RESUMO: O presente artigo tem como objetivo, evidenciar o desequilíbrio entre as partes presentes em uma relação consumerista, e assim demonstrar a vulnerabilidade no qual o consumidor se submete, ao realizar um contrato na modalidade de adesão, onde se fazem presentes inúmeras abusividades, sem a possibilidade de negociá-las, pois os fornecedores não ajustam as cláusulas contratuais. O trabalho faz uma análise a respeito dos princípios acerca do Código de defesa do Consumidor, e assim trazendo à baila os principais pilares estabelecidos sobre contratos, cláusulas abusivas e suas contradições, além da investigação sobre a competência para declarar nulo as eventuais abusividades nos contratos bancários. Realiza-se, então, uma pesquisa de finalidade básica pura, objetivo descritivo, sob o método hipotético-dedutivo, com abordagem qualitativa e realizada com procedimentos bibliográficos e documentais. Diante disso, verifica-se a importância dos princípios os quais norteiam todo o código, onde a definição de abusividade e nulidade, são nítidas, quanto a sua aplicação e interpretação, contrariando a infeliz súmula 381 do Superior Tribunal de Justiça, e desta forma constatando que as decisões tomadas não vão de encontro com o ordenamento jurídico.
PALAVRAS-CHAVE: Cláusulas Abusivas. Contratos Bancários. Proteção do Consumidor. Súmula 381 STJ. Reconhecimento de ofício.
ABSTRACT: This article is based on highlighting the imbalance between the parties present in a consumer relationship, and thus demonstrating the vulnerability in which the consumer submits, when performing a contract in the form of adhesion, where numerous abuses are present, without the possibilities to negotiate them, since the suppliers do not adjust the contractual clauses. The work carried out an analysis of the principles concerning the CDC, and thus bringing up the main pillars they established on contracts, abusive clauses and their contradictions, as well as an investigation into the competence to declare null and void any abusiveness in bank contracts. Then, a research with a pure basic purpose, descriptive objective, under the hypothetical-deductive method, with a qualitative approach and carried out with bibliographic and documentary procedures, is carried out. Therefore, it appears that the principles are present throughout the code, the definition of abusiveness and nullity, are clear, as their application and interpretation and the unhappiness of the summary 381, which imposes the finding that the decisions taken do not comply with the legal system.
KEYWORDS: Abusive Clauses. Banking Contracts. Consumer Protection. Precedent 381 STJ. Craft recognition.
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Princípios à luz do Código do Consumidor. 2.1 Princípio da vulnerabilidade. 2.2 Princípio da verossimilhança ou hipossuficiência. 2.3 Princípio da equidade. 2.4 Princípio da função social do contrato. 2.5 Princípio da transparência. 2.6 Princípio da boa-fé. 3 Realces do contratos paritários e de adesão e suas cláusulas abusivas. 3.1 Dos contratos de adesão. 3.1.1 Contrato Paritário x Contrato de adesão. 3.1.2 Interpretação do contrato de adesão. 3.2 Das cláusulas abusivas e suas sanções. 4 Competência para declarar nulidade de eventuais abusividades nos contratos bancários e suas contradições. 4.1 Posicionamento do ordenamento jurídico brasileiro a respeito do CDC e sua aplicabilidade. 4.2 Dever de reconhecimento de ofício. 4.3 Controvérsias acerca da Súmula 381 do STJ. 5 Conclusão. 6 Referências.
1 INTRODUÇÃO
Considerando o desequilíbrio entre as partes contratantes, onde idosos e analfabetos realizam contratos sem a possibilidade de negociá-las, pesquisa-se sobre a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) em cláusulas abusivas nos contratos de adesão, a fim de analisar a sua aplicabilidade em cláusulas abusivas nos contratos bancários.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2020), compilou dados sobre a taxa de analfabetismo no país, resultando em 11 milhões de pessoas que não sabem ler e escrever. Ademais, o número de idosos no Brasil chegou a 32,9 milhões e apontam como a tendência de envelhecimento da população vem se mantendo (IBGE,2019).
Ainda convém lembrar o momento o qual mundo vem atravessando, com pandemia de Covid-19, surgiu uma grande instabilidade em vários campos da sociedade, onde apurou-se que cerca de 4 milhões de domicílios brasileiros, sendo 6% das casas do país, solicitaram empréstimos (IBGE,2020).
Diante disso, devemos ressaltar que grande parte da população corresponde entre os idosos e analfabetos, os quais participam das relações de consumo, e nesse sentido, o CDC estabelece proteção contra eventuais abusividades perpetradas por fornecedores, promovendo assim o equilíbrio entre as partes integrantes da relação jurídica de consumo.
Neste sentido, podemos considerar que tais cláusulas são sempre favoráveis aos bancos e desfavoráveis aos clientes. Por isso, se faz claro a necessidade de resguardar os direitos do consumidor, pois a vulnerabilidade lhe é uma condição inerente.
Sendo pacífica a caracterização do banco ou instituição financeira como fornecedor sob a incidência do CDC através da Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), é contraditória a criação da Súmula nº 381 do mesmo tribunal, que enfraqueceu a aplicação do código sobre as operações em questão.
