RESUMO: A alimentação é um fator indispensável para a manutenção da vida de qualquer ser humano. Devido a essa importância, o direito da família é um dos ramos do direito que se dedica a proteger as garantias de todos à alimentação, a luz do princípio da dignidade da pessoa humana. No caso das crianças e adolescentes, quando os pais, por motivo de força maior, não podem prover o sustento de seus filhos, o direito em seu caráter legal, destina essa responsabilidade aos avós, caracterizando a obrigação avoenga. Nessa perspectiva, este artigo tem como objetivo geral analisar a obrigatoriedade da provisão de alimentos aos menores de idade pelos avós na ausência dos pais, mediante a obrigação avoenga. Este estudo foi desenvolvido através de uma pesquisa bibliográfica em artigos, doutrinas, jurisprudência e a legislação brasileira. Através da análise qualitativa desses materiais buscou-se dados que pudessem subsidiar as discussões levantadas neste artigo. Em relação a obrigação avoenga, verificou-se que esta se trata da responsabilização judicial dos avós em suprir o sustento de seus netos na falta dos pais por motivos de força maior. No entanto, as pesquisas e as legislações investigadas demonstraram que a obrigação avoenga não é automática, e só ocorre na comprovação total da incapacidade dos pais em prover o sustento de seus filhos. Assim, considera-se necessários mais pesquisas que possam explorar de modo mais amplo todos os campos da discussão sobre a obrigação avoenga.
PALAVRAS-CHAVE: Obrigação Avoenga. Direito da criança e do adolescente. Dignidade da pessoa humana. Direito da família.
ABSTRACT: Food is an indispensable factor for the maintenance of life for any human being. Due to this importance, family law is one of the branches of law that is dedicated to protecting everyone's food guarantees, in light of the principle of human dignity. In the case of children and adolescents, when parents due to force majeure cannot provide for their children, the right, in its legal nature, assigns this responsibility to the grandparents, characterizing the grandmother's obligation. From this perspective, this article aims to analyze the obligation to provide food for minors by grandparents in the absence of parents, through the grandmother's obligation. This study was developed through a bibliographical research in articles, doctrines, jurisprudence and Brazilian legislation. Through the qualitative analysis of these materials, data that could support the discussions raised in this article were sought. In relation to the ancestor's obligation, it was found that this is the judicial responsibility of grandparents to provide for their grandchildren in the absence of their parents for reasons of force majeure. However, the researches and the investigated legislations demonstrated that the ancestor's obligation is not automatic, and it only occurs in the total proof of the parents' incapacity to provide for their children. Thus, it is considered necessary more research that can explore more broadly all fields of discussion on the obligation of a grandparent.
KEYWORDS: Obligation Avoenga. Rights of children and adolescents. Dignity of human person. Family law.
SUMÁRIO: Introdução – 1 DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR: 1.1 Característica Gerais; 1.2 O Dever do Sustento; 1.3 Sujeitos da obrigação alimentar; 2 DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR DOS AVÓS: 2.1 Características Gerais; 2.2 Fundamentos Constitucionais; 2.3 Da Natureza Jurídica: 3 POSICIONAMENTO DO STJ SOBRE OS ALIMENTOS AVOENGOS. Conclusão. Referências.
Os alimentos são indispensáveis para a manutenção da vida de qualquer ser humano. Devido a essa importância, o direito da família é um dos ramos do direito que se dedica a proteger as garantias de todos à alimentação. O Código Civil Brasileiro define alimentos em seu art. 1.920, quando trata de legado: “O legado de alimentos abrange o sustento, a cura, o vestuário e a casa, enquanto o legatário viver, além da educação, se ele for menor”.
Em seu artigo 1.694 do mesmo Código, podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitam para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.
O artigo pontua, notoriamente, que os alimentos se destinam a resguardar aos alimentandos a fruição de recursos que o permitam viver de modo compatível com sua condição social, inclusive para custear a formação educacional, o que confirma o conceito amplo da expressão alimentos, envolvendo todo e qualquer bem necessário à preservação da dignidade humana.
