RESUMO: Como grupo social destacado, o sistema familiar passou por inúmeras mudanças em toda a civilização e na sociedade, com diferentes formas, valores e funções. Portanto, a aparência e o tratamento dos idosos também mudaram. Pessoas que antes eram consideradas arquétipos de sabedoria, experiência e liderança agora são consideradas inúteis e desatualizadas. Porém, com a promulgação da Constituição Federal em 1988, essa trágica realidade começou a se modificar, e com a promulgação do Política Nacional do Idoso e do Estatuto do Idoso, essa situação se concretizou. No entanto, um problema que assola muitas famílias é o abandono afetivo dos filhos em relação aos pais idosos. O chamado abandono afetivo inverso e a possibilidade de ressarcimento dos danos mentais causados pelo desamparo imaterial são tema de polêmicas no ambiente doutrinário e nas decisões jurisprudenciais. A dificuldade em aceitar o papel é provar que o ato de não dar carinho e provar o dano é ilegal. Porém, grande parte da doutrina entende que o comportamento ilegal se configurará no comportamento, seja ele prometido, negligente, negligente ou arrogante. Portanto, procura comprovar a possibilidade de responsabilidade civil por abandono afetivo na relação familiar e a correspondente indenização pelo dano mental causado. Todavia, o objetivo é enfatizar o caráter pedagógico da indenização para o agente causador do dano, indenização para a vítima, e atentar para as possíveis consequências do desprezo pelos familiares, desde as barreiras morais e psicológicas até o adoecimento físico e a morte.
PALAVRAS-CHAVE: Responsabilidade Civil; Idoso; Abandono afetivo; Pandemia.
ABSTRACT: As an outstanding social group, the family system has undergone countless changes throughout civilization and society, with different forms, values and functions. Therefore, the appearance and treatment of the elderly has also changed. People who were once considered archetypes of wisdom, experience, and leadership are now considered useless and outdated. However, with the promulgation of the Federal Constitution in 1988, this tragic reality began to change, and with the promulgation of the National Plan for the Elderly and the Elderly Law, this situation materialized. However, a problem that plagues many families is the emotional abandonment of children in relation to elderly parents. The so-called inverse affective abandonment and the possibility of compensation for mental damage caused by immaterial helplessness are the subject of controversies in the doctrinal environment and in jurisprudential decisions. The difficulty in accepting the role is proving that the act of not giving affection and proving harm is illegal. However, much of the doctrine understands that illegal behavior will configure itself in behavior, whether it is promised, negligent, negligent or arrogant. Therefore, it seeks to prove the possibility of civil liability for emotional abandonment in the family relationship and the corresponding compensation for the mental damage caused. However, the objective is to emphasize the pedagogical character of compensation for the agent causing the damage, compensation for the victim, and pay attention to the possible consequences of contempt for family members, from moral and psychological barriers to physical illness and death.
KEYWORDS: Civil Responsability; Old Man; Affective Abandonment; Pandemic.
SÚMARIO: 1. Introdução; 2. A família e o afeto em uma análise histórico-jurídica; 3. O idoso e a relação familiar em período de pandemia; 4. O idoso no Direito Brasileiro; 5. Pressupostos da Responsabilidade Civil; 6. Responsabilidade civil subjetiva e o dano moral: ressignificando o abandono afetivo com a pessoa idosa; 7. Conclusão; 8. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A família é considerada a unidade social mais primitiva da história, diferenciando-se dos demais grupos por se caracterizar por suas conexões pessoais por meio de vínculos afetivos e de afinidade, e não pela lógica da utilidade. O processo de socialização, educação e formação mundial começa aqui. Junto com outras mudanças sociais, os conceitos de família, a estrutura e os valores familiares também mudaram e muitas mudanças ocorreram na imagem do idoso. Melhores condições de vida e maior expectativa de vida estão levando o Brasil a se tornar um país dominado por uma população idosa. No entanto, os idosos são vistos como doentes, incompetentes e inúteis e, na maioria das vezes, essa discriminação ainda ocorre nas famílias das sociedades capitalistas e globalizadas, onde os jovens são os mais valorizados.
Nessa realidade, os idosos sofrem com o abandono de seus familiares. A situação mais comum ocorre quando os filhos deixam seus pais em um abrigo ou casa de repouso e negligenciam seu relacionamento com os idosos porque muitas vezes precisam de mais cuidados e atenção. Perda de vitalidade, diminuição da capacidade de trabalhar, aparecimento de doenças, fala, alimentação e problemas de mobilidade são todas as causas do abandono dos idosos. A recusa em apoiar, seja emocional, moral ou psicologicamente, causará danos à personalidade do idoso, resultando em dor e sofrimento, além da ocorrência ou agravamento da doença e, eventualmente, morte.
A pesquisa parte da observação do sentido do idoso, analisa as partes que o constituem, e estabelece relações sociais e históricas por meio da interpretação de fatos, conceitos e fenômenos e da relação dinâmica entre o mundo objetivo. E a subjetividade do agente. Quanto ao procedimento técnico, ele é elaborado com base em conteúdos publicados, principalmente compostos por livros, artigos e materiais disponíveis na internet, bem como na legislação brasileira e na análise de decisões judiciais nacionais, buscando sempre gerar conhecimentos de qualquer relevância.
Portanto, por meio de notas e reflexões, procuramos analisar a adequação da indenização por danos morais no contexto da relação de abandono afetivo entre filhos e seus pais idosos.
2. A família e o afeto em uma análise histórico-jurídica
A família considerada uma instituição que organiza, planeja, protege e cuida tem em sua essência a responsabilidade legal e afetiva com os membros desta instituição, o conceito de família vem se modificando conforme a evolução da sociedade, no ponto de vista sociológico família é uma unidade social básica.
Unidade esta constituída por um conjunto de pessoas relacionadas entre si por laços de sangue, casamento, aliança ou adoção, que compartilham da atribuição primária de reprodução e de cuidador dos membros mais novos e mais velhos do grupo, porém na ciência jurídica não há um conceito de família definido. Rodrigues (2004, p. 4) afirma que há três acepções do vocábulo família que são o sentido amplo, o sentido limitado e o sentido restrito.
No Brasil as três acepções abordadas por Rodrigues (2004, np) são amparadas na legislação, sendo aplicada de maneira individual e distinta em cada tipo de relação familiar.
Na abordagem jurídica conforme Lôbo (2009, p. 2) afirma:
Sоb о pоntо de vistа dо direitо, а fаmíliа é feitа de duаs estruturаs аssоciаdаs: оs vínculоs e оs grupоs. Há três sоrtes de vínculоs, que pоdem cоexistir оu existir sepаrаdаmente: vínculоs de sаngue, vínculоs de direitо e vínculоs de аfetividаde. А pаrtir dоs vínculоs de fаmíliа é que se cоmpõem оs diversоs grupоs que а integrаm: grupо cоnjugаl, grupо pаrentаl (pаis e filhоs), grupоs secundáriоs (оutrоs pаrentes e аfins).
Desta forma entende-se que a família possui uma concepção jurídica com grande relevância social e afetiva diante das formas e variações que possuem.
Segundo Oliveira (2002, p. 233) “a afetividade, traduzida no respeito de cada um por si e por todos os membros é, sem dúvida nenhuma, uma das maiores características da família atual.
A afetividade é um assunto muito importante que precisa ser abordado, instituindo a família como centro de desenvolvimento no caso das relações parentais, o afeto vem se constituindo desde o nascimento até a velhice, em analise aos aspectos histórico-jurídico das famílias podemos destacar que é possível a oferta de um envelhecimento pacífico e participativo baseado no dever mútuo de atenção.
Considerada desde o início da história da humanidade um instituto social, a família é presente como instituição primordial na legislação esta instituição possui destaque através de garantia de direitos específicos, porém essas legislações já sofreram várias mudanças ao longo dos tempos.
O atual Código Civil Brasileiro (Lei n° 10.406/02) regulamenta as normas constitucionais sobre a família, através de sua legislação, continua estabelecendo em seu artigo 1.697 na falta dos ascendentes cabe à obrigação aos descendentes, guardada a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos como unilateral.
A Constituição Federal de 1988 especifica em seu capítulo VII do título VIII e trata especialmente do Direito de Família, já com alterações na redação, diferentemente do modelo autoritário e patriarcal definido pelo Código Civil de 1916, a Constituição Federal estabeleceu em seu texto normativo preceitos norteadores da família, como a igualdade, solidariedade e o respeito à dignidade da pessoa humana, fundamentos esses que explicitam e norteiam os objetivos do Estado brasileiro realizando desta forma um enorme progresso no que tange a conceituação e tutela da família.
