RESUMO: O presente estudo trata do instituto da guarda compartilhada em atendimento ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente e a sua aplicação. O tema é importante em razão da necessidade de avaliar as condições em que a guarda compartilhada pode ser aplicada, e se a sua imposição não se caracteriza como uma afronta ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. O objetivo é trazer conceitos, características do compartilhamento de guarda, para que ao final seja analisada a sua aplicação em qualquer situação garantindo, ainda, a plena proteção da criança ou adolescente. A hipótese é parcial, em razão da necessidade da análise específica de cada caso que envolva disputa de guarda. A metodologia é do tipo bibliográfico e o método é o dedutivo. O problema apresentado teve sua confirmação parcial, pois a aplicação da guarda compartilhada nem sempre garantirá que o melhor interesse da criança e do adolescente esteja ocorrendo, os casos devem ser analisados individualmente. As famílias devem estar cientes que no momento da atribuição da guarda a análise deve consistir na proteção e no interesse dos filhos e não na vontade dos pais, pois a guarda gera forte influência no desenvolvimento da criança, em suas atitudes, escolhas e aplicada de forma forçada e errada, pode ocasionar, no futuro, em prejuízos ou desenvolvimento irregular, seja na esfera individual ou social.
PALAVRAS-CHAVE: Guarda compartilhada. Poder familiar. Guarda. Melhor interesse. Direito dos pais.
ABSTRACT: This study deals with the joint custody institute in compliance with the principle of the best interests of children and adolescents and its application. The theme is important because of the need to assess the conditions under which shared custody can be applied, and if its imposition does not stand out as an affront to the principle of the best interests of children and adolescents. The objective is to bring concepts, characteristics of shared custody, so that, at the end, its application in any situation can be analyzed, guaranteeing the full protection of the child or adolescent. The hypothesis is partial, due to the need for a specific analysis of each case involving a custody dispute. The methodology is bibliographic and the method is deductive. The problem presented is their partial protection, as the application of shared custody will not always guarantee that the best interests of the child and adolescent are taking place, cases must be prevented individually. Families should be aware that at the time of custody education, the analysis must consist of the protection and interest of the children and not the parents' will, as custody generates a strong influence on the child's development, on their attitudes, choices and applied in a manner forced and wrong, it can cause, in the future, in damages or irregular development, either in the individual or social sphere.
KEYWORDS: Shared custody. Family power. Guard. Best interest. Parental rights.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Poder familiar. 3. A guarda. 4. A guarda compartilhada. 5. Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. 6. Proteção integral da criança e do adolescente. 7. A efetivação do princípio do melhor interesse na guarda compartilhada. 8. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
O presente estudo possui como objeto de pesquisa o instituto da guarda compartilhada, em específico, a sua aplicabilidade como forma de garantir o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. Um tema que é recorrente de toda sociedade familiar, e seu estudo é de suma importância, em razão da necessidade de avaliar as condições em que a guarda compartilhada pode ser aplicada, e se a sua imposição não se caracteriza como uma afronta ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.
Com a nova redação dos artigos 1.583 e 1.584 do Código Civil de 2002, alterada pelas Leis 11.698/08 e 13.058/14, a modalidade compartilhada de guarda se tornou regra, pois, em tese, os genitores poderiam participar ativamente no desenvolvimento ético, moral, educacional e psicológico da prole. Todavia, é necessário que ocorra a análise minuciosa de cada caso em que a guarda está sendo disputada, isso porque, nas famílias em que a animosidade entre os genitores é extrema, a guarda compartilhada torna-se um instrumento negativo para o núcleo familiar, principalmente, para a criança ou adolescente ali inserido.
Nessa linha, a guarda compartilhada deve ser analisada conjuntamente com o princípio do melhor interesse da criança e adolescente, tornando a modalidade um instrumento positivo para a família, favorecendo os vínculos afetivos e garantindo que ambos os pais participem do crescimento e desenvolvimento da prole. Portanto, o objetivo principal do presente estudo é a análise da aplicação do instituto da guarda compartilhada em atendimento ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.
