VANUZA PIRES DA COSTA[1]
(orientadora)
RESUMO: Um dos temais mais discutidos na área do Direito de Família é a recorrente prática de alienação parental, que é caracterizada como sendo o ato onde um pai ou uma mãe de um filho o instrui contra o outro genitor com o intuito de provocar o rompimento dos laços de afeto existentes entre eles, ou simplesmente impedindo que se forme afeição entre a criança e um dos seus genitores. Essa prática tem sido cada vez mais utilizada em períodos de pandemia, onde há o isolamento social como uma das principais medidas de prevenção. Com base nisso, o presente estudo tem como objetivo discorrer sobre a Alienação Parental no período de pandemia. Para a abordagem dessa temática, na metodologia foi feita uma revisão bibliográfica, em busca em bases de dados, tais como: Scielo; Google Acadêmico, dentre outros. Nos resultados, ficou evidente considerar que algumas medidas podem ser feitas para a Alienação Parental não seja realizada durante a pandemia, tais como, a alternância de dias de convivência a serem administrados pelos genitores, a aplicação da guarda compartilhada, que ao ter contato com os filhos de modo igual, os genitores podem evitar que o outro (a) se torne um alienante parental, dentre outros.
Palavras-chave: Pandemia. Covid-19. Alienação Parental. Consequências.
ABSTRACT: One of the most discussed topics in the area of Family Law is the recurring practice of parental alienation, which is characterized as the act where a father or mother of a child instructs him against the other parent in order to cause the rupture of ties of affection existing between them, or simply preventing the formation of affection between the child and one of its parents. This practice has been increasingly used in periods of pandemic, where there is social isolation as one of the main prevention measures. Based on this, this study aims to discuss Parental Alienation in the pandemic period. In order to approach this theme, a bibliographical review was carried out in the methodology, in search of databases such as: Scielo; Google Scholar, among others. In the results, it was evident to consider that some measures can be taken so that Parental Alienation is not carried out during the pandemic, such as the alternation of days of coexistence to be administered by the parents, the application of shared custody, which when having contact with the children in the same way, the parents can prevent the other (a) from becoming a parental alienator, among others.
Keywords: Pandemic. Covid-19. Parental Alienation. Consequences.
Sumário: 1. Introdução. 2. Metodologia. 3. Alienação Parental: Aspectos Gerais. 3.1 Das práticas alienadoras. 4. Contextualizando a temática. 5. A Alienação parental no período de pandemia: a questão da limitação do direito de convivência entre pais e filhos. 5.1 Propostas para manutenção do convívio familiar e prevenção da Alienação Parental. 6. Considerações Finais. 7. Referências Bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
Em meados do fim do ano de 2019 o mundo foi surpreendido por um possível contágio de vírus na China. O que era possibilidade se tornou realidade. O vírus se espalhou ao redor do mundo até se tornar em 2020 uma pandemia global. Estar-se a se falar da Covid-19.
Essa doença ainda não possui cura, mas alguns estudos científicos têm sido feitos e vêm apontando que além da letalidade ela também traz sequelas. De todo modo, devido ao fato de ter se espalhado pelo redor do planeta, as instituições governamentais implantaram uma série de medidas para que a doença não se espalhe cada vez mais e que se diminua o número de mortes.
Dentre as inúmeras medidas preventivas implantadas encontra-se o isolamento social, o uso de máscaras, o distanciamento entre indivíduos, dentre outros. No auge da pandemia – ocorrida entre o início de 2020 até junho de 2021 – milhares de vidas foram perdidas e tantas outras se encontraram atoladas nos hospitais, causando uma verdadeira calamidade na saúde.
Em que pese o caos e os prejuízos financeiros, estruturais e principalmente sociais, a pandemia impactou de forma decisiva a vida dos brasileiros. Entre os mais afetados se encontram as crianças, que sem poderem ir para a escola ou exercer qualquer atividade fora dos seus domicílios, acabaram por passar a maior parte do tempo ‘dentro de casa’. Tal situação trouxe uma série de efeitos, dentre os quais, a prática recorrente da alienação parental.
Caracterizada como sendo uma ação onde um dos genitores, utilizando de sua influência sobre o filho, bane ou prejudica a relação entre o menor e o outro genitor, a Alienação Parental tem sido pauta de inúmeras discussões sociais, psicológicas e jurídicas em razão do número crescente de casos ocorridos no período de pandemia.
A título de exemplo, no estado de São Paulo houve um aumento de 47% do número de processos abertos por alienação parental durante a pandemia provocada pela Covid-19. Entre os meses de março de 2020 e fevereiro de 2021, foram registrados 226 casos, número maior do que o registrado no mesmo período no ano anterior (PERRONI; LÜDER, 2021).
Diante desta realidade, o presente artigo analisa o direito de convivência dos genitores separados com seus filhos menores durante a pandemia da COVID-19 e a questão da alienação parental neste contexto.
Portanto, o trabalho tem como objetivo central discorrer sobre a Alienação Parental e o direito de convivência familiar no período de pandemia. Nos objetivos específicos aborda-se, primeiramente, o conceito de Alienação Parental e sua legislação para, posteriormente, discorrer sobre tal prática e a questão da limitação do direito de convivência entre pais e filhos no período de pandemia.
Essa temática é de enorme importância, porque as suas consequências afetam não apenas os filhos, mas sobretudo, todo o contexto familiar e social, assim como também o Poder Judiciário brasileiro, em virtude do volume de processos com litígios dessa natureza.
Propõe-se com esse estudo, abordar de maneira sucinta e objetiva as práticas alienantes feitas pelos genitores justamente no período onde os laços e convivências familiares estão mais próximos devido a pandemia. Por fim, busca-se analisar de que forma o Direito tem se posicionado nessas situações e quais sanções e medidas preventivas devem ser adotadas.
2. METODOLOGIA
Na metodologia foi utilizada a abordagem qualitativa de investigação, a qual analisa o fenômeno estudado de forma a não medir seus dados, mas sim, procurar identificar suas naturezas, de forma a privilegiar contextos. Com isso, para discutir acerca do tema proposto, faz-se necessário compreender o contexto em que o assunto é inserido (GIL, 2010).
Ainda na metodologia, foi feita uma revisão de literatura, constituído de estudo bibliográfico. A pesquisa bibliográfica foi realizada por meio de leituras de revistas jurídicas, de livros e artigos vinculados ao tema e da jurisprudência pátria.
A coleta de dados é resultado de uma busca feita em bases de dados, tais como: Scielo; Google Acadêmico, sites oficiais dos Tribunais de Justiça, dentre outros, entre os dias 25 de setembro a 15 outubro de 2021. Os descritores foram: Alienação Parental; Pandemia; Efeitos; Legislação brasileira e jurisprudência.
3. ALIENAÇÃO PARENTAL: ASPECTOS GERAIS
Para discutir sobre a alienação parental na pandemia é preciso primeiramente compreender o que seja essa ação. Dessa forma, nesse tópico serão abordados os principais pontos referentes à alienação parental.
Historicamente, é nos estudos de Richard Gardner (1985), professor de psiquiatria clínica no Departamento de Psiquiatria Infantil da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, que se originou o termo Alienação Parental. Para esse doutrinador, o termo representava uma síndrome (SAP), caracterizado como uma perturbação da infância ou da adolescência em decorrência majoritariamente de uma separação conjugal e estaria relacionada à uma campanha feita por um dos pais junto à criança, para rejeitar ou até mesmo odiar o outro (MADALENO; MADALENO, 2018).
A legislação brasileira atenta aos crescentes casos de alienação ocorridas nos âmbitos familiares nas últimas décadas, trouxe por meio da Lei nº 12.318/2010 todo o aparato jurídico acerca da matéria. Contudo, ao contrário do que entendia o professor Gardner (1985) a legislação pátria não tratou a alienação parental como uma síndrome e sim como um comportamento que requer uma interferência judicial (SILVA et al. 2021).
Para Ibias; Silveira (2020) a presente norma representa um progresso para a área do Direito de Família porque reconhece a influência social e psicológica dos pais sobre os filhos. Segundo os autores, “muitos possíveis alienadores mudam seus comportamentos por saber que existe a Lei e receberem devida orientação sobre os efeitos de seu comportamento” (IBIAS; SILVEIRA, 2020, p. 12).
Continuando, a alienação parental surge em sua grande maioria através da ruptura do matrimônio. Nessa situação, é muito comum que um dos cônjuges não consiga processar de maneira adequada sentimentos como rejeição e raiva, de maneira que se torna inevitável o desejo de vingança. Por esse motivo, inicia-se uma campanha de desmoralização do outro genitor perante os filhos, de maneira que sua imagem seja prejudicada o que, na maioria das vezes, acaba por afastá-lo dos filhos (FIGUEIREDO; ALEXANDRIDIS, 2014).
Com base nisso, pode-se extrair que a Alienação Parental nada mais é do que a ação de um genitor contra o outro com o uso do filho. Em termos jurídicos, a Alienação Parental pode ser entendida como uma série de atitudes feitas por um dos genitores com o intuito de repudiar o outro genitor ou até mesmo distanciar e impedir os vínculos entre ambos (PERRONI; LÜDER, 2021).
A própria Lei nº 12.318/2010, traz o conceito definitivo do que seja o presente instituto, estabelecendo que é um comportamento de um indivíduo, denominado alienador, que possui nítida intenção de depreciar a imagem de um dos genitores perante o filho (BRASIL, 2010).
No entendimento de Perelli (2020, p. 02) a alienação parental “ocorre quando o pai ou a mãe tenta afastar o filho do outro genitor, gerando, em relação a ele, desafeição no consciente da criança por meio de pequenas sutilezas ou também por atos expressos”.
O foco da Alienação Parental é sempre denegrir, prejudicar o outro, tendo resultado a total perda de contato com o genitor-vítima. Não importa a forma e a maneira como essa alienação é feita, o resultado é sempre o afastamento e em alguns casos a anulação total de convívio com o outro.
Machado (2017, p. 01) acentua que:
[...] a conduta adotada pelo alienador atinge diretamente o comportamento da criança e na sua formação psíquica, muitas vezes sem fundamento algum, implanta na criança dúvidas sobre o caráter e conduta do alienado, trazendo para si a criança e, em conjunto, agem para prejudicar de forma direta o outro genitor.
A criança nem sempre consegue discernir o que é o certo do errado, e é nessa fraqueza que o alienador consegue impor suas verdades de forma incessante à prole, tomando tudo o que lhe é dito como verdadeiro (MACHADO, 2017).
Ao referir-se a tal assunto, Correia (2019, p. 02) diz que “os atos alienatórios provocam em crianças e adolescentes uma exposição negativa da ambiência familiar, tornando-os adultos inseguros e hostis quanto ao afeto”. Pode ocorrer inclusive como consequência, uma desvalorização dos valores familiares.
De todo modo, fica nítido observar que os efeitos da alienação parental recaem sobretudo, ao filho que terá a sua saúde, tanto na esfera mental quanto física, prejudicada. A falta de afeto produzida em decorrência da sua alienação acarreta efeitos nas pessoas alienadas, todos eles danosos.
Para melhor identificação das práticas alienantes, apresenta-se o tópico seguinte.
3.1 DAS PRÁTICAS ALIENADORAS
Uma vez estabelecido o que seja a alienação parental é imperioso explicitar de que forma ela é realizada. Nesse sentido, a própria legislação brasileira através da Lei nº 12.318/2010 traz no seu texto os atos caracterizadores da alienação parental; a saber:
Art. 2o [...]
Parágrafo único. São formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros:
I - Realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;
II - Dificultar o exercício da autoridade parental;
III - Dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;
IV - Dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;
V - Omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;
VI - Apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;
VII - Mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.
(BRASIL, 2010)
Nota-se pelo texto normativo acima destacado, que a alienação parental é exercida de várias maneiras, desde dificultar o contato do filho com o outro genitor a omitir informações importantes sobre a vida pessoal do filho. Em muitos casos, essas ações são praticadas de modo cauteloso e quase imperceptível pelo alienante.
Como bem descreve Perelli (2020, p. 12) “o alienador utiliza de todos os meios possíveis para afastar o filho do outro genitor, desde a mudança de domicílio até mesmo a apresentação de falsa denúncia sobre o tratamento dado ao filho pelo outro genitor”.
Tão importante detectar as ações alienantes é entender o perfil do alienador. Nesse aspecto, outras ciências tem se debruçado sobre essa questão. Na área da psicologia, por exemplo, alguns estudos apontam características e ações que fazem com que se tenha uma noção de que tipo de indivíduo é capaz de cometer alienação parental.
Conforme a Psicologia, o perfil psicológico do genitor alienante tem por base:
Transtornos da personalidade paranoide: Tomado por ciúmes excessivos, desconfiança, incapaz de admitir erros, qualquer conduta é rebatida por agressividade. Porém, a negação da realidade como instrumento de defesa e o ataque como resposta.
Transtornos Psicóticos Compartilhado: Caracteriza pelo domínio, com indivíduo delirante controlador.
Transtornos Limites ou Borderline: Caracteriza-se por instabilidade na relação interpessoal, auto imagens e afetos. Essas têm medo do abandono, necessidade de convívio com outras pessoas, intolerância a solidão.
(ENDIREITADOS, 2018, p. 01)
Além disso, Souza (2017) explica que, em grande parte, o genitor alienante possui uma personalidade narcisista, acreditando ser superior a todos e exige sua admiração de todos que o cercam. Tendem a se mostrarem arrogantes, esnobes e insolentes.
Todavia, insta salientar que por ser uma prática ocorrida no seio da família e esta envolver várias pluralidades, é difícil identificar qual o perfil exato e único de uma alienante parental. Pode ser negro ou branco, pobre ou rico, o pai ou a mãe, as vítimas podem ser vários filhos ou um específico, pode ocorrer em qualquer ambiente em qualquer cidade, podem ter escolaridade superior ou não, etc. São múltiplos fatores que definem o alienante (MACHADO, 2017).
Diante de tais informações, o que se tem percebido é que mesmo com a existência da lei normatizando a alienação parental, a sua prática ainda é muito comum. No período atual, onde a sociedade enfrenta uma pandemia, é possível encontrar dados estatísticos que apontam um crescimento no número de casos de alienação parental. Para discorrer sobre essa questão, tema central desse estudo, apresenta-se o tópico seguinte.
4. CONTEXTUALIZANDO A TEMÁTICA
Antes de se adentrar no tema específico desse estudo, é preciso discorrer sobre a situação geradora da discussão que no caso é representada pela doença da Covid-19 que impactou (e ainda tem reflexos atuais) o mundo e que trouxe enormes consequências em todas as esferas.
A Covid-19 é uma infecção respiratória aguda surgida através do coronavírus SARS-CoV-2. Contém alta taxa de transmissão entre humanos e é uma doença de nível grave. O seu surgimento se deu na cidade Wuhan, província de Hubei, na China em dezembro de 2019, onde fora encontrado em amostras de lavado broncoalveolar conseguidas de pacientes com pneumonia. Pertence ao subgênero Sarbecovírus da família Coronaviridae (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2021).
Apesar de ser encontrado em muitas espécies de animais, tem-se afirmado que o animal gerador desse vírus são os morcegos, que estavam situados em laboratórios da supracitada província chinesa (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2021).
O modo de transmissão da Covid-19 se dá pelo contato, gotículas ou por aerossol. A epidemiologia do SARS-CoV-2 tem mostrado que a proximidade entre os indivíduos é a principal causa geradora da expansão do vírus, podendo ser infectado a menos de 1 metro entre os indivíduos. Soma-se a isso, o risco de contaminação por contato com superfícios ou objetos de uso de pessoas já contaminadas. O período de incubação é estimado entre 1 a 14 dias, com mediana de 5 a 6 dias. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2021).
Os efeitos do Coronavírus são variados, mas os mais comuns são resfriados, febre, tosse e em determinados casos, o surgimento da Síndrome Aguda Respiratória Severa (SARS) e a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS). (ZHANG, 2020).
O fato é que desde que fora propagado ao redor do mundo, a Covid-19 trouxe significativos prejuízos na esfera social, política, cultural, financeira, etc. Pela realidade encontrada e por ainda não ter encontrado a sua cura, entende-se que ainda demorará muito tempo para dimensionar o seu impacto (MEDEIROS, 2020).
O impacto social é o que mais tem sido afetado, uma vez que milhares de cidadãos vem morrendo diariamento em decorrência da Covid-19. Por esse fato, é possível verificar um cenário de calamidade nos centros de saúde, onde se observa hospitais lotados, poucos equipamentos disponíveis, dentre outros problemas. A vacinação nesse âmbito tem sido uma alternativa mais viável para a prevenção da doença (MEDEIROS, 2020).
O impacto da Covid-19 também afetou a rotina diária da sociedade. Nos dias atuais, o que é normal é o uso constante de máscara, a aplicação de álcool em gel, o isolamento e distanciamento entre indivíduos, dentre outras mudanças (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2021).
Além disso, essa situação provocou – e ainda provoca – uma série de efeitos sobre a família e a comunidade. A proximidade constante e diária dos membros familiares trouxe uma avalanche de cometimentos de diversos delitos, tais como os casos de violência familiar, de abusos sexuais, de suicídio, de abandono afetivo e no que concerne o presente estudo, o de alienação parental (CORREIA, 2019).
Fato é que a pandemia provocada pela Covid-19 tem sido palco para o cometimento da alienação parental, principalmente devido a ausência de um dos genitores diariamente na convivência dos filhos, em razão das medidas de isolamento impostas.
A respeito desse último fator, explora-se no tópico a seguir.
5. A ALIENAÇÃO PARENTAL NO PERÍODO DE PANDEMIA: A QUESTÃO DA LIMITAÇÃO DO DIREITO DE CONVIVÊNCIA ENTRE PAIS E FILHOS
Como descrito no tópico anterior, a pandemia causada pela Covid-19 trouxe uma série de consequências de toda ordem. No seio familiar, o seu impacto fora ainda mais intenso. Como uma das medidas de prevenção ao contágio da doença é o isolamento social, desde o início da pandemia, pesquisas começaram a mostrar que a alienação parental era uma das principais práticas delituosas cometidas nos lares brasileiros (PEREIRA, 2020).
A respeito dessa realidade, cabe citar a seguinte análise:
Diante das medidas de segurança que reverberaram no Poder Judiciário, muitos ex-casais se viram diante da necessidade de se restabelecer o diálogo (mesmo que forçadamente) para negociarem novas possibilidades para esse período, pois precisavam encontrar soluções que protegessem os filhos e, em alguma medida, atendessem às expectativas de convivência entre pais e filhos. Para aqueles que não conseguiram resolver consensualmente, o Poder Judiciário foi procurado para dar solução aos conflitos. As demandas que proliferaram nesse momento se referem, principalmente, ao exercício da convivência familiar (SANTI, 2019, p. 160).
Frente a um novo cenário familiar encontrado por conta da pandemia, o Poder Legislativo e o Poder Judiciário brasileiro se posicionaram, a priori, na busca de amenizar eventuais problemas. O primeiro deles foi a Recomendação emitida pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), que dispõe sobre as recomendações para a proteção integral a crianças e adolescentes durante a pandemia da COVID-19. No seu texto, foi possível encontrar o seguinte trecho que versa sobre este tema:
18. Que crianças e adolescentes filhos de casais com guarda compartilhada ou unilateral não tenham sua saúde e a saúde da coletividade submetidas à risco em decorrência do cumprimento de visitas ou período de convivência previstos no acordo estabelecido entre seus pais ou definido judicialmente. Para tanto, devem ser observadas as seguintes orientações:
a. As visitas e os períodos de convivência devem, preferencialmente, ser substituídos por meios de comunicação telefônica ou on-line, permitindo que a convivência seja mantida;
b. O responsável que permanece com a criança deve manter o outro informado com regularidade e não impedir a comunicação entre a criança ou adolescente com o outro responsável;
c. Em casos que se opte pela permissão de visitas ou períodos de convivência, responsáveis que tenham voltado de viagem ou sido expostos à situações de risco de contágio devem respeitar o período de isolamento de 15 dias antes que o contato com a criança ou o adolescente seja realizado;
d. O deