RESUMO: Este trabalho tem como objetivo, estudar o instituto da violência contra a mulher com ênfase na violência psicológica descrita na lei 11.340/2006 no artigo 7º, II, tendo em vista que se trata de um instituto pouco explorado, posto que sua identificação na sociedade é ignorada por ser considerado uma violência de menor teor ofensivo. Ocorre que, em 2021, o crime de violência psicológica foi devidamente tipificado no Código Penal brasileiro e gerou o tipo penal da violência psicológica, um marco histórico para a sociedade, uma vez que a mesma não estava de fato atrelada ao direito. O texto foi desenvolvido por pesquisa exploratória, através da seleção de doutrinas, artigos e dissertações sobre o tema. Ainda, o método científico utilizado foi o dedutivo. Também foram consultados a Lei 11.340/2006 que dispõe sobre crimes contra a mulher, o Código Penal, julgados dos tribunais, bem como jurisprudência sobre o tema.
PALAVRAS-CHAVE: Violência psicológica. Mulher. Integridade Psíquica. Tipificação Penal.
ABSTRACT: This work aims to study the institute of violence against women with emphasis on psychological violence applied in law 11.340/2006 in article 7, II, considering that it is a little explored institute, since its identification in society is ignored for being considered a violence with less offensive content. It so happens that, in 2021, the crime of psychological violence was duly typified in the Brazilian Penal Code and generated the criminal type of psychological violence, a historic landmark for society, since it was not actually linked to law. The text was developed through exploratory research, through the selection of doctrines, articles and dissertations on the subject. Still, the scientific method used for the deductive. Also consulted were Law 11,340/2006, which provides for crimes against women, the Penal Code, judged by the courts, as well as jurisprudence on the subject.
KEYWORDS: Psychological violence. Woman. Psychic Integrity. Criminal Classification.
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Violência psicológica contra a mulher – 2.1 Conceituação – 2.2 Ciclo de violência doméstica – 2.3 Violência contra a mulher na pandemia – 3. Violência psicológica – 3.1 Conceituação – 3.1 Violência psicológica como crime de lesão corporal – 3.2 Tipificação penal da violência psicológica 3.2.1 Tipo penal da violência psicológica – 4. Conclusão – 5. Referências.
INTRODUÇÃO
A violência contra a mulher é um problema de grande relevância para a sociedade por se tratar de crime de gênero, pois observa-se na história mundial a forte descriminação da mulher, seja na condição de esposa ou no ambiente de trabalho, a mulher sempre foi vista como um lado mais fraco.
Em decorrência disso, teve que ser criado mecanismos de combate a este tipo de violência como o decreto nº 4.377, de 13 de setembro de 2002 que ratificou a chamada “Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979” a qual traz prerrogativas básicas de exercício do direito da mulher, este acordo internacional se tornou um ponto inicial para um instrumento de proteção exclusiva da mulher. Logo, falar sobre violência de gênero é de grande valia, uma vez que se trata de uma conquista história, posto que temos a evolução da visibilidade da mulher como um sujeito de direito na sociedade.
O direito brasileiro caracteriza as formas de violência contra a mulher na Lei Federal 11.340/2006, sendo delas: física, patrimonial, psicológica, sexual e moral, todas com suas devidas complexidades, no entanto a que possui maior complexidade probatória de sua materialização é a modalidade psicológica, por se tratar de uma forma de violência que mexe com a integridade psíquica da vítima.
A violência psicológica é geralmente despercebida quando sofrida pela vítima, tendo em vista que não deixa vestígios visíveis e de fácil identificação por se tratar de uma conduta que cause dano emocional (artigo 147-B, caput, do Código Penal).
Logo vem o questionamento: como provar que tal conduta lhe gerou dano emocional? Ou que tal conduta prejudica sua saúde psicológica?
Durante a pandemia o número de violência contra a mulher cresceu, nesse sentido o direito brasileiro tipificou, em junho de 2021, o crime de violência psicológica, até então sendo enquadrado de forma indireta como lesão corporal, desse modo verificou-se a necessidade de dar a devida atenção a esta modalidade que está muito presente na sociedade, entretanto é invisível pois suas marcas não são físicas ou patrimoniais.