O princípio da solidariedade fala sobre o apoio, o auxilio, o compromisso entre as partes surgi no campo do Direito das Obrigações, este princípio da solidariedade projetou-se no Direito de Família recentemente, caracterizando-se por vínculo sentimental, racional e determinado que impõe a cada pessoa deveres de amparo, assistência, cooperação, ajuda e cuidado, sendo tratados como valores jurídicos que tem força coercitiva dentre as normas que tutelam as pessoas em vulnerabilidade.
A Carta Magna não traz o princípio da afetividade de forma explicita, mas é desenvolvido de forma implícita como caráter necessário para que haja uma relação afetiva estável a família. Segundo Madaleno (2008, p. 66):
О аfetо é а mоlа prоpulsоrа dоs lаçоs fаmiliаres pаrа dаr sentidо e dignidаde à existênciа humаnа. Nоs vínculоs de filiаçãо e pаrentescо а аfetividаde deve estаr sempre presente, pоis оs vínculоs cоnsаnguíneоs nãо se sоbrepõem аоs liаmes аfetivоs, ао cоntráriо, а аfetividаde pоde sоbrepоr-se аоs lаçоs cоnsаnguíneos.
Neste caso, apesar deste novo cenário, o amparo jurídico do afeto ainda é uma questão controvertida. A existência de afeto nas relações familiares é uma diretriz como base para o comportamento pessoal, este é um ponto comum, mas é importante compreender a diferença do afeto enquanto instituto passível de proteção jurídica, do entendimento como sentimento (ALEGRE; CRIPPA, 2019, np).
Mediante a evolução histórica-jurídica da família e alinhada ao conceito da afetividade podemos destacar a importância desses dispositivos legais que vem desde a Constituição Federal ao Código Civil e Penal estes formam bases fundamentais para a construção de políticas públicas que tratam o desenvolvimento da pessoa humana e norteiam os estudos acadêmicos de forma a desenvolver cada vez mais que, a afetividade está interligada intrinsicamente com os direitos vinculados ao cidadão desde de sua concepção até a velhice.
3. O idoso e a relação familiar em período de pandemia
No Brasil é considerado idoso conforme o Estatuto do Idoso através da Lei Federal de n. 10.741/03 as pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, possui uma população idosa de 610.956, conforme dados do Secretaria de Avaliação e Gestão de Informações-SAGI do Ministério da Cidadania, estes são amparados pela Constituição Federal e possuem políticas públicas que garantem direitos fundamentais inerentes a pessoa humana preservando o direito à integridade e proteção dos idosos, com a intenção de evitar a violência e o abandono, o que é comumente praticado por seus descendentes.
Haja vista que, é dever da família participar e tomar cuidado, para que o envelhecimento dos pais seja pacífico e estável. Por outro lado, esse momento de Pandemia também agrava o abandono emocional sofrido por idosos, pois filhos negligentes podem usar o isolamento como justificativa para o rompimento definito de vinculo familiares e mediante o isolamento o rompimento de vínculos comunitários devido as medidas sanitárias.
Para buscar controlar o contágio, a OMS orientou o isolamento social e a sociedade foi forçada a se adaptar à uma nova realidade. No âmbito dos relacionamentos familiares, não foi diferente. Pelas medidas de confinamento da doença e isolamento social, a vida familiar precisou ser modificada. Em alguns casos tornou-se mais intenso, porque se tornou necessário estar mais tempo dentro de casa, em outros casos, a solidão e o abandono passaram a predominar, tendo em vista que muitas pessoas ficaram isoladas sozinhas em casa, separadas de seus familiares, sendo essas pessoas principalmente idosas, principais vítimas da Covid-19.
Decerto, o enfraquecimento dos vínculos na relação familiar gera consequências psicológicas, sociais e legais e são inevitáveis. O abandono caracteriza-se como a falta de amor, de cuidado de carinho, de atenção, rompendo laços afetivos antes existentes. Evidentemente não existe na legislação brasileira tal obrigação, mas parafraseando os textos que amparam legalmente os direitos existentes, sobrepõem-se sobre a necessidade de uma boa relação para que haja a convivência entre os cidadãos.
