CEZAR PRAXEDES DE CARVALHO FILHO
(coautor)
RESUMO: O presente artigo tem como objetivo abordar sobre o racismo no Brasil e a luta contra a prática do crime no país. Aborda também sobre a história das pessoas negras desde a época da escravidão, que deu início a partir do descobrimento do Brasil, até os momentos atuais, apresentando a diferença entre o crime de racismo e o crime de injúria racial, além de estabelecer a legislação acerca dos dois temas. É abordado também sobre o aumento da desigualdade racial entre os negros e os brancos no ambiente de trabalho no que diz respeito ao desemprego durante o período de pandemia, quando, no 1° e 2° trimestres de 2020, cerca de 6,4 milhões e 2,4 milhões de negros e brancos ficaram desempregados, respectivamente, no mesmo período.
Palavras-chave: Brasil. História. Racismo. Leis.
ABSTRACT: This article aims to address racism in Brazil and the fight against crime in the country. It also addresses the history of black people from the time of slavery, which started from the discovery of Brazil, to the present time, presenting the difference between the crime of racism and the crime of racial injury, in addition to establishing legislation on the two themes. It is also addressed about the increase in racial inequality between blacks and whites in the work environment with regard to unemployment during the pandemic period, when, in the 1st and 2nd quarters of 2020, about 6.4 million and 2.4 million unemployed blacks and whites, respectively, in the same period.
Keywords: Brazil. Story. Racism. Laws.
INTRODUÇÃO
Procurou-se, por meio deste artigo, fazer uma breve apresentação sobre o racismo e sua origem atrelado ao direito penal, uma vez que o racismo é tipificado como crime pela lei 7.716/89. Para se entender o racismo, foi necessário introduzir o preconceito, pois o primeiro provém da existência do último. O preconceito puramente falando está relacionado a um “pré” “conceito” sobre determinado assunto, é aquele entendimento que se tem antes mesmo de conhecer de fato sobre a coisa tratada.
Além de ter adentrado brevemente em questões históricas, foi efetuada uma pesquisa e abordagem jurídica sobre racismo, de modo que se buscou elementos que possam ajudar no seu combate e ver se esses elementos podem ser melhorados e/ou estão sendo devidamente aplicados. Fez-se, ainda, uma correlação entre a lei e os fatos reais, se a lei de fato produz efeito concreto ou meramente visual.
A pesquisa foi realizada a partir do estudo de doutrinas e da legislação pertinente ao assunto. Como há uma necessidade de informações atuais, foram utilizados revistas, noticiários, jornais e sites que serviram como um meio confiável para o desenvolvimento do assunto tratado.
O estudo não alcançou toda a gama e informações pertinentes. Todavia, uma vez que se trata da elaboração de um Trabalho de Conclusão de Curso em Direito, foi elaborado um artigo científico em que, de forma objetiva, se fará a análise da legislação atual, do racismo como crime e como um problema social. Buscou-se, assim, responder à seguinte pergunta: Por que, mesmo com a tipificação penal de racismo, a prática não se coíbe? Sabe-se que é uma indagação de difícil resposta. Porém, ao desenvolvê-la, definiram-se como possíveis respostas a existência de uma falsa penalização sobre aqueles que praticam o fato ilícito, sendo a pena a eles aplicada demasiadamente leve, não causando ao criminoso o receio de praticar o fato.
Para que haja a devida penalização, é de suma compreensão que se tenha na Lei um aumento para o tempo de reclusão e um possível o aumento da multa. Assim como todo ser pensante é mutável quanto a seus ideais, a possibilidade, perante o magistrado, de aplicação de medidas socioeducativas capazes de fazer uma desconstrução em relação ao preconceito enraizado na figura do criminoso é evidente, apontando, assim, para um caminho onde existem possibilidades de uma extinção do problema.
