RESUMO: O presente artigo visa explanar a configuração da violação ao direito da personalidade a partir realização de condutas difamatórias na internet, demonstrando que a legislação penal abrange os indivíduos que praticam conduta ilícita no ambiente virtual, aplicando-lhes as devidas sansões jurídicas. Analisa-se questões pertinentes ao direito de personalidade e honra subjetiva dos indivíduos frente aos avanços tecnológicos e a expansão da internet como elemento que ajuda na concretização da violação à estes direitos. Para a elaboração do presente trabalho, realizou-se pesquisas bibliográficas, tendo como referência os materiais de cunho principiológico, jurisprudencial e do ramo de direito penal, constitucional e civil, procurando evidenciar a importância da proteção aos direitos de personalidade ainda que na esfera virtual.
PALAVRAS-CHAVE: Direito de personalidade. Honra Subjetiva. Violação. Internet. Difamação.
ABSTRACT: The present article aims to explain the configuration of the violation of the right to personality by performing defamatory conducts on the internet, demonstrating that the criminal law covers individuals who practice unlawful conduct in the virtual environment, applying the appropriate legal sanctions. Issues pertinent to the right to personality and subjective honor of individuals are analyzed in the face of technological advances and the expansion of the internet as an element that helps to materialize the violation of these rights. For the elaboration of the present work, bibliographical research was carried out, with reference to materials of a principiologic, jurisprudential and criminal, constitutional and civil nature, seeking to highlight the importance of the protection of personality rights, even in the virtual sphere.
KEYWORDS: Personality rights. Subjective Honor. Violation. Internet. Defamation.
O presente artigo visa tratar de alguns aspectos dos direitos da personalidade frente aos avanços tecnológico, evidenciando a evolução e a adequação social do direito diante do surgimento de novas tecnologias e dos novos meios para se cometerem atos ilícitos.
Inicialmente, busca-se esclarecer quais são os direitos de personalidade e mostrar que eles surgiram e se tornam essenciais para sociedade na medida em que inicia no mundo a ideia do estado de bem estar social, onde se entende que bem comum dentro das relações particulares deve ser resguardado pelo poder público, com isso, entrando em colisão e ruptura com os princípios do liberalismo econômico, que é sustentado pelo argumento de intervenção-mínima estatal nas relações privadas.
Busca-se ainda trabalhar a honra como um dos direitos de personalidade garantidos pela Constituição Federal de 1988, bem como pelo direito penal, através de seus institutos sancionadores, evidenciando que o mencionado instituto é de extrema importância para os indivíduos que convivem em sociedade, pois possui vínculo direto ao apreço que desfrutam no meio em que desenvolvem as suas relações e, conforme os ensinamentos de Nucci (2019), aquele que é estimado e respeitado por sua figura e por seus atos encontra paz interior, tornando-se mais feliz e equilibrado para comportar se de acordo com os mandamentos jurídicos. Justamente por isso, o direito garante e protege a honra, visto que, sem ela, os homens estariam desguarnecidos de amor-próprio, tornando-se vítimas frágeis dos comportamentos desregrados e desonestos, passíveis de romper qualquer tipo de tranquilidade social.
Adentrando no conceito de honra, o presente trabalho abordará o crime de difamação, mais especificamente, àqueles ocorridos em ambientes virtuais, procurando evidenciar que os atos praticados por meio da internet também são passíveis da tutela estatal, sendo assegurada aos cidadãos a proteção de sua honra objetiva nos mais diversos meios de comunicação.
Sabe-se que grande parte da população brasileira acredita que a internet seja ambiente propício para propagar quaisquer tipo de informação e ofensa, pois assim não haveria punição, a partir disso, se evidencia a importância do presente estudo para fins de esclarecer que as falas e notícias propagadas por meio virtual são passíveis de punição.
Os direitos da personalidade começam as suas primeiras construções em meados do século XIX, momento em que o mundo passa por inúmeras transformações que geraram injustiças e conflitos.
