto, baseia-se nas leituras exploratórias seletiva dessas fontes, criando um corpo de literatura compreensível para o tema objeto da pesquisa.
1 PRISÃO CIVIL NO ÂMBITO CONSTITUCIONAL
Sobre a prisão civil, serão apresentados elementos normativos que fundamentam efetivação da lei para alcançar o direito, potencializando meios para este fim. Dessa forma Paula e Borges (2020, p.2), explicam que, “a prisão civil tem o objetivo de conceber através do rigor legal, a assistência ao alimentado como prioridade”.
A Constituição Federal de 1988, através do art. 5°, inciso LXVII, ressalta a imposição da prisão civil sob duas condições aceitas: a primeira se dá pelo inadimplemento da obrigação alimentícia e a segunda pelo caráter de depositário infiel. Contudo, esse meio não se equipara à prisão por crimes, haja vista que a prisão civil não visa punir o devedor, somente obrigá-lo a quitar o débito. Logo, a prisão civil é uma forma de execução com intuito de requerer uma finalidade econômica (BRASIL, 1988).
No entanto, havendo essas exceções, já existiu na história o modelo constitucional que exclui a prisão por dívidas, conforme a Constituição de 1934, no art. 113, ressaltando que: “Não haverá prisão por dívidas, multas ou custas” (BRASIL, 1934). Para tanto, as sucessivas Constituições do Brasil mantiveram essa concepção.
Contudo, com o advento da Constituição de 1946, iniciaram as exceções a favor da prisão, permitindo sobre a obrigação alimentar o efeito de prisão civil, conforme o art. 141, § 32, que dizia “Não haverá prisão civil por dívida, multa ou custas, salvo o caso do depositário infiel e o de inadimplemento de obrigação alimentar, na forma da lei” (BRASIL, 1946).
No entanto, Milhomem (2017, p.6-7), explica que a partir Pacto de São José da Costa Rica, houve a mutação constitucional sobre este tema, onde:
O tema acerca de eventual possibilidade de prisão do depositário infiel, no Brasil, adquiriu maior relevância e tornou-se ponto de discórdia entre doutrinadores e juristas, na medida em que a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica48) foi subscrita pelo Brasil, em 25 de setembro de 1992, e incorporada ao direito positivo brasileiro através do Decreto n° 67849, de 06 de novembro de 1992. Segundo o art. 7° (n° 7) desta Convenção, a prisão civil por dívidas é vedada, salvo no caso de inadimplemento de obrigação alimentar, conforme o que dispõe o seu artigo 7°: “ninguém deve ser detido por dívidas. Essa disposição teve grande repercussão no ordenamento brasileiro na medida em que a Constituição Federal admite duas exceções à proibição da prisão civil, que é a do devedor de alimentos e a do depositário infiel (art. 5°, inciso LXVII).
Percebe-se que o devedor de alimentos se manteve apto a ser punido com prisão civil em regime fechado, no entanto a prisão do depositário infiel passou a ser desobrigada, gerando um grande debate jurídico em meio às medidas legais, uma vez que a Constituição Federal de 1988 admite tal previsão, conforme detalhado no inciso LXVII, do artigo 5º (MILHOMEM, 2017).
Gerou-se então o seguinte conflito, em que a Constituição permite a prisão do devedor de alimentos e depositário infiel, mas o Pacto de San José de Costa Rica, aderido pelo Brasil, não permite a prisão em condição alguma no caso de dívidas. Conforme novamente reforçado por Milhomem (2017), enfatizando que o Supremo Tribunal Federal, no intuito de equilibrar a Constituição com o pacto aderido, decidiu que é ilegal a prisão do depositário infiel, conforme prevista no artigo 5º, inciso LXVII, da Constituição brasileira. Ou seja, a partir de agora, a única prisão por dívida admitida é a inadimplência de pensão alimentícia. A decisão tem como base os tratados internacionais ratificados pelo Brasil, como o Pacto de San José da Costa Rica.