Portanto, indaga-se: no atual contexto social, se as cláusulas contratuais abusivas, ainda são nulas de pleno direito ou foram relativizadas pelos magistrados. Então, o objetivo geral da presente pesquisa é analisar a aplicação do Código do Consumidor em cláusulas abusivas nos contratos de adesão.
Para tanto, foram delineados os seguintes objetivos específicos: conceituar os princípios à luz do CDC; descrever os contratos de adesão, cláusulas abusivas e sua interpretação, e a competência para declarar nulas, as eventuais abusividades e suas contradições.
Parte-se da hipótese de que a declaração de nulidade de cláusula abusiva deverá respeitar o ordenamento jurídico estabelecido, analisado caso a caso, ao invés de fixar uma tese a ser seguida pelo judiciário brasileiro.
Assim, para viabilizar o teste da hipótese, realiza-se uma pesquisa de finalidade básica pura, objetivo descritivo, sob o método hipotético-dedutivo, com abordagem qualitativa e realizada com procedimentos bibliográficos e documentais.
No primeiro capítulo, são descritos os princípios indispensáveis nas relações de consumo. No capítulo seguinte, realiza-se uma listagem dos contratos de adesão, das cláusulas abusivas e sua interpretação. Por sua vez, no último capítulo, faz-se um levantamento a quem compete declarar nulas, as eventuais abusividades e suas contradições.
Ao final, conclui-se que os objetivos são atendidos e a pesquisa resta respondida com a confirmação da hipótese, fazendo-se necessário a realização de uma análise em total sincronia com o ordenamento jurídico estabelecido, ao invés de fixar uma tese a ser seguida pelo judiciário brasileiro.
2 PRINCÍPIOS À LUZ DO CÓDIGO DO CONSUMIDOR
O CDC, emprega os princípios como base para interpretação, aplicação e criação das normas jurídicas. Para Gonçalves (2017, p.37),” (...) os mais importantes são os: da autonomia da vontade, da supremacia da ordem pública, do consensualismo, da relatividade dos efeitos, da obrigatoriedade, da revisão ou onerosidade excessiva e da boa-fé”.
2.1 Princípio da vulnerabilidade
O princípio da vulnerabilidade reconhece o consumidor como a parte mais frágil na relação consumerista, de maneira que o mesmo se submete às condições impostas pelo fornecedor ao adquirir um produto ou serviço.
Destaca-se a conceituação de Tartuce, Assumpção:
De acordo com a realidade da sociedade de consumo, não há como afastar tal posição desfavorável, principalmente se forem levadas em conta as revoluções pelas quais passaram as relações jurídicas e comerciais nas últimas décadas (TARTUCE; ASSUMPÇÃO, 2016, p.41)”.
Dessa maneira, o direito do consumidor apresenta a vulnerabilidade como o seu principal sustentáculo, regendo todo o sistema consumerista sendo fundamental na proteção e promoção do equilíbrio contratual entre as partes.
Ademais, a vulnerabilidade está disposta no artigo 4º, inciso I, do CDC, que assim ostenta: “reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo”.
A respeito da desigualdade entre fornecedor e consumidor, é de grande importância salientar que o princípio da vulnerabilidade atinge a todos, sem distinções de classe social ou econômica.
Por se tratar de uma presunção absoluta, Evangelista (2009, p.14.), identifica “a existência de três aspectos acerca da vulnerabilidade, sendo eles: econômica, técnica e jurídica”.
Onde a econômica, se traduz em uma posição de superioridade, tendo em vista que a parte fornecedora possui um grande aparato financeiro, criando assim uma disparidade na relação contratual. Já a técnica, se caracteriza pela falta de conhecimento específico sobre o produto ou serviço, dessa maneira se torna suscetível a possíveis erros. Por fim, a jurídica a qual vai de encontro com a falta de conhecimento em uma determinada área específica, seja no meio jurídico ou econômico.
Nas palavras de Tartuce, Assumpção (2016, p.42.) “(..) todos os consumidores tem tal condição, decorrente de uma presunção que não admite discussão ou prova em contrário”. Portanto a vulnerabilidade alcança todos os consumidores, e o seu princípio tem a nobre função de proporcionar uma relação isonômica entre as partes contratantes.
2.2 Princípio da verossimilhança ou hipossuficiência
O art. 6º do CDC, faz referência ao princípio em questão, visando facilitar a defesa do mais vulnerável, estabelecendo a inexistência da necessidade de presença simultânea dos pressupostos.
Segundo, Art. 6° do CDC, são direitos básicos do consumidor:
VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências (...).
A verossimilhança “se traduz na alta taxa de veracidade dos fatos apresentados pelo consumidor em sua petição, conjunturas as quais seguem uma linha lógica corroboradas de início por indícios ou provas apresentadas”. (MOREIRA, 2012).
Vê se assim, a importância das circunstâncias que vão de encontro à realidade do fato alegado, cabendo ao magistrado encarregar ao fornecedor a obrigação de apresentar provas técnicas comprovando a inexistência ou a inocorrência.