Teve, portanto, como objetivo evidenciar, com base na história e na legislação brasileira, todo fator que contribui para o aumento, durante toda a história brasileira, do racismo e como fazer para que possa haver uma diminuição significativa deste crime. Estabeleceram-se as diferenças entre os crimes de injúria racial e racismo; identificou se toda ação de racismo presente na sociedade é de alguma forma denunciada; verificou-se o motivo de a prática de racismo estar tão impregnada na estrutura cultural do país, tal como a apresentar fatos, já conhecidos pela sociedade, para servir como ensinamento, apresentando toda a história negra até os dias de hoje.
O artigo tem por objeto apresentar a relevância política, histórica, econômica e social negra, visto que condiz com uma alta porcentagem da sociedade no país, e durante o 1° e 2° trimestres de 2020, a desigualdade no mercado de trabalho piorou consideravelmente durante a pandemia, que, de acordo com estudos, mais de 6,4 milhões de pessoas negras perderam os seus empregos.
Com isso, o tema abordado teve como objeto esclarecer os danos que todo racismo acarreta para os negros, sendo, assim, apresentando como a cultura e a miscigenação são de suma importância para um país conhecido pela diversidade cultural e racial, analisando à luz do Direito as possibilidades que a legislação possui para o combate a este crime.
1- Abordagem Histórica
De início, a palavra “raça” era utilizada como um meio para distinguir animais e plantas. Foi no meado do século XVI que o termo começou a ser utilizado para a distinção de seres humanos.
Com o decorrer dos tempos, os negros, além de conquistarem deveres legais, conquistaram, também, direitos, tais como o direito à vida, a um serviço digno, a frequentar escolas e universidades, dentre outros. O Brasil é conhecido como um dos países mais ricos com relação às histórias e culturas. Observando bem, a maioria dessas culturas e histórias advém do povo negro, com suas histórias dolorosas e sangrentas, bem como suas danças, comidas, tradições, entre outras coisas, as quais, somadas, fazem com que esse país seja uma nação tão calorosa e receptiva para os outros países. Essa miscigenação cultural só teve a agregar.
Em 2019, de acordo com a PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios -, há cerca 56,10% de brasileiros que se declararam negros, e essa porcentagem tende a crescer dia após dia, mas, mesmo havendo uma alta taxa de pessoas negras em nosso país, a proporção para o racismo anda lado a lado.
O racismo e o preconceito se deram desde o dia 22 de abril de 1500, data histórica da descoberta do Brasil, quando os portugueses necessitavam de mão de obra barata e os indígenas já não eram suficientes para as demandas. Os negros eram trazidos de seus países em barcos, onde ficavam à mercê de doenças e da morte e, quando chegavam à terra firme, os que sobreviviam eram obrigados a trabalhar e viver em condições miseráveis.
O crescimento e a construção do Brasil se deram com o trabalho escravo e com a morte deles. Com o decorrer dos tempos, os negros passaram a não mais aceitar as condições de trabalho e de vida que levavam. Com isso, começaram a acontecer movimentos. Estes movimentos negros começaram a surgir bem na época da escravidão e tinham como objetivo se defender das injustiças que sofriam durante a escravatura. Nesse processo de luta contra as injustiças, os negros fugiam de seus “donos” e se organizavam em quilombos.
Um dos líderes mais memoráveis foi o Zumbi dos Palmares. Este foi responsável por liderar o Quilombo dos Palmares, local que servia de abrigo para escravos que fugiam dos seus donos e dos militares portugueses. Com o passar do tempo, o movimento negro foi ganhando mais força e ficando cada vez maior. Com isso, um novo movimento veio a surgir. A partir da década de 1870, passou a surgir o Movimento Liberal Abolicionista. Este movimento forçou o Império a tomar uma medida em relação à escravidão. Com isso, em 13 de maio de 1888, a princesa Isabel, filha do Dom Pedro II, assinou a Lei Áurea, abolindo a escravidão. Entretanto, com o fim da escravidão, os negros passaram a lutar contra o preconceito e a desigualdade social. Após o fim da escravidão, muitos negros não tiveram oportunidade de emprego, bem como continuaram a sofrer preconceitos sobre a cor de sua pele, suas origens e religiões, e, desde então, foi constatado que, mesmo havendo leis que inibem a prática racista contra o negro, o problema ainda continuará a persistir.
