VANUZA PIRES COSTA.
(orientadora)
RESUMO: Este estudo tem como foco apresentar entendimentos jurisprudenciais relevantes e pouco falados no âmbito do direito familiar, qual, a possibilidade de relativizar o dever de amparo parental em casos que os descendentes sofrem abandono. Restou evidenciado que os tribunais, em casos específicos, podem indeferir pedidos de alimentos para idosos que em momento passado não cumpriram assistência familiar aos seus filhos. Assim, a pesquisa constatou que a lacuna na lei, referente a tal assunto, é substituída por jurisprudências, que o vínculo genético não é condição suficiente para garantir alimentos e que em uma sociedade onde crianças e adolescentes sofrem com o abandono recorrente, os princípios basilares do direito de família pressupõem uma reciprocidade tanto dos ascendentes quanto dos descendentes. A metodologia utilizada no presente artigo é a revisão bibliográfica, pois trata-se de análise de obras já existentes e o método empregado é o dedutivo.
Palavras-chave: Dever de amparo, Abandono, Alimentos, Jurisprudências.
ABSTRACT: This study is focused on presenting relevant jurisprudential understandings and little talked about in the context of family law, which is the possibility of relativizing the duty of parental support in cases that defeated descendants. It will be evident that the courts, in specific cases, can reject the request for maintenance for elderly people who in the past did not comply with family assistance to their children. Thus, the research will show that a gap in the law, referring to this matter, is replaced by jurisprudence, that the genetic link is not sufficient to guarantee food and that in a society where children and adolescents must be protected from recurrent abandonment, the principles basic family law requires reciprocity for both ascendants and descendants.
Key words: Duty of protection, Abandonment, Maintenance, Jurisprudence
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. PRINCÍPIOS BASILARES DO DEVER DE AMPARO; 3. DEVER RECÍPROCO DE AMPARO DOS PAIS COM OS FILHOS; 4. DEVER DE AMPARO DOS FILHOS COM OS PAIS, 5. ABANDONO PARENTAL NO BRASIL; 6. 6.A POSSIBILIDADE DE RELATIVIZAÇÃO MEDIANTE ANÁLISE JURISPRUDENCIAL; CONSIDERAÇÕES FINAIS, REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1. INTRODUÇÃO
O Direito de Família possui diversos princípios norteadores, dentre eles o da proteção integral da criança e do adolescente, previsto no artigo 227 da Constituição Federal de 1988. Com tal característica, no artigo 229 da Carta Magna, os filhos também possuem o dever legal de amparar àqueles que durante sua existência prestaram auxílio e cuidado para garantir condições de uma vida digna. O Estatuto do Idoso, Lei nº 10.741/2003, a Constituição Federal e o Código Civil, enfatizam a obrigação inversa de cuidado com os ascendentes.
É uma via de mão dupla, ou seja, as obrigações são recíprocas.
Sabendo dessas duas vertentes e que o Direito de Família sofre constantes alterações para acompanhar as evoluções da sociedade a qual está inserido, a presente pesquisa busca esclarecer a possibilidade de relativização da obrigação de assistência do filho para com pai que em momento pretérito, nunca conferiu qualquer amparo ao seu descendente.
O cenário de abandono parental no Brasil é irrefutavelmente excessivo, o tema apresenta relevância na medida em que, assim como há crianças abandonadas por seus pais, o número de idosos igualmente abandonados por seus filhos vêm aumentando constantemente, pois apesar do envelhecimento ser um fato, percebemos que a sociedade não lida bem com as consequências advindas deste.
A temática apresenta relevância científica acadêmica, pois se delimita em esclarecer a possibilidade do afastamento dessa obrigação quando os genitores, em momento passado, não cumpriram com o dever parental. Melhor dizendo, a solidariedade familiar vem como pressuposto de obrigação alimentar futura, e é usada tanto para justificar o dever do cuidado quanto para estear seu afastamento.
Durante esta pesquisa, será manifesto que requerer a obrigação de amparo ao idoso pautado apenas no parentesco, não tem sido sinônimo de pedido deferido em alguns tribunais. Serão usadas Jurisprudências, pois embora seja uma temática de suma importância e presente no cotidiano das pessoas, não há lei específica que se posicione a respeito de exceções que viabilizariam tal relativização do dever de amparo da prole com o progenitor anoso em caso de abandono.
A pesquisa possui metodologia de pesquisa bibliográfica, sendo que o método de pesquisa utilizado é o dedutivo, pois parte de premissas gerais. Além de Jurisprudências, serão utilizadas legislações infraconstitucionais, doutrinas, artigos científicos e sites.