No âmbito do CDC, o princípio da hipossuficiência se define pelo desprovimento de meios técnicos para fundamentar a sua prova, em suma, uma situação de inferioridade ou desvantagem na relação de consumo.
Nesse sentido Martins, apresenta que:
A hipossuficiência é um critério processual consagrado no inciso VIII do art. 6º do Código de Defesa do Consumidor, o qual busca estabelecer um paradigma para o reconhecimento de eventual desigualdade no seio do processo judicial. (MARTINS, 2017, pg 197.)
Portanto, tal princípio somente se caracteriza quando a relação consumerista for objeto de ação judicial, podendo ser apresentada de maneira fática ou técnica. Desse modo, “a hipossuficiência técnica é a situação a qual o consumidor não possui meios para alcançar a prova que é indispensável para responsabilização do fornecedor e a fática se caracteriza pela diferença socioeconômica (...) apresentada”. (MARTINS, 2017, pg.197).
2.3 Princípio da equidade
A priori, a equidade serve para adaptar a regra a uma situação específica, ela não pode ser contrária ao ordenamento expresso, devendo ir de encontro com os princípios gerais do direito, o regime político e a moral social.
Como caracteriza, Martins:
Sem a presença da equidade no ordenamento jurídico, a aplicação das leis criadas pelos legisladores e outorgadas pelo chefe do Executivo acabariam por se tornar muito rígidas; o que beneficiaria grande parte da população; mas ao mesmo tempo, prejudicaria alguns casos específicos os quais a lei não teria como alcançar. (MARTINS,2017, pg. 147.)
Nesse sentido, devido à grande utilização de cláusulas abertas e conceitos jurídicos indeterminados, se faz necessário a existência de um equilíbrio entre fornecedor e consumidor.
Na visão de Almeida:
Deve haver equilíbrio entre direitos e deveres dos contratantes, como objetivo de alcançar a justiça contratual. Por isso são proibidas as cláusulas abusivas, que poderiam proporcionar vantagens unilaterais ou exageradas para o fornecedor. (ALMEIDA,2009,147).
Como resultado dessa tentativa de equilibrar as relações de consumo o CDC, apresenta em seu art.6, inciso V, a possibilidade de alteração dos termos: “a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas”.
De maneira idêntica o art. 47 em seu escopo aduz que “as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”. Com a finalidade de garantir maior proteção ao hipossuficiente, e assim apresentando critérios para a interpretação de cláusulas ambíguas e contraditórias.
2.4 Princípio da função social do contrato
O contrato possui um papel fundamental para a preservação e convivência pacífica da humanidade, e para acompanhar tais evoluções o CDC apresentou algumas alterações visando resguardar o direito dos consumidores preservando-os de possíveis abusos e lesões. Nesse sentido, ensina Almeida:
No regime anterior ao CDC prevalecia a vontade do fornecedor sobre a do consumidor. Desse desequilíbrio em favor da parte mais forte, decorriam abusos e lesões à parte vulnerável, que por anos a fio, não dispunha de proteção legislativa adequada. Como se sabe era forçado a cumprir o contrato até o final, em razão do princípio pacta sunt servanda, não tendo base legal para pleitear revisão do contrato... (ALMEIDA,2003, pg.145)
Tartuce (2009, p. 101), afirma que “os contratos devem ser interpretados de acordo com a concepção do meio social onde estão inseridos, não trazendo onerosidade excessiva às partes contratantes garantindo a igualdade entre eles...”.
A gênese da função social do contrato, corrobora a existência de bens maiores no momento da realização de um contrato, onde a razoabilidade, equidade e o bom senso são pilares para um bom contexto social, e assim evitando o enriquecimento ilícito.
Em matéria de contratos, Almeida (2009, p.146) possui o seguinte entendimento: “o CDC antecipou no tempo aquilo que hoje está positivado, e dessa forma conferindo superioridade legislativa ao consumidor, para compensar a sua natural inferioridade econômica e contratual”, conforme o Art.421 do Código Civil, o qual se faz claro quanto aos limites no contexto privado: “A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato”.
Portanto, em razão da evolução dos princípios sociais, a função social do contrato se opõe ao individualismo e ao interesse privado, aproximando-se do interesse coletivo, analisando a relação contratual entre partes de maneira harmônica com os valores primordiais da boa-fé e da probidade.
2.5 Princípio da transparência
A transparência se faz presente em todas as esferas as quais se apresentem uma relação de consumo, nos contratos em geral a lealdade recíproca é primordial para uma relação genuína e equilibrada entre as partes contratantes.
O princípio da transparência está elencado no Art. 4º, caput do CDC, o que corrobora o sentimento de lealdade e respeito sobre o contrato a ser firmado, resultando em informações claras e de fácil compreensão ao consumidor.
A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo (...)
Segundo Marques (2014, p.783), “a transparência é clareza, é informação sobre os temas relevantes da futura relação contratual, o qual o fornecedor deve ser claro quanto às informações e características do produto ou serviço ou sobre o conteúdo do contrato”.