Com o decorrer do tempo, o racismo, uma forma de preconceito, passou a se tornar um “costume”, quase que uma tradição, em que pais passam aos filhos que uma pessoa cuja pele possui um tom diferente da sua deve ser tratada de forma inferior. Nesse sentido, muitas pessoas ainda carregam dentro de si o nojo e a repulsa sobre um negro.
No passado, as pessoas utilizavam como desculpa para o racismo a falta de conhecimento e de tecnologia para discernir o que era certo e errado. No entanto, mesmo nos dias de hoje, em um mundo dominado por tecnologia que facilitam o acesso ao conhecimento, as pessoas ainda continuam ignorantes quanto às suas práticas preconceituosas.
Marcus Eugênio (2020), em suas pesquisas, notou que o preconceito do qual o racismo se deriva surge por volta do ano de 1920 (esse surgimento trata-se do momento em que a sociedade compreendeu o que estava fazendo), momento em que o assunto passou a ser debatido em estudos científicos, um marco muito importante nessa luta.
Naquele momento, o preconceito era entendido como “problema histórico”, vinculado à explicação da dominação colonial branca; ele gerava estudos para a identificação de características dos “grupos atrasados”, e era concebido como uma resposta natural a “pessoas inferiores. (LIMA, 2020, pag. 30. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/. Acesso em 27 de mar. de 2021)
Num levantamento de dados, utilizando termos como estereótipos e preconceito, pode-se acompanhar o crescimento de estudos sobre o assunto com o passar dos anos. Antes, o número de estudos científicos relacionado ao tema era baixíssimo. Porém, com o passar dos anos, esse número teve um aumento significativo, o que representa uma busca pela compreensão do assunto. Além disso, entende-se também que a alta taxa de estudos sobre o assunto buscam, de certa forma, conseguir combater um problema que tende a segurar o avanço da sociedade (apud. DOVIDIO, HEWSTONE, GLICK E ESSES, 2010).
Ao tratar o preconceito, Marcos Lima demonstra que esse é um atraso para a humanidade. Pode-se demonstrar, por meio do racismo, os efeitos que ele causa. Como exemplo, o fato de desumanizar o hostilizado, tornando-o qualquer coisa, menos um humano. Negros são chamados de macaco, sendo eles seres humanos tão comuns quanto qualquer outro. O racismo reverbera na história por ser um mal que não foi cortado pela raiz, perseverando como um problema tanto antigo como atual. Lima ainda diz:
O racismo, ao mesmo tempo em que acompanha a história da humanidade, ameaça sua continuidade. Ele se tornou uma das questões mais atuais e pertinentes, com impactos no bem-estar psicológico das suas vítimas, nas suas oportunidades de vida e de emprego, no desenvolvimento econômico das sociedades e mesmo na violência individual e coletiva, resultando na busca pelo extermínio da diferença. (2020 pag. 74. Disponível em: <https://integrada.minhabiblioteca.com.br/>. Acesso em 27 de mar. de 2021)
O mal do racismo se contempla por toda a história e insiste em permanecer presente, sendo necessário o Estado intervir em ações que demonstram o quanto esse mal corrompe todo o sistema. Um exemplo disso, além da criminalização, são as cotas raciais, uma busca de suprir a falha que o sistema, desde a escravidão, deixou para os negros. As cotas buscam auxiliar negros que, normalmente pelo descaso que sofreram anos atrás, e juntamente porque em alguns casos são de famílias de baixa renda, consigam adentrar as instituições de ensino superior com uma espécie de “facilidade”, o que, na verdade, está longe de ser uma facilidade. Seria algo mais voltado para a tentativa de igualar os mais favorecidos com os menos favorecidos, visto que não é capaz de suprir o descaso que os negros sofrem desde o fim da escravidão, momento em que passaram a ser livres. Com a abolição da escravatura no Brasil, os negros ficaram desamparados, e esse fator permanece. Dificilmente vemos negros em situações de privilégio. Na história presente e futura, ainda serão necessárias muitas políticas públicas para auxiliarem uma igualdade real entre todos.