Logo, essa liberdade passou a ser debatida. A partir da análise estabelecida no Supremo Tribunal Federal é possível compreender o conflito constitucional ocorrido, uma vez que o Brasil optou por aceitar as recomendações referentes ao Pacto de San José da Costa Rica acerca do tema da prisão civil. Portanto, este pacto não teve força suficiente para ir ao encontro do devedor de alimentos. Ou seja, a Corte Suprema sustentou parcialmente, impossibilitando a prisão do depositário infiel em adequação ao pacto ratificado pelo Brasil, mas manteve a possibilidade de prisão do devedor de alimentos (LUCA, BORGES, 2016).
É possível constatar nesta seção que a Constituição Federal brasileira teve igual poder diante dos tratados internacionais, como o caso da prisão em regime fechado do devedor de alimentos, prevendo exceções nessa modalidade de dívida, e não admitindo a mesma medida sobre a do depositário infiel. Logo, sobre essa questão, a Constituição Federal não se manteve nula, dando a consciência sobre a necessidade da prisão civil do devedor de alimentos diante da prioridade que esse assunto representa.
1.1 PRISÃO CIVIL: MANUTENÇÃO DA PRISÃO CIVIL DO DEVEDOR DE ALIMENTOS DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19
Após compreender o mérito da prisão do devedor de alimentos no âmbito constitucional, é relevante destacar o direito do alimentando em receber assistência dos pais, dando condições para seu desenvolvimento integral, conforme previsão expressa no artigo 227 da CF:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988).
Desse modo, Rizzardo (2019) enfatiza que a assistência obrigatória de alimentos se encontra sustentada no âmbito moral da solidariedade humana e econômica, devendo imperar entre os membros da família ou responsáveis. Ou seja, é obrigação dos pais e responsáveis prover a subsistência necessária. Além disso, Nader (2018) explica que, no caso de dívida de alimentos, a medida coercitiva, qual seja, prisão do devedor, ocorre apenas em alimentos legítimos ou legais, existentes entre parentes, cônjuges ou companheiros, sendo excluídos alimentos indenizatórios ou voluntários.
Dessa forma, quando há o inadimplemento da pensão alimentícia, é cabível a prisão civil do devedor, dentre outras medidas que objetivam o cumprimento da obrigação alimentar. Nesse sentido, Cahali (2013) leciona que a prisão civil condicionada ao devedor de alimentos é um meio de execução com intuito de potencializar a assistência de um objeto prioritário, em que a restrição de liberdade tem o objetivo de promover indiretamente o cumprimento de suas obrigações. Sendo assim, é um modo de exceção estabelecido pela Constituição Federal e reafirmado recentemente pelo STF.
Na perspectiva de trilhar a pesquisa sobre o interesse na compreensão da prisão civil em tempos de pandemia de COVID-19, é relevante destacar o conceito de prisão civil, independente dos méritos constitucionais. Nesse sentido, Pinto (2017, p.38) ressalta que a natureza jurídica da prisão civil é:
A prisão civil por dívida em nada mais consiste do que restringir a liberdade do indivíduo, com a tomada de seu corpo, realizada no âmbito privado, devido à prática de um ilícito civil, sendo certo que a prisão civil por dívida alimentícia é a única com expressa previsão constitucional, em vigor à luz do art. 5º, LXVII. não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel.
Desse modo, Gagliano e Pamplona (2019) ressaltam que a prisão civil somente é aceita por dívida alimentar. Logo, essa condição é aceita uma vez que decorre de inadimplência em face da importância do interesse de subsistência do alimentando, que é prioridade no âmbito social, em que é entendido que a prisão civil é medida das mais eficientes, pois a experiência mostra que boa parte dos executados só cumpre a sua obrigação quando ameaçada pela ordem de prisão.
Ademais, cumpre ressaltar o caráter não punitivo da prisão civil do devedor de alimentos. Conforme ensina Gonçalves (2018), a prisão civil é apenas meio de coerção, que objetiva obrigar o inadimplente a pagar o que deve por meio da restrição de sua liberdade, devendo esta ser, de imediato, revogada após o pagamento da dívida.