Assim, mediante as questões apresentadas, este artigo tem como problema central a seguinte questão: Quais são as problemáticas jurídicas que envolvem a obrigação dos avós na prestação de alimentos aos netos?
Para responder essa questão, este artigo teve como objetivo geral analisar a obrigatoriedade da provisão de alimentos aos menores de idade pelos avós na ausência dos pais. Os objetivos específicos concentraram-se em verificar os sujeitos na obrigação alimentar; levantar as hipóteses legais da obrigação avoenga; e, analisar as condições objetivas da obrigação alimentar.
Considera-se essa temática relevante tanto para a área acadêmica quanto para a sociedade, visto que conforme previsto na Carta Magna, em seu Artigo 229, incumbe aos pais prestar alimentos aos filhos menores, e, portanto, na falta dos mesmos, tem-se um problema social. Além disso, na área acadêmica faltam ainda, mais pesquisas que discutam as problemáticas que envolvem o dever dos alimentos aos menores de idade, especialmente sobre a obrigação avoenga, sendo necessário mais discussões sobre a existência do binômio necessidade e possibilidade do alimentando nos termos do artigo 1.694, §1º do Código Civil.
Este estudo foi desenvolvido através de uma pesquisa bibliográfica em artigos, doutrinas, jurisprudência e a legislação brasileira. Através da análise qualitativa desses materiais buscou-se dados que pudessem subsidiar as discussões levantadas aqui. A busca de materiais ocorreu por meio da consulta em sites acadêmicos e em sites de notícias e materiais jurídicos, utilizando os descritores: “Alimentação”; “Responsabilidade jurídica da alimentação”; “Obrigação avoenga”; “Direito das crianças e adolescentes”.
Nessa perspectiva, este artigo discutirá nas seções seguintes as problemáticas que envolvem a obrigação avoenga na ausência dos responsáveis das crianças e adolescentes, no âmbito das possibilidades que o Direito da Família garante aos mesmos para a subsistência e manutenção de sua vida.
A alimentação é um dos fatores mais importantes para a manutenção da vida. Sem esta, as pessoas são incapazes de se desenvolver e de realizar atividades básicas do cotidiano. Quando as pessoas são adultas e, por qualquer motivo passe por perdas de renda impossibilitando o seu sustento, estas, por serem adultas possuem mecanismos de buscar a provisão de seus alimentos por conta própria (HERKENHOFF; NETO, 2021).
No entanto, quando nos referimos essa mesma situação às crianças e adolescentes, estas são consideradas incapazes pela legislação brasileira, pois como são menores de idade, não possuem meios de prover o seu sustento por conta própria. Nesse caso, as legislações versam sobre essa questão a fim de garantir as crianças e adolescentes o seu sustento por meio de outros indivíduos, como será discutido nas seções seguintes deste artigo.
Diversas vezes as pessoas não detêm recursos suficientes para a sua sobrevivência, o motivo pode ser em decorrência da idade, incapacidade civil, adversidades atinentes à saúde, má qualificação no mercado de labor, a circunstância de ser impedido ou não exercer nenhum trabalho, entre outros. O legislador designou a determinados indivíduos a responsabilidade de oferecerem tal auxílio por intermédio da obrigação alimentar (CRUZ; KURANAKA, 2018).
Consequentemente, o instituto dos alimentos visa dar um auxílio material a quem não possui instrumentos para arcar com a própria subsistência, e as normas que o regulam são normas de direito público, inderrogáveis por acordo entre os particulares e determinadas através de agressiva sanção, como por exemplo, a sanção de prisão por dívida alimentar (COSTA; ROCHA, 2017).
O conjunto dos alimentos compreende toda a prestação imprescindível para auxiliar o alimentando na conservação da sua circunstância de vida. Segundo Morais (2020), não se restringe ao que é imprescindível à subsistência, todavia abrange ainda o que é necessário a fim de que o indivíduo alimentando conserve o seu padrão de vida prévio à condição excepcional que sucedeu a imprescindibilidade de receber alimentos. No que concerne à razão jurídica, a obrigação alimentar pode possuir distintas origens: cometimento de ato ilícito, determinado contratualmente, determinado por testamento, ou legítimos, ou seja, advindo de responsabilidade familiar (SOUZA et al., 2018).