Conforme Nassralla (2010, np): O amor e o afeto, ao contrário, são sentimentos humanos, que não podem ser exigidos, de forma que seu inadimplemento gere direito à indenização, a legislação é explicita sobre o dever filial através de obrigações jurídicas, imateriais, amparos, convívio. No que tange a situação das penalidades, o abandono de idosos por seus filhos é algo que merece punição grave pelo poder judiciário, sendo severamente punido, tanto no Estatuto do Idoso como no Código Penal.
De acordo com Karam (2014, np) ao serem abandonados, esses idosos são privados do convívio familiar, de carinho, de afeto e são obrigados a começar uma nova etapa de vida, com pessoas que nunca viram, cortando suas raízes definitivamente. Esse fato gera uma enorme tristeza, solidão, sensação de desamparo e, consequentemente, culminam com o surgimento de diversas doenças que são agravadas pelo abandono.
Conforme a análise de dados estatísticos sobre violação de direitos a pessoa idosa no Brasil através do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, disque 100, no primeiro semestre foram registradas mais de 33,6 mil denúncias de violação de direitos dos idosos. Ao longo do ano passado, foram 48,5 mil casos; entre março e junho de 2020, com o início da pandemia, os números cresceram cerca de 59% em relação ao mesmo período em 2019, um ano antes do início da pandemia.
Esse crescimento desenfreado teve um aumento significativo durante o período de isolamento social, em que neste momento os idosos estavam sobre a tutela total das famílias sem acesso a nenhuma atividade social devido as restrições sanitárias, porém é importante ressaltar que grande parte destas denúncias tem por agressor os filhos ou parentes que residem na mesma moradia ou até mesmo que por negligência chegaram a praticar o abandono afetivo e patrimonial.
Erikson afirma, há quase três décadas, que "a falta de um ideal culturalmente viável da velhice faz com que nossa civilização não tenha realmente onde ancorar um conceito de totalidade da vida" (1982/1998, p. 114).
A velhice se torna mais difícil à medida que a sociedade não consegue valorizar a pessoa idosa e viola os direitos básicos a priori adquiridos. Em relação à responsabilização gerada pelo abandono afetivo, isso é caracterizado pela omissão do dever de cuidado para os idosos, e a ausência da participação da criança, ou a família, no envelhecimento dos pais, caracterizando uma violação de um dever. A responsabilidade civil no caso em questão é subjetiva, com vistas a suposições básicas, quais sejam, a conduta, a imputabilidade e culpa ou dolo.
O abandono afetivo produz danos imateriais relacionados aos aspectos mentais e emocionais do idoso, dificultando a mensuração do grau de sofrimento causado. Estes são abandonados em lares de idosos, sozinhos em casa, ou muitas vezes abandonados com a ajuda de crianças ou cuidadores, são considerados fardos, não sujeitos legais, ou sequer como um ser carente de afeto.
Ao distinguir um dever legal, seja qual for, o dever de atenção aos idosos, os filhos destes acabam cometendo um ato ilícito, o que leva ao dever de reparar um dano cometido pela violação dos direitos de outrem. O Código Civil, no seu artigo 927, preceitua o dever de reparar os danos causados a outrem.
E mesmo assim, no meio da confiança judicial da lei dos idosos em relação ao abandono que afeta, o legitimado para pedir compensação devido à prática do abandono, é o próprio idoso, exceto se tiver limites que possam caracterizar incapacidade, se esta hipótese ocorrer, aqueles que têm a legitimidade da causa, o representante legal, curador ou o Ministério Público, de acordo com a art. 177, do Código de Processo Civil.
No ano de 2020 e 2021 enfrentamos um período difícil no mundo, todas as nações tiveram que obedecer a medidas sanitárias extremas, inclusive com a obrigação do isolamento social que objetiva a redução do processo de contaminação ao novo coronavírus, essa pandemia trouxe à tona várias dificuldades, no que se trata a situação da pessoa idosa, tiveram que ser retirados de forma emergencial devido suas vulnerabilidades e o número elevado de óbitos entre os idosos.
Este isolamento teve um impacto nas relações familiares, o convívio sempre foi a base da sociedade. Obviamente, existem novas formas de estabelecer contato e autoconfiguração na família hoje, mas mesmo com todas as inovações, carinho, cuidado e convivência, ainda são primordiais e protegidos por lei para aqueles em situações de vulnerabilidade.
