RESUMO: Neste artigo, será objeto de estudo a análise sobre as especificidades da Audiência de Custódia, a qual também é conhecida por audiência de apresentação. A Audiência de Custódia tem proteção legal no ordenamento jurídico internacional, tanto que existe sua previsão expressa no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966) e na Convenção Americana de Direitos Humanos (1969), refletindo a proteção legal também no ordenamento jurídico interno, vez que os citados documentos internacionais foram ratificados pelo Brasil, respectivamente, através dos Decretos nº 592/1992 e 678/1992. Ocorre que, malgrado os Decretos nº 592/1992 e 678/1992 terem sido promulgados há mais de vinte anos pela República Federativa do Brasil, os mesmos se mantiveram sem aplicabilidade até o ano de 2015, quando então a Resolução 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ implantou o Projeto “Audiência de Custódia”, garantindo, assim, a efetividade de normas internacionais das quais o país Brasileiro faz parte e, por lógica, a proteção de direitos constitucionais. O presente trabalho abordará pesquisas doutrinárias a fim de se profundar no assunto em questão, tendo o objetivo de apresentar e expor um conceito acerca da audiência de custódia, envolvendo, por certo, sua previsão legal e sua ratificação no plano jurídico pátrio. Além disso, apresentar-se-á os posicionamentos, além de doutrinários, já consolidados pelos Tribunais Superiores, Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça. Ao final do trabalho, será apto tecer conclusões sobre a implementação da Audiência de Custódia no Processo Penal Brasileiro.
PALAVRAS-CHAVE: Audiência de custódia. Ordenamento Jurídico internacional. Ordenamento Jurídico interno.
ABSTRACT: In this article, the analysis of the specificities of the Custody Hearing, which is also known as the presentation hearing, will be studied. The Custody Hearing has legal protection in the international legal system, so much so that there is its express provision in the International Covenant on Civil and Political Rights (1966) and in the American Convention on Human Rights (1969), reflecting the legal protection also in the domestic legal system, since the aforementioned international documents were ratified by Brazil, respectively, through Decrees nº 592/1992 and 678/1992. It so happens that, despite Decrees No. 592/1992 and 678/1992 having been promulgated more than twenty years ago by the Federative Republic of Brazil, they remained inapplicable until 2015, when Resolution 213/2015 of the National Council of Justice – CNJ implemented the “Custody Hearing” Project, thus ensuring the effectiveness of international norms of which the Brazilian country is a part and, logically, the protection of constitutional rights. The present work will address doctrinal research in order to delve into the subject in question, with the objective of presenting and exposing a concept about the custody hearing, involving, of course, its legal provision and its ratification in the national legal plan. In addition, the positions will be presented, in addition to the doctrinal ones, already consolidated by the Superior Courts, the Federal Supreme Court and the Superior Court of Justice. At the end of the work, you will be able to draw conclusions about the implementation of the Custody Hearing in the Brazilian Criminal Procedure.
KEYWORDS: Custody Hearing. International legal order. Internal legal order.
SUMÁRIO: Introdução – 1. PREVISÃO E REGULAMENTAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA EM TRATADOS INTERNACIONAIS E ORDENAMENTO JURÍDICO INTERNO: 1.1 Previsão Normativa; 1.2 Regulamentação; 2 A IMPLEMENTAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO: 2.1 Posicionamentos sobre a audiência de custódia; 3 OS TIPOS DE PRISÕES NO CÓDIGO DE PORCESSO PENAL BRASILEIRO E A AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA; 4 A AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA E SUAS ESPECIFICIDADES: 4.1 Conceito; 4.2 Lapso temporal; 4.3 Autoridade competente; 4.4 Valor probatório da audiência de custódia; 5. Conclusão. 6. Referências.
INTRODUÇÃO
O trabalho em questão tem por finalidade primordial averiguar acerca da aplicação da audiência de custódia no processo penal brasileiro, sob a análise das garantias também preservadas no sistema jurídico interno, tanto que expressas na Carta Magna, quais sejam, o direito à integridade física e psicológica dos presos em flagrante.
Insta salientar que o direito do preso à audiência de custódia trata-se de um direito material assegurado pelos meios processuais penais taxados, sendo um direito fundamental que visa guarnecer um bem jurídico matriz: a liberdade.