2. PRINCÍPIOS BASILARES DO DEVER DE AMPARO
A Família é o núcleo básico de formação da sociedade, de acordo com o Jurista Carlos Roberto Gonçalves, “é de todos os ramos do direito, o mais intimamente ligado à própria vida, uma vez que, de modo geral, as pessoas provêm de um organismo familiar e a ele conservam-se vinculados durante a sua existência” (GONÇAVES, 2013, p.17).
O dever de amparo encontra-se fortemente presente em âmbito constitucional, inclusive, com o advento da CF, ele transformou-se em uma obrigação, imputando-se aos membros da família deveres recíprocos.
E, ao fazer uma análise dos princípios de maior destaque neste ramo, pode-se auferir que a preocupação e o objetivo destes, é a conservação da harmonia familiar. Enfatizam-se como pertinentes ao tema, os princípios da dignidade da pessoa humana, solidariedade e paternidade responsável.
Tais princípios são abrangentes e no âmbito do dever parental seguem a mesma linha, sendo inclusive, a base de todas as relações. Estabelecem e respaldam o dever de cuidar dos pais para com os filhos, garantindo a assistência e cuidados imprescindíveis ao desenvolvimento, seja no âmbito material ou afetivo.
O princípio da Dignidade da Pessoa Humana é o mais abrangente se comparado aos outros.
“É o princípio maior, o mais universal de todos os princípios. Um macroprincípio do qual se irradiam todos os demais: liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade e solidariedade, uma coleção de princípios éticos”. (DIAS, 2021, p. 65).
O princípio da dignidade da pessoa humana está entrelaçado com todos os demais princípios, funcionando inclusive, como vértice do estado democrático de Direito e pressuposto de justiça. (PEREIRA, 2020).
Já a solidariedade é a base de todas as relações familiares e garante ao menor, por exemplo, a assistência dos pais para assegurar cuidados imprescindíveis ao seu desenvolvimento, seja no âmbito material ou afetivo.
A solidariedade social é reconhecida como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil pelo art. 3.º, inc. I, da CF/1988, no sentido de construir uma sociedade livre, justa e solidária. Por razões óbvias, esse princípio acaba repercutindo nas relações familiares, eis que a solidariedade deve existir nesses relacionamentos pessoais. (TARTUCE, 2020, p. 1757)
No âmbito familiar, a solidariedade influenciará de duas maneiras: primeiramente, no âmbito interno, onde o dever de cooperação entre os entes familiares será demonstrado e, em segundo plano, nas relações do grupo familiar com as demais pessoas no ambiente de convivência do cotidiano. (LÔBO,2007)
Flávio Tartuce, em um artigo escrito para a IBDFAM (Instituto Brasileiro do Direito de Família), destaca que a solidariedade não se restringe apenas à esfera patrimonial, ela vai muito além, pois engloba também o contexto afetivo e psicológico. (IBDFAM, 2007)
O artigo 227 da Constituição Federal estabelece o dever de cuidar dos pais para com os filhos, evidenciando o princípio da convivência familiar, o qual se encontra intimamente ligado com o princípio da paternidade responsável, que busca o planejamento familiar de maneira consciente. (BRASIL, 1988)
É essencial que o poder estatal inclua políticas efetivas de controle de natalidade através de campanhas inteligentes e permanentes, além de incentivar o controle da prole mediante benefícios fiscais, e, sobretudo destacar as vantagens do planejamento familiar. (GAGLIANO, 2017)
É um princípio constitucional assegurado no § 7º do art. 227 da Constituição Federal, nos arts. 3º e 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, e no inc. IV do art. 1.566 do Código Civil. É a obrigação que os pais têm de prover a assistência moral, afetiva, intelectual e material aos filhos, buscando um planejamento familiar responsável.