Os alimentos advindos do relacionamento familiar são ainda intitulados como alimentos legítimos, uma vez que são devidos em decorrência de responsabilidade legal. Eles possuem como fonte de prestação os vínculos de parentalidade que unem os indivíduos que formam a família, é o que se verifica no art. 1.694 do Código Civil de 2002. Nesse contexto, os alimentos possuem uma efetiva natureza instrumental de incentivar a existência digna de quem não tem como arcar com a sua própria subsistência, convertendo-se em uma garantia fundamental (FERREIRA, 2019).
É considerável verificar que não assemelha uma vida digna em uma pessoa carente do mínimo fundamental para a sua sobrevivência, que não se chegará a uma população justa e bem estabelecida sem que se desempenhe o preceito da solidariedade entre as pessoas. Assim sendo, o legislador, em nome do Poder Público, determinou que aquele que em necessidade se localizar, poderá requerer prestações com natureza de alimentos em decorrência dos que ao seu redor se localizem, na procura da sua sobrevivência (DUFNER, 2017).
Os alimentos são prestações para realização das imprescindibilidades vitais de quem não pode provê-las por si. Esse conceito deve ser compreendido e reputado da maneira mais ampla possível, todavia compreende não apenas o imprescindível da sobrevivência de quem requer, como também oportunizar habitação, instrução educacional, medicamentos, vestimentas, cultura, lazer, entre outros. A prestação oferecida a um indivíduo, em espécie ou em dinheiro, a fim de que se possa atingir as necessidades de subsistência e, em se tratando de criança, compreende o que for necessário para sua instrução (CRUZ; KURANAKA, 2018).
Nessa perspectiva, compreende-se por alimentos como aquilo que se realiza, em tudo, substancial a uma vida com dignidade, de modo a exceder qualquer compreensão que reduza sua abrangência ou amplitude, posto ser de incontestável relevância para o desenvolvimento saudável e digno de qualquer indivíduo (HERKENHOFF; DE CARVALHO NETO, 2021).
A fim de que sejam separados os polos da relação, há que se investigar quem possui condições de efetivar a obrigação e quem possui a imprescindibilidade e impossibilidade sobre os alimentos. No estabelecimento dos sujeitos ativo e passivo da relação, cumpre apontar os indivíduos que têm possivelmente essa situação, compreendido que quem pode ser credor também pode ser devedor, segundo as hipóteses, em decorrência da reciprocidade que qualifica o instituto (PATRÍCIO, 2020).
Deste modo, os alimentos devidos podem ser obrigados de forma recíproca, entre pais e filhos. Segue-se pelos ascendentes, sendo estes avós, bisavós e assim sucessivamente. Não havendo estes, ficará sob responsabilidade descendentes, sendo estes os filhos, netos e demais. Sucessivamente, localizam-se os irmãos, germanos ou unilaterais. Por conseguinte, podendo os colaterais de no máximo quarto grau, como por exemplo os tios, primos e sobrinhos (MORAIS, 2020).
Existe também uma reciprocidade na obrigação de sustento, sendo manifestada em alimentos entre cônjuges, quando um careça de o outro para seu sustento. Todavia, este dever vincula-se ao casamento, uma vez que não são parentes. O cônjuge não se localiza nessa ordem sucessiva pois deve alimentos em situações excepcionais. Comumente seria despropósito considerar na obrigação de alimentos entre cônjuges, eis que, na constância do matrimônio, possuem o dever de se auxiliarem mutuamente, cada qual devendo concorrer para os gastos do casal (COSME, 2019).
Caracterizando a incapacidade dos pais em suprir o sustento de seus filhos de modo legal, essa responsabilidade é estendida aos avós na forma da lei. No entanto, existem características e fundamentos jurídicos peculiares desta obrigação que devem ser observadas para a efetiva execução, no qual serão abordados nos tópicos seguintes.