A expressão foi concebida por jusnaturalistas franceses e alemães para designar certos direitos inerentes ao homem, tidos como preexistentes ao seu reconhecimento por parte do Estado. Eram, já então, direitos considerados essenciais à condição humana, direitos sem os quais “todos os outros direitos subjetivos perderiam qualquer interesse para o indivíduo, ao ponto de se chegar a dizer que, se não existissem, a pessoa não seria mais pessoa, (SCHREIBER, p.17, 2013)
Os direitos da personalidade são aqueles relacionados com as características que identificam o ser humano, como seu corpo, seu nome, a sua honra, a sua imagem e a sua privacidade. Falando sobre o conceito de direitos da personalidade, Anderson Schreiber afirma:
Os direitos da personalidade consistem em atributos essenciais da pessoa humana, cujo reconhecimento jurídico resulta de uma contínua marcha de conquistas históricas. No decorrer do último século, o tema foi tratado sob diferentes enfoques e distintas denominações [...] A expressão direitos da personalidade é empregada na alusão aos atributos humanos que exigem especial proteção no campo das relações privadas, ou seja, na interação entre particulares, sem embargo de encontrarem também fundamento constitucional e proteção nos planos nacional e internacional. (SCHREIBER, p.13, 2013)
Assim sendo, considerados como direitos subjetivos privados, os chamados direitos da personalidade possuem, como característicos, no dizer da doutrina brasileira especializada, a generalidade, a extrapatrimonialidade, o caráter absoluto, a inalienabilidade, a imprescritibilidade e a intransmissibilidade.
Dessa forma, nota-se que os direitos da personalidade configuram-se como um importante instrumento para a proteção da dignidade da pessoa humana, fundamento constitucional da República previsto no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988.
A honra é um direito resguardado constitucionalmente, a Constituição Federal, em seu artigo 5º, dispõe sobre a igualdade de todos perante a lei, garantindo aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, liberdade, a igualdade, segurança, a propriedade, e adentra em no inciso X, afirmando que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.” (BRASIL,1998).
Nesse sentido, Hilda Rodrigues Veiga, ao realizar uma análise dos crimes de calúnia e difamação, afirma:
A honra, é um direito ligado a personalidade, protegida constitucionalmente pelo artigo 5º inciso X, a Constituição Federal, por sua vez rompe-se em duas faces, uma de natureza objetiva e outra de natureza subjetiva. No aspecto objetivo, traduz uma imagem ilibada da pessoa no seio social, desvinculada de qualquer mácula. Sob o prisma subjetivo, têm-se um ligamento com a dignidade e o decoro da pessoa, ou seja, auto estima, atributos e imagem que a pessoa tem de si mesma. (VEIGA, 2017)
Na esfera de proteção do direito criminal, é válido apontar que no capítulo V do Código Penal encontra-se o tema “Crimes contra a honra” onde são tratados os delitos que afrontam os bens imateriais e não tangíveis, relativos à personalidade da pessoa humana, sendo eles a calúnia (CP, art. 138), a difamação (CP, art.139) e injúria (CP, art.140). Assim, é possível definir a tutela da honra na esfera penal:
[...] O homem tem direito à vida, à integridade física e psíquica, como também a não ser ultrajado em sua honra, pois o seu patrimônio moral também é digno da proteção penal [...] Se, por um lado, é certo que a proteção da honra salvaguarda um bem personalíssimo, por outro, conforme ressalva Uadi Lammêgo Bulos, “tutelando a honra, o constituinte de 1988 defende muito mais o interesse social do que o interesse individual, uti singuli, porque não está, apenas, evitando vinditas e afrontes à imagem física do indivíduo. Muito mais do que isso, está evitando que se frustre o justo empenho da pessoa física em merecer boa reputação pelo seu comportamento zeloso, voltado ao cumprimento de deveres socialmente úteis”. (CAPEZ, p. 412, 2020)
Sendo a honra um bem constitucionalmente protegido, abre-se a necessidade de conceitua-la, Edgard Magalhães Noronha, afirma que honra, conceitua-se “como o complexo ou conjunto de predicados ou condições da pessoa que lhe conferem consideração social e estima própria’’ (NORONHA apud CAPEZ, 2012, p. 277). Dessa maneira, Guilherme de Souza Nucci também define:
[...] é a faculdade de apreciação ou o senso que se faz acerca da autoridade moral de uma pessoa, consistente na sua honestidade, no seu bom comportamento, na sua respeitabilidade no seio social, na sua correção moral; enfim, na sua postura calcada nos bons costumes. Essa apreciação envolve sempre aspectos positivos ou virtudes do ser humano, sendo incompatível com defeitos e más posturas, embora não se trate de um conceito absoluto, ou seja, uma pessoa, por pior conduta que possua em determinado aspecto, pode manter-se honrada em outras facetas da sua vida. Honra não pode ser, pois, um conceito fechado, mas sempre dependente do caso concreto e do ângulo que se está adotando. (NUCCI, 2017, p.498).