Portanto, é importante destacar que, por se tratar de uma modalidade de violência complexa, a violência psicológica contra a mulher merece a devida atenção, pois além de adentrar em um ramo do direito pouco explorado, o psíquico, destaca-se a relevância que é a integração de profissionais psicólogos dentro das unidades judiciarias, delegacias, ministério público e, até mesmo, a defensoria pública, pois ainda estamos falando de um bem jurídico, deixando em evidencia o princípio do direito penal da exclusiva proteção do bem jurídico.
1 VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
1.1 Conceituação
A palavra violência vem do Latim “violentia”, que significa “veemência, impetuosidade”, possui a origem relacionada ao termo “violação” (violare), de forma genérica, no uso da agressividade de forma intencional e excessiva para ameaçar ou cometer algum ato que resulte em acidente, morte ou trauma psicológico.
Violência. s.f (Lat. Violentia (m)) - Qualidade de violento; acção ou resultado da acção de violentar ou violentar-se; ímpeto veemente nas acções; força com que se pretende obrigar uma pessoa a fazer aquilo que ela não quer; acto violento; abuso da força e do poder; opressão; grande impulso; veemência, impetuosidade; coacção; constrangimento2 ; Violência. [Do lat. violentia] S.f. 1. Qualidade de violento. 2. Ato violento. 3. Ato de violentar. 4. Jur. Constrangimento físico ou moral; uso da força; coação3 .
Ela se caracteriza como um constrangimento físico ou moral exercido sobre alguém, que obriga essa pessoa a fazer o que lhe é imposto: violência física, violência psicológica, sexual, patrimonial, entre outras, assim dispõe o artigo 7° da Lei 11.340/2006:
Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
A violência contra a mulher foi reconhecida pela Conferência das Nações Unidas sobre Direitos Humanos (Viena, 1993) como uma das formas de violação dos direitos humanos. Nesse sentindo, os governos dos países-membros da ONU e as organizações da sociedade civil trabalham para a eliminação desse tipo de violência, que já é reconhecido também como um grave problema de saúde pública. O Brasil é signatário de todos os tratados internacionais que objetivam reduzir e combater a violência de gênero.
A violência contra a mulher se origina nas relações as quais pregam a dominação de gênero e a submissão da mulher, independe de classe social ou cultural, idade ou etnia, posto que se baseia na noção de que o homem detém poder sobre a mulher, o que o leva a agir de forma violenta, coagindo a mulher por sua superioridade e força física.
Nesse passo, Amini Haddad Campos e Lindinalva Rodrigues Côrrea, concluem:
Assim, constata-se que as situações de violência doméstica e familiar contra a mulher são fruto de sua condição geral de subordinação e submissão aos ditames masculinos, que refletem posições hierárquicas e antagônicas entre homens e mulheres, tendo como fator condicionante a opressão das mulheres perpetrada pela s em como do conflito de interesses entre os sexos. (CAMPOS e CÔRREA, 2007, p. 212-213).
No ano de 2006, houve o grande avanço na prevenção e combate da violência contra mulher, onde finalmente passou a vigorar uma lei voltada a proteção da mulher, com intuito de trazer mais segurança para a mulher e, ainda, visando na punição do o agressor de maneira mais rigorosa.
Com o advento da lei Maria da Penha, houve expansão enquanto ao conceito de violência doméstica, posto que no Código Penal, em seu artigo 129, §9º, não consta com clareza acerca importância especificação da vítima feminina, tendo em vista a necessidade de haver tal proteção a mulher, diante disso veio a lei 11.340/2006, a fim de gerar medidas protetivas a mulher e especificar o que seria a violência doméstica contra a mulher e, além disso, taxar tipos de violência como: física, patrimonial, psicológica, sexual e afins.
Logo, no que diz respeito a Lei Maria da Penha, Leda Maria Hermann (2008, p.19) entende que:
Nem perfeita, nem milagrosa, a lei tem como principal mérito reconhecer e definir a violência doméstica em suas diversas manifestações, além de prever a criação de sistema integrado de proteção e atendimento às vítimas. Embora o destaque maior, no próprio texto legal, na mídia e na sociedade, esteja centrado nas normas penais que contém, não é esta sua faceta mais importante e inovadora.