A aplicação da guarda compartilhada como alternativa escolhida pelos genitores, a fim de manter as decisões inerentes ao filho a figura de ambos, e ainda, a análise da aplicação da guarda compartilhada como imposição legal, instituída através de decisão judicial com referência ao texto legal. O problema de pesquisa consiste em demonstrar se o instituto da guarda compartilhada pode ser aplicado em todos os casos e ainda sim proteger de forma integral o menor, atentando-se, ainda, ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.
O estudo adota o método dedutivo, pois o tema é variável e aplicado a cada rede familiar de maneira específica, em decorrência da análise que deve ser feita em cada caso. A técnica de pesquisa será bibliográfica, ocorrendo através do estudo de livros, periódicos científicos, dissertações, teses e materiais publicados sobre o tema.
2. Poder Familiar
Segundo Cezar-Ferreira e Macedo (2016, p. 48) “o poder familiar é o conjunto de obrigações dos pais em relação à pessoa e aos bens dos filhos menores”. Do primeiro ponto de vista, pode-se constatar que o poder familiar não é atribuído somente à pessoa dos filhos, mas também sobre os bens que a eles pertencem.
O Código Civil de 2002 conceitua que o poder familiar consiste em promover a criação, a educação e o bem-estar dos filhos enquanto menores, além de atribuir aos pais o consentimento para a prática de atos pelos filhos (BRASIL, 2002). Segundo Dias (2013, p. 436):
O poder familiar é irrenunciável, intransferível, inalienável, imprescritível, e decorre tanto da paternidade natural como da filiação legal e da socioafetiva. As obrigações que dele fluem são personalíssimas. Como os pais não podem renunciar aos filhos, os encargos que derivam da paternidade também não podem ser transferidos ou alienados.
Conforme visto, o poder familiar detém um caráter protetivo, com o propósito único de garantir o melhor interesse do filho enquanto menor, que não dispõe de condição física e psicológica para cuidar de si e realizar tomadas de decisões.
O poder familiar é atribuído aos pais de maneira irrenunciável quando do nascimento dos filhos, perpetuando esse poder até a maioridade do filho ou sua emancipação, ou seja, sua dependência e autonomia perante as necessidades pessoais e atos da vida civil, não carecendo da assistência dos genitores para as decisões.
Segundo Lôbo (2011, p. 302):
Os pais têm o direito de dirigir a educação e a criação dos filhos e, ao mesmo tempo, o dever de assegurá-las. Enquanto estreitamente funcionalizado ao interesse do menor e à formação de sua personalidade, o exercício do poder familiar evolui no curso da formação da personalidade. À medida que o menor desenvolve sua própria capacidade de escolha, o poder familiar reduz-se proporcionalmente, findando quando atinge seu limite temporal.
Na linha de deveres atribuídos aos genitores, o artigo 1.634 do Código Civil elenca uma série de deveres decorrentes do poder familiar, os quais consistem em promover a criação e educação dos filhos, exercer de forma eficaz a guarda, de modo que possuem o poder de conceder ou negar aos filhos o consentimento para casar, viajar para o exterior, mudar de residência para outro Município, proteger os filhos e exigir a obediência, o respeito e as obrigações decorrentes de sua idade e condição (BRASI, 2002). Ainda, os pais devem zelar pelo futuro dos filhos, garantindo-lhes a nomeação de um tutor, nas hipóteses de falecimento ou impedimento para exercer o poder familiar, representar os filhos judicial e extrajudicialmente até os 16 anos, em todo e qualquer ato da vida civil, e assisti-los após essa idade, em todos os atos em que forem partes (BRASIL, 2002).