1.1- O fim de uma era
Com o fim da escravidão e com o ganho de alguns direitos, os negros continuaram a ser vistos como pessoas que não deveriam ter direitos e jamais deveriam ter sido agregados à sociedade, sendo motivo de exclusão pela classe branca. Com o decorrer do tempo, o preconceito, que antes era algo silencioso, passou a ser cada vez mais explícito, tendo dois motivos: por conta da entrada em uma época tecnológica e por conta do cansaço em sofrer uma violência e ficar em silêncio.
Antes, o racismo era visto como algo glorioso, em que poucas pessoas brancas eram contra esta ação tão vergonhosa. Entretanto, com o decorrer do tempo, mais pessoas passaram a entender que todos são iguais, independentemente de sua raça, e que se trata de uma ação desumana tanto ao agressor quanto ao agredido. Porém, mesmo havendo pessoas que compreendem a igualdade entre as pessoas, há aqueles que não são capazes de entender.
Vendo que o preconceito ainda era existente e o ato criminoso praticado era tipificado apenas como contravenção penal, adveio a lei 7.716/89, que passou a estabelecer que o preconceito ou discriminação baseados na cor, raça, etnia ou religião seriam punidos. No entanto, a criminalização não foi suficiente para coibir a prática.
Houve inúmeros acontecimentos jurídicos entre o período da abolição da escravidão no Brasil e o atual momento em que nos encontramos que serviram como uma busca para pôr fim a uma era de preconceito racial. Ainda é um pouco arriscado chamar o Brasil de um país que possui democracia racial. A democracia que temos é imposta através de leis que tentam auxiliar a vida daqueles que são excluídos por certa quantia de homens que não representa o Brasil. Essa democracia racial era para ser comum, buscada por todos e não imposta a todos.
O Estado ainda luta para pôr fim a essa era de dominação e desigualdade, buscado, através dos meios possíveis, auxiliar e acabar com a prevalência de brancos sobre negros. Políticas públicas e leis se mostram cada vez mais rigorosas, e a população tem enxergado a cada dia que, muitas vezes, há uma distinção imposta, não real, entre pessoas, por sua cor de pele e origem. Muitas vezes, os dois andam lado a lado. Tem-se como exemplo dois grupos de amigos: um composto por pessoas negras e outra por brancas. A sociedade verá o grupo composto por negros como algo medonho, podendo pensar até que se trata de um grupo de gangues. Mas este pensamento não se repete ao ver um grupo de pessoas brancas. Este pensamento discriminatório e preconceituoso não se extinguirá.
1.2- A Pandemia e o racismo
O mundo vem sofrendo um momento muito crítico ocasionado pela COVID-19. O Brasil teve o seu primeiro caso em fevereiro de 2020, em São Paulo, e acabou se alastrando para todo o país.
Durante esse momento de pandemia, foi apontado um aumento de casos de desigualdade entre os negros e brancos no mercado de trabalho brasileiro. Durante os dois primeiros trimestres de 2020, foi comprovado que cerca de 6,4 milhões de trabalhadores negros perderam os seus empregos, número este muito superior em comparação aos trabalhadores brancos, que foi da ordem de 2,4 milhões.
De acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos – DIEESE, "Homens e mulheres negros, ocupados em situação de informalidade, no trabalho doméstico e sem vínculo legal, foram os que mais sofreram os efeitos da parada da economia brasileira por causa do Corona vírus".
Outro assunto preocupante é o racismo estrutural que os negros vêm enfrentando durante este momento de pandemia. De acordo com o Ministério da Saúde, durante o mês de abril de 2020, houve um aumento de 23,1% para 37,4% de internações de pessoas negras, enquanto no mesmo período houve a diminuição de 73,9% para 60,3% de internações de pessoas brancas.