A defesa do consumidor obteve atenção especial em virtude do CDC, onde em seu Art. 6 º, inciso III, são definidos os seus direitos básicos, “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem”.
Explica Marques:
Como nem todos os contratos entre fornecedor e consumidor levam ao estabelecimento de relações contratuais, a transparência deve ser uma nova e necessária característica de toda manifestação pré-contratual do fornecedor no mercado, desde a sua publicidade, vitrines, o seu marketing em geral, suas práticas comerciais, aos contratos ou às condições gerais contratuais que pré-redige. (MARQUES, 2014.p.787)
Em suma, este princípio independe de qualquer circunstância, uma vez que rege do início ao fim o contrato, seja no momento pré-contratual a conclusão. Tal preceito afeta a natureza contratual devido à ausência de informação, caso não seja repassada ao consumidor, resulta na falha de qualidade do produto ou serviço oferecido.
2.6 Princípio da boa-fé
O princípio da boa-fé deve nortear a conduta das partes durante todo processo contratual, ele representa uma forma de demonstrar confiança e lealdade, devendo as partes celebrarem o contrato com boas intenções.
O nosso sistema privado, já mencionou a boa-fé em diversos códigos como disposto no artigo 131, inciso I, do Código Comercial de 1850 “a inteligência simples e adequada, que for mais conforme à boa fé, e ao verdadeiro espírito e natureza do contrato, deverá sempre prevalecer à rigorosa e restrita significação das palavras”.
Por outro lado, o Código Civil Brasileiro de 1916 em uma de suas delimitações quanto a boa-fé subjetiva, se apresenta para os contratos de seguros, assim como apresentado no art. 1.443 “o segurado e o segurador são obrigados a guardar no contrato a mais estrita boa-fé e veracidade, assim a respeito do objeto, como das circunstâncias e declarações a ele concernentes”.
Desta forma a boa-fé, não é apenas um dever secundário é um princípio basilar no direito do consumidor. Como descrito por Almeida (2009, p.147), “a boa-fé é responsável pela paz social e a harmonia entre as partes, sendo capaz de manutenção e da fluidez do mercado seja na fase pré- contratual quanto na fase de execução”.
Assim explica, Benjamin et al:
A boa-fé objetiva molda a nova teoria contratual, exigindo das partes a construção de ambiente de solidariedade, lealdade, transparência e cooperação. O contrato, embora legítimo instrumento para a circulação de riquezas e a satisfação de interesses pessoais, não deve mais ser visto sob ótica individualista (BENJAMIN et al, 2014, p.377)”.
Certamente uma das grandes novidades do CDC, foi atender as necessidades de proteção da contratação em massa, resultando na previsão da boa-fé objetiva e assim garantindo uma maior proteção contratual.
Por consequência, é possível afirmar que a boa-fé objetiva está ligada à interpretação do contrato e não a sua estrutura, o caput do art. 4º do CDC aponta como necessário a transparência e harmonia nas relações de consumo, sendo inegável a presença da boa-fé, assim como previsto no inciso III do artigo já mencionado.
Harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica, sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.
Desse modo, a boa-fé, tem um papel primordial de criar um equilíbrio na relação e assim limitar práticas abusivas, se mostrando uma mistura de função social do contrato e equilíbrio econômico.
3 REALCES DOS CONTRATOS PARITÁRIOS E DE ADESÃO E SUAS CLÁUSULAS ABUSIVAS
As relações de consumo na atualidade, sofrem uma grande influência da economia de mercado, uma vez que o processo de globalização se torna cada vez mais comum e assim produzindo novas formas de relações contratuais.
Através dessas novas interações sociais, surgem os contratos de adesão caracterizado pela contratação em massa, onde apenas a parte proponente estipula as condições do acordo, restando a outra parte apenas a opção de aderir ou não.
3.1 Dos contratos de adesão
Conforme pensamento de Gomes (2009, p.128.), “o contrato de adesão caracteriza-se por permitir que seu conteúdo seja pré-construído por uma das partes, eliminada a livre discussão que precede normalmente a formação dos contratos”.
O artigo 54 do CDC, traz previsão expressa sobre o assunto:
Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.
Em regra, os contratos de adesão possuem algumas características exclusivas, de maneira que são oferecidos ao público em um modelo padrão buscando atingir um número indeterminado de futuras relações contratuais, onde as cláusulas são pré-elaboradas unilateralmente pelo fornecedor, resultando em uma ausência de negociação, pois a parte mais forte as impõe em bloco.
Como descrito por Marques (2014.p.81), “no contrato de adesão não há liberdade contratual de definir conjuntamente os termos do contrato, podendo o consumidor somente aceitá-lo ou recusá-lo”.
Dessa forma, o fenômeno da massificação contratual, surgiu para tentar suprir as necessidades do mercado, devido a agilidade e simplicidade proporcionados, onde situações comuns do nosso dia a dia representam uma relação jurídica de consumo, porém a uniformidade, a predeterminação e a rigidez dos contratos em questão, podem resultar em abusos por parte do fornecedor.