Diante do exposto, percebemos que apesar da atual realidade pandêmica e quando as pessoas mais isoladas estão com suas famílias, é inegável a importância de se falar sobre o abandono emocional do idoso.
Portanto, pode-se afirmar que a pandemia é um agravante do abandono afetivo inverso, visto que a necessidade de isolar essas pessoas pode fazer com que os filhos se acomodem ao ponto de deixarem de se relacionar ativa e efetivamente com seus genitores, sem nem mesmo ligar ou manter contato virtual, acentuando uma prática antiga, presente em muitas famílias.
Como quadros assim demoram para sofrer alterações e tendo em vista a pandemia, providências vêm sendo realizadas a fim de tentar amenizar o sofrimento atual. É o que acontece com as Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs) criadas pela Lei 14.018 de 2020 com a finalidade de auxiliar os idosos a enfrentar esse momento pandêmico, tentando prevenir e controlar o Covid-19 e principalmente amparar idosos abandonados ou negligenciados.
Cabe dizer que estas Instituições recebem o auxílio financeiro da União através de Medida Provisória nº 991 de 2020, que em seu artigo primeiro estabeleceu a abertura de crédito extraordinário no valor de 160 milhões de reais (SILVA apud CONGRESSO NACIONAL, 2020, np)
Essa foi uma providencia tendo em vista que, no cenário atual da pandemia da Covid-19, o cuidado para com os idosos é ainda mais fundamental, vez que essas pessoas têm uma maior tendência aos efeitos letais da doença. O envelhecimento, processo natural no ser humano, pode causar mudanças físicas e psíquicas que às vezes impõem limites à pessoa e necessidades especiais de proteção dos familiares e também do Estado.
Por outro lado, não é apenas pela vulnerabilidade física que essas pessoas precisam de mais atenção na situação atual; o Isolamento social, que ainda é a medida considerada eficaz para conter a expansão e contágio da doença, pode aumentar o crescimento do abandono afetivo de idosos, seja em suas próprias casas ou em asilos (MELO, 2020, np).
O cuidado ao idoso por familiares e cuidadores passou a ser o foco, pois além dos cuidados necessários para evitar danos à saúde física, é importante ter uma rede psicológica e emocional de apoio para evitar danos à saúde mental dessas pessoas. Por outro lado, como esse tipo de abandono costuma ocorrer na intimidade da família, o abandono afetivo que de outra forma seria difícil de verificar, torna-se quase invisível, pois o isolamento como medida de segurança dificulta ainda mais a responsabilidade daqueles que tem a responsabilidade de cuidar.
Segundo Oliveira (2002, p. 233) “a afetividade, traduzida no respeito de cada um por si e por todos os membros é, sem dúvida nenhuma, uma das maiores características da família atual.
Nesse sentido, apesar do estranho contexto da pandemia e da necessidade de manter o isolamento social, especialmente dos grupos de risco, é essencial a convivência entre idosos e seus parentes para evitar maiores danos psicológicos a eles, mesmo que por ferramentas virtuais, procurando garantir o direito a um envelhecimento saudável nesse período. O contato deve ser mantido, mesmo remoto para não haver o rompimento total de laços emocionais e afetivos durante a pandemia (ALEGRE; CRIPPA, 2019, np).
Vale salientar que, sendo o isolamento social necessário para proteger os idosos vulneráveis as consequências mais devastadoras da COVID-19, este não deve ser entendido como sinônimo de abandono afetivo. Por isso, o problema do abandono inverso é extremamente difícil nas atuais circunstâncias. Todavia, não se pode deixar de reconhecer que essa situação pode ser exacerbada, porque o isolamento social necessário para proteger a saúde física, especialmente dos idosos, é frequentemente confundido ou usado como desculpa para o distanciamento emocional e afetivo.
Diante do exposto, a discussão sobre o abandono afetivo inverso a partir do cenário da COVID-19 vem crescendo, principalmente sobre a forma de aplicação dos dispositivos do ordenamento jurídico no cenário atual.
É obvio que o abandono emocional não está consolidado no ordenamento jurídico brasileiro, e a situação atual pode agravar esse problema. Portanto, com esta pesquisa busca-se maior visibilidade ao tema, que não tem sido amplamente difundido no meio acadêmico, que utiliza principalmente a responsabilidade civil como meio jurídico eficaz para tentar prevenir e sanar esse problema do abandono afetivo inverso.