A morte de negros também sofreu um aumento: de 32,8% para 41,2% para os negros, enquanto a porcentagem cai sobre os brancos. O Ministério da Saúde associa o aumento de internação e morte dos negros por conta da dificuldade de os negros terem acesso a serviços básicos.
Mesmo após tantos anos desde a descoberta do Brasil, o fim da escravidão, a penalização da prática de racismo, ainda encontramos casos e mais casos de preconceitos, de forma desinibida, sem o mínimo pudor ou medo pelas sanções cabíveis aos que praticam tais atos. Um dos casos mais atuais sobre o racismo foi a da Ana Paula Barroso, diretora-adjunta do departamento de Proteção aos Grupos Vulneráveis. Ela foi barrada de adentrar na loja por justificativa de que não estava usando a máscara. Ocorre que ela estava comendo, logo, não havia colocado a máscara. Porém, minutos depois, duas pessoas caucasianas entraram na mesma loja e estavam sem máscara, mas não foram proibidas de entrar.
2- Conceitos
O racismo no mundo jurídico é conceituado como sendo o preconceito ou a discriminação contra uma pessoa ou grupo de pessoas por conta de sua cor ou etnia (raça), em que uma classe de pessoa seria inferior a outra. Legalmente, o conceito para a discriminação racial está previsto no Tratado Internacional que trata sobre a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial de 1968.
Art. 1° Para os fins da presente Convenção, a expressão "discriminação racial" significará toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto ou resultado anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício em um mesmo plano (em igualdade de condição) de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública. (Disponível em: http://www.pge.sp.gov.br/ Acesso dia 18 de abril de 2021)
O racismo se faz presente desde a escravidão, quando as pessoas necessitavam de mãos de obra e recorria aos negros. Estes eram vistos como mãos de obras baratas. A escravidão não nasceu necessariamente com os negros, mas, sim, com os indígenas, em 1530, e, após os séculos XVI e XVII, o tráfico de negros passou a existir. O Brasil passou a usar a mão de obra negra em 1550, dando início, assim, à escravidão de negros.
“Na psicologia social, ainda na década de 1970, Jones já havia afirmado que o racismo resulta da transformação do preconceito racial e/ou do etnocentrismo através do exercício do poder de opressão de um grupo sobre o outro.” (LIMA e JONES, 2020, p. 81)
O racismo é concebido como um conjunto de crenças que, pela falta de informação, ou, às vezes, por informações erradas, passam a conceber que o ser humano possui características sociais relevantemente distintas e que são transmitidas hereditariamente e tais características estão ligadas ao grupo social, à cor da pele, entre outros fatores.
A concepção do racista é de se sentir superior a um outro grupo de pessoas. Primeiramente, para se entender a mente do racista, faz-se necessário acreditar que os seres humanos podem ser divididos em raça, conforme propõe Marcus:
[...] uma ideologia que propõe que os seres humanos estão divididos e separados em entidades biológicas exclusivas chamadas “raças” e que existe um elo causal entre traços físicos geneticamente herdados e caracteres de personalidade, intelectuais e morais, fazendo com que uma determinada “raça” possa ser superior a outra (2020, pg 79)
E tal pensamento se mostra errôneo. Marcus afirma: “Embora as classificações raciais sejam distinções antigas, fora de moda e já descartadas pela ciência biológica, há, ainda no século XXI, muitas pessoas, inclusive cientistas, que acreditam na existência de raças humanas[...]” (2020, pg.79) e, portanto, acreditando que tal divisão é real. O racista usa dela e se coloca em lugar de superioridade a qualquer outra raça que ele entenda por inferior. O racista, além de se colocar em lugar de superioridades, também irá se aproveitar desta para oprimir a raça julgada por inferior.