A implementação da audiência de custódia no ordenamento jurídico interno brasileiro gerou inúmeras discussões, vez que os documentos internacionais que a prevê foram ratificados há décadas, contudo até certo tempo não havia sido efetivada.
Pelo exposto, iniciou-se o movimento chamado “Projeto Audiência de Custódia” por intermédio da Resolução 213/2015, sob a idealização do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Tal movimento ocasionou diversos debates, tanto jurisprudenciais como doutrinário, no que diz respeito a competência para legislar sobre o assunto.
Quanto à metodologia, recorreu-se ao estudo doutrinário, e também a sites jurídicos com o tema do artigo, os quais foram fundamentais para a elaboração do presente trabalho, além da Constituição Federal de 1988, Código de Processo Penal e Tratados internacionais de Direitos Humanos.
O trabalho tem enfoque central na necessidade de efetivar de forma concreta a audiência de custódia a fim de que sejam assegurados os direitos constitucionais e infraconstitucionais internos, bem como sejam assegurados os direitos humanos, como por exemplo, o direito à dignidade e comunicação à família do preso, assim, arbitrariedades sucedidas no momento da prisão em flagrante.
Importante ressaltar que os tratados internacionais de direito humano têm, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, sob relatoria do Ministro Gilmar Mendes, status supralegal, com aplicação pela e imediata, ou seja, as leis infraconstitucionais ficam suspensas quando contrárias a esses tratados.
Quanto à problemática existente no presente trabalho, aborda-se á acerca do prazo para ocorrer a apresentação do preso em flagrante à autoridade competente, bem como o valor probatório da audiência de custódia, em outras palavras, discute-se o depoimento do preso poderá ser levado em conta no processo penal.
1 PREVISÃO E REGULAMENTAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA EM TRATADOS INTERNACIONAIS E ORDENAMENTO JURÍDICO INTERNO.
1.1 Previsão Normativa
No que diz respeito à Audiência de Custódia, essa tem previsão legal nos Tratados Internacionais de Direitos Civis Políticos de Nova York (1966), o qual foi aprovado pelo Brasil através do Decreto nº 592 de 6 de julho de 1992, bem como na Convenção Americana de Direitos Humanos, também conhecido como Pacto de San Joé da Costa Rica, promulgado por meio do Decreto nº 678 de 6 de novembro de 1992.
Referente a previsão normativa no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, seu artigo 9º, item 3, relata sobre a audiência de custódia e, consequentemente, os direitos do preso, assim expresso:
3. Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e, se necessário for, para a execução da sentença.
Ademais, seguindo o mesmo sentindo, a Convenção Americana de Direitos Humanos, no seu artigo 7°, item 5, estabelece especificações sobre a audiência de custódia, nesses termos:
5. Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.
Por conseguinte, observa-se que em ambos documentos internacionais há a regulamentação referente a esse direito tão central que é a audiência de custódia.
A Corte Suprema do país, diante das divergências existentes quanto à hierarquia dos Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos os quais o Brasil já era signatário antes da emenda constitucional nº45 de 2004, decidiu que os mesmos tem status supralegal, decisão exarada no HC 95.967-9/ MS, Dje nº 227 de 27/11/2008.
A esses diplomas internacionais sobre direitos humanos é reservado o lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna.
Para mais, o art. 5º, § 3º, da Constituição Federal, o qual foi adicionado pela emenda constitucional nº 45 de 2004, ao regular sobre os Tratados e Convenções Internacionais obre Direitos Humanos, expõe que caso observem o procedimento de aprovação de dois turnos, por três quintos dos votos, aprovados na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, serão equivalentes às emendas constitucionais, in verbis:
§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.
Por todo o exposto, os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos aprovados antes da emenda constitucional nº 45 de 2004 tem status supralegal, ou seja, devem respeitar as normas constitucionais, porém estão acima das normas infraconstitucionais. No entanto, os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos aprovados após e nos ditamos da emenda constitucional nº 45 de 2004 tem status constitucional, considerando que são emendas constitucionais, em outras palavras, são a própria Constituição Federal, sendo submetidos ao controle de constitucionalidade, vez que são normas derivadas
1.2 Regulamentação
Apesar das previsões sobre a audiência de custódia taxadas na ordem jurídica internacionais as quais, inclusive, o Brasil faz parte, até o momento ainda não houve regulamentação sobre a mesma por parte do Congresso Nacional, existe tão somente um projeto de lei, PLS nº 554/2011, o qual tem por finalidade modificar a redação do § 1º, do art. 306, do Código de Processo Penal, além de instituir a audiência de custódia na ordem jurídica interna brasileira.