1.2 Ciclo de violência doméstica
Um ponto bem importante para se explicar o fato da permanência da mulher em uma relação abusiva e violenta é chamada de “ciclo da violência doméstica”, criado pela psicóloga estadunidense, Lenore E. Walker, em 1975, onde foi possível demonstrar que a violência dentro das relações costuma se manifestar através de ciclos, o que acaba por demonstrar o motivo pelo qual mulheres em situação de violência não da relação, por mais abusiva que seja. (RAMOS, 2020, p. 98 e 99).
O ciclo da violência se dá em três fases, sendo elas:
A primeira fase é chamada de tensão, nesse momento o agressor demonstra irritação, realiza ameaças e humilhações para vítima, a qual, nas palavras de Ramos (2020, p. 99) se torna cúmplice e assume a responsabilidade pelo comportamento abusivo de seu algoz, entrando em fase de negação.
Já na segunda fase, ou como foi denominada “fase da agressão”, é o momento em que o agressor materializa a tensão, violentando a mulher, que por sua vez encontra-se gravemente ferida, sendo de suma importância destacar que a agressão não se resume tão somente à violência física. (WALKER, 1979, p. 309).
E, também, tem a terceira fase que é conhecida como “lua de mel”, aqui é onde o agressor demonstra arrependimento e faz falsas promessas de que as agressões não irão se repetir, a fim de pressionar a vítima a se manter no relacionamento. Leonore E. Walker (1975), denominou essas três fases como „ciclo da violência‟ pelo fato de que em algum momento a tensão reaparecerá e as fases se repetirão, sendo possível o ciclo se inicia com a violência psicológica, onde o agressor de certo modo torna a vítima vulnerável para que esteja frágil o suficiente para permanecer na relação abusiva.
1.3 Violência contra a mulher na pandemia
Em tempos de pandemia mundial e a necessidade de reclusão e quarentena em casa, cresceu significativamente em relação as vítimas no Brasil, sendo de acordo como o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, conduzido a pedido do Banco Mundial, um aumento de 431% em relatos de brigas de casal entre fevereiro e abril de 2020.
Nesse sentindo, 12 estados brasileiros foram pesquisados e resultam que os casos de feminicídio subiram 22,2% de março para abril. Este conjunto de números mostram a existência de um incremento sério da violência doméstica e familiar nesse período de pandemia. Salienta-se que o número de vítimas é maior entre as negras e mais jovens, pois uma em cada três mulheres, entre 16 e 24 anos, relatam terem vivido algum tipo de violência.
A residência continua sendo o lugar mais perigoso. Praticamente metade dos casos de violência aconteceu dentro de casa, e 73% dos agressores eram íntimos das vítimas. Maridos ou namorados em primeiro lugar, seguidos de ex-maridos ou ex-namorados, pais ou mães, padrastos ou madrastas e mesmo filhos e filhas.
Não é de se assustar o crescimento significativo de violência doméstica contra a mulher, posto que ao ser submetida a cumprimento de quarentena em casa, a vítima está totalmente vulnerável em relação ao seu agressor, no caso, seu cônjuge, namorado ou convivente. Ainda, vale salientar, que a maioria das vítimas não procuram uma delegacia a fim de solucionar o problema, uma vez que com a chegada da pandemia mundial, decorrente da COVID-19, os protocolos no atendimento sofreram alterações, impossibilitando que a vítima seja ouvida ou ou acolhida dentro das delegacias de polícia.
Diante disso, em junho de 2021 foi aprovado o projeto de lei 741/2021, que visa a criação do programa sinal Vermelho contra a violência doméstica, tendo como principal objetivo incentivar as mulheres na denúncia de situações de violência doméstica.
Segundo o texto, caberá ao Poder Executivo em conjunto com o Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública e aos órgãos de segurança pública, firma cooperação com as entidades privadas para implementar o programa. A priori, foi instituído no programa que a mulher que apresentar um sinal de “X” na palma de sua mão deverá ser amparada com vítima de violência doméstica, por se tratar de um modo de reconhecimento da vítima.