3- Injúria racial e racismo
A injúria racial vem a ser quaisquer palavras ofensivas direcionadas a uma pessoa por conta de sua raça, cor, religião, origem, etnia ou condição de pessoas idosas ou portadora de deficiência. O exemplo que se pode ter sobre a injúria racial contra a cor é a da Andresa Sousa Alves, de 34 anos. Ela estava em um restaurante, onde seria seu ambiente de trabalho, cantando em inglês para os clientes, quando Valkiria Tavares de Moraes Cardoso, de 59 anos, disse: “Essa negra não sabe cantar”, e, logo em seguido, desferiu dois tapas no braço da Andresa. A justiça compreendeu que a ação de Valkiria contra Andresa trata-se de um crime de injúria racial.
O crime de injúria racial está descrito no artigo 140 do Código Penal:
Art. 140- Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. § 1º - O juiz pode deixar de aplicar a pena: I - quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria; II - no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria. § 2º - Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência. 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: Pena - reclusão de um a três anos e multa (Disponível em: hhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm/ Acesso dia 30 de outubro de 2021)
Enquanto a injúria racial consiste na ofensa da pessoa com palavras maldosas e depreciativas, o racismo consiste na ofensa ou uma ação discriminatória para um grupo de pessoas ou uma coletividade.
O crime de injúria, como estabelecido no parágrafo 3°, estabelece que a pena é de reclusão de um a três anos mais a multa. Já o crime de racismo se trata de um crime inafiançável e imprescritível.
4- Legislação
Adentrando no mundo do Direito, faz-se necessário iniciar-se o apontamento constitucional do tema tratado. De base anterior à promulgação da constituição de 1988, o Brasil já iniciava o tratamento legal para o combate ao racismo, com a participação da Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, assinado em 1966 e publicado em 1969, em que, eu seu artigo II, traz:
1. Os Estados Partes condenam a discriminação racial e comprometem-se a adotar, por todos os meios apropriados e sem tardar uma política de eliminação da discriminação racial em todas as suas formas e de promoção de entendimento entre todas as raças e para esse fim:
a) Cada Estado parte compromete-se a efetuar nenhum ato ou prática de discriminação racial contra pessoas, grupos de pessoas ou instituições e fazer com que todas as autoridades públicas nacionais ou locais, se conformem com esta obrigação;
b) Cada Estado Parte compromete-se a não encorajar, defender ou apoiar a discriminação racial praticada por uma pessoa ou uma organização qualquer;
c) Cada Estado Parte deverá tomar as medidas eficazes, a fim de rever as politicas [sic] governamentais nacionais e locais e para modificar, ab-rogar ou anular qualquer disposição regulamentar que tenha como objetivo criar a discriminação ou perpetrá-la onde já existir;
d) Cada Estado Parte deverá, por todos os meios apropriados, inclusive se as circunstâncias o exigerem, [sic] as medidas legislativas, proibir e por fim, a discriminação racial praticadas por pessoa, por grupo ou das organizações;
e) Cada Estado Parte compromete-se a favorecer, quando for o caso as organizações e movimentos multi-raciais [sic] e outros meios proprios [sic] a eliminar as barreiras entre as raças e a desecorajar [sic] o que tende a fortalecer a divisão racial. (Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVil_03/decreto/1950-1969/D65810.html Acesso dia 03 de maio de 2021).
Anos após a publicação do tratado em forma de decreto, foi promulgada a Constituição da República, que trouxe em seu corpo, no artigo 5°, inciso XLII, que “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;” (Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ Acesso em: 03 de maio de 2021). Isso representa um marco muito importante para a luta contra o racismo, que agora é considerado um crime inafiançável. Antes, era visto apenas como uma contravenção penal, tratado na lei 1.390/51, em que o tratamento diferenciado, de forma denegatória, a uma pessoa por causa de sua cor ou raça, acarretava uma prisão simples ou/e multa.
Um ano após a promulgação da Constituição Federal, em 1989, é publicada a Lei 7.716, a qual define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. O artigo 1° da lei traz, em seu corpo, que “Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.” (Brasil, 1989). Tal artigo foi atualizado com o advento da lei 9.459 de 1997, pouco tempo entre a primeira, que não tinha em seu corpo a criminalização pela pratica de discriminação ou preconceito contra etnia, religião ou procedência nacional.