3.1.1 Contrato Paritário x Contrato de adesão
Os contratos paritários se caracterizam principalmente pela igualdade entre as partes ao discutir sobre os termos, cláusulas e condições contratuais, essa união de dois ou mais indivíduos para um declaração de relação contratual em consenso, refletem em seu máximo o princípio da autonomia da vontade.
Por sua vez, os contratos de adesão como já expostos, se baseiam na ideia de uniformidade, predeterminação, adesão em bloco e ausência da discussão dos termos, dessa forma se cria uma assimetria entre as partes, seja por meio econômico ou informacional, caracterizando a vulnerabilidade do consumidor.
Há muito debate sobre o tema, do ponto de vista de Marques:
Mesmo existindo, na prática um desigual poder de barganha, não se deve negar o caráter contratual do contrato de adesão, pois a manutenção do vínculo, na maioria das vezes, beneficia o contratante mais fraco: devem-se, sim, criar normas e uma disciplina específica adaptada às suas características especiais e que permitam um controle efetivo da equidade contratual (MARQUES, 2014, p.82)”.
Nesse hiato, o Código Civil, a partir desse questionamento, paritária e não paritária colocou em seu art. 421-A: "Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção...".
3.1.2 Interpretação do contrato de adesão
Diversas causas concorreram para a modificação da noção de contrato, sendo o desequilíbrio um pilar para alterar a interpretação dos contratos de adesão, resultando assim em duas hipóteses as quais visam coibir cláusulas iníquas.
Nesse ínterim, o art. 423 do Código Civil (CC) prevê “quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente”, ou seja, na existência de cláusulas obscuras, deverá o juiz na dúvida agir em favor do aderente.
Simultaneamente o art. 424 preceitua que “nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio”.
Nesse aspecto, o CDC apresenta em seus artigos 46 e 47, que:
Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.
Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.
Portanto, os contratos nos moldes contemporâneos, apresentam algumas características as quais foram de suma importância para a reinterpretação, buscando uma maior proteção por partes dos aderentes.
3.2 Das cláusulas abusivas e suas sanções
As cláusulas abusivas estão presentes em contratos de diversos segmentos, nos contratos de adesão, são estabelecidas pelos fornecedores os quais ainda estão apegados à ideia de plena liberdade contratual, e assim estipulam cláusulas que excedem os limites da boa-fé e buscam uma vantagem indevida sobre os consumidores, cuja a vulnerabilidade já lhe é atribuída.
A princípio, as cláusulas abusivas são um risco para os direitos do consumidor criando assim um desequilíbrio na relação de consumo, desse modo, o CDC caracteriza que tal abusividade independe da conduta subjetiva do fornecedor, pois o código não exige a má-fé ou dolo para a sua caracterização. Como descrito por, Marques:
(...) uma aproximação objetiva, que conecta a abusividade mais com paradigmas modernos, como a boa-fé objetiva ou a figura da lesão enorme, como se seu elemento principal fosse o resultado objetivo que causa a conduta do indivíduo, o prejuízo grave sofrido objetivamente pelo consumidor, o desequilíbrio resultante da cláusula imposta, a falta de razoabilidade ou comutatividade do exigido no contrato. (MARQUES,2014, p.984)
Como narrado pelo CC, no seu art. 187: “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
Por certo a presença de abusividade na massificação dos contratos é algo moderno, devido a mudança de valores e dos interesses protegidos pelos direito. Essa questão é algo essencial para o entendimento da existência de um rol de caráter exemplificativo, previsto no art.51 do CDC: “São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços (...)”, e assim a expressão “entre outras” não deixa qualquer dúvida quanto a sua abertura.
Ainda nesse caminho, os incisos IV e XV, proíbem que “estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade” e “estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor”, reforçam o caráter exemplificativo.
Quanto às sanções o CDC, é claro em seu art. 51, caput, e define as cláusulas abusivas como nulas de pleno direito, entretanto a anulação de uma cláusula não anula o seu contrato, exceto em situações as quais decorrer um ônus excessivo, conforme demonstra o § 2º: “A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes”.
Desse modo, descrevem os autores, Benjamin et al:
A nulidade de pleno direito é a sanção específica para as cláusulas abusivas. Em homenagem ao princípio da conservação do contrato, expresso no § 2º do art. 51, o primeiro esforço do juiz deve ser no sentido de afastar unicamente a cláusula abusiva, mantendo-se os efeitos jurídicos das demais disposições contratuais (BENJAMIN et al, 2014, p.393)”.
Portanto, as sanções para evitar tais práticas se traduzem na ineficácia das cláusulas, de maneira que seja possível preservar o contrato de maneira equilibrada, podendo o juiz a reconhecê-las nulas de ofício, mesmo nos casos em que a parte interessada não as tenha identificado.