2 VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA
2.1 Conceituação
A violência psicológica, especificamente, está prevista no ordenamento jurídico brasileiro, através da lei 11.340, em seu artigo 7º, II, mencionando que:
Artigo 7°:
II- a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; (Redação dada pela Lei nº 13.772, de 2018).
Nesse sentindo, partindo da definição legal da violência psicológica, observa-se que se trata de uma modalidade que dificulta a formação de materialidade probatória, uma vez que ocorre a dois ou, se acontecer em locais públicos não será vista como um tipo de violência, mas sim como ataques de ciúmes, excesso de proteção ou cuidado, ironias, ou seja, definições ínfimas para descaracterizar o crime. Nesse momento, pode ser reconhecida a invisibilidade da violência psicológica diante as demais.
Tal modalidade advém de uma conduta omissiva ou comissiva em que provoca danos à saúde da mulher, ocorrendo de modo sútil através de comportamentos capazes o homem manter seu controle sobre a mulher, fazendo com que ela se sinta humilhada e, até mesmo, incapaz de tomar qualquer atitude contra seu agressor, posto que a vítima sequer percebe que está sendo agredida psicologicamente, por tratar-se de uma violência subjetiva, uma vez que ocorre de modo lento e de difícil reconhecimento, pois ao contrário da violência física, essa não deixa marcas visíveis no corpo, o que dificulta a construção de sua materialidade.
A violência psicológica se caracteriza de forma peculiar diante das demais violências listadas na Lei 11.340/2006, haja vista que para se reconheça a violência física, basta o contato físico, o mesmo para a sexual, já para a patrimonial basta a violação ao patrimônio da vítima, no entanto para a psicológica, apesar de estar listada como uma modalidade de violência doméstica, pode ser considerada a com maior dificuldade de haver seu reconhecimento uma vez que ela é invisível diante das outras.
Em tempos de pandemia, como se reconhecer na condição de vítima da violência psicológica? A resposta é simples e direta, não tem como, uma vez que as políticas públicas ligadas ao enfretamento de violência doméstica, principalmente em sua modalidade psicológica são esquecidas e não abordadas.
Será que grande parte da invisibilidade da violência psicológica poderia ser culpa da sociedade? Talvez, pois crescemos ouvindo que “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher” e seguimos aguardando as marcas da violência física ou, só damos a devida atenção, quando o caso passa a se tratar de feminicídio.
Nesse sentindo, é o entendimento de Maria Berenice Dias:
A violência psicológica encontra forte alicerce nas relações desiguais de poder entre os sexos. É a mais frequente e talvez seja a menos denunciada. A vítima muitas vezes nem se dá conta que agressões verbais, silêncios prolongados, tensões, manipulações de atos e desejos, são violência e devem ser denunciados. Para a configuração do dano psicológico não é necessária a elaboração de laudo técnico ou realização de perícia. Reconhecida pelo juiz sua ocorrência, cabível a concessão de medida protetiva de urgência. Praticando algum delito mediante violência psicológica, a majoração da pena se impõe (CP, art. 61, II, f). (DIAS, 2007, p. 48).
Dito isso, surgiu a possibilidade da aplicação da Lei Maria da Penha mesmo não havendo coabitação, tal decisão advém do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp. 1.239.850/DF, ao analisar um caso onde o irmão da vítima fez várias ameaças de causar mal injusto e grave, com a depreciação do veículo da vítima, causando-lhe sofrimento psicológico e dano material e moral, a fim de obrigar a irmã a desistir do controle da pensão que a mãe recebia. Isso porque, o agressor se valeu de sua autoridade como irmão para tomar da vítima o controle do dinheiro da pensão.