Além disso, para proteger especificamente o idoso do abandono afetivo, os debates no campo legislativo são de extrema importância, pois o próprio papel da lei é tentar regular essas novas situações e refletir o desenvolvimento contínuo dos familiares.
4. O idoso no Direito Brasileiro
O Idoso no Brasil é um cidadão de direito que possui Políticas Públicas especificas na saúde, educação, assistência social, na previdência, dentre outras, e é classificado como grupo prioritário, mas nem sempre foi tão acessível garantir os direitos das pessoas idosas em nosso país. Este deve ser objeto de atenção e cuidado, não só por parte do Estado, que já possui essa prerrogativa, mas, também pela população, a sociedade, que deve estar em vigilância não sendo mais justo então, que agora, em sua fragilidade, seja devidamente amparado.
O Direito dos Idosos surge como uma alternativa para compensar ou, pelo menos, minimizar os danos causados por uma organização socioeconômica que não valoriza o que nós somos, mas aquilo que nós produzimos. E se não produzimos não somos nada, praticamente não participamos da vida social (ALONSO, 2005, p.33)
A Lei nº 7.210 de 1984 conhecida como “Lei de Execuções Penais” busca amparar o idoso em dois momentos: no artigo 32, parágrafo 2°, especificando que o trabalho atribuído a condenado com mais de sessenta anos deve ser compatível com a idade; itens descritos no artigo 177, que afirma o benefício da prisão domiciliar quando na execução da pena, o sentenciado for maior de setenta anos.
A Constituição Federal de 1988, foi um grande marco e o primeiro passo em busca do amparo a pessoa idosa, não esquecendo que as constituições anteriores apenas citavam o termo idoso e pessoa com idade avançada, mas foi a CF/88 que incluiu o idoso como cidadão de direitos específicos e que deu prioridade a esta garantia na legislação brasileira, tornando-se a porta de entrada para o desenvolvimento das políticas de amparo ao idoso.
Conforme o art. 229 e 230 os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, e responsabiliza a família, a sociedade e o Estado pelo dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.
O Código Civil Brasileiro Lei Federal de n. 10406/02 foi um grande marco após a elaboração da Constituição Federal de 1988 que estabelece em seu art. 927 que aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo, sendo fortalecido no Parágrafo único do mesmo artigo, que haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
O Código Civil Brasileiro estabelece direitos que estão amparados pela Cf/88 e em seu art.186. estabelece que os crimes deste capítulo se caracterizam ainda que a violação não atinja todas as reivindicações da patente ou se restrinja à utilização de meios equivalentes ao objeto da patente.
Com bases nesses dispositivos acima citados foi aprovada a lei nº 8.842, de janeiro de 1994 nomeada como Política Nacional do Idoso que tem por objetivo assegurar os direitos sociais do idoso, criando condições para promover sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade, esta Política abriu leque de oportunidades para a garantia na acessibilidade dos direitos estabelecidos de forma especifica as pessoas idosas que por sua vez estavam a beira da sociedade, tornando o idoso o principal agente de transformação.
Conforme o texto da PNI,pag.7: o abandono é uma forma de violência que se manifesta pela ausência ou deserção dos responsáveis governamentais, institucionais ou familiares de prestarem socorro a uma pessoa idosa que necessite de proteção, alguns estudos apresentam essa violação devido a necessidade financeira de alguns familiares e em outros casos a ausência de amor e afetividade, mas que em nenhum desses casos justifica o abandono, desde a reforma da previdência social o idoso é assegurado no caso de inexistência de renda através de benefício de prestação continuada destinada a pessoa com deficiência e a pessoa idosa.
Desta forma o idoso vem garantindo seu espaço e desde o ano de 2003 através da lei federal de n. 10741/03 – Estatuto do Idoso, que explicita em seu art. 2.º que o idoso deve gozar de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.
Além de resguardar os direitos dos idosos, este dispositivo legal tem alguns princípios que governam essa lei, como o princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio da solidariedade, o princípio da proteção dos idosos, o princípio da afetividade. Os referidos mecanismos ajudam a lei a apoiar os direitos humanistas e os pensamentos, com o objetivo de proteger os idosos da melhor maneira possível, causando a eficácia do Estatuto.