A responsabilidade alimentar deve incidir como preferência entre os pais e seus filhos, todavia, na impossibilidade ou ausência destes, é possível que a obrigação seja transportada para o parente mais próximo em grau, podendo o oferecimento de alimentos incidir em decorrência dos avós no que concerne aos seus netos, ou inclusive, dos netos no que concerne aos avós, sendo assegurado, portanto, a reciprocidade na obrigação alimentar (NABETA, 2016). Deste modo, há reciprocidade porque quem oferece alimentos também possui direito a recebê-los se vier a deles carecer, trocando-se a ordem dos sujeitos da relação jurídica alimentar.
Na perspectiva de Cosme (2019), a obrigação alimentar:
É estabelecida entre pais e filhos, cabendo a ambos os genitores a obrigação do sustento dos mesmos. Contudo, os alimentos são extensivos a todos os ascendentes, recaindo a obrigação entres parentes de grau mais próximo, excluindo-se os mais remotos. Portanto, caberá aos genitores o sustento de sua prole, porém, quando houver impossibilidade de prestá-los, caberá aos avós de forma subsidiária ou complementar prestar os alimentos, quando aqueles não tiverem condições de oferecê-los (COSME, 2019, p. 29).
São devedores potenciais de alimentos, mutuamente, os ascendentes, os descendentes e os irmãos. Esta é a ordem de classe de parentesco, que deve ser verificada. Em cada classe, os parentes de grau mais próximo preferem aos de grau mais distante (COSTA; ROCHA, 2017). ou seja, a extensão da obrigação pode atingir outros membros da família na falta até mesmo dos avós.
Nesta oportunidade, para estabelecimento da obrigação alimentar dos avós, o Código Civil adotou uma ordem de vocação hereditária entre os parentes, sendo que os de grau mais próximo afastam os de grau mais remoto, oportunizando todos para realização das imprescindibilidades do alimentando. Isto posto, os avós são introduzidos na lista, obrigados a prover os alimentos aos netos quando os pais forem impossibilitados financeiramente, falecidos ou ausentes (SOUZA et al., 2018).
Quando uma pessoa não pode prover as suas necessidades vitais, seja por pouca idade, incapacidade, dentre outras situações, o direito à alimentação deve ser aplicado de alguma forma a garantir seu sustento. Um dos casos de incapacidade de se auto sustentar, é a situação das crianças, que dependem dos responsáveis para tal. Nesse caso, recai sobre os pais o dever de assisti-lo, criá-lo e educá-lo, independentemente de sua condição financeira (FARIAS, 2013).
Assim, quando os pais por motivo de força maior não podem suprir essa necessidade, o direito em seu caráter legal, destina essa responsabilidade aos avós, caracterizando a obrigação avoenga. Segundo Costa (2011), o dever avoengo se caracteriza então pela responsabilização dos avós, na ausência dos pais, em custear a alimentação dos netos menores de idade.
Nesse sentido, a obrigação dos avós deve limitar-se aos alimentos naturais, entretanto, ela expõe que a jurisprudência ainda não faz essa distinção, o que sobrecarregaria os avós, transferindo-lhes a obrigação dos pais de forma ilegal, injusta e desumana (COSTA, 2011). Essa questão é matéria de discussão para os tópicos seguintes.
A Magna Carta, em seu art. 229, assegura que os pais possuem a responsabilidade de educar, criar e assistir os filhos menores, e os filhos maiores possuem a obrigação de auxiliar e amparar os pais, sendo que na ausência destes, o dever incide sobre os avós, ou sobre os netos, ou também, aos parentes mais próximos. Como efeito, reconhece-se que o dever alimentar apenas será passado aos avós quando os pais não realizarem as imprescindibilidades do alimentando (FERREIRA, 2019).