4 COMPETÊNCIA PARA DECLARAR NULIDADE DE EVENTUAIS ABUSIVIDADES NOS CONTRATOS BANCÁRIOS E SUAS CONTRADIÇÕES
As relações de natureza bancária, tem como principal meio de anuência o aceite através de contratos de adesão, de maneira que o Estado deve fiscalizar e regulamentar essa relação, e por intermédio do CDC é realizado toda a especificação quanto os termos para elaboração do contrato. Entretanto a decisão de anular essas abusividades, gerou inúmeras interpretações onde enfraqueceram a aplicação do código em detrimento do direito do cidadão brasileiro.
4.1 Posicionamento do ordenamento jurídico brasileiro a respeito do CDC e sua aplicabilidade
Em princípio, salienta-se a presença de debates a respeito da proteção do consumidor no cenário internacional desde de 1985, quando a Organização das Nações Unidas definiu a importância da proteção dos direitos abraçados pelo nosso Código consumerista.
Dessa maneira, após estabelecidas as diretrizes, cabe aos países adotarem a melhor forma de introduzi-las em sua sociedade, sendo feita no Brasil “(...) através de sua origem constitucional, que poderíamos chamar de introdução sistemática, através do sistema de valores (e direitos fundamentais) que a Constituição Federal de 1988 impôs (...) (BENJAMIN et al 2014, p.34).
Sob a mesma ótica, é necessário trazer à baila o Título II, Capítulo I da Constituição Federal (CF), conteúdo responsável por tratar dos direitos e garantias fundamentais e dos deveres individuais e coletivos.
Nesse sentido o art. 5º, inciso XXXII, define que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”, tal preocupação se faz necessário devido ao desequilíbrio entre as partes. Ainda na Carta Magna, em seu art. 170, V, é possível verificar a importância do equilíbrio do princípio geral da atividade econômica, ou seja, a defesa do sujeito de direitos. Além disso, o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias sabiamente em seu art. 48, corroborou a ideia de proteção da parte vulnerável e assim ordenou “o Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor”.
Conforme ensinamento de Benjamin et al:
O ordenamento jurídico brasileiro é um sistema, um sistema ordenado de direito positivo. Sob esta ótica sistemática, o direito do consumidor é um reflexo do direito constitucional de proteção afirmativa dos consumidores(...) (BENJAMIN et al, 2014.p.35)”.
Desse modo, o disposto estabelece a importância do princípio da defesa do consumidor, sendo estabelecido em seus dispositivos a predisposição constitucional para a proteção da parte mais fraca.
Conforme visto anteriormente o CDC bem como os seus princípios e regras têm incidência de aplicação sobre as relações bancárias, nesse sentido, o Art. 2° é cristalino quanto a caracterização do consumidor, podendo ele ser pessoa física ou jurídica, adquirindo ou utilizando um produto ou serviço como destinatário final, sob o mesmo ponto de vista o Art. 3° § 2°, define serviço como qualquer atividade fornecida no mercado em troca de remuneração, ainda que seja de natureza bancária ou crediária, como demonstrado no Acordão inframencionado.
APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CONEXÃO ENTRE AÇÃO REVISIONAL E AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO CONVERTIDA EM AÇÃO DE EXECUÇÃO. NULIDADE DA SENTENÇA POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. NULIDADE DA SENTENÇA EM RAZÃO DO CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA. PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL. CARÊNCIA DE AÇÃO DA CREDORA. NULIDADE DA CITAÇÃO POR EDITAL. REALIZAÇÃO DE VÁRIAS DILIGÊNCIAS. ESGOTAMENTO. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL DOTADO DE LIQUIDEZ. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. POSSIBILIDADE. DIVERGÊNCIA NA TAXA DE JUROS CONTRATADA. INOCORRÊNCIA. TARIFA DE CADASTRO. LEGALIDADE. AFASTAMENTO DOS EFEITOS DA MORA. COBRANÇA DE COMISSÃO DE PERMANÊNCIA COM OUTROS ENCARGOS MORATÓRIOS. (...) 7. Incide no caso o sistema jurídico autônomo instituído pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/1990), eis que se encontram presentes todos os elementos da relação jurídica de consumo (art. 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor): o consumidor apelante como destinatário final econômico e fático do serviço/produto (prestação de serviços e fornecimento de crédito) fornecido pela instituição financeira apelada no mercado de consumo. Destaque-se entendimento sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras" (Enunciado n. 297). (...)
(TJDFT, Acordão nº 1178164 - 1º Turma cível, Rel. HECTOR ALVES: J:05/06/2019)
Analogamente a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça nos autos do: AgRg no Recurso especial REsp nº 1135068 RS 2009/0068334-6, representa a consolidação da aplicabilidade do CDC nas relações bancárias no cenário jurídico brasileiro.
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. NÃO OCORRÊNCIA. COOPERATIVA DE CRÉDITO. EQUIPARAÇÃO ÀS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. APLICAÇÃO DO CDC. SÚMULA N. 297/STJ. DECISÃO MANTIDA. 1. Inexiste afronta ao art. 535 do CPC quando o acórdão recorrido analisou todas as questões pertinentes para a solução da lide. 2. Aplicam-se as disposições do Código de Defesa do Consumidor às cooperativas de crédito equiparadas às instituições financeiras, nos termos da Súmula n. 297/STJ. Precedentes. 3. Estando o acórdão recorrido em consonância com a jurisprudência desta Corte, é inafastável a incidência da Súmula n. 83/STJ. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ, recurso especial nº 1135068 RS 2009/0068334-6.Decisão Monocrática, Rel. Ministro Antônio Carlos Ferreira: 05/08/2014).