Sobre a supracitada ausência de regulamentação da audiência de custódia no ordenamento jurídico interno e meios realizados a fim de suprir essa audiência, Lima (2016, p.1256) descreve:
Apesar de tal projeto ainda não ter sido aprovado pelo Congresso Nacional, o Conselho Nacional de Justiça e alguns Tribunais de Justiça dos Estados já vêm adotando resoluções e provimentos com o objetivo de implementá-la, porquanto se trata de garantia convencional decorrente da própria Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Dec. 678/92), dotada de status normativo supralegal, cujo art. 7º, § 5º, dispõe que “toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais”.
Nesse mesmo seguimento, Távora e Alencar (2016, p.1249), relata que “não há previsão expressa de uma audiência de custódia no Código de Processo Penal, para a pessoa presa em flagrante”. Acontece que a audiência de custódia é parte da ordem jurídica brasileira, como bem dispõe o no item 5, do artigo 7º, do Pacto de São José da Costa Rica já supramencionado, o qual expressa que “toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz”.
De mais a mais, o Código de Processo Penal Brasileiro cita um breve aspectos referente à audiência de custódia em seu artigo 306, §1º:
§ 1o Dentro em 24h (vinte e quatro horas) depois da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante acompanhado de todas as oitivas colhidas e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública. (Redação dada pela Lei nº 11.449, de 2007).
Ante o cenário apresentado, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, por meio da Resolução º 213, de 15 de dezembro de 2015, elaborou do Projeto Audiência de Custódia, visando estabelecer efetivamente o anteriormente comprometido ao promulgar os Tratados e Convenções Americanas sobre Direitos Humanos, dispondo, principalmente, a respeito do prazo de 24 (vinte e quatro) horas para a apresentação dos presos ao juiz competente para analisar o caso.
Ainda sobre o assunto, Pacelli (2017, p 257) manifesta sobre as discussões envolvidas quanto ao projeto de lei do Conselho Nacional de Justiça – CNJ referente à criação da audiência de custódia, as quais, inclusive, ocasionou a propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade, assim expondo:
Naturalmente, diversas entidades se manifestaram contra a criação dessa audiência de custódia, mencionando a ausência de material humano e condições financeiras que possibilitassem o cumprimento de seus dispositivos, bem como possível ilegitimidade do CNJ para inovar no ordenamento jurídico. Essa insatisfação materializou-se na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5240/SP, proposta pela Associação dos Delegados de Polícia do Brasil.
Continuamente, o Supremo Tribunal Federal julgou improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 5240/SP, proposta pela Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol/Brasil) em face do Provimento Conjunto nº 03/2015, do TJSP, que criou a Audiência de Custódia no Estado de São Paulo:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PROVIMENTO CONJUNTO 03/2015 DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO. AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA
(...)As disposições administrativas do ato impugnado (artigos 2º, 4° 8°, 9º, 10 e 11), sobre a organização do funcionamento das unidades jurisdicionais do Tribunal de Justiça, situam-se dentro dos limites da sua autogestão (artigo 96, inciso I, alínea a, da CRFB). Fundada diretamente na Constituição Federal, admitindo ad argumentandum impugnação pela via da ação direta de inconstitucionalidade, mercê de materialmente inviável a demanda.
6. In casu, a parte do ato impugnado que versa sobre as rotinas cartorárias e providências administrativas ligadas à audiência de custódia em nada ofende a reserva de lei ou norma constitucional.
7. Os artigos 5º, inciso II, e 22, inciso I, da Constituição Federal não foram violados, na medida em que há legislação federal em sentido estrito legitimando a audiência de apresentação.
8. A Convenção Americana sobre Direitos do Homem e o Código de Processo Penal, posto ostentarem eficácia geral e erga omnes, atingem a esfera de atuação dos Delegados de Polícia, conjurando a alegação de violação da cláusula pétrea de separação de poderes.