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE AMEAÇA PRATICADO CONTRAIRMÀ DO RÉU. INCIDÊNCIA DA LEI MARIA DA PENHA. ART. 5.° numal de lus INCISO II, DA LEI N.° 11.340/06. COMPETÊNCIA DO JUIZADO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICAE FAMILIAR CONTRA A MULHER DE BRASÍLIA/DF. RECURSO PROVIDO. 1. A Lei n° 11.340/2006, denominada Lei Maria da Penha, tem o intuito de proteger a mulher da violência doméstica e familiar que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, sendo que o crime deve ser cometido no âmbito da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação íntima de afeto. 2. Na espécie, apurou-se que o Réu foi à casa da vítima para ameaçá-la, ocasião em que provocou danos em seu carro ao atirar pedras. Após, foi constatado o envio rotineiro de mensagens pelo telefone celular com o claro intuito de intimidá-la e forçá-la abrir mão "do controle financeiro da pensão recebida pela mãe" de ambos. 3. Nesse contexto, inarredável concluir pela incidência da Lei n° 11.343/06, tendo em vista o sofrimento psicológico em tese sofrido por mulher em âmbito familiar, nos termos expressos do art. 5°, inciso II, da mencionada legislação. 4. "Para a configuração de violência doméstica. Basta que estejam presentes as hipóteses previstas no artigo 5° da Lei 11.343/2006 (Lei Maria da Penha), dentre as quais não se encontra a necessidade de coabitação entre autor e vítima." (HC 115.857/MG, 6a Turma, Rel. Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), DJe de02/02/2009.)5. Recurso provido para determinar que Juiz de Direito da 3.a Varado Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Brasília/DF prossiga no julgamento da causa.
(STJ - REsp: 1239850 DF 2011/0040849-0, Relator: 50 - D1 Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: TRATA 16/02/2012, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/03/2012.
Observa-se, portanto, que a violência psicológica é uma modalidade mais profunda e complexa que qualquer outra violência, pois além de não deixar sequelas visíveis, ela pode ocorrer em qualquer esfera familiar ou grau de parentesco, ou qualquer circunstância.
Consoante a isto, verifica-se que se trata de uma violência silenciosa, na qual é de difícil manifestação, uma vez que ela só acontece entre as quatro paredes, no choro contido, na ilusão de que não acontecerá outra vez, e de que o agressor vai mudar o que na verdade não ocorre. Já os demais tipos de violências e o desrespeito tornam se mais frequentes, tendendo a outras formas de violência, a exemplo, a violência física.
2.2 Violência psicológica como crime de lesão corporal
O código penal em seu artigo 129, caput, preceitua que a lesão corporal é “Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem”, desse modo, é demonstrada a clareza na qual o legislador se referia a proteção da saúde, como um todo, a ser o bem jurídico protegido, inclusive a psicológica, logo a lesão à saúde de outrem se caracteriza por toda ou qualquer alteração fisiológica do organismo ou perturbação psíquica do ofendido.
Sob o ponto de vista de Mirabete (2012, p. 69):
O delito de lesão corporal pode ser conceituado como a ofensa à integridade corporal ou à saúde”. O conceito de lesão corporal como se vê deve ser entendido não apenas como uma lesão física ao corpo, mas toda e qualquer ofensa que prejudique a integridade física ou psíquica, incluindo, assim, qualquer distúrbio à saúde do ofendido.
Obviamente que não bastaria uma simples reclamação apresentada no registro de ocorrência, mas sim, a avaliação inclusive psicológica e psiquiátrica, além de outras provas como testemunhas para demonstrarem que o agressor praticou a violência psicológica e que por isso será condenado por Lesão corporal.
No entanto, normalmente o que é mais recorrente nas delegacias de polícia, são mulheres que sofreram a lesão corpora física, por acharem que a violência psicológica seria vista de forma ínfima e improvável diante a física, tendo seu maior respaldo em laudo pericial do IML. Nesse sentindo, as mulheres que nunca sofreram sequer um empurrão pelo companheiro, mas que são vítimas de violência psicológica poderão da mesma forma procurar a delegacia de proteção às mulheres e registrarem ocorrência, a delegada de posse das informações poderá fazer a abertura do inquérito que junto com o laudo psicológico, e outras provas a serem desenvolvidas no âmbito do processo, haverá base para condenar a agressão.
Em 2019, no Tribunal de Justiça de Santa Catarina, o juiz titular do juízo de direito do juizado de violência doméstica contra a mulher, condenou o réu pelo crime de lesão corporal, a partir de um laudo psicológico, num processo em que a vítima (mulher) sofreu durante seu casamento com o réu, violência psicológica, posto que o mesmo lhe agredia verbalmente e psicologicamente.