Nitidamente a súmula 297 do STJ, veio convalidar a força do CDC perante as instituições financeiras, bem como representa o seu enunciado: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".
A respeito do tema, Cavalieri ensina que:
Tão amplo é o campo de aplicação do Código do Consumidor que hoje todo operador do direito, principalmente o magistrado, antes de decidir qualquer questão terá que verificar se está ou não em face de uma relação de consumo. (CAVALIERI, 2019.pg. 16.)
Em suma, é de se ver a importância desse instrumento normativo, sendo um grande passo para a proteção do sujeito de direito, criando assim um equilíbrio na atividade econômica, e assim buscando uma sociedade justa.
4.2 Dever de reconhecimento de ofício
De acordo com o exposto, o reconhecimento da abusividade das cláusulas inseridas nos contratos de adesão podem e devem ser reconhecidas de ofício pelo magistrado, independente da formulação do pedido na ação ajuizada pelo consumidor. Nesse contexto, é evidente que ao atingir tais pilares do direito, os contratos de adesão podem sofrer alterações como previstos no rol exemplificativo do art. 51 do CDC, onde a sua sanção é a nulidade absoluta.
No dizer de Benjamin, et al:
As normas de proteção ao consumidor da Lei 8.078/1990 são de “ordem pública e interesse social” (art. 1º.do CDC). A sanção específica para as cláusulas abusivas é a “nulidade de pleno direito” (art.51, caput) ou “nulidade absoluta”, utilizando-se da terminologia do Código Civil (arts. 166 a 170) (BENJAMIN et al, 2014, p.392)”.
Da mesma forma, a nulidade expressa no artigo supracitado, vai de encontro com a previsão legal do CC, onde se apresenta a possibilidade do juiz reconhecer de ofício a nulidade, ou por provocação do interessado, conforme o parágrafo único do art. 168.
Para, Tartuce (2017, p.266), “o juiz deve fazer uso das máximas de experiência e princípios gerais consumeristas para suprir e corrigir o contrato (...) a revisão do negócio e a sua imposição para a outra parte acabam por funcionar como punição(...)”
Portanto, o CDC tem aplicação sobre as instituições financeiras, onde os contratos bancários figuram como componentes de ações, devido às suas inúmeras abusividades, as quais atingem diretamente os princípios básicos do consumidor, como os princípios da equidade, boa-fé e transparência.
4.3 Controvérsias acerca da Súmula 381 do STJ
A decisão proferida pela excelentíssima 3º turma do STJ, nos autos do AgRg no Recurso especial nº 919.189, entendeu que não é possível ao julgador reconhecer a abusividade de ofício. Conforme Acórdão infracitado:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO BANCÁRIO. MÚTUO. ALIENAÇAO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. AÇAO REVISIONAL. DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO. VEDAÇAO. SÚMULA 381 DO STJ. CLÁUSULAS CONTRATUAIS. CAPITALIZAÇAO MENSAL DE JUROS. AUSÊNCIA DE EXPRESSA PACTUAÇAO. ABUSIVIDADE CARACTERIZADA. MORA AFASTADA. 1. Conforme jurisprudência assente desta Corte, não é possível a revisão, de ofício, de cláusulas contratuais consideradas abusivas (Súmula 381/STJ). 2. Somente é cabível a capitalização dos juros em periodicidade mensal para os contratos celebrados a partir de 31 de março de 2000, data da primitiva publicação da MP 2.170-36/2001, desde que expressamente pactuada. 3. Consoante entendimento pacificado da Segunda Seção, a cobrança de encargos indevidos importa na descaracterização da mora (Eresp 163.884/RS). 4. AGRAVO REGIMENTAL PARCIALMENTE PROVIDO. (STJ, Agravo regimental no recurso especial nº 919189 RS 2007/0013895-9, 3º turma. Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino: 16/03/2011).
A publicação da Súmula 381, leciona que “nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas”, assim não admitindo mais debates sobre a possibilidade de declaração de nulidade de ofício.