3. DEVER RECÍPROCO DE AMPARO DOS PAIS COM OS FILHOS
Os pais possuem deveres intrínsecos ao poder familiar, as relações familiares são densamente reguladas pelo ordenamento jurídico, por exemplo, o artigo 227 da Carta Constitucional preconiza ser dever da família assegurar à criança, o direito à vida, saúde, alimentação, educação, lazer, profissionalização, dentre várias coisas. No artigo 229, está estabelecido o dever dos pais em assistir, criar e criar e educar os filhos menores. (BRASIL, 1988)
Sabendo o Legislador que a família é a primeira instituição em que a criança é apresentada, o âmbito civil não deixa dúvidas quanto ao dever dos pais para com os filhos. O artigo 1.634 estabelece aos pais, o dever de criação aos filhos independentemente da situação conjugal do casal. (BRASIL, 2002)
No artigo 3º, o estatuto da Criança e do Adolescente avulta o direito básico da criança de gozar de todos os direitos próprios à humanidade, a fim de proporcionar desenvolvimento físico, moral, espiritual, social em condições de liberdade e dignidade. (BRASIL, 1990)
Referido estatuto confere aos pais ou responsáveis a obrigação de matricular seus filhos na rede regular de ensino, sendo que no artigo 129, inciso V, ainda existe o complemento de ser responsabilidade dos genitores, o acompanhamento da frequência e do rendimento escolar. (BRASIL, 1990)
Para a doutrinadora Maria Berenice Dias, os filhos possuem o direito de conviverem com os pais e a não observância de tal pode acarretar em prejuízos que refletem em toda a vida do indivíduo. Quando os genitores deixam de cumprir mencionado dever legal, os danos gerados impedem o desenvolvimento saudável da criança, motivo pelo qual a responsabilidade civil tem feito parte de volumosas demandas judiciais. (DIAS, 2021)
4. DEVER DE AMPARO DOS FILHOS COM OS PAIS
A solidariedade fortalece o amparo e consequentemente, a assistência recíproca entre os membros da família, por exemplo, a obrigação alimentar entre parentes. A preocupação do dever de amparo não se restringe apenas aos menores, mas também aos idosos, estando alicerçado no texto Constitucional, Código Civil e no Estatuto do Idoso.
No artigo 230 da Constituição, foi estabelecido que "a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida" (BRASIL, 1988).
A lei 10.741/2013, que regulamenta o estatuto do idoso traz diversas garantias como direito à liberdade; à dignidade; ao respeito; à convivência familiar e comunitária e a obrigação de pagamento de pensão alimentícia aos pais na velhice, pelos filhos. (BRASIL, 2003)
No último caso, diz respeito ao idoso que não possui condições e nem recursos suficientes para se sustentar de forma a garantir uma vida digna, busca um equilíbrio entre atender as necessidades do reclamante e as possibilidades do obrigado. Tanto no caso do ascendente ou do descendente, como autores do dever de amparo, constata-se a vontade do legislador de impedir o abandono e a situação de vulnerabilidade em ambos os lados, são as chamadas condições de vulnerabilidade e o binômio necessidade-possibilidade. (BRASIL, 2002)
5. ABANDONO PARENTAL NO BRASIL
O abandono parental pode ser dividido em afetivo, intelectual ou material de um, ou dos dois genitores. Circunstâncias em que os pais, mesmo cientes da responsabilidade com o filho, deixam de registrar, e quando o faz, não prestam suporte a criança. O abandono material, previsto no artigo 244 CP é configurado quando o genitor deixa de prover recursos básicos necessários a subsistência do menor, se enquadrando nesta hipótese o não cumprimento no dever de alimentos (MADALENO, 2017, p.29).
É o mais amplo, pois ao ser evidenciado, pode se concluir que os demais abandonos também são recorrentes. Para exemplificar, podem-se citar os inúmeros casos nas varas de família pelo Brasil, onde os filhos requerem indenização por danos morais por abandono, que além da ausência material, também é possível observar a ausência de afeto.
A lei responsabiliza os pais no que toca aos cuidados com os filhos. A ausência do cuidado, o abandono moral viola a integridade psicofísica dos filhos, bem como o princípio da solidariedade familiar, valores protegidos constitucionalmente. Esse tipo de violação configura dano moral. E quem causa dano é obrigado a indenizar. (DIAS, 2021, p.408)
O abandono intelectual ocorre quando o genitor falha com o dever legal de garantir educação aos filhos, qual seja frequentar a escola dos 4 aos 17 anos. Apesar de ser pouco falado em comparação aos demais, é bastante frequente, pois segundo relatório “Pobreza na infância e na Adolescência” elaborado pelo UNICEF, no Brasil, 20,3% das crianças e dos adolescentes de 4 a 17 anos têm o direito à educação violado. (SETOR, 2019)
Como o ensino é reconhecido como um direito subjetivo público, é dever do Estado e da família promovê-lo e incentivá-lo (CR 205 e 208 $ 1.º). Portanto, mais um dever é atribuído aos pais: manter os filhos na escola. O inadimplemento deste encargo, além de configurar o delito de abandono intelectual (CP 246), também constitui infração administrativa (ECA 249). (DIAS. 2021, p. 310)
O conceito de família tem uma influencia significativa no afeto, os pais devem criar e educar seus filhos provendo-lhes todo carinho necessário para o bom desenvolvimento da criança, segundo a psicologia, o afeto nesta fase contribui para a formação plena da personalidade.