3. A guarda
A guarda consiste no instituto jurídico por meio do qual se atribui a alguém, o guardião, um conjunto de direitos e deveres relativos ao filho menor não emancipado, em especial a prerrogativa de tê-lo em seu poder e companhia, vinculada aos deveres de ampla assistência material, moral, educacional e afetiva. Entende-se por guarda comum ou natural aquela exercida pelos pais sobre os filhos menores, enquanto estiverem convivendo sob o mesmo teto. Sob o ponto de vista do poder familiar.
No que concerne à guarda de pais separados, pode-se dizer que é a atribuição "a um dos pais, ou a ambos, dos encargos de cuidado, proteção, zelo e custódia, em relação ao filho", podendo esta ser unilateral, quando é atribuída somente a um dos pais, e compartilhada, quando exercida por ambos. (Lôbo, 2011, p. 190).
A promulgação da Constituição Federal de 1988 representou avanço ainda maior quando estabeleceu, em seu artigo 227, o dever da família, da sociedade e do Estado de assegurar à criança o direito à convivência familiar e comunitária. Homens e mulheres passaram a ter os mesmos direitos e deveres referentes à sociedade conjugal, o que causou um grande reflexo positivo no exercício do poder familiar e na guarda dos filhos.
Anos depois, o Código Civil de 2002 rompeu de vez com o sistema que vinculava a guarda dos filhos menores à culpa dos cônjuges, estabelecendo, no texto original do art. 1.584, que "decretada a separação judicial ou o divórcio, sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda dos filhos, será ela atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-la."
Até então, a disputa pela guarda dos filhos não levava em consideração o sofrimento dos filhos que, divididos entre pai e mãe, tinham sua situação agravada com o desfazimento do lar.
Conforme a nova disciplina do Código Civil é demonstrado no art. 1.634:
Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos: I - dirigir-lhes a criação e a educação; II - exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584; III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem; IV - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior; V - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município; VI - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; VII - representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; VIII - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; IX - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.
Ou seja, ainda quando os pais estejam separados, ainda quando somente um deles detenha a guarda do filho, ambos continuam sendo titulares do poder familiar, que permanece ilesa frente ao divórcio ou à dissolução da união estável, sendo irrenunciável e de pleno direito de ambos.
Após tratar da dissolução da sociedade conjugal, o Código Civil dedicou um capítulo à proteção da pessoa dos filhos nos artigos 1.583 a 1.590, estabelecendo os conceitos de guarda unilateral e compartilhada e dando a preferência implícita pelo compartilhamento.
Atualmente, a lei procura atender primeiramente aos interesses dos filhos, obedecendo aos princípios constitucionais que passaram a embasar o Direito de Família. Via de regra, no caso de pais divorciados, a guarda dos filhos obedecerá ao que ficou acordado entre os pais, se entre eles houver consenso. O legislador dá preferência ao consenso dos pais, confiando no discernimento destes quanto às melhores escolhas para a felicidade de seus filhos. Porém, o art. 1.586 do Código Civil autoriza o juiz a regular a guarda de maneira diferente da acordada entre os pais, a bem dos filhos, sempre que o acordo não atender aos seus melhores interesses.
A guarda poderá ser extinta, modificada ou mesmo subtraída, em caráter excepcional, pelo juiz, se comprovado que o guardião ou pessoa de sua convivência familiar não tratam convenientemente a criança ou o adolescente, ou caso o guardião abuse de seus direitos "quando exceder manifestamente dos limites impostos pelo fim social da guarda, pela boa-fé ou pelos bons costumes", em atendimento à regra geral estabelecida no art. 187 do Código Civil.
4. Guarda Compartilhada
A Guarda Compartilhada está prevista na Lei nº 11.698, de 13 de junho de 2008. É considerada a modalidade mais importante no que diz respeito a guarda, a grande responsabilidade de ambos os pais para buscarem o interesse em comum do filho é o principal objetivo dessa modalidade de guarda. Com o bom senso e de acordo, as partes podem conciliar o relacionamento de forma a busca a melhor solução pensando unicamente no filho e deixando de lado qualquer atrito entre os ex-cônjuges.