Ainda sobre o tema, Tartuce (2018) entende que a prisão civil do devedor de alimentos sempre foi vista como sanção justa e eficaz no Brasil, tendo em vista a coação psicológica a qual o alimentante inadimplente é submetido. Logo, o caráter coercitivo da prisão civil deve preponderar, pois, se esta for vista como ato punitivo e aplicada de forma automática, de certo causaria problemas a efetividade da tutela em diversos casos.
Desse modo, durante o período da pandemia de COVID-19, o entendimento da prisão civil pela legislação precisou ser modificado, mesmo que provisoriamente, em que o CNJ fez a recomendação nº 62, que dispõe: “Recomenda aos Tribunais e magistrados a adoção de medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus – Covid-19 no âmbito dos sistemas de justiça penal e socioeducativo” (BRASIL, 2020).
Dessa maneira, em 10 de junho de 2020 fora aprovada pelo Governo Federal a Lei nº 14.010, que dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e estabelece medidas no período da pandemia do coronavírus (COVID-19), ressaltando no art. 15 o seguinte texto:
Até 30 de outubro de 2020, a prisão civil por dívida alimentícia, prevista no art. 528, § 3º e seguintes da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), deverá ser cumprida exclusivamente sob a modalidade domiciliar, sem prejuízo da exigibilidade das respectivas obrigações (BRASIL, 2020).
Ao compreender a possibilidade da prisão civil do devedor de alimentos sob a regra geral e de sua impossibilidade em regime fechado, especificamente durante a pandemia, é demonstrada a perda de sua eficácia. Sem dúvidas, este cenário de incertezas e inseguranças tem proporcionado grandes reflexões e imposto às partes que resolvam seus conflitos diretamente, buscando novas formas para minimizar as condições de entraves até o diminuir dos efeitos da disseminação do vírus na sociedade (CAMPOS, et al, 2020).
Portanto, faz-se necessário refletir sobre a fragilidade de direitos neste período de exceção, pois, ainda que temporário, traz incertezas sobre a garantia desses direitos, sobretudo, no que concerne ao direito aos alimentos, que representa uma classificação social de grande prioridade. Acredita-se que deve haver a prevalência da dignidade humana, que inclui o direito à vida e à saúde do devedor, sobrepondo-se à pena de prisão pelo regime fechado, uma vez que, diante da gravidade dos casos, o devedor pode se encontrar enfermo ou até mesmo falecer, e, dessa forma, deixar de prestar assistência ao alimentando.
2 SUBSTITUIÇÃO DA PRISÃO EM REGIME FECHADO DO DEVEDOR DE ALIMENTOS PELO REGIME DOMICILIAR
Conquanto a doutrina processual concentre esforços para integrar seus conflitos de entendimento, em que uma medida legal passa a ser ilegal em um período atípico, verifica-se que o cumprimento de medidas precisa ser debatido.
Na tentativa de frear o avanço acelerado do vírus, criou-se a Lei Federal n.º 13.979/2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional decorrente da COVID-19, que tem como característica macro reduzir a disseminação do vírus (BRASIL, 2020).
Sendo assim, com a crise sanitária, a aplicação da medida coercitiva em questão foi impactada pelas importantes recomendações de isolamento e distanciamento social. Dessa forma, como consequência, criou-se a Lei nº 14.010/2020, que colocou uma limitação provisória durante o período de pandemia. Nesse caso, a possibilidade de prisão civil em regime fechado para os débitos de alimentos não pode ser executada, o que não implica renúncia aos alimentos, mas o mero não exercício de um direito, que foi alternado para o regime domiciliar (TURBAY et al, 2021).