O distanciamento entre pais e filhos produz consequências de ordem emocional e pode comprometer o seu sadio desenvolvimento. O sentimento de dor e abandono pode deixar reflexos permanentes em sua vida. (DIAS, 2021, p. 140 e 141)
“A enorme evolução das ciências psicossociais escancarou a decisiva influência do contexto familiar para o desenvolvimento sadio de pessoas em formação”. (DIAS, 2021, p.409)
O abandono afetivo, talvez o que mais traga reflexos psicológicos para a criança no decorrer da vida, se caracteriza pela indiferença dos pais em relação aos filhos. (RABELO, 2019)
6. A POSSIBILIDADE DE RELATIVIZAÇÃO MEDIANTE ANÁLISE JURISPRUDENCIAL
Como já abordado nos capítulos anteriores deste trabalho acadêmico, os princípios buscam uma harmonia familiar, a solidariedade e reciprocidade caracterizam-se pelo fato de que, hoje quem figura como devedor de amparo poderá vir a figurar como credor em momento futuro. Melhor dizendo, o pai que cumpre com as obrigações intrínsecas ao poder familiar, cobrará amparo ao seu filho, quando estiver idoso.
Desta forma, caso um genitor idoso necessite dos amparos de sua prole, sejam de natureza afetiva ou material, o caráter reciproco pautado na solidariedade existirá. Todavia, faz-se útil analisar alguns pontos, por exemplo, existe alguma possibilidade de relativizar esse dever de amparo?
No sistema jurídico brasileiro, não há lei específica que trate de uma possível relativização, a tendência realmente é que o dever de amparo seja aplicado na maioria dos casos.
Entretanto, como mencionado, o direito de família é instável, assim, no esforço de acompanhar as várias mutabilidades ocorrentes na sociedade, os tribunais aos poucos vêm adotando entendimentos que demonstram decisões pautadas nos princípios da afetividade, reciprocidade e solidariedade de forma bilateral. (CASTRO, 2020)
Em São Paulo, na 2ª Vara da Família e Sucessões da Comarca de São Carlos, uma filha pediu afastamento de ser curadora de seu pai alegando que foi abandonada por ele quando criança e que, na pouca convivência com o mesmo, sofreu diversas agressões. Nos autos, havia ainda um laudo social e outro psicológico, o primeiro comprovava a ausência de relação entre o curatelado e a filha, o segundo evidenciava o trauma e sofrimento da mulher em virtude do comportamento negligente do pai. (IBDFAM, 2020)
O posicionamento do Juiz Caio Cesar Melluso foi favorável a filha. Para o magistrado, da mesma forma que não se obriga a entidade paterna a prestar amor, proteção e carinho aos filhos menores, também é inconcebível obrigar aos filhos quando crescidos, a entrega de proteção e carinho àqueles que não exerceram o papel de pais. (IBDFAM, 2020)
Ainda que seja filha do curatelado, tal como não se pode obrigar o pai a ser pai, não se pode obrigar o pai a dar carinho, amor e proteção aos filhos, quando estes são menores, não se pode, com a velhice daqueles que não foram pais, obrigar os filhos, agora adultos, a darem aos agora incapacitados amor, carinho e proteção, quando muito, em uma ou em outra situação, o que se pode é obrigar a pagar pensão alimentícia (IBDFAM, 2020)
Em Santa Catarina, pais ausentes foram até o judiciário requerer o dever de cuidado na forma de alimentos. A decisão foi pautada no dever de solidariedade e reciprocidade, reconhecendo o cumprimento da solidariedade, no passado, como um pressuposto para utilizar o argumento da reciprocidade em momento futuro, no pleito alimentício, melhor dizendo, uma via de mão dupla.
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ALIMENTOS. CERCEAMENTO DE DEFESA. PRELIMINAR RECHAÇADA. ASCENDENTE. SOLIDARIEDADE FAMILIAR. OMISSÃO DOS DEVERES INERENTES AO PODER FAMILIAR. AUSÊNCIA DE RECIPROCIDADE. ALIMENTOS INDEVIDOS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO [...]. A pretensão de alimentos em prol da genitora baseado no dever de solidariedade, nos casos em que comprovado o abandono aos deveres decorrentes do poder familiar, são insuscetíveis de deferimento, visto que "merecer solidariedade implica também ser solidário" (TJSC – AC: 20100198265 Blumenau 2010.019826-5, Relator: Fernando Carioni, Data de Julgamento: 11/05/2010, Terceira Câmara de Direito Civil)
Ainda em Santa Catarina, houve um genitor que requereu a prestação alimentar dos filhos. Porém, pelo período de trinta anos a prole não recebeu assistência material, tampouco imaterial do ascendente. (TJRS, 2012).