O instituto da guarda compartilhada foi acrescido ao Código Civil por meio da Lei 11.698/2008 e após pela Lei 13.058/2014, ampliando os artigos 1.583 e 1.584 do referido diploma, com o propósito de proteger os interesses da criança e adolescente, garantindo aos genitores a participação ativa no desenvolvimento ético, moral, educacional e psicológico do menor.
A nova disposição do artigo 1.584, §2º do Código Civil regulamenta:
Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor. (BRASIL, 2002).
Percebe-se que há uma flexibilidade do legislador para que haja melhores opções à disposição dos pais que detém o poder familiar, nessa linha, descreve Madaleno (2017, p. 424) sobre como pode ser atribuída a guarda compartilhada nessas situações:
A guarda compartilhada procura fazer com que os pais, apesar da sua separação pessoal e vivendo em lares diferentes, continuem sendo responsáveis pela formação, criação, educação e manutenção de seus filhos e sigam responsáveis pelo integral desenvolvimento da prole, mesmo estando separados de fato ou divorciados, obrigando-se a realizaram da melhor forma possível suas funções parentais.
Levando-se em conta o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente e da afetividade, a guarda compartilhada obriga os pais a realizar de maneira melhor suas funções para que alcancem os princípios e prerrogativas de direito da criança e do adolescente.
Nesse sentido, Dias (2011, p. 445) afirma que a ideia da guarda compartilhada é um avanço, uma vez que propicia a relação dos filhos com ambos os genitores e retira da guarda a característica de posse. Para a aplicação da guarda compartilhada, em tese, os genitores deveriam compartilhar de um consenso quanto às decisões referentes aos filhos em comum. Entretanto, a ideia de consenso não está caracterizada nos dispositivos do Código Civil, uma vez que a previsão legal estabelece que a aplicação desta modalidade de guarda ocorrerá quando não houver consenso entre os genitores, mas ambos forem aptos para exercerem o poder familiar (BRASIL, 2002).
Sua aplicação deveria ser atribuída em decorrência do consenso parental e não de imposição judicial, como preveem as novas regras sobre a matéria. De outro modo, Madaleno (2013, p. 442) ensina:
A guarda compartilhada exige dos genitores um juízo de ponderação, imbuídos da tarefa de priorizarem apenas os interesses de seus filhos comuns, e não algum eventual interesse egoísta dos pais. Deve ser tido como indissociável pré-requisito uma harmônica convivência dos genitores; como a de um casal que, embora tenha perdido a sua sintonia efetiva pelo desencanto da separação, não se desconectou da sua tarefa de plena realização parental, ao cuidar de priorizar o fundamental interesse da prole e realizar no plano concreto a felicidade dos filhos.
Estes afirmam que para a aplicação da guarda compartilhada é necessário que os pais possuam atitudes objetivas para garantir o bem-estar dos filhos, em um ambiente familiar saudável e protetivo, cooperação, residências e horários adequados para manter a prole em um espaço tranquilo e funcional, assim como colaboração recíproca entre os genitores, servindo como parâmetros para garantir o êxito no compartilhamento da guarda e para que não seja uma realidade difícil de ser assumida.
A guarda compartilhada pode ser requerida pelas partes ou ser decretada pelo juiz, levando em consideração as necessidades específicas do filho. Ainda, o juiz sempre deverá informar as partes o significado da guarda compartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas (BRASIL, 2002).
Quanto aos períodos de convivência e as atribuições do pai e da mãe, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá se orientar através de laudos técnicos-profissionais ou de equipe interdisciplinar, que deverá visar à divisão equilibrada do tempo com o pai e com a mãe (BRASIL, 2002).
5. Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, as crianças e adolescentes passaram a ser reconhecidos como sujeitos de direito, visto que todos são iguais perante a lei. Ainda, o referido diploma prevê, em seu artigo 227, que a família deve assegurar à criança e adolescente, com prioridade absoluta, o direito à vida, segurança, educação etc. promovendo a sua plena proteção (BRASIL, 1988). O Estatuto da Criança e do Adolescente também concede prioridade absoluta às crianças e adolescentes, por meio dos artigos 3º e 4º, garantindo-lhes que gozem de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da plena proteção e, garantindo também, a absoluta prioridade (BRASIL, 1990).
O princípio da dignidade da pessoa humana é um exemplo de direito fundamental, previsto na Constituição Federal de 1988, que está diretamente ligado ao direito das famílias, visto que todas as entidades familiares são dotadas de dignidade, não sendo possível conceder tratamento diferenciado às várias formas de filiação ou aos vários tipos de constituição de família (DIAS, 2011. p. 450). Ainda, a Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil através do Decreto 99.710/90, prevê em seu artigo 3º que: “Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem-estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança” (BRASIL, 1990).
Este princípio é uma vertente da efetivação da doutrina da proteção integral que vincula tanto o legislador quanto o aplicador do direito, determinando a primazia das necessidades da criança e do adolescente em diversas esferas: na interpretação das leis, nas decisões que lhes digam respeito, no deslinde de conflitos e na elaboração de futuras regras.
É também um dos principais fundamentos para decisões judiciais que dizem respeito à guarda de filhos, assim, o caso concreto sempre deve ser analisado de modo a atender ao melhor interesse da criança e do adolescente, sobrepondo-se esse critério a todos os outros, sejam fáticos, sejam jurídicos.
Importante ressaltar que “não se está diante de um salvo-conduto para, com fundamento no melhor interesse, ignorar a lei. O julgador não está autorizado, por exemplo, a afastar princípios como o contraditório ou o do devido processo legal, justificando seu agir no melhor interesse."
Portanto, o princípio do melhor interesse deve ser utilizado como acessório nas decisões que versem sobre direito de menores, devendo cada caso ser analisado em especial, com a garantia de que a decisão mais favorável será aplicada. Ainda, o princípio do melhor interesse deve estar em conjunto com o princípio da proteção integral, garantindo que as crianças e adolescentes gozem da vida, saúde, liberdade, respeito, dignidade, convivência familiar e comunitária, educação, profissionalização, lazer e esporte de forma plena, com o objetivo de proporcionar um desenvolvimento saudável, tanto na esfera pessoal como na social.
6. Proteção integral da criança e adolescente
A doutrina da proteção integral é um corpus juris de convenções, tratados e diretrizes de proteção à infância e juventude, tanto no que se refere à proteção, como à responsabilização, com especial destaque para as Regras e Diretrizes da ONU e a Convenção dos Direitos da Criança.
A proteção integral da criança e do adolescente foi incorporada pelo art. 227 da Constituição de 1988, que foi definidor de direitos fundamentais da criança e do adolescente com aplicação imediata. Coube ao Estatuto da Criança e do Adolescente, por sua vez, a construção sistêmica da doutrina da proteção integral.
Vale ressaltar o disposto no art. 227 da Carta Constitucional, onde estão elencados os direitos fundamentais dos menores, destacando sua prioridade absoluta para a ordem jurídica:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
O direito da criança e do adolescente passou a ter fundamento, então, na Doutrina da Proteção Integral, que reconheceu, pela primeira vez, as crianças e adolescentes como sujeitos de direitos. Crianças e Adolescentes são pessoas, porém, pessoas em desenvolvimento. E, por serem pessoas em desenvolvimento, fazem jus a uma prioridade absoluta da família, da sociedade e do Estado. Alguns exemplos de direitos específicos que as crianças possuem são: direito ao não trabalho, direito à inimputabilidade penal, direito à convivência familiar e comunitária, dentre outros.
A doutrina da proteção integral garantiu o reconhecimento das crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, passando a titularizar direitos fundamentais. Se antes havia um “direito do menor”, voltado para um público restrito, com a proteção integral passou a haver um direito da criança e do adolescente, universal e abrangente.