Com o fim do prazo legal, a Terceira Turma do Supremo Tribunal de Justiça manteve entendimento acerca da impossibilidade do cumprimento em regime fechado do devedor de alimentos, diante da jurisprudência formada pelo julgamento do HC 561.257/SP impetrado contra acórdão proferido pela Nona Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), cuja decisão foi proferida neste julgamento, considerando ilegal/teratológica a prisão em regime fechado durante o período de pandemia, determinando o cumprimento em regime domiciliar (CNJ, 2020).
Evidencia-se, diante dos impactos ocasionados pela disseminação do vírus, a necessidade de aplicar a prisão civil na condição de regime domiciliar, uma vez que: o momento ainda é de risco e o devedor de alimentos, torna-se vulnerável, sendo necessário levar em consideração a saúde deste.
Sendo assim, a impossibilidade de prisão civil em regime fechado gerou diversos questionamentos acerca da efetividade do crédito alimentar. Sobre essa questão, Tartuce (2020, s/n) diz que:
O meu entendimento doutrinário vinha sendo no sentido de que no caso dos alimentos familiares o debate ganharia especial magnitude, uma vez que é possível medida até mais severa, qual seja a prisão civil do devedor, em regime fechado. Sendo assim, se é viável o mais é possível o menos, ou seja, a apreensão de documentos com a consequente restrição de direitos, o que acaba sendo medida até menos onerosa e alternativa à restrição da liberdade, e deve ser buscado nestes tempos de COVID-19.
Nesse sentido, Campos et al (2018), lecionam que a substituição da prisão sob o regime fechado pelo regime domiciliar se deu pela necessidade de isolamento social, para frear o contágio e evitar mortes, uma vez que o devedor é exposto ao vírus e também expõe terceiros, buscando, dessa forma, preservar a qualidade de vida, atendimento hospitalares suficientes, reduzir óbitos e acelerar a normalidade social.
Sobretudo, ressalta-se que diante das medidas que tem como premissa a redução de contágios, caso o devedor venha a interromper o pagamento da pensão alimentícia, o credor de alimentos pode ajuizar ação de cumprimento de sentença, no qual o devedor pode vir a sofrer a penhora de bens, restrições de direitos ou ter sua prisão decretada. Verifica-se que a prisão em regime fechado é entendida como uma das medidas mais eficazes. Contudo, conforme mencionado anteriormente, permite-se exclusivamente a prisão em regime domiciliar (CNJ, 2020).
Desse modo, entende-se que as crises sanitária, social e econômica geradas pela pandemia constituem um cenário fértil para a disseminação não somente do vírus, mas também de uma complexa variedade de violações, incertezas e ameaças aos direitos humanos. No entanto, a lei que instituiu o regime jurídico emergencial colide diretamente com as leis anteriores à pandemia, haja vista que impede a modalidade de prisão em regime fechado até o fim da pandemia. Acredita-se que, enquanto durar a pandemia, é possível que a prisão fechada ainda não seja viável, e, dessa forma, o direito do alimentando continuará ameaçado, pois não há como cumprir medidas mais severas, capazes de obrigar o devedor a sanar a dívida.
3 IMPACTOS DAS MEDIDAS JUDICIAIS SOBRE A SOCIEDADE E FORMAS DE PRESERVAR OS DIREITOS E GARANTIAS DO ALIMENTANDO
A pandemia causou impacto direto sobre os direitos do alimentando, pois pessoas perderam o emprego, houve redução de renda nos negócios, salários reduzidos, entre outros. Sendo assim, os efeitos quanto às verbas alimentares e suas revisões estão sendo bastante debatidos. Dessa maneira, verificou-se que os tribunais do Brasil todo têm sido fortemente demandados por ações e pedidos de cumprimento de obrigações de alimentos (COMUNELLO, 2020).
Nos casos de dívida de alimentos, em um cenário comum, sem pandemia, a legislação primeiramente determina que o devedor seja intimado pessoalmente a cumprir o pagamento do débito, assim como provar que o fez ou justificar a impossibilidade momentânea, conforme determina o art. 528, do CPC (NUNES, ROCHA, 2020).