Este, em seu art. 10 obriga o Estado e a sociedade, a assegurar à pessoa idosa a liberdade, o respeito e a dignidade, como pessoa humana sujeito de direitos civis, políticos, individuais e sociais, garantidos na Constituição e nas leis assegurando a participação do idoso na vida familiar e comunitária; também constitui como obrigação das entidades de atendimento, os procedimentos de denúncias ao Ministério Público, para as providências cabíveis, a situação de abandono moral ou material por parte dos familiares;
5. Pressupostos da Responsabilidade Civil
O termo responsabilidade civil prove de toda ação ou omissão que gera violação de uma norma jurídica legal ou contratual. Assim, nasce uma obrigação de reparar o ato danoso, dever jurídico sucessivo que se originou da violação de dever jurídico originário.
No Código Civil lei n. 10.406/02 em seu artigo 186 apresenta a regra da responsabilidade civil no ordenamento pátrio, e afirma que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Decerto, através da qualificação jurídica ocorrências que apresentem crimes que denotem a classificação de dano ao cidadão, voluntária ou involuntariamente, recaindo assim nas figuras da imprudência e da negligência, sendo considerados pressupostos da responsabilidade civil: toda ação ou omissão, o dano e o nexo de causalidade.
6. Responsabilidade civil subjetiva e o dano moral: ressignificando o abandono afetivo com a pessoa idosa
O conceito de não prejudicar o outro é o nosso ponto de partida para analisarmos situações de violações a pessoa idosa, pois a responsabilidade civil conceitua-se na tomada de medidas para forçar alguém a reparar os danos causados a terceiros por suas ações ou omissões.
Venosa, afirma que:
“Em princípio, toda atividade que acarreta prejuízo gera responsabilidade ou dever de indenizar (…) O termo responsabilidade é utilizado em qualquer situação na qual alguma pessoa, natural ou jurídica, deva arcar com as consequências de um ato, fato ou negócio danoso”.
Questões voltadas a análise do desenvolvimento afetivo sempre foi uma temática muito discutida no âmbito psicológico, social, educacional e legal, principalmente no ramo do direito da família. A gênese da obrigatoriedade no campo afetivo é um dever originário, e a responsabilidade no desenvolvimento desta afetividade é um dever sucessivo, e que consequentemente sua violação gera danos em todas as instâncias.
O abandono afetivo é um dano imaterial que afeta o psicológico e a sua reparação não pode ser mensurada em valores. O afeto é o cuidado e esse cuidado, tem valor jurídico imaterial, e engloba toda a solidariedade com a família e a segurança afetiva deste ente.
Jones Figueirêdo Alves (PE), diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), diz que:
Abandono afetivo inverso a inação de afeto, ou mais precisamente, a não permanência do cuidar, dos filhos para com os genitores, de regra idosos, quando o cuidado tem o seu valor jurídico imaterial servindo de base fundante para o estabelecimento da solidariedade familiar e da segurança afetiva da família. (Alves, 2013)
Desta forma entende-se que o abandono afetivo inverso e a falta de cuidado permanente, e a falta de responsabilidade afetiva de filhos e ou parentes em relação a seus genitores idosos.
Decerto, a responsabilidade civil torna-se subjetiva no momento que o idoso, no caso a vítima precisa provar a culpa do agente pelo o abandono afetivo inverso, esta teoria subjetiva preconiza que o elemento culpa constitui, em regra, um dos pressupostos necessários para a responsabilidade civil. Conforme descrito no artigo 186 que estabelece: aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente.
Este ato ilícito ocasiona danos patrimoniais e /ou morais no primeiro momento no desenvolvimento desta responsabilidade, na sociedade este só poderia obter indenização se provasse a culpa, porém Rui Stoco afirma:
“A necessidade de maior proteção à vítima fez nascer a culpa presumida, de sorte a inverter o ônus da prova e solucionar a grande dificuldade daquele que sofreu um dano demonstrar a culpa do responsável pela ação ou omissão.
O Código Civil ampara em seu art. 927, parágrafo único e afirma que haverá obrigação de reparar o dano, independente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”
Do dever de cuidar quando descumprido, cabe reparação civil, e como consequência deste ato caracteriza-se a existência de indenização. Seja o filho que é abandonado por seus genitores ou os genitores que são abandonados por seus filhos, a reparação sobre a violação deste direito é assegurado conforme a Legislação Brasileira.