A doutrina conceitua a honra sob diversos aspectos, dentre eles, no presente trabalho de pesquisa, necessário se faz abordar o conceito de honra subjetiva e objetiva. Nesse aspecto, Damásio de Jesus, ao conceituar honra subjetiva, afirma:
Honra subjetiva é o sentimento de cada um a respeito de seus atributos físicos, intelectuais, morais e demais dotes da pessoa humana. É aquilo que cada um pensa a respeito de si mesmo em relação a tais atributos. Honra objetiva é a reputação, aquilo que os outros pensam a respeito do cidadão no tocante a seus atributos físicos, intelectuais, morais etc. (JESUS, p. 288, 2020)
Dessa forma, ao passo em que a honra subjetiva é a percepção que o indivíduo tem sobre si próprio, a honra objetiva é a percepção de outrem que recai sobre o a individualidade de cada um, ou seja, é o prestígio que o indivíduo possui perante a sociedade. Seguindo essa lógica, Fernando Capez afirma:
A calúnia e a difamação ofendem a honra objetiva, pois atingem o valor social do indivíduo. Este, em decorrência da calúnia ou difamação, passa a ter má fama no seio da coletividade e, com isso, a sofrer diversos prejuízos de ordem pessoal e patrimonial. (CAPEZ, p.413, 2020).
A Difamação está prevista no artigo 139 do Código Penal brasileiro que fixa pena de detenção de três meses a um ano e multa para aquele que “difamar alguém imputando-lhe fato ofensivo a sua reputação.” (BRASIL, on-line).
Sobre o conceito de difamação, Guilherme de Souza Nucci afirma:
Difamar significa desacreditar publicamente uma pessoa, maculando-lhe a reputação. Nesse caso, mais uma vez, o tipo penal foi propositadamente repetitivo. Difamar já significa imputar algo desairoso a outrem, embora a descrição abstrata feita pelo legislador tenha deixado claro que, no contexto do crime do art. 139, não se trata de qualquer fato inconveniente ou negativo, mas sim de fato ofensivo à sua reputação. Com isso, excluiu os fatos definidos como crime – que ficaram para o tipo penal da calúnia – bem como afastou qualquer vinculação à falsidade ou veracidade dos mesmos. Assim, difamar uma pessoa implica divulgar fatos infamantes à sua honra objetiva, sejam eles verdadeiros ou falsos. (NUCCI, p. 689, 2019)
Nesse sentido, pode-se afirmar que o legislador, nos casos de difamação, resguarda a honra objetiva do indivíduo, visando proteger o seu bem estar perante a sociedade, conforme leciona Fernando Capez:
Tal como o crime de calúnia, protege-se a honra objetiva, ou seja, a reputação, a boa fama do indivíduo no meio social. Interessa, sobretudo, à coletividade preservar a paz social, evitando que todos se arvorem no direito de levar ao conhecimento de terceiros fatos desabonadores de que tenham ciência acerca de determinado indivíduo, ainda que tais fatos sejam verdadeiros. (CAPEZ, p. 444, 2020)
Rogério Greco também comenta que a “honra objetiva é o bem juridicamente protegido pelo tipo penal que prevê o delito de difamação, sendo nesse caso visualizada por meio da reputação da vítima no seu meio social.” (GRECO, p. 631, 2017).