A doutrina da proteção integral instituiu um novo sistema de justiça, com todas as garantias formais e materiais do devido processo legal e da ampla defesa. Esse sistema de justiça incluiu a Defensoria Pública como defesa técnica da criança e do adolescente e o Ministério Público como agente de transformação social, substituindo o sistema do Código de Menores, que centralizava todo o poder na figura do juiz. A principal regra do sistema consiste em jamais tratar o adolescente de forma mais gravosa que o adulto.
7. A efetivação do princípio do melhor interesse na guarda compartilhada
A guarda compartilhada tem como objetivo a conservação dos mesmos laços que uniam pais e filhos antes da ruptura das relações afetivas, de forma que os desentendimentos entre os genitores não atinjam o relacionamento deles com os filhos. Maria Helena Diniz afirma que a guarda compartilhada: “assegura maior aproximação física e imediata dos filhos com ambos os pais, mesmo quando cessado o vínculo de conjugalidade.”
O Tribunal de Justiça do Estado do Pará segue o mesmo entendimento:
EMENTA: APELAÇÃO CIVEL MINISTÉRIO PÚBLICO. PROCESSO CIVIL DIREITO DE FAMÍLIA PEDIDO DE GUARDA COMPARTILHADA DE MENOR AVÓS MATERNOS E GENITORES.PEDIDO JURIDICAMENTE POSSÍVEL.SITUAÇÃO QUE MELHOR ATENDE AO INTERESSE DA CRIANÇA.SITUAÇÃO FÁTICA EXISTENTE.CONCORDÂNCIA DASCRIANÇAS E SEUS GENITORES.RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. POR UNANIMIDADE DE VOTOS - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
A doutrina também coaduna com a jurisprudência em razão da prevalência do que melhor atende às necessidades do menor, sendo até preferível, quando os genitores não forem aptos a exercer o poder familiar, que essa função passe aos membros da própria família, supondo haver uma existência maior de laços afetivos, já que permanecerão dentro do mesmo convívio familiar. No entanto, essa presunção é relativa, já que existem terceiros mais presentes e participativos que parentes próximos, razão por qual a legislação também dá preferência a outras pessoas sem relação sanguínea, mas que desenvolvem relações de afinidade e afetividade com a criança ou o adolescente.
Da mesma forma, também se manifestou o Superior Tribunal de Justiça:
CIVIL E PROCESSUAL. PEDIDO DE GUARDA COMPARTILHADA DE MENOR POR TIO E AVÓ PATERNOS. PEDIDO JURIDICAMENTE POSSÍVEL. SITUAÇÃO QUE MELHOR ATENDE AO INTERESSE DA CRIANÇA. SITUAÇÃO FÁTICA JÁ EXISTENTE. CONCORDÂNCIA DA CRIANÇA E SEUS GENITORES. PARECER FAVORÁVEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. I. A peculiaridade da situação dos autos, que retrata a longa coabitação do menor com a avó e o tio paternos, desde os quatro meses de idade, os bons cuidados àquele dispensados, e a anuência dos genitores quanto à pretensão dos recorrentes, também endossada pelo Ministério Público Estadual, é recomendável, em benefício da criança, a concessão da guarda compartilhada. II. Recurso especial conhecido e provido.
Por fim, a guarda compartilhada, com muita maestria, favorece o desenvolvimento das crianças com menos traumas e ônus, proporcionando a continuidade da relação dos filhos com seus pais, sabotando da guarda a ideia de posse. Sua finalidade principal é diminuir os possíveis traumas advindos do fracasso das relações de afeto, visando sempre o benefício do menor, mantendo na família a presença de duas figuras essenciais, a paterna e a materna, que juntas, somando esforços, devem assumir e acompanhar o desenvolvimento mental, físico e social da criança.