A Lei 7.716 mostra o quanto o Estado precisa agir para coibir uma prática que não deveria ser presente na sociedade, fazendo-se necessário a existência de criminalização para alguém que nega emprego a uma pessoa devido à cor de sua pele, uma característica meramente fisiológica que não causa impedimento algum nas práticas laborais. Entretanto, ainda assim, algumas pessoas insistem em tratar diferente aqueles que possuem a cor da pele diferente da sua.
Nisso se entende o quanto é necessário a existência de leis, decretos, e políticas públicas que busquem coibir a diferença e o racismo estrutural na sociedade, pois a livre iniciativa da sociedade não busca por igualdade, fazendo-se necessário a intervenção do Estado para que haja um estado democrático racial. A lei não busca firmar um direito adquirido, mas proteger o indivíduo que deveria ser reconhecido por igual, mas não é.
CONCLUSÃO
O ser humano está em constante evolução, tanto em tecnologias, como em comportamentos sociais e até mesmo biologicamente. Tudo precisa de um processo, e algumas evoluções são demoradas e penosas. E falar sobre o preconceito e o racismo existente atualmente é falar sobre esse processo evolucional. Como apresentado, há pouco tempo não se via o racismo como um crime, uma ofensa contra um ser humano de igual valor como todos, mas, sim, como algo que deveria acontecer (visão dos brancos durante o período de escravidão). Entretanto, com o decorrer dos tempos, a humanidade evoluiu e, junto a isso, foi capaz de compreender que são todos seres humanos e, sendo assim, logo não haveria de existir a distinção entre as raças nem mesmo a hierarquia racial.
Na evolução, algumas espécies insistem em permanecerem iguais. Porém, é compreendida que a mais evoluída tende a perpetuar. Sendo assim, as normas que buscam a proteção dos negros irão evoluir, visto que, com a evolução, o racismo, que antes era conhecido como contravenção penal, passou, de fato, a ser visto como crime.
Mesmo em se tratando de uma questão importante e de grande magnitude, é visível a precariedade da lei e das sanções existentes quando se trata da prática de racismo. Isto porque, de fato, existindo a norma criminalizadora, ainda existe o crime. Mas tal fato aponta para a evolução. A presença da pena contra o racista o inibe de sua prática em parte. A injusta agressão tem sua justa resposta.
Portanto, mesmo que pareça desanimador, não se pode abandonar o fato de que as normas, leis e políticas sociais colaboram para uma cultura em que se possa dizer que o Brasil é um país racialmente democrático. Nesse sentido, a evolução não deve parar. Ela deve continuar para que, gradativamente, haja a erradicação do racismo no Brasil.
REFERÊNCIAS
AFONSO, Nathália. Dia da Consciência Negra: números expõem desigualdade racial no Brasil. UOL, Rio de Janeiro, p. 0-0, 20 nov. 2020. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2019/11/20/consciencia-negra-numeros-brasil/. Acesso em: 28 out. 2021.
BARROS, Arísia. O que é Injúria Racial x Racismo. Cada Minuto, Brasil, p. 0-0, 13 jun. 2011. Disponível em: https://www.cadaminuto.com.br/noticia/2011/06/13/o-que-e-injuria-racial-x-racismo. Acesso em: 30 out. 2021.
BEZERRA, Juliana. “Racismo”. Toda Matéria. Disponível em: https://www.todamateria.com.br/racismo/ Acesso dia 17 de abril de 2021.
BEZERRA, Juliana. Movimento Negro. Toda Matéria, Brasil, p. 0-0, 2 jun. 2020. Disponível em: https://www.todamateria.com.br/movimento-negro/. Acesso em: 20 out. 2021.
BRASIL. Casa Civil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília DF, 1988: Senado Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em: 03 de maio de 2021.
BRASIL. Decreto. Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial. Brasília, DF: Senado Federal, 1960. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1950-1969/D65810.html Acesso em: 3 maio 2021.