Processo 0009262-95.2019.8.24.0023 - Medidas Protetivas de urgência (Lei Maria da Penha) Criminal - Violência Doméstica Contra a Mulher - Autor: E. C. T. - Réu: H. T. - Ante o exposto, com fulcro no art. 487, I, do CPC, resolvo o mérito da presente demanda e, em consequência, JULGO PROCEDENTE o pedido de medidas protetivas formulado por Elizania Custodio Tscharn contra Helge Tscharn e ratifico a decisão de p. 6-8, no entanto, READÉQUO a medida permitindo que as partes mantenham contato tão somente via e-mail, conforme estabelecido no acordo firmado entre elas (item o.1 - p. 75). As medidas deferidas terão validade pelo período de 1 ano contado da data do proferimento daquela decisão (01/07/2019). Sem condenação em custas e honorários. No processo eletrônico a publicação e registro da sentença decorrem simultâneos a liberação da peça assinada digitalmente nos autos. Intime-se. Após o trânsito em julgado, certifique-se e arquive-se.
Ora, é de grande relevância se atentar que para que seja considerado culpado no direito brasileiro, é importante se provar a materialidade do crime. Ocorre que, se tratando de violência psicológica, tal materialidade probatória é mais difícil de se conseguir comparado a outras modalidades de violência. Ao contrário da física ou a sexual, a vítima não pode ser submetida a exame de corpo de delito, ao contrário da patrimonial, não possui bens móveis ou imóveis para prova a existência do crime.
2.3 Tipificação penal da violência psicológica
A violência psicológica passou a ser tipificada penalmente em julho de 2021 através da lei n° 14.188/2021 que adiciona ao Código Penal o artigo 147-B, que preceitua a seguinte redação:
Art. 147-B. Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação:
Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave.
. Antes desta tipificação as referências legislativas utilizadas para executar a violência psicológica contra a mulher se configuram em crimes, como a injúria (art. 140 do Código Penal), o constrangimento ilegal (art. 146 do CP), e a ameaça (art. 147 do CP), mas a violência psicológica é imensuravelmente complexa em si (abordada na Lei Maria da Penha) não encontrando respaldo penal à sua altura.
Logo, como a violência doméstica era antes tratada como crimes sem particularidade (como simples lesão corporal, por exemplo), a violência psicológica precisava de um tratamento penal específico.
Visto que foi feito um grande avanço na direção de considerar a violência doméstica como uma figura digna de tutela específica, muitos doutrinadores já discutiam também que tratamento deve ser dado à violência psicológica contra a mulher.
A primeira corrente acreditava na sua criminalização, tendo em vista que a única maneira de se reprimir a violência psicológica contra a mulher de forma efetiva é através da criminalização da mesma, e essa criminalização pode ser analisada nos casos em que já existe, como nas legislações da França (em 2010, artigo 222-33-2-1 do Código Penal Francês) e da Espanha (em 1999, através da Ley Orgánica de 9 de junho).
Enquanto a outra seguia o raciocínio que se diz contra a criminalização da violência psicológica. Além dos tipos penais não abordarem a complexidade da questão, certos doutrinadores também suscitam a questão do papel do Direito Penal no assunto, haja vista a precariedade tanto dos cárceres do nosso país assim como da efetividade do direito penal como um todo, portanto, fica o questionamento se a criminalização da violência psicológica seria mesmo uma solução viável.
A formalização da criação do tipo penal da violência psicológica é um avanço muito importante na legislação penal brasileira, tendo em vista que, analisando o andamento da pandemia no Brasil e a situação de vulnerabilidade da mulher num relacionamento abusivo, a necessidade desta tipificação se fez mais presente, posto que a vítima muitas vezes não sabe que está sofrendo a violência psicológica.
Desse modo, com o advento da Lei 14.188/2021, foi criado o artigo 147-B no código penal, passando a penalizar penalmente o crime, sendo mais fácil a sua apreciação pelo Poder Judiciário.
2.3.1 Tipo penal da violência psicológica
A redação do artigo 147-B do Código Penal traz de início o resultado gerado do crime com uma série de condutas que podem ser praticadas pelo sujeito ativo e causando o resultado, sendo dano principal é “causar dano emocional à mulher”. Após isso, verifica-se as múltiplas condutas descritas pelo legislador sendo elas: mediante violência, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, entre outros.