(...)11. Ação direta de inconstitucionalidade PARCIALMENTE CONHECIDA e, nessa parte, JULGADA IMPROCEDENTE, indicando a adoção da referida prática da audiência de apresentação por todos os tribunais do país.
2 A IMPLEMENTAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
2.1 Posicionamentos sobre a audiência de custódia
Com o fim de assegurar a dignidade da pessoa humana e efetivar as previsões sobre os reflexos de tal, conforme já exposto, o Supremo Tribunal Federal firmou a constitucionalidade das normas que regulamentaram a audiência de custódia no ordenamento jurídico brasileiro, propriamente no Estado de São Paulo, com isso, ao por fim no julgamento da ADI nº. 5.240.
Conforme assevera Freitas e França (2016 p.9), quanto ao posicionamento do ministro Ricardo Lewandowski, na época, presidente do Supremo Tribunal Federal:
O ministro à época em 2015, Ricardo Lewandowski (presidente do STF e do CNJ), defende a realização das audiências de custódia, que as mesmas representam uma evolução para nosso sistema, visto que metade dos presos que foram submetidos à audiência de apresentação tiveram suas prisões relaxadas, obedecidos requisitos para concessão, como a conduta de menor potencial ofensivo. Ainda ressaltou a importância da efetividade da audiência de custódia e sua representação positiva no ordenamento jurídico e nos cofres públicos.
Em igual sentido, Lopes Jr e Paiva (2014), afirmam, em concordância com a implementação da audiência de custódia, o seguinte:
São inúmeras as vantagens da implementação da audiência de custódia no Brasil, a começar pela mais básica: ajustar o processo penal brasileiro aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos. Confia-se, também, à audiência de custódia a importante missão de reduzir o encarceramento em massa no país, porquanto através dela se promove um encontro do juiz com o preso, superando-se, desta forma, a “fronteira do papel” estabelecida no artigo 306, parágrafo 1º, do CPP, que se satisfaz com o mero envio do auto de prisão em flagrante para o magistrado.
Os doutrinadores ressaltam a relevância da audiência de custódia como uma garantia prevista no sistema judicial, com amparo constitucional, que deve ser protegida, de forma a suprimir as ocorrências de prisões ilegais.
Por outro lado, Nucci (2016, p. 566) manifesta críticas quanto à audiência de custódia, manifestando-se nos seguintes termos:
[...] sabe-se haver a velha política criminal para “dar um jeito” na superlotação dos presídios, sem que o Executivo tenha que gastar um único centavo para abrir mais vagas. E surgiu a audiência de custódia, sob a ideia de que, caso o juiz veja o preso à sua frente, ouça as suas razões para ter matado, roubado, estuprado, furtado etc., comova-se e solte-o, em lugar de converter o flagrante em preventiva.
O renomado doutrinador, em contradição com Lopes Jr e Paiva, vê a audiência de custódia de maneira negativa, expressando ser uma forma de solucionar superlotação dos presídios, apesar de os presos terem cometido crimes graves.
Expressa que não é obrigatório que haja audiência de custódia e nem que se seguem os Tratados Internacionais, exige-se que atenda as premissas contidas na Constituição Federal e que a decisão que decretou a prisão esteja devidamente fundamentada (NUCCI, 2016, P. 1112).
Em síntese, malgrado haja discussões acerca assunto ora manifestado, não se pode negar o cumprimento de deveres frente ao plano internacional e, igualmente, ao plano interno, é precisar efetivar os direitos promulgados, mesmo havendo obstáculos a serem enfrentados.
3 OS TIPOS DE PRISÕES NO CÓDIGO DE PORCESSO PENAL BRASILEIRO E A AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA
Quando se fale em prisões no Código de Processo Penal Brasileiro, logo pensa-se na privação do direito à liberdade de ir e vir, direito primordial do qual surgem diversos outros. Realiza-se, assim, o cárcere do indivíduo, podendo ser dado por flagrante de delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade competente, nos termos dispostos no artigo 5°, LXI, da Constituição Federal.