Quando a fixação da guarda for por determinação legal, o magistrado poderá, de ofício ou à requerimento do Ministério Público, basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, que deverá visar uma divisão equilibrada de tempo entre a criança e seus genitores. É o que determina o artigo 1.584, parágrafo 3º do Código Civil:
Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser: (Redação dada pela Lei nº 11.698, de 2008).
§ 3o Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, que deverá visar à divisão equilibrada do tempo com o pai e com a mãe. (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014).
A equipe interdisciplinar fornecerá subsídio ao juiz para a formação do seu convencimento, pois sua função consiste em trazer conhecimentos especializados ao processo, tanto de ordem técnica, científica ou prática que o julgador não está obrigado a conhecer, mas que são de extrema importância para fundamentar a decisão.
Com base nos ensinamentos de Douglas Phillips Freitas, “a perícia interdisciplinar consiste na designação genérica das perícias que poderão ser realizadas em conjunto ou separadamente em determinada ação judicial.” Composta por perícias sociais, psicológicas e médicas, dentre outras que se fizerem necessárias para o subsídio e certeza da decisão judicial. Portanto, a perícia interdisciplinar é gênero da qual as demais perícias são espécies.
Dada à importância da equipe interdisciplinar nos processos de guarda compartilhada, é essencial compreender a atuação dos peritos nas demandas, nesse sentido, Douglas Phillips Freitas explica:
A perícia interdisciplinar é um dos instrumentos no conjunto probatório da ação. A produção da perícia como prova processual possui um caráter objetivo e outro subjetivo. O primeiro se deve a que o instrumental apresentará nos autos da ação um instrumento hábil e verificável, que tem por finalidade demonstrar a existência de um fato. O caráter subjetivo, por sua vez, traduz a influência psíquica que a perícia produz, pois, ao retratar e documentar uma realidade fática, ela permite às partes envolvidas não ação a apreciação da prova produzida, para que seja corroborada ou contestada.
Por fim, as divergências e diferenças presentes entre os genitores não devem ser obstáculos a afastar, de plano, a aplicação da guarda compartilhada. Nesses casos, a equipe interdisciplinar ou o profissional que já acompanha a criança ou a família podem desempenhar papel fundamental, sempre que chamados a auxiliar, fornecendo subsídios ao magistrado que deverá decidir com base no princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.
Diante da sensibilidade que sempre envolve os casos familiares, torna-se extremamente difícil decidir sobre tais demandas. Além do mais, cada família se caracteriza por suas particularidades, trazendo dúvidas quanto ao que melhor atenda a cada uma, devendo o magistrado analisar cautelosamente o caso concreto. O papel da Equipe Interdisciplinar é extremamente importante no compartilhamento da guarda, principalmente nos casos em que não haja consenso entre os genitores. Supõe-se que um ex-casal em conflito, e estando compromissado com uma guarda compartilhada, necessita de acompanhamento profissional periódico, uma vez que, muitas vezes, o rompimento das relações afetivas acarreta rancores e cicatrizes que não se curam, ainda que o tempo passe e ainda que construam outras famílias.
Nesse sentido, o papel da Equipe Interdisciplinar também se torna extremamente importante, já que, em se tratando de Direito de Família, não existe nada de concreto, e as decisões devem ser reformuladas quando necessário, sempre em atendimento ao que melhor atender o menor.
8. CONCLUSÃO
O presente trabalho objetivou a pesquisa acerca do instituto da guarda compartilhada em atendimento ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente e a sua aplicabilidade como melhor alternativa dos genitores ou como imposição judicial. Após a alteração dos artigos 1.583 e 1.584 do Código Civil de 2002, decorrente da Lei 13.058/14, a modalidade compartilhada de guarda se tornou regra, podendo ser aplicada inclusive nos casos em que os genitores forem aptos para o exercício do poder familiar, mas não conseguem obter um consenso.