É conveniente ressaltar que a obrigação avoenga no oferecimento dos alimentos obedecerá aos mesmos critérios determinados no dever alimentar dos pais, sendo eles, a imprescindibilidade do alimentado, quando este não possui condições de realizar o seu próprio sustento; a hipótese do alimentante de arcar com o dever sem atingir sua própria subsistência e a proporcionalidade entre as imprescindibilidades de quem demanda e as circunstâncias financeiras do indivíduo obrigado a oferecer os alimentos, existindo, deste modo, uma harmonia entre os binômios, a fim de que nenhum dos sujeitos seja lesado (DUFNER, 2017).
Além dos critérios exigidos, o alimentado possui garantia à convivência familiar e à proteção, isto é, detém a garantia de usufruir da companhia dos avós e demais parentes, os quais são responsáveis ligados com a coletividade e o Poder Público em protegê-los contra toda espécie de opressão, violência, exploração e negligência, segundo estabelece o art. 227 da Constituição Federal (CRUZ; KURANAKA, 2018).
A responsabilidade dos avós no que concerne aos netos advém do parentesco, e, por este motivo, somente em circunstâncias especiais é possível a determinação de alimentos que serão pagos pelos avós aos netos, contanto que se apresente que a quantia a título de pensão alimentícia não lesionará a sua própria subsistência. A obrigação alimentar avoenga advém da solidariedade familiar, sendo atribuída de particularidades, tais como, a impenhorabilidade, a irrenunciabilidade, a reciprocidade, a condicionalidade, a divisibilidade, a periodicidade e transmissibilidade (HERKENHOFF; DE CARVALHO NETO, 2021).
A obrigação avoenga justifica-se na designação da responsabilidade de solidariedade familiar, bem como na obediência à garantia fundamental de tutela ao menor, que constatam o preceito da dignidade da pessoa humana. A compreensão de alimentos para o direito é bastante superior à definição do termo “alimentos”. No ordenamento jurídico, esta expressão serve como uma obrigação ampla de tutela, sendo cada vez mais abrangente, havendo atualmente uma definição de alimentos naturais e civis que compreendem educação, habitação, saúde, vestuário, alimentação, bem como a conservação da qualidade de vida (PATRÍCIO, 2020).
Os alimentos são devidos por esse vínculo de parentesco independentemente do estado pessoal ou da relação de convivência entre os parentes. Por essa razão, caso alguém não possua condições de viver dignamente, será determinado aos seus parentes a responsabilidade de garantir o seu sustento. Com fundamento no art. 1.696 do Código Civil, a obrigação de oferecer alimentos é recíproca entre os parentes, todavia incide no grau mais próximo (MORAIS, 2020).
Sobre a natureza jurídica da obrigação avoenga, Dias (2010) comenta que
Tanto os pais e avós devem alimentos a filhos e netos, quanto netos e filhos tem obrigação como os ascendentes. Entre os ascendentes o ônus recai sobre os mais próximos. Os primeiros obrigados a prestar pensão são os pais, que devem ser acionados antes dos avós e estes, antes das bisavós (DIAS, 2010, p. 89)
Portanto, é possível reconhecer na doutrina e jurisprudência brasileira a propensão pela procura pela responsabilidade subsidiária dos avós, considerando que prepondera a inteligência conforme a qual é responsabilidade direta dos pais o oferecimento de alimentos aos filhos (MORAIS, 2020).
De acordo com Cosme (2019) para os que compreendem a subsidiariedade, os pais são obrigados aos alimentos, ressalvado se não possuírem condições de oferecer a pensão, de forma que, somente assim, poderá se demandar do restante da cadeia parental. Refletindo deste modo, apenas é possível recorrer aos ascendentes em segunda linha depois de finalizados todos os instrumentos de garantia dos genitores.
A procura pela realização da dignidade humana mencionada no art. 1º da Magna Carta, oportuniza o alcance das relações biológicas e afetivas, uma que existe um comprometimento recíproco independentemente dos vínculos sanguíneos. Os artigos 1.697 e 1.698 do Código Civil ampliam a responsabilidade de oferecer alimentos a todos os parentes, entretanto, apenas depois de finalizados os recursos aos ascendentes é que se deve buscar os ulteriores (NABETA, 2016).