BRASIL. Casa Civil. Lei n° 7.716, de 5 de janeiro de 1989. Brasilia Distrito Federal, DF: Senado Federal. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7716.htm Acesso em 28 de out. de 2021.
CAVALCANTE, Rebeca; FERREIRA, Marcelo. Pandemia aprofundou o racismo no mercado de trabalho, aponta estudo do Dieese. Brasil de Fato, Brasil, p. 0-0, 20 nov. 2020. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2020/11/20/pandemia-aprofundou-o-racismo-no-mercado-de-trabalho-aponta-estudo-do-dieese. Acesso em: 20 out. 2021.
Da redação. RACISMO E MERCADO DE TRABALHO: pandemia piorou desigualdades entre negros e brancos. Extra classe, Brasil, 13 nov. 2020. Disponível em: https://www.extraclasse.org.br/economia/2020/11/racismo-e-mercado-de-trabalho-pandemia-piorou-desigualdades-entre-negros-e-brancos/ Acesso em: 27 março de 2021.
FAHS, Ana C. Salvatti. Como surgiu o movimento negro?. Politize, Brasil, p. 0-0, 20 nov. 2019. Disponível em: https://www.politize.com.br/movimento-negro/. Acesso em: 20 out. 2021.
G1. Delegada negra é barrada em loja em Fortaleza, e polícia investiga suspeita de racismo. G1, Brasil, p. 0-0, 20 set. 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2021/09/20/mulher-negra-e-barrada-em-loja-de-fortaleza-e-policia-investiga-suspeita-de-racismo.ghtml. Acesso em: 28 out. 2021.
LAFER, Celson. A internacionalização dos direitos humanos: Constituição, racismo e relações internacionais Barueri, SP Editora Manole,2005 Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788520443170/cfi/104!/4/[email protected]:32.2 Acesso em: 03 de maio de 2021.
LIMA, Marcus Eugênio Oliveira. Psicologia social do preconceito e do racismo. São Paulo: Editora Edgard Blücher, 2020. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555500127/cfi/0!/4/2@100:0.00 Acesso em: 31 março 2021.
LUIZ, Gabriel; MARQUES, Marília. VÍDEO mostra quando publicitária indiciada por injúria racial dá dois tapas em cantora, no DF. G1, Brasil, p. 0-0, 28 out. 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2021/10/28/video-mostra-quando-publicitaria-indiciada-por-injuria-racial-da-dois-tapas-em-cantora-no-df.ghtml. Acesso em: 30 out. 2021.
MALIA, Ashley. Covid-19: racismo estrutural afeta acesso da população negra ao sistema de Saúde. UOL, Brasil, p. 0-0, 18 nov. 2020. Disponível em: https://atarde.uol.com.br/saude/noticias/2146570-covid19-racismo-estrutural-afeta-acesso-da-populacao-negra-ao-sistema-de-saude. Acesso em: 28 out. 2021.
Notícias CNJ. Conheça a diferença entre racismo e injúria racial. CNJ, Brasil, p. 0-0, 8 jun. 2015. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/conheca-a-diferenca-entre-racismo-e-injuria-racial/. Acesso em: 30 out. 2021.
PORFÍRIO, Francisco. Racismo. Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/racismo.htm Acesso em 17 de abril de 2021.
SILVA, Daniel Neves. Escravidão no Brasil. Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/historiab/escravidao-no-brasil.htm Acesso em 18 de abril de 2021.
bacharelanda do de Direito no Centro Universitário São Lucas Ji-Paraná – UniSL Ji-Paraná.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Eduarda Sofia Silva. A luta contra o crime de racismo para com o negro no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 nov 2021, 04:16. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57637/a-luta-contra-o-crime-de-racismo-para-com-o-negro-no-brasil. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Por: Heitor José Fidelis Almeida de Souza
Por: STJ - Superior Tribunal de Justiça BRASIL
Por: STJ - Superior Tribunal de Justiça BRASIL
Por: Conteúdo Jurídico
Precisa estar logado para fazer comentários.