No entanto, com o impacto na vida econômica dos cidadãos, foram necessários vários reajustes, dentre eles, a revogação da prisão em regime fechado sobre a inadimplência de pensão alimentícia. Dessa forma, Campos et al (2020) entendem que, em caso de inadimplemento da verba alimentar, pode o credor pedir a negociação, como medida urgente. Assim, no intuito de efetivar o direito de ambas as partes, o diálogo pode ser o meio viável de minimizar os impactos sobre a subsistência do alimentando.
Além disso, o uso de medidas judiciais atípicas, previstas no art. 139, inciso IV, do CPC, também seria alternativa viável para atingir a satisfação do crédito alimentar em tempos pandêmicos. O dispositivo estabelece que cabe ao juiz promover todas as formas possíveis para garantir o pagamento dos alimentos devidos. Dessa forma, podem ser consideradas medidas atípicas: suspensão de CNH, apreensão de passaporte, bloqueio de cartões de crédito, etc (TARTUCE, 2020).
Outrossim, é compreensível que, independente do cenário socioeconômico em que o prestador de alimentos esteja inserido, o credor sempre carece da correta prestação alimentar. Para Crippa e Alegre (2020), uma alternativa que vem acontecendo é a aceitação do desconto oriundo do auxílio emergencial. Outra maneira de minimizar os impactos seria a possibilidade de mediação de conflitos que, em época de atendimento online, se mostra uma excelente alternativa na busca de acordos.
Nesse sentido, é importante ressaltar a lição de Dias (2021) sobre a responsabilidade alimentar. A lei impõe a solidariedade familiar de forma recíproca, estabelecendo a obrigação alimentar entre os responsáveis, para viver de modo compatível com sua condição social, em que o alimentado deve ser atendido conforme essa condição. Além de identificar os obrigados, são estabelecidos limites para definição de valores. Logo, a prestação de pensão alimentícia deve viabilizar que o alimentando viva de modo compatível com sua condição social, não sendo o objetivo desta elevar o status social do credor.
Para Nunes e Rocha (2020), o impacto sobre ambas as partes é notório, pois, de um lado, temos aqueles que precisam de alimentos para a sua subsistência, e de outro, há aqueles que padecem com a diminuição de seus recursos financeiros. A situação é complicada, e, no âmbito dos tribunais, outra solução foi tomada como alternativa, qual seja, que o alimentante busque os recursos para cumprimento da obrigação em liberdade. Desse modo, caberá ao devedor saber que, mais cedo ou mais tarde, não havendo pagamento, estará sujeito à prisão em regime fechado e com o acumulado do saldo devedor.
Para Comunello (2021), todas as decisões serão provisórias durante o período que a pandemia durar. Portanto, as medidas atípicas devem ser aplicadas de acordo com a lei, como o caso do Código de Processo Civil, que busca a efetividade para esse tipo de situação alimentar.
Outrossim, ressalta-se entendimento de Madaleno (2020, p.1643) acerca do cumprimento da obrigação alimentar e a necessidade de utilizar todos os esforços para garantir a efetividade processual:
O maior drama que recai sobre o credor da pensão é sua incerteza e insegurança acerca do provimento pontual do seu direito alimentar, cuja cobrança executiva é havida como um verdadeiro calvário e garantir a efetiva percepção pelo dependente alimentar que lhe são devidos tem sido a hercúlea tarefa do julgador e do legislador, para que os alimentos não resultem em uma obrigação ilusória e do constante risco de ficar a mercê de um mau pagador. Todos os esforços devem ser empreendidos para assegurar a maior eficácia possível ao preciso pagamento da pensão alimentícia, especialmente diante do caráter vital que têm os alimentos para o credor.
O devedor de alimentos não pode simplesmente parar de pagar a dívida, muito menos reduzir o valor por conta própria. Sendo assim, conforme já mencionado, o credor pode ajuizar ação de cumprimento, no qual o devedor pode vir a sofrer a penhora de bens ou, ainda, a aplicação das medidas previstas no art.139, IV, do CPC (CNJ, 2020).