Referente aos ditames procedimentais das prisões em flagrante antes da implementação da audiência de custódia, Lopes Jr (2016, p.543) descreve:
Na sistemática pré-convenção americana de Direitos Humanos, o preso em flagrante era conduzido à autoridade policial onde, formalizado o auto de prisão em flagrante, era encaminhado ao juiz, que decidia, nos termos do art. 310 do CPP, se homologava ou relaxava a prisão em flagrante (em caso de ilegalidade) e, à continuação, decidia sobre o pedido de prisão preventiva ou medida cautelar diversa (art. 319).
Importante frisar que há diversas espécies de prisões no Código Processual Penal, quais sejam, prisão em flagrante, prisão preventiva e prisão temporária.
Em atenção ao artigo 301 do Código de Processo Penal, a prisão em flagrante ocorre, como o próprio nome diz, quando a pessoa é encontrada em flagrante de delito.
Segundo Badaró (2015, p. 961):
A Prisão em Flagrante delito é uma medida que se inicia com natureza administrativa, sendo depois jurisdicionalizada, tendo por finalidade, de um lado, evitar a prática criminosa ou deter o seu autor e, de outro, tutelar a prova da ocorrência do crime e de sua autoria.
Nas palavras de Lopes Junior (2015, p. 632) a prisão preventiva pode é aquela que pode ser decretada no curso da investigação preliminar ou do processo, inclusive após a sentença condenatória recorrível.
Já em relação à prisão temporária, Lima (2016, p. 1314) define:
Cuida-se de espécie de prisão cautelar decretada pela autoridade judiciária competente durante a fase preliminar de investigações, com prazo preestabelecido de duração, quando a privação da liberdade de locomoção do indivíduo for indispensável para a obtenção de elementos de informação quanto à autoria e materialidade das infrações penais mencionadas no art. 1º, inciso III, da Lei nº 7.960/89, assim como em relação aos crimes hediondos e equiparados (Lei nº 8.072/90, art. 2º, § 4º), viabilizando a instauração da persecutio criminis in judicio.
Além disso, existem também as medidas cautelares diversas da prisão expressas no artigo 319 do Código de Processo Penal, incluídas pela Lei nº 12.403 de 2011, à exemplo dessas cita-se o comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades e a proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações.
Acerca da audiência de custódia, a Resolução nº 213 de 2015 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no artigo 1º, manifesta sobre o procedimento a ser seguido quando ocorre a prisão em flagrante:
Art. 1º Determinar que toda pessoa presa em flagrante delito, independentemente da motivação ou natureza do ato, seja obrigatoriamente apresentada, em até 24 horas da comunicação do flagrante, à autoridade judicial competente, e ouvida sobre as circunstâncias em que se realizou sua prisão ou apreensão.
Alguns autores ensinam que não apenas na prisão em flagrante deve ser procedida a audiência de custódia, ou seja, a audiência de custódia pode ser utilizada em outras prisões, como da prisão preventiva e da prisão temporária, além da prisão em flagrante, bem como podem ser utilizados as medidas cautelares diversas da prisão.
Em síntese, em análoga percepção se manifesta Távora e Rodrigues Alencar (2017, p 930):
Melhor seria que o projeto deixasse expresso o amplo cabimento da audiência de custódia, vale dizer, não só para os casos de prisão em flagrante, mas para toda e qualquer prisão provisória (preventiva e temporária). Aliás, também para os casos de imposição de medida cautelar, haja vista que ela geralmente é providência subsequente à prisão, persistindo os mesmos objetivos do interrogatório de garantia, especialmente a prevenção de infrações penais relacionadas à tortura.
Nesse viés, Lopes Jr (2016, p 544) interpreta o alcance da Convenção Americana de Direitos Humanos de modo ampliativo:
Mas um detalhe: a audiência de custódia não se limita aos casos de prisão em flagrante, senão que terá aplicação em toda e qualquer prisão, detenção ou retenção (dicção do art. 7.5 da CADH), sendo, portanto, exigível na prisão temporária e também na prisão preventiva.
4 A AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA E SUAS ESPECIFICIDADES
4.1 Conceito
O termo “custódia” significa o ato de guardar e proteger algo ou alguém, já a audiência é o ato forma que visa escutar alguém.