No entanto, nota-se que o tipo penal previsto no artigo. 139 do Código Penal ainda é muito limitado, pois, que tipo de fato poderia ser considerado ofensivo à reputação de outrem? Nesse sentido, Capez (2020) afirma que o fato deve ser concreto, determinado, não sendo preciso, contudo, descrevê-lo em minúcias. De outra forma, a imputação vaga e imprecisa, ou seja, em termos genéricos, não configura difamação, podendo ser enquadrada como injúria.
O crime previsto no artigo 139 do código penal é considerado consumado quando terceiro, que não a vítima, toma conhecimento dos fatos ofensivos à reputação desta última (GRECO, 2017). Nesse diapasão, afirma Guilherme de Souza Nucci:
Basta uma pessoa estranha aos sujeitos ativo e passivo para se consumar a difamação. Se a atribuição de fato negativo for dirigida exclusivamente à vítima, configura-se a injúria, pois a única honra afetada seria a subjetiva. (NUCCI, p. 691, 2019)
Ainda nesse linha de pensamento, existe uma discussão doutrinária acerca da possibilidade de tentativa no crime de difamação, o doutrinador Rogério Greco (2017), afirma que, para que se vislumbre essa possibilidade, seria indispensável apontar os meios utilizados na execução do delito, pois, somente a partir de então, seria possível visualizar se está-se diante de um crime monossubsistente ou plurissubsistente, assim:
Se monossubsistente, não se admite tentativa, pois que os atos que integram o iter criminis não podem ser fracionados. Se plurissubsistentes, torna-se perfeitamente admissível a tentativa. Assim, se a difamação for verbal, proferida por meio de palavras, não se admite o conatus, pois, ou os fatos ofensivos à reputação da vítima são verbalizados com terceiros, consumando a infração penal, ou o agente se cala nem sequer ultrapassa a fase da cogitação; ao contrário, pode ser que na difamação escrita os fatos somente não cheguem ao conhecimento de terceiro por circunstâncias alheias à vontade do agente, como no exemplo em que o agente vai até a agência dos correios e envia a carta ao seu destinatário, contendo a exposição de fatos ofensivos à reputação da vítima, que acaba se extraviando ou mesmo se perdendo, dada a ocorrência de um incêndio na agência dos correios ou coisa parecida. (GRECO, p. 633, 2017)
Segundo Bitencourt (2019), o elemento subjetivo do crime de difamação é o dolo de dano, que, em linhas gerais, se integra da vontade consciente de difamar o ofendido atribuindo-lhe a prática de ato desonroso sendo, conforme já mencionado anteriormente, irrelevante se tal ato é verdadeiro ou falso. Ademais, o citado doutrinador afirma:
A difamação exige o especial fim de difamar, a intenção de ofender, a vontade de denegrir, o desejo de atingir a honra do ofendido. A ausência desse especial fim, qual seja, o animus diffamandi, impede a tipificação do crime. Por isso, a simples idoneidade para ofender das palavras é insuficiente para caracterizar o crime, como ocorre, em determinados setores da sociedade, com o uso de palavras de baixo calão, por faltar-lhe o propósito de ofender. Não há animus diffamandi na conduta de quem se limita a analisar e argumentar dados, fatos, elementos, circunstâncias, sempre de forma impessoal, sem personalizar a interpretação. Na verdade, postura comportamental como essa não traduz a intenção de ofender, a exemplo de todas as hipóteses que referimos relativamente à calúnia. (BITENCOURT, p. 877, 2019)
Dessa forma, observa-se que o crime de difamação só poderá ser admitido em sua modalidade dolosa, seja dolo direto ou eventual, não existindo previsão legal para difamação culposa, portando, não sendo passível de punição, sendo este o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
Segundo a jurisprudência deste Superior Tribunal, para a configuração dos crimes previstos nos arts. 139 e 140, ambos do Código Penal – difamação e injúria –, é necessária a presença do elemento subjetivo do tipo, consistente no dolo específico, que é a intenção de ofender a honra alheia (STJ, on-line, 2016).
Portanto, inexiste difamação se o sujeito ativo atua em razão de discussão ou exaltação emocional, sendo indispensável a existência da vontade livre e consciente de difamar outrem imputando-lhe fato desonroso.