Assim como na doutrina, ao investigar o caráter processual do instituto de introdução de potenciais alimentantes à obrigação alimentar, o Superior Tribunal de Justiça também se apropriou de algumas particularidades atinentes a esta espécie de obrigação (COSTA; ROCHA, 2017).
O Exmo. Sr. Ministro Marco Buzzi, no Agravo Regimental no Recurso Especial n° 1.389.845 - PR (2013/0210976-4), esclarece esta inteligência, valendo-se dos ensinamentos de Carlos Roberto Gonçalves:
Como se vê, o Tribunal de origem, após a apreciação do acervo probatório acostado aos autos, consignou que restou demonstrada a tentativa de execução do genitor, porém sem sucesso, em razão da impossibilidade de adimplemento da dívida alimentar pelo pai, fato este que legitima os avós a figurar no polo passivo da ação. Acerca do assunto, colhe-se dos ensinamentos de Carlos Roberto Gonçalves: A ação deve ser dirigida primeiramente contra o pai, para, na impossibilidade dele, serem chamados os avós. [...] Se, no entendo, o pai, comprovadamente, estiver ausente, ou, estando presente, não reunir condições para responder pela obrigação alimentar, a ação poderá, como dito, ser ajuizada somente contra os avós [...]. (Direito Civil Brasileiro. Direito de Família. Vol. 6. 7. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 526) (...) tornando-o parte legítima para o pólo passivo da demanda.
A Ministra Nancy Andrighi, no Recurso Especial n° 1.211.314 – SP (2010/0163709-4), de uma forma mais pormenorizada, empregando a doutrina de escritores como Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald e Yussef Cahali, confirma esta inteligência asseverando que:
A obrigação alimentar entre ascendentes e descendentes, pela regra
disposta no art. 1.696 do CC-02, está estabelecida em ordem sucessiva, em que os mais próximos, em grau, preferem aos mais distantes, na condição de alimentantes. Sob essa ótica, apenas na impossibilidade de os genitores prestarem alimentos, ou mesmo na sua falta, serão os parentes mais remotos demandados, estendendo-se a obrigação alimentar, na hipótese, para os ascendentes mais próximos.
(...) É de se notar, inicialmente, que o parente de grau mais próximo não exclui, tão só pela sua existência, aquele mais distante, porém, os mais remotos somente serão demandados na incapacidade daqueles mais próximos de prestarem os alimentos devidos. A rigidez se justifica por ser a obrigação avoenga subsidiária e complementar, não se podendo, a talante do credor de alimentos, ignorar-se o devedor primário por mero comodismo, ou mesmo cupidez daquele que busca alimentos. Em idêntico sentido ponderam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald: Frente ao que se expõe, é fácil perceber que a obrigação alimentar avoenga é excepcional, somente se justificando
quando, efetivamente, as necessidades de quem recebe os alimentos não puderem ser atendidas, em sua inteireza, pelo devedor vestibular. Logo, a melhor condição econômica dos avós não justifica a condenação avoenga, estando submetida, efetivamente, à prova da impossibilidade do genitor de atender às necessidades do credor (Farias, Cristiano Chaves de e Rosenvald, Nelson in: Direito das famílias, 3ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, pag. 804). (...) Essa impossibilidade só existirá na presença de condições concretas como o desemprego do alimentante-primário, sua ausência, ou mesmo sua falta, situações que, no mais das vezes, tendem a confirmar o desamparo do alimentado e a necessidade de socorro ao ascendente de grau imediato. (...) Como bem afirma Yussef Cahali: Não vemos óbice, porém, a que a ação seja ajuizada desde logo apenas contra o ascendente de grau sucessivo, sem que a este seja dado o direito de impor a integração na lide de todos os ascendentes de grau mais próximo. Ocorre que, neste caso, o alimentando, preterindo desde logo a e escala legal de preferência, sujeita-se, sob pena de ver desatendido o pedido, à prova plena da falta ou impossibilidade econômica dos ascendentes de grau inferior imediatos. (CAHALI, Yussef Said, in: Dos alimentos, 6ª ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, pag. 480).