Por assim dizer, o instituto objetiva proteger os direitos dos presos, tratando-se da apresentação, em um prazo fixo de 24 (vinte e quatro) horas, de toda pessoa presa ou detida, diante da autoridade competente, a fim de que analise sobre o caso concreto, se envolve prisão ilegal, quando há afronta as normas constitucionais e infraconstitucionais, se é caso de liberdade provisória ou de prisão preventiva.
O Defensor Público Federal Paiva (2015 p.31) define a audiência de custódia como:
Ato de guardar, de proteger. A audiência de custódia consiste, portanto, na condução do preso, sem demora, à presença de uma autoridade judicial que deverá, a partir de prévio contraditório estabelecido entre o Ministério Público e a Defesa, exercer um controle imediato da legalidade e da necessidade da prisão, assim como apreciar questões relativas à pessoa do cidadão conduzido, notadamente a presença de maus tratos ou tortura. Assim, a audiência de custódia pode ser considerada como uma relevantíssima hipótese de acesso à jurisdição penal, tratando-se de uma das garantias da liberdade pessoal que se traduz em obrigações positivas a cargo do Estado.
Igualmente, o Conselho Nacional de Justiça conceitualiza sobre o projeto de implementação da audiência de custódia:
Projeto Audiência de Custódia consiste na criação de uma estrutura multidisciplinar nos Tribunais de Justiça que receberá presos em flagrante para uma primeira análise sobre o cabimento de medidas alternativas ao cárcere, garantindo que presos em flagrante sejam apresentados a um juiz de Direito, em 24 horas, no máximo.
4.2. Lapso temporal
Nos documentos internacionais promulgados pelo Brasil, Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e Pacto de San José da Costa Rica, utiliza-se a expressão “sem demora” para estabelecer um prazo para a ocorrência da audiência de custódia, dando a ideia de imediaticidade.
O Brasil, através do imposto pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no art. 1º da Resolução nº 213, de 15/12/2015-CNJ, impôs o lapso temporal de 24 (vinte e quatro) horas, in verbis:” toda pessoa presa em flagrante delito, independentemente da motivação ou natureza do ato, seja obrigatoriamente apresentada, em até 24 horas da comunicação do flagrante, à autoridade judicial competente”.
Ao julgar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 347/ DF, em 9 de setembro de 2015, o Supremo Tribunal Federal entendeu que, em observância ao Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e Pacto de San José da Costa Rica, no prazo máximo de 90 dias, o judiciário deveria realizar as audiências de custódia sustadas, objetivando viabilizar o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária em até 24 horas contadas do momento da prisão.
Cordeiro e Coutinho (2018 p.7) proclama que:
O prazo é fundamento primeiro de validade da audiência de custódia. A demora impedirá os objetivos da constatação pessoal pelo juiz do estado físico do preso e perdurará prisão que pode ser tida como ilegal ou desnecessária.
Se a realidade brasileira é diferenciada, pela extensão e desigualdades regionais, caberá o casuístico excepcionalmente desse prazo. Não é tão diferente da entrega do auto de prisão em flagrante, que na realidade brasileira acabou gerando dificuldades mas teve sua concretização no prazo legalmente fixado de 24 horas; se o encaminhamento do preso pode ser mais custoso, pode gradualmente a estrutura de transporte vir a isto realizar. O que não se pode admitir é a justificativa da falta de estrutura para a mantença da prisão indevida.
4.3 Autoridade competente
O artigo 8.1 da Convenção Americana de Direitos Humanos expõe sobre a autoridade competente para presidir a audiência de custódia o seguinte: um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei.
Assim sendo, nada mais justo de que aqueles que detém a jurisdição sejam os competentes para presidir a audiência de custódia, detendo, nesse sentido, de decidir se o caso a ele apresentado contém abusos na prisão e, posteriormente, decidir sobre a manutenção ou não da prisão. Além do mais, deve ser independente e imparcial.
Por assim dizer, delegados ou policiais não tem competência para analisar a audiência de custódia. Nesse mesmo seguimento manifesta Lopes Jr (2016 p.545) que a atuação da autoridade policial não tem suficiência, até porque, o delegado de polícia, no modelo brasileiro, não tem propriamente “funções judiciais”. É uma autoridade administrativa despida de poder jurisdicional ou função judicial.
No entanto, existe posições contrárias a firmada, a exemplo Sannini Neto e Castro (2016, p.87) compreendem que a autoridade competente poderia ser a autoridade policial representada pelo Delegado de Polícia:
(...)