A maneira como a violação a um direito ocorre, muitas vezes, faz a sociedade pensar que não há disposições jurídicas sobre o fato, gerando duvidas, se realmente estão protegidas em âmbito tão abrangente que é a internet e se as autoridades legislativas detém algum controle sobre esse meio, nesse sentido, Damásio de Jesus e José Antônio Milagre, em sua obra Manual de Crimes Informáticos (2016), explanam um pensamento interessante: se há crimes é porque também há riqueza, e o que não falta na internet é riqueza.
Damásio de Jesus e José Antônio Milagre (2016), afirmam que em 1939 muito antes da internet ser a que conhecemos hoje, havia relatos que “Alan Turing” um matemático e cientista da computação Britânica, teria sido recrutado pelo governo dos EUA pra estudar a quebra de códigos para proteger informações. Os autores também mencionam que, para uma corrente de doutrinadores tudo começou em 1964 no “M.I.T”, sigla em inglês para “Instituto de Tecnologia de Massachusetts”, nos Estados Unidos, onde um jovem de 19 anos teria cometido o primeiro delito online que foi classificado pelos seus superiores como cybercrime.
Para além disso, existe uma outra corrente que acredita, que o primeiro ato considerado um crime de hacker, ocorreu na Universidade de Oxford em 1978, onde um aluno invadiu os computadores da universidade para poder copiar uma prova, cometendo o delito de invasão e furto de informações, lembrando que naquela época, eram inexistentes leis que tratavam desses temas.
Diante deste panorama do surgimento de novas tecnologias, em primeiro momento, é importante fazer um paralelo sobre a liberdade de expressão e os meios de comunicação, nesse sentido, Bárbara L. C. do Nascimento afirma:
Hoje, ao dar voz mundial a tantos indivíduos e fazer com que o discurso chegue a todos eles, a internet se apresenta como um grande instrumento da liberdade de expressão, pois ela potencializa o exercício do direito, elevando-o a um patamar nunca antes visto. Por consequência, os principais valores abrangidos pela liberdade de expressão, estudados no primeiro capítulo, representados pelos argumentos humanista, democrático e cético, também são potencializados. (NASCIMENTO, p. 35, 2009).
É cediço que as pessoas devem ter resguardado o seu direito à liberdade de expressão e opinião, direito este estabelecido no artigo 19, da Declaração Universal dos Diretos Humanos: “Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras” (ONU, 1948).
Assim, é notório que a internet se traduz como uma forma de democratização de conteúdos e informações, levando aos pobres e ricos a possibilidade de obter juízo e manifestar opinião sobre determinados assuntos de seus interesses.
No entanto, da mesma forma que a internet evolui para o bem, ela também evolui para o mal, pois, durante as últimas décadas, as redes de comunicação têm sido um antro de criminosos que se escondem atrás das redes criptografadas se aproveitando para cometer crimes virtuais, por acreditarem que o fato de estarem por detrás de uma tela de computador, por suas mensagens estarem criptografadas por softwares de última geração, ou simplesmente pelo fato do crime não ser físico e sim virtual, suas identidades estariam resguardadas, sobre o assunto, vejamos:
Contudo, é importante que se tenha consciência do que se expressa ou opina, principalmente quando será publicado na internet, ainda mais se a opinião ou expressão for criminosa. Pois, deve ser defeso toda e qualquer pratica de crime pela internet, limitando, de certa maneira, a liberdade de expressão. Isso decorre do fato de que os indivíduos possuem o direito a expor seu pensamento, mas se o fizer de maneira preconceituosa ou se debatendo com as leis, estes devem assumir os resultados de seus atos (SOARES, 2016).
Nesse ínterim, é importante ressaltar que o direito à livre manifestação não se configura como um privilégio absoluto, em detrimento dos demais bens jurídicos tutelados constitucionalmente, não comportando o cometimento de delitos, inclusive virtuais, em nome da liberdade de expressão. Nesse sentido o Supremo Tribunal Federal tem decidido:
Liberdade de expressão. Garantia constitucional que não se tem como absoluta. Limites morais e jurídicos. O direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal. As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal (CF, artigo 5º, § 2º, primeira parte). O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o "direito à incitação ao racismo", dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica. (STF, 2003, on-line).