Além disso, sua redação é semelhante a do artigo 7°, II, da lei 11.340/2006, não completamente, pois outras condutas descritas neste artigo serviram para a criação do crime de perseguição ou “stalking” previsto no artigo 147-A do Código Penal, sendo eles a vigilância constante, perseguição, violação da intimidade, entre outras condutas. A situação mais delicada de avaliação de concurso de crimes será frente ao crime de perseguição ou stalking (art. 147-A), especialmente porque este delito é sujeito a ação penal pública condicionada à representação (§ 3º), apesar de ter pena mais elevada que a violência psicológica, diante de causa de aumento de pena (§ 1º, II).
Art.147-A. Perseguir alguém, reiteradamente, e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade.
Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
§1º A pena é aumentada de metade se o crime é cometido:
I – contra criança, adolescente ou idoso;
II – contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos do §2º-A do art. 121 deste Código;
III – mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma.
§2º As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência.
§3º Somente se procede mediante representação.
Ele pode ser cometido por qualquer pessoa, seja homem ou mulher, no entanto como menciona a própria redação do caput do artigo figura como sujeito passivo do crime, somente a mulher, ou qualquer pessoa que esteja na condição de mulher, como exemplo da mulher transgênero, mesmo que não tenha realizado a cirurgia de redesignação sexual, portanto, basta somente a qualidade da condição de mulher.
Conforme abordado, os núcleos da violência psicológica indicados no art. 7º, inc. II, da Lei 11.340/2006, foram divididos entre dois crimes do Código Penal, de forma em que as condutas de vigilância constante, perseguição contumaz e violação de intimidade fossem direcionadas ao crime de perseguição ou stalking, enquanto as condutas de constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem e ridicularização, que geraram danos emocionais, sendo reconduzidas ao crime de violência psicológica. A despeito da restrição de liberdade e locomoção (ir e vir) estar presente em ambas das condutas, no crime de perseguição art. 147-A, não se trata de uma conduta imediata do agente, porém o resultado, sendo a própria vítima limita sua circulação pelo receio da conduta perseguidora do ofensor.
É importante destacar o tipo de ação penal inserida neste crime, sendo ela ação penal pública incondicionada, não se fazendo necessária a representação da vítima, desse modo, tendo como titular da ação penal o Ministério Público. Ora, isto ocorre porque a vítima se encontra em estado de vulnerabilidade haja vista que, embora sútil, a violência psicológica pode ser tão prejudicial quanto a física, por se tratar de um modo de violência “invisível” aos olhos da vítima.
Aliás, para que seja considerado consumado o crime é necessário observa-se o resultado causado para que se configure a violência psicológica, no mais, de modo geral é todo dano emocional causado na vítima. Conforme mencionado, existindo a lesão à saúde psicológica com laudo e demonstrando nexo de causalidade, incorrerá em lesão corporal, de acordo com o artigo 129 do Código Penal, se leve, recairá o §13°. No entanto, será de natureza grave quando causar a vítima uma incapacidade de exercício de suas ocupações habituais ultrapassando 30 (trinta) dias, salienta-se que é entendido a referida ocupação habitual uma atividade corporal costumeira, em regra, não ligada a trabalho ou ocupação lucrativa, deixando de ser importante se moral ou imoral, podendo, até mesmo, ser intelectual, econômica ou esportiva, entre outras. Dessa forma, existirá uma lesão grave caso a doença psicológica advinda da lesão a integridade psíquica gerar ideação suicida (o que também é um crime), haja vista o risco à vida.
No artigo 147-B contém, no corpo do texto, também, uma causa de subsidiariedade expressa, sendo: aplicam-se as penas da violência psicológica se a conduta não caracteriza crime mais grave. Desse modo, uma possível ocorrência de estupro que sem nenhuma dúvida provoca intenso dano emocional, absorve-se o crime, e a magnitude dos efeitos psicológicos na vítima devem, ainda, serem analisadas na dosimetria da pena, tendo em vista as circunstâncias do crime.