Com efeito, o Pacto exige a apresentação à autoridade de qualquer pessoa detida ou retida, o que vai muito além das hipóteses de prisão em flagrante. Não apenas a pessoa presa em flagrante, mas também qualquer pessoa retida (capturada) e privada de sua liberdade momentaneamente deve ser conduzida coercitivamente à presença da autoridade, para análise de eventual ilegalidade e imediata devolução do direito de ir e vir em caso de arbitrariedade. Vingasse a leitura de que só o juiz é tal autoridade, deveria o Judiciário analisar a legalidade de toda e qualquer captura, e não somente das prisões em flagrante.
(...)
Nesse panorama, nenhum espanto causa afirmar que o delegado de polícia é autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais. Com isso não se está a dizer, obviamente, que possui os mesmos poderes que o juiz; as funções são distintas. Mas apenas que o CPP faculta à autoridade de Polícia Judiciária a tomada de certas decisões tipicamente judiciais, restritivas da liberdade individual, como decretação da prisão em flagrante e de medida cautelar de liberdade provisória mediante fiança (artigos 304 e 322 do CPP). Até porque, fosse a outra autoridade o próprio juiz, não faria sentido o tratado internacional ter diferenciado os atores jurídicos em sua redação.
Compartilhando a mesma compreensão, Nucci (2016 p.566) ao interpretar o art. 7º, item 5, da Convenção Americana de Direitos Humanos, o qual dispõe sobre o direito à liberdade pessoal, também concorda que a expressão autoridade competente pode ser referente ao Delegado de Polícia:
No Brasil, durante décadas, o preso, em geral pela Polícia Militar (polícia ostensiva, segundo a CF) deve ser imediatamente apresentado ao Delegado de Polícia (polícia judiciária, segundo a CF). Este operador do Direito é um bacharel em ciências jurídicas, presta concurso de provas e títulos e assume o seu cargo, justamente para controlar as prisões feitas pela Polícia Militar. A primeira classificação do caso (tipificação) é feita pelo Delegado: se furto ou roubo, por exemplo. Ele analisa se cabe ou não o flagrante (art. 302, CPP); caso entenda não ser cabível recolher o preso, pode relaxar o flagrante e não leva-lo ao cárcere, soltando-o (art. 304, CPP). Formando a sua convicção no sentido de caber a prisão em flagrante, o Delegado ainda pode arbitrar fiança, que, uma vez paga pelo preso, o liberta de pronto (art. 322, CPP). Em nosso modesto entendimento, trata-se de uma autoridade com funções típicas do juiz (pode prender; pode soltar).
Por fim e a fim de por termos em todas as discussões travadas quanto ao tema, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em seu artigo 1º, § 2º, da Resolução nº 213 de 20015, manifestou que:
Entende-se por autoridade judicial competente aquela assim disposta pelas leis de organização judiciária local, ou, salvo omissão, definida por ato normativo do Tribunal de Justiça ou Tribunal Federal local que instituir as audiências de apresentação, incluído o juiz plantonista.
4.4 Valor probatório da audiência de custódia
O art. 8º, inciso VIII, §§ 3º e 4º da A Resolução nº 213, de 15/12/2015-CNJ vedou claramente o emprego da audiência de custódia como prova:
Art. 8º Na audiência de custódia, a autoridade judicial entrevistará a pessoa presa em flagrante, devendo:
VIII – abster-se de formular perguntas com finalidade de produzir prova para a investigação ou ação penal relativas aos fatos objeto do auto de prisão em flagrante;
§ 3º A ata da audiência conterá, apenas e resumidamente, a deliberação fundamentada do magistrado quanto à legalidade e manutenção da prisão, cabimento de liberdade provisória sem ou com a imposição de medidas cautelares diversas da prisão, considerando-se o pedido de cada parte, como também as providências tomadas, em caso da constatação de indícios de tortura e maus tratos.
§ 4º Concluída a audiência de custódia, cópia da sua ata será entregue à pessoa presa em flagrante delito, ao Defensor e ao Ministério Público, tomando-se a ciência de todos, e apenas o auto de prisão em flagrante, com antecedentes e cópia da ata, seguirá para livre distribuição.