Assim, conforme levantado por Sá (2009, p. 21), é importante destacar que, com advento da Internet, o veicular das informações ocorreu de uma forma estrondosa e avolumada. Daí surgem as indagações: Como administrar esse fluxo informacional? Como concebe-lo tal qual imaginou o legislador constitucional?
Atualmente, com o avanço da tecnologia, a justiça brasileira também avançou no sentido de punir e busca identificar os indivíduos que atuam cometendo crimes virtuais, nesse sentido, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, ao julgar o Recurso Especial 1829821/SP, relativo à crime contra a honra cometido por meio virtual, onde um indivíduo expressou sua opinião em uma postagem de um grupo do qual fazia parte no Facebook e alguns usuários, que discordaram de sua opinião, passaram a lhe ofender, dizendo que a marca de nascimento que possui acima do lábio era uma "pereba", chamando-o ainda de semianalfabeto e de "exu mal despachado", o Superior Tribunal de Justiça decidiu:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. FORNECIMENTO DE DADOS PESSOAIS. QUALIFICAÇÃO E ENDEREÇO.IMPOSSIBILIDADE. REGISTRO DE ACESSO A APLICAÇÕES. MARCO CIVIL DA INTERNET. DELIMITAÇÃO. PROTEÇÃO À PRIVACIDADE. RESTRIÇÃO. 1. Ação ajuizada em 07/11/2016, recurso especial interposto em 07/11/2018 e atribuído a este gabinete em 01/07/2019. 2. O propósito recursal consiste em determinar, nos termos do Marco Civil da Internet, a qualidade das informações que devem ser guardadas e, por consequência, fornecidas sob ordem judicial pelos provedores de aplicação. Em outras palavras, quais dados estaria o provedor de aplicações de internet obrigado a fornecer. 3. Ainda que não exija os dados pessoais dos seus usuários, o provedor de conteúdo, que registra o número de protocolo na internet (IP) dos computadores utilizados para o cadastramento de cada conta, mantém um meio razoavelmente eficiente de rastreamento dos seus usuários, medida de segurança que corresponde à diligência média esperada dessa modalidade de provedor de serviço de internet.
Precedentes. 4. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça é consolidada no sentido de - para adimplir sua obrigação de identificar usuários que eventualmente publiquem conteúdos considerados ofensivos por terceiros - é suficiente o fornecimento do número IP correspondente à publicação ofensiva indicada pela parte. 5. O Marco Civil da Internet tem como um de seus fundamentos a defesa da privacidade e, assim, as informações armazenadas a título de registro de acesso a aplicações devem estar restritas somente àquelas necessárias para o funcionamento da aplicação e para a identificação do usuário por meio do número IP.6. Recurso especial conhecido e provido. (STJ, 2020, on-line)
No supracitado julgado resta claro o precedente da Corte Superior no sentido que os provedores de contas na internet devem auxiliar na identificação de usuários que cometem crimes virtuais, fornecendo o número de IP do dispositivo de onde partiu o conteúdo indevido, sendo negado, no entanto, a disponibilização de dados reais dos usuários em respeito ao Marco Civil da Internet e ao direito à privacidade dos usuários.
Dessa forma, nota-se que a tutela da honra, ainda que em ambientes virtuais, é resguardada pela legislação e pela jurisprudência brasileira, de forma que, para toda ação difamatória ou qualquer outra que atente contra a honradez de um indivíduo, existe a possibilidade de sansão penal.
Diante da prática do crime de Difamação na Internet, necessário se faz a menção ao instituto da Responsabilidade Civil que é o meio em que a vítima poderá pleitear a devida reparação ao dano moral, causado pela violação da honra subjetiva.