As consequências civis para este ato de abandono afetivo inverso, geram consequências penais para os familiares que abandonaram o idoso, o abandono material que é praticado pelos descendentes da pessoa idosa e está previsto no capítulo III, artigo 244 do código penal este explicita que:
Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo, gera uma pena de – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no País.
A assistência familiar não deveria ser discutida se tivesse unidades familiares que cumprisse com o mínimo de suas obrigações no que tange a necessidade de cuidar do outro e assegurar direitos inerentes a dignidade da pessoa humana, porém o nosso país ainda apresenta-se dentre os quadros estatísticos de violência contra o idoso e abandono deste cidadão que precisa de cuidados, carinho e amor.
É vergonhoso um país poder criar leis para obrigar seus filhos a cuidar dos pais na velhice ou em quando não poderem mais se manter sozinhos e desenvolver no código penal sanções severas como detenção a aqueles que deveriam automaticamente deveriam garantir o direito de sobrevivência no campo material, moral e afetivo.
No Código penal não é diferente, ele traz a mesma proteção que Código Civil traz para os idosos, ou até mais, pois o Código Penal tem sanções mais severas como detenção.
No que tange as previsões no Código Penal, artigo 136, prevendo a mesma pena ora abordada no Estatuto, pois a proteção ao idoso prevê uma pena máxima de 4 a 12 anos, se os maus tratos resultarem morte, o que também é previsto no Código Penal.
Art. 136 – Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina:
O artigo 102 do Estatuto do Idoso, trata do crime de apropriar-se de ou desviar bens, proventos, pensão ou qualquer outro rendimento do idoso, dando-lhes aplicação diversa da de sua finalidade, dando uma pena de reclusão de um a quatro anos e multa.
É dever do Estado e da família dar uma vida digna à pessoa idosa. É direito que as pessoas idosas desfrutem com suas famílias e na sociedade de uma vida plena e segura, com ajuda do governo, da família, da sociedade e do próprio idoso, porém este cuidado precisa ser originário do âmbito familiar e perfazendo o percurso para as políticas públicas que asseguram o pleno desenvolvimento de forma integral.
7. CONCLUSÃO
Com o aumento da esperança de vida, com a promulgação da Lei n° 8.842/94 (Política Nacional do Idoso) e da Lei n° 10.741/03 (Estatuto do Idoso), as percepções dos idosos começaram a mudar. Estas Leis confirmaram a democracia. Nacional projetar leis para salvar a dignidade humana e realizar os direitos básicos. Nesse sentido, há cada vez mais discussões sobre a responsabilidade civil da família em decorrência do abandono afetivo inverso, que se caracteriza por um descuido dos pais e até mesmo um cuidado não permanente dos filhos. Amparado nos princípios do afeto familiar e da unidade familiar, e sob o modelo de proteção integral, o idoso pode buscar indenização das autoridades judiciárias pelos danos sofridos pela violação de seus direitos pessoais como moralidade, integridade física e mental, a imagem e intimidade.
Portanto, os comportamentos ilegais existem na relação causal da negligencia, negligencia ou comportamento admissível e o vínculo familiar do agente solidário, sendo o dano fácil de perceber na observação do idoso e de suas condições. Assim, considerando a responsabilidade objetiva de cuidar dos filhos perante os pais, não há necessidade de questionar a culpa, pois ela está embutida no próprio comportamento. Desse modo, persiste a responsabilidade civil com possibilidade de indenização por dano mental, e não tem por objetivo quantificar o amor, mas reduzir de alguma forma o dano ao pai idoso, e fazer com que o agente deixe de fazer com ele e não o repetir. Através da implementação de leis e regulamentos e das decisões dos Tribunais Nacionais, um senso de proteção e apoio foi gradualmente estabelecido na sociedade.
8. REFERÊNCIAS
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Graduanda do Curso de Direito pelo Centro Universitário - CEUNI - FAMETRO
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Celeste Karine Bráulio da. Abandono afetivo inverso em tempos de pandemia: responsabilidade civil dos filhos em relação aos pais idosos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 nov 2021, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57690/abandono-afetivo-inverso-em-tempos-de-pandemia-responsabilidade-civil-dos-filhos-em-relao-aos-pais-idosos. Acesso em: 26 dez 2024.
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