(...) Para essas circunstâncias, indo além da singular cobrança, o alimentado deve finalizar todos os instrumentos processuais disponíveis para obrigar o alimentante a desempenhar sua obrigação, inclusive valendo-se da coação extrema preceituada no art. 733 do CPC. Somente com o esgotamento dos meios de cobrança sobre o devedor primário – pai –, fica caracterizada a periclitante segurança alimentar da prole, que autorizaria a busca do ascendente de grau mais remoto, em nome da sobrevivência do alimentado. Se ocorresse essa situação, apesar de existir capacidade laboral ou, ainda, efetiva atividade remunerada do alimentante, a sua renitência em cumprir sua obrigação alimentar autorizaria o pedido de alimentos ao ascendente de grau sucessivo – in casu, à avó –, pois o valor contraposto, nessa circunstância– segurança alimentar dos netos –, permitiria a mitigação da ordem legal, mesmo sem a demonstração da incapacidade do pai de prover o sustento de sua prole.
É notória na jurisprudência do STJ a imprescindibilidade de se procurar, de modo exauriente, primeiro nos genitores, ou seja, mãe e pai, os alimentos para daí então procurar a subsidiariedade e a complementariedade aos avós (FERREIRA, 2019). Isso ocorre, pois existem um número muito significante de pais que não cumprem a responsabilidade do sustento de seus filhos, e nesse caso, se a legislação fosse compulsória, os avós seriam responsabilizados de imediato.
Assim, existem discussões no âmbito do Estatuto do Idoso que ampliam as discussões sobre esta temática, visto que muitos idosos se encontram em situação de pobreza, e não teriam condições de arcar com a obrigação avoenga de seus netos (DUFNER, 2017). Nesse caso, outras questões judiciais são envolvidas, necessitando de uma maior discussão sobre a possibilidade ou impossibilidade da execução da obrigação avoenga.
O objetivo central deste artigo foi analisar a obrigatoriedade da provisão de alimentos aos menores de idade pelos avós na ausência dos pais. Considera-se que este objetivo foi alcançado mediante a pesquisa bibliográfica e documental que foi realizada, na qual foi possível coletar e analisar dados importantes sobre essa temática, a fim de contribuir com novas discussões na área do direito da família.
Em relação a obrigação avoenga, verificou-se que esta se trata da responsabilização judicial dos avós em suprir o sustento de seus netos na falta dos pais por motivos de força maior. Nesse caso, a incapacidade dos pais em suprir o sustento de seus filhos podem ser por questões financeiras ou por motivo de óbito, onde a criança ou o adolescente fica desamparado.
Além disso, esta pesquisa verificou que, no Brasil, a obrigação avoenga é formalizada pelo Código Civil e é compreendida como uma forma de estender a responsabilidade dos pais aos avós na falta dos mesmos, para que as crianças e adolescentes não fiquem desamparadas sobre o seu sustento, sendo estas ações orientadas também pela Constituição e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
No entanto, as pesquisas e as legislações investigadas demonstraram que a obrigação avoenga não é automática, e só ocorre na comprovação total na incapacidade dos pais em prover o sustento de seus filhos. De modo geral, conclui-se que esta temática é relevante para o direito da família, pois trata de um assunto importante para a ordem da responsabilização de alimentos de crianças e adolescentes.
Porém, este estudo não esgota as discussões a respeito desta temática, visto que existe ainda a percepção do Estatuto do Idoso a respeito da obrigação avoenga, no qual amplia as discussões sobre o direito do idoso, principalmente aqueles que não tem condições financeiras de assumir a responsabilidade alimentícia dos netos. Assim, considera-se necessária mais pesquisas que possam explorar de modo mais amplo todos os campos desta discussão.
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Bacharelando em Direito Centro Universitário Fametro – CEUNI FAMETRO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Lorena Castro de. A obrigação avoenga na impossibilidade do genitor Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 nov 2021, 04:25. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57672/a-obrigao-avoenga-na-impossibilidade-do-genitor. Acesso em: 23 dez 2024.
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