No entanto, em outubro de 2021, diante da redução dos casos e avanço da vacinação, o CNJ apresentou nova recomendação, conferindo viabilidade a prisão:
Agora, a nova recomendação do CNJ (Ato Normativo 0007574-69.2021.2.00.0000) sugere aos magistrados dos Tribunais de Justiça dos estados e do Distrito Federal que considerem o contexto epidemiológico local, o calendário de vacinação do município de residência do devedor, a situação concreta do contágio da população carcerária local e a eventual recusa do devedor em vacinar-se, como forma de postergar o cumprimento da obrigação alimentícia. “A prisão domiciliar não configura medida eficaz apta a constranger o devedor de alimentos a quitar sua dívida e o inegável fato de que o cumprimento da obrigação alimentícia só ocorre com o anúncio da expedição do mandado prisional”, reforça o texto da Recomendação (CNJ, 2021).
O que se conclui é que o devedor de alimentos não poderá cumprir prisão em regime fechado durante o período grave da pandemia. Logo, diante dessa impossibilidade, o art. 139, IV, do CPC, que permite o uso de medidas atípicas, tornou-se um mecanismo de apoio. No entanto, é notório que a exclusão de medidas mais severas causa ineficiência no cumprimento da obrigação. Dessa forma, o Conselho Nacional de Justiça, através da nova recomendação, permitiu o retorno da prisão sob o regime fechado, uma vez que ficou entendido que a satisfação do crédito alimentar é alcançada quando o devedor é notificado pelo mandado prisional.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a presente pesquisa, verificou-se que esse assunto gerou grande debate e conflitos entre os autores, onde houve a manifestação das leis anteriores que já eram confrontadas com os pactos internacionais, e posteriormente a lei provisória da pandemia que determinava medidas em discordância com as atuais, dando um teor no sentido de buscar a compreensão de vários pontos de vista.
Evidenciou-se que “A impossibilidade de prisão civil do devedor de alimentos sob o regime fechado durante pandemia de COVID-19 no Brasil” despertou interesse na melhoria contínua sobre as medidas legais quanto a preservação de direitos do alimentando. Dessa forma, foi relevante compreender a prisão civil no âmbito constitucional, a substituição da prisão em regime fechado para o domiciliar, assim como os impactos decorrentes das legislações que impossibilitam prisão do devedor de alimentos sobre os direitos do alimentado.
Ademais, demonstrou-se que ao analisar as legislações utilizadas sobre a execução de alimentos em tempos de pandemia de COVID-19 com ênfase na impossibilidade de prisão civil sob o regime fechado, foi possível compreender os motivos adotados pelo governo, no intuito de reduzir a proliferação do vírus. Dessa maneira, ao embasar sobre o emaranhado de teorias envolvendo as argumentações de autores e as legislações vigentes, foi trilhado um direcionamento que permitiu impossibilitar a prisão sob regime fechado, porém, não traduzindo essas medidas em tranquilidade do devedor. As medidas adotadas decorrentes do contexto de pandemia de COVID-19 são temporárias, destacando-se que, nessa trajetória, o devedor mantém as obrigações conforme a lei.
Por fim, destaca-se que, considerando o avanço da vacinação e consequente diminuição dos casos de COVID-19, bem como a possível recusa do devedor em tomar a vacina, como meio de adiar o cumprimento da obrigação, o CNJ apresentou nova recomendação, através do Ato Normativo 0007574-69-2021.2.00.000, sugerindo aos juízes o retorno do cumprimento de prisão em regime fechado.
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Graduanda do curso de Direito pelo Centro Universitário FAMETRO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BORGES, Vanessa Almeida. A impossibilidade de prisão civil do devedor de alimentos sob o regime fechado durante a pandemia de COVID-19 no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 nov 2021, 04:13. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57568/a-impossibilidade-de-priso-civil-do-devedor-de-alimentos-sob-o-regime-fechado-durante-a-pandemia-de-covid-19-no-brasil. Acesso em: 23 dez 2024.
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