Não obstante, existe a possibilidade que o artigo supramencionado absorva infrações penais menos graves. Em diversos lugares do mundo, tratando-se de agressão física sem lesão é expressamente indicada como modalidade do crime de violência psicológica em ambiente doméstico.
Logo, seguindo o princípio do direito penal do crime fim absorver o crime meio, aplicando neste caso concreto, poderá haver, em relação ao crime da violência psicológica, o dano simples da lesão. Nesse sentido, a mera destruição dos objetos residenciais, não tem como dolo principal causar o prejuízo ao patrimônio, todavia ser uma exibição de poder e autoridade, buscando a representação da possibilidade de dispor sobre a existência de objetos com valor emocional à mulher. No ciclo da violência doméstica possui atos de ameaça e constrangimento, na forma que o comportamento autoritário e violento do agressor, demonstra a quem pertence o poder de fazer o que quiser com tudo que está na casa, inclusive da própria mulher, haja vista como um objeto que pertence ao homem e não deve questionar sua autoridade, posto isso, o agente acabar por danifica objeto da vítima, relacionados ao trabalho ou aos filhos, a fim de demonstrar poder. O ataque em si não é com objetivo de danificar o patrimônio, porém a autonomia da mulher e na intenção de lhe diminuir autoestima.
Antes da tipificação penal da violência psicológica, as Varas judicias responsáveis em crimes contra a mulher, tentavam aplicar tal modalidade de “ataques psicológicos” nos casos das desavenças entre casais, mas nem sempre resultavam com êxito, por falta de um tipo penal que detalhasse com segurança a conduta do acusado. Este crime exige um resultado de dano emocional, já o crime de perseguição não, necessariamente, exige este resultado específico, porém trata-se de uma ameaça à integridade psíquica.
Com esta tipificação penal observa-se o quão grande é a importância da criação de mecanismo para amplitude da defesa da mulher, não apenas a atenção quando a mulher é vítima de violência física.
CONCLUSÃO
Por todo exposto, concluindo a explanação da temática deste artigo, e a respeito da conhecida violência física decorrente do gênero, a Lei Maria da Penha, abriu portas para o conhecimento público e judicial de várias formas possíveis de violência praticada contra a mulher, dentre as quais constata-se a violência psicológica, esta que apesar de pouco considerada, além de causar inúmeros danos à mulher ofendida, por inúmeras vezes configura o ponto inicial de toda a violência doméstica.
Ora, mesmo com o avanço da criação do tipo penal da violência psicológica, muitas mulheres ainda são violentadas e não sabem, tanto por ausência de informação, ou pelo medo de ser taxa de culpada. Como trata-se de um instituto que busca defender a integridade psíquica da vítima, pode ocorrer, nesse meio de confusão mental, até a autoflagelação, posto que ela não se encontra como vítima e sim como a culpada do seu abusador a tratar violentamente.
A violência contra a mulher é um fato que se perpetua há muito tempo em vários países e diferentes culturas. Esta violência faz parte de um drama vivido por milhares de vítimas que vivenciaram ou vivenciam, em locais públicos ou inclusive em seus próprios lares, condutas que lhes causam danos ou sofrimentos, físicos, psicológicos ou sexuais.
Logo, percebe-se que sua tipificação penal ocorreu num momento importante para a sociedade, uma vez que em decorrência da pandemia da COVID-19, gerou situações as quais as vítimas (mulheres) estiveram encarceradas em suas próprias residências ao lado seus maridos ou familiares próximos, sofrendo diariamente dano emocional, constrangimento ou qualquer outra forma de manifestação da violência psicológica. Desse modo, o poder legislativo fez bom uso de suas atribuições ao aprovarem a Lei 14.188/2021.
REFERÊNCIAS
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Graduanda em Direito pelo Ceuni-Fametro
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FREITAS, Angela Maria Amorim de. Violência contra a mulher: os aspectos que dificultam o reconhecimento da vítima diante da violência psicológica à luz da Lei 11.340/2006. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 dez 2021, 04:49. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57742/violncia-contra-a-mulher-os-aspectos-que-dificultam-o-reconhecimento-da-vtima-diante-da-violncia-psicolgica-luz-da-lei-11-340-2006. Acesso em: 23 dez 2024.
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