Desse modo, o art. 543-C do Código de Processo Civil (CPC), o qual orienta sobre a “multiplicidade de recurso com fundamentos idênticos”, foi utilizado com referência para a sua fundamentação, sendo citados alguns precedentes para corroborar tal decisão, dentre eles está o RESP 1061530-RS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULAS DE CONTRATO BANCÁRIO. INCIDENTE DE PROCESSO REPETITIVO. JUROS REMUNERATÓRIOS. CONFIGURAÇÃO DA MORA. JUROS MORATÓRIOS. INSCRIÇÃO/MANUTENÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO. DELIMITAÇÃO DO JULGAMENTO Constatada a multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, foi instaurado o incidente de processo repetitivo referente aos contratos bancários subordinados ao Código de Defesa do Consumidor, nos termos da ADI n.º 2.591-1. Exceto: cédulas de crédito rural, industrial, bancária e comercial; contratos celebrados por cooperativas de crédito; contratos regidos pelo Sistema Financeiro de Habitação, bem como os de crédito consignado. Para os efeitos do § 7º do art. 543-C do CPC, a questão de direito idêntica, além de estar selecionada na decisão que instaurou o incidente de processo repetitivo, deve ter sido expressamente debatida no acórdão recorrido e nas razões do recurso especial, preenchendo todos os requisitos de admissibilidade. (STJ, Recurso especial nº 1061530 RS 2008/0119992-4, S2- segunda seção. Rel. Ministra Nancy Andrighi: 22/10/2008).
Ademais, o recurso especial: REsp nº 541153 RS, corroborou a posição contra o reconhecimento por parte do juiz, afirmando que tal ato afetaria o princípio “tantum devolutum quantum appelattum”, previsto no art. 515 do mesmo Codex.
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL. DESCARACTERIZAÇÃO. EXAME DE OFÍCIO. JUROS REMUNERATÓRIOS. CAPITALIZAÇÃO MENSAL. - Descaracterização do contrato. Incidência do verbete n. 293 da Súmula/STJ. - Exame de ofício de cláusulas contratuais pelo Tribunal de origem. Impossibilidade, por ofensa ao art. 515 do CPC. Princípio "tantum devolutum quantum appellatum." Precedentes. (...) (STJ, Recurso especial nº 541153 RS 2003/0073220-8, S2- segunda seção. Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha: 08/06/2005).
Sob o mesmo ponto de vista, os argumentos de que a revisão de ofício dessas abusividades seriam ultra petita, pois o magistrado passaria dos limites em que a lide foi proposta, conforme previsto no art. 141 do CPC.
A respeito do tema, Tartuce (2016, p.266) demonstra seu descontentamento ao conceituar “infeliz súmula 381 do STJ, (...) tal ementa representa uma séria afronta à proteção dos direitos dos consumidores e aos preceitos gerais de direito, devendo ser imediatamente cancelada por aquele tribunal”.
É nítido que o fato transita no campo consumerista, sendo a pauta discutida a respeito do art.51 do CDC, entretanto, as decisões foram fundamentadas em artigos de ordem meramente processual.
Portanto se faz necessária a revisão ou cancelamento da mesma, pois o CDC é uma norma de ordem pública, e por tal fato, a qual visa direta e essencialmente tutelar os interesses da coletividade.
5 CONCLUSÃO
O desenvolvimento do presente artigo possibilitou uma análise do desequilíbrio entre as partes contratantes, derivada da inúmera crescente dos contratos bancários na modalidade de adesão. O tema aventado se insere em um panorama dinâmico, onde as relações contratuais em curso na atualidade, se alteram conforme a globalização e os valores sociais, facilitando a existência de cláusulas abusivas.
A partir da discussão apresentada, entende-se que o Código de Defesa do Consumidor, apresenta predisposição constitucional, visando a ordem pública e o interesse social, assim, constata-se como fundamental a aplicação do mesmo nas cláusulas abusivas nos contratos de adesão, cabendo ao Estado intervir nas relações de consumo.
Diante disso, a pesquisa teve como base inicial elencar os princípios essenciais que norteiam a proteção da figura do consumidor, conforme previsões legais perante aos contratos e abusividades descritas durante a relação de consumo, sendo pacífico a nulidade como sanção, e assim confirmando a hipótese de que a declaração de nulidade de cláusula abusiva deverá respeitar o ordenamento jurídico estabelecido, ao invés de fixar uma tese a ser seguida pelo Judiciário brasileiro.
Em consonância com os princípios elencados em nossa revisão de literatura e de fontes documentais, percebe-se um potencial para o desenvolvimento sobre o real impacto nos direitos básicos de todos os consumidores, após a publicação da súmula supracitada.
Portanto, como já esmiuçado no capítulo de análise bibliográfica, torna-se necessário a superação da súmula 381 do STJ, em virtude da contrariedade dos princípios e normas constitucionais de proteção ao consumidor, com o intuito de que seja produzido uma decisão justa por parte do magistrado, nos preceitos da Constituição Federal e do código consumerista, e não baseados em códigos processuais.
6 REFERÊNCIAS
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BENJAMIN, Antônio Herman V; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor: 6º Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,2014.
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______. Lei n.556, de 25 de junho de 1850. Código Comercial. Disponível em: <Http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim556.htm>. Acesso em: 02/11/2021.
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Graduando do Curso de Direito pelo Centro Universitário FAMETRO
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALFAIA, Eduardo Dantas. Aplicação do Código do Consumidor em cláusulas abusivas nos contratos de adesão bancários Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 nov 2021, 04:04. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57645/aplicao-do-cdigo-do-consumidor-em-clusulas-abusivas-nos-contratos-de-adeso-bancrios. Acesso em: 23 dez 2024.
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