A importância do estudo funda-se na necessidade de avaliar até que ponto é possível aplicar a guarda compartilhada e garantir a eficácia do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, bem como se a sua aplicação poderia ocorrer através de imposição judicial, mesmo em lares degradados, ou se as partes deveriam escolher consensualmente acerca da aplicação do instituto.
O problema de pesquisa consistiu na análise da aplicação da guarda compartilhada em qualquer hipótese e, ainda assim, garantir a proteção da criança e do adolescente e a eficácia do princípio do melhor interesse.
A hipótese inicialmente apresentada foi a confirmação parcial do problema apresentado, pois a igualização das responsabilidades parentais pode garantir mais bem tomadas de decisões dos pais em relação aos filhos, bem como possibilitar o diálogo entre os genitores, tornando o convívio do núcleo familiar harmonioso e saudável às crianças e adolescentes. Ainda, o exercício do poder familiar por ambos os genitores garante aos filhos a participação ativa dos pais no seu desenvolvimento ético, moral, educacional e psicológico, ampliando também o tempo de convivência.
Pelo exposto no decorrer do presente trabalho, verificou-se que a guarda compartilhada gera grandes vantagens à criança e ao adolescente, pois garante maior participação dos pais na vida da prole, amplia o contato, permite a igualdade nas tomadas de decisões, diminui a ocorrência da síndrome da alienação parental, além de possibilitar que o filho sofra em menor escala quando da separação conjugal. Todavia, a aplicação da guarda compartilhada pode gerar efeito contrário quando não atende ao bem-estar dos filhos ou não garante o melhor interesse.
REFERÊNCIAS
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FREITAS, Douglas Phillips. Guarda Compartilhada e as regras da perícia social, psicológica e interdisciplinar: Comentários à lei 11.698 de 13 de junho de 2008. 1ª ed. Florianópolis: Conceito Editora, 2009, p. 82.
BRASIL. Lei nº 12.318, de 26 de agosto de 2010. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12318.htm> Acesso em: 29 Out. 2021.
BRASIL. Lei nº 13.058, de 22 de Dezembro de 2014. Altera os arts. 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), para estabelecer o significado da expressão “guarda compartilhada” e dispor sobre sua aplicação. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/Lei/L13058.htm> Acesso em: 29 Out. 2021.
BRASIL. Artigo 1.634 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm> Acesso em: 30 Out. 2021.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Pará. Apelação nº 2013.04138380-97. 3ª CÂMARA CÍVEL ISOLADA. ACÓRDÃO nº 120.070. Julgado em: 28/09/2012. Disponível em: < http://gsa-index.tjpa.jus.br/consultas/search?q=APELA%C3%87%C3%83O+CIVEL+MINIST%C3%89RIO+P%C3%9ABLICO.+PROCESSO+CIVIL+DIREITO+DE+FAM%C3%8DLIA+PEDIDO+DE+GUARDA+COMPARTILHADA+DE+MENOR+AV%C3%93S+MATERNOS+E+GENITORES&jp_search=1&site=jurisprudencia&entqr=3&oe=UTF-8&ie=UTF-8&wc=200&wc_mc=1&ud=1&filter=0&getfields=*&client=consultas&proxystylesheet=consultas&sort=date%3AD%3AS%3Ad1&aba=JP&lr=lang_pt> Acesso em: 29 Out. 2021.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp: 1147138 SP 2009/0125640-2, Relator: Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, Data de Julgamento: 11/05/2010, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/05/2010. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14346054/recurso-especial-resp-1147138-sp-2009-0125640-2/inteiro-teor-14346055> Acesso em: 29 Out. 2021.
Graduando do Curso de Direito do Centro Universitário FAMETRO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BASTOS, Fernando Leonel Lira. Guarda compartilhada: a equiparação do regime de guarda com finalidade no melhor interesse da criança e do adolescente Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 nov 2021, 05:19. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57730/guarda-compartilhada-a-equiparao-do-regime-de-guarda-com-finalidade-no-melhor-interesse-da-criana-e-do-adolescente. Acesso em: 23 dez 2024.
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