Sendo assim, vale demonstrar o conceito deste instituto jurídico:
A responsabilidade civil implica duas ordens de deveres: uma, de natureza primária, em que se exige do agente o cumprimento de determinado dever, como pode conduzir a causa de seu cliente com zelo e dedicação; outra, de ordem secundária, quando o agente descumpre o dever, gerando com a sua conduta uma lesão, ao patrimônio ou à pessoa, a ser reparada mediante indenização pecuniária’’ (NADER, 2010, p.08).
O Código Civil é bem claro ao afirmar, em seu artigo 186, que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” (BRASIL, on-line).
No entanto, engana-se quem acredita ser uma tarefa simples juntar os meios de provas necessários para comprovação da violação ao direito de personalidade na internet, nesse sentido, preceitua Lacerda:
Tutelar o direito de uma pessoa é uma tarefa árdua e conflitante, principalmente aqueles que usam as redes para disseminação de ataques. Bruno Zampier esclarece que ‘’ por meio da rede mundial de computadores, uma imagem, seja ela na forma de fotografia ou vídeo, pode ser compartilhada livremente como conteúdo por milhares ou mesmo milhões de usuários num curto espaço de tempo.’’ (LACERDA, 2017, p. 104).
Portanto, no que tange ao dano moral causado pela violação ao Direito da Personalidade decorrente da difamação na internet, é devida e resguardada a sua reparação, retirando do senso comum a ideia de que nada pode ser feito se algum indivíduo praticar tal delito, pois, juntando todos os meios de provas, é possível a sua punição e reparação.
A internet facilitou a comunicação e a divulgação de informações por milhares de pessoas nas mais remotas localidades do mundo, sendo possível difundir rapidamente qualquer tipo de informação, seja por meio das redes sociais públicas ou por aplicativos de troca de mensagens privadas.
É possível perceber que os crimes contra a honra – em especial o de difamação, estudado no presente artigo – em ambiente virtual vêm se proliferando com facilidade jamais antes vista. Isso ocorre como consequência natural da evolução tecnológica, quando da manifestação de uma opinião, ilustrada com vídeos, fotos, mensagens com áudio, dentre outros. O aumento da ocorrência desses crimes coincidem com a criação de colunas sociais, sites de relacionamentos e redes sociais, ampliando as maneiras de ofender e ser ofendido, direta ou indiretamente.
A difamação praticada por meio da internet é um tema com nuances delicadas, por envolver questões que ainda estão em progresso, especialmente porque muitas destas questões que ainda não são difundidas no consciente popular, exigindo habilidades técnicas sobre o assunto. Entretanto, é necessário que a sociedade esteja atenta para o constante crescimento dos crimes contra a honra realizados em ambiente virtual, não podendo a justiça deixá-los passar sem a devida análise, para que se possa aplicar as penas existentes quando da pratica desses delitos e, dessa forma, manter a integridade dos indivíduos ofendidos.
O ordenamento jurídico brasileiro, com vistas a reprimir a prática dos crimes que agridem a honra, deve acompanhar a evolução tecnológica, regulando as novas situações para não deixar sem tutela os bens jurídicos resguardados pelo Estado. Nesse sentido, o uso da informática como forma de comunicação é um fato que deriva da evolução social, não podendo simplesmente ser erradicado da sociedade, devendo o direito garantir devida a segurança para aprimorar as relações vivenciadas nesse contexto, protegendo o bem jurídico quando lesionado ou evitando que a lesão ocorra.
Assim, observando o princípio do nulla paena nulla crimen sine legge é necessário que o ordenamento jurídico crie leis específicas para tutelar novos tipos penais com o intuito de combater os crimes praticados na internet, por exemplo, com a criação de agravantes específicas para os delitos cometidos neste meio virtual, tendo em vista as proporções muito maiores que estes podem alcançar e a possibilidade de acarretar grandes prejuízos para aqueles que se veem na condição de vítima.
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Graduanda em Direito pela Faculdade Metropolitana de Manaus- FAMETRO e Servidor Público Estadual.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CRUZ, Alícia do Nascimento. Difamação na internet: uma análise sobre a violação ao direito da personalidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 nov 2021, 04:13. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57576/difamao-na-internet-uma-anlise-sobre-a-violao-ao-direito-da-personalidade. Acesso em: 23 dez 2024.
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