Com isso, a audiência de custódia apenas e tão somente visa que o preso em flagrante seja apresentado a autoridade competente para que seja analisada as circunstancias ocorridas na sua prisão, não objetiva angariar provas em face do possível réu.
Em outras palavras, a audiência de custódia não serve como lastro probatório, é uma garantia que deve ser utilizada a favor do preso e não contra o mesmo. Lopes Jr. e Rosa (2015, p.8) anuncia sobre objeto desse instituto que:
(...), é restrito, ou seja, não há interrogatório, nem produção antecipada de provas. Há uma prisão decorrente do flagrante e a necessidade de controle jurisdicional. O ato que era praticado exclusivamente pelo magistrado, sem participação dos jogadores processuais (Ministério Público e Defesa), agora muda completamente sua morfologia. Com isso, se dá também efetividade ao disposto no art. 282, § 3º, do CPP, no sentido de que o contraditório legitima o ato decisório, uma vez que pode acolher e rejeitar os argumentos, conta com a efetiva participação dos agentes processuais.
A mesma ideia ensina Paiva (2015, p. 89):
A audiência de custódia não tem como objetivo a colheita de provas que serão usadas no processo. O momento em que ela ocorre deve ser visto como o espaço democrático em que a oralidade é garantida. O objeto da audiência de custódia é restrito, não há interrogatório nem produção antecipada de provas, o que existe é uma prisão em flagrante e a necessidade de controle jurisdicional. O ato da audiência de custódia não deve servir como antecipação do interrogatório ou da instrução processual. A atividade judicial praticada durante sua realização, com a participação do Ministério Público e da Defesa, deve se limitar a circunstâncias objetivas da prisão e subjetivas sobre o cidadão conduzido.
Por todo o discorrido, entende-se que a audiência de custódia se implementou no ordenamento jurídico brasileiro para trazer benefícios e assegurar os direitos dos presos e não para de algum modo o prejudicar posteriormente ao ser processado pela infração penal supostamente cometida.
5 CONCLUSÃO
Por intermédio do presente trabalho, corroborou-se que a implementação da audiência de custódia trouxe inúmeros benefícios ao sistema penal brasileiro, sem esquecer também a efetivação das previsões constitucionais, sendo um enorme avanço quanto a proteção aos direitos humanos, visto que traz à tona uma persecução penal mais justa vista por um olhar garantista.
Por assim dizer, oportuniza ao preso em flagrante o contato direito e imediato com a autoridade judiciária independente e imparcial, que é a autoridade competente, com o objeto de que essa analise se os direitos do preso foram resguardados até o momento, tais como o direito à integridade física e moral e a comunicação a família do preso, dentre outros.
A partir das questões pontuadas, decide-se sobre o relaxamento da prisão em flagrante, liberdade provisória, com ou sem fiança, ou conversão em prisão preventiva, podendo também ser possível a imposição de medidas cautelares diversas da prisão.
O trabalho envolveu pesquisas literárias a fim de definir o conceito de audiência de custódia, envolveu também pesquisas doutrinárias e jurisprudenciais sobre relevantes temas referentes a audiência de custódia, além de análises a documentos internacionais.
O presente trabalho científico buscou, idem, esclarecer qual o exato lapso temporal em que o preso em flagrante deve ser apresentado a autoridade judiciária competente, sendo o tempo de 24 (vinte e quatro) horas, não esquecendo, no entanto, que é possível a apresentação do preso além do referido prazo, desde que haja motivação da eventual demorar estatal.
Ainda, foi fixado a impossibilidade de a audiência de custódia ser utilizada como prova em face do preso, vez que essa apenas serve para decidir sobre sua prisão, ou seja, a audiência de custódia não contém nenhum valor probatório.
Por fim, as discussões doutrinárias, bem como jurisprudenciais mostram, com clareza, a atenção quanto o tema da audiência de custódia em seus vários aspectos, seja o lapso temporal ou quem pode ser intitulado como autoridade competente.
6 REFERÊNCIAS
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Hélio Carlos Assunção da. Audiência de custódia e a sua aplicação no Processo Penal brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 nov 2021, 04:17. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57578/audincia-de-custdia-e-a-sua-aplicao-no-processo-penal-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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