O relator Des. Sérgio Fernando de Vasconcelos, esclareceu que a solidariedade familiar não é absoluta. E que nessa hipótese em específico, o pai havia abandonado os filhos quando estes tinham apenas 2 de idade, sem prestar-lhes qualquer auxílio e após três décadas, reaproximou-se deles para pleitear alimentos:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ALIMENTOS PROMOVIDA PELO PAI EM DESFAVOR DO FILHO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. DESCUMPRIMENTO DOS DEVERES INERENTES AO PODER FAMILIAR. GENITOR QUE NÃO MANTÉM CONTATO COM OS FILHOS HÁ TRINTA ANOS. RELATIVIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE FAMILIAR. FATO SUPERVENIENTE. AUTOR DIAGNOSTICADO COM HIV/AIDS. FATO QUE, POR SI SÓ, NÃO JUSTIFICA A IMPOSIÇÃO DO ENCARGO ALIMENTAR. FALTA DE PROVA DA NECESSIDADE DOS ALIMENTOS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. Não tem direito a alimentos o genitor que se revela capaz de prover as suas próprias necessidades. c. "O mero fato de ser portador do vírus HIV não é por si só incapacitante, sendo controlável, bastando que a pessoa tome a medicação e observe uma vida regrada." (TJRS, Apelação Cível n. 70052315843, rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, j. 17-12-2014).
À vista disso, no ano de 2019 em Brasília, um genitor pleiteou em face de seu filho a prestação de alimentos. Mas, de acordo com o Des. Relator Fernando Habibe, a conduta paterna de abandonar o filho em âmbito material e afetivo desde muito cedo, obstaculiza o pressuposto do direito alimentar de solidariedade e reciprocidade:
Alimentos requeridos pelo pai em face do filho maior por ele abandonado, desde tenra idade, material e afetivamente: conduta paterna indigna, que prejudica o suposto direito alimentar - Cód. Civil. 1.708, § único -, que tem por base os princípios da reciprocidade e solidariedade, jamais observados pelo requerente. (TJDFT - Acórdão 0005843-19.2015.8.07.0011, Relator(a): Des. Fernando Habibe, data de julgamento: 23/01/2019, data de publicação: 05/02/2019, 4ª Turma Cível)
Ante as jurisprudências demonstradas acima, contata-se a temática é de suma importância e consequentemente, delicada. O presente artigo não objetiva aluir a obrigação de prestar alimentos entre os parentes, inclusive, tal entendimento causaria uma desordem imensurável no sistema jurídico, o objetivo da pesquisa é demonstrar que tal obrigação de amparo pode ser relativizada em casos específicos, como o de abandono paterno em momento anterior.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ante todo o exposto, pode-se concluir que a família é amparada estatalmente, inclusive, sua função é de proporcionar um desenvolvimento saudável e digno para os indivíduos que dela fazem parte. No entanto, como observado nesta pesquisa acadêmica, algo que deveria ser tão importante, apenas é deixado de lado por muitos genitores, causando assim, uma quantidade expressiva de abandonos parentais em território nacional.
O dever de amparo visa observar a necessidade do reclamante e a possibilidade do reclamado. A regra geral é de que o amparo deve existir entre os familiares.
Todavia, no contexto apresentado nesta pesquisa, restou constatado que tal dever pode ser afastado quando em momento passado o cumprimento de deveres e princípios não foram observados, isto é, ao descumprir deveres intrínsecos ao poder familiar, o genitor perde os demais direitos decorrentes dela.
Observou-se também que ao passo que inexiste lei infraconstitucional que verse sobre o tema, há magistrados que aplicam o princípio da solidariedade e reciprocidade em suas decisões, demonstrando que apenas laços sanguíneos não são suficientes para obter pedido deferido. Que para usufruir dos princípios básicos do direito de família, é necessário cumpri-los em momento pretérito.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, STEFANNY BEQUIMAN. A possibilidade de relativização do dever de amparo parental por filhos que sofreram abandono Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 nov 2021, 04:12. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57602/a-possibilidade-de-relativizao-do-dever-de-amparo-parental-por-filhos-que-sofreram-abandono. Acesso em: 23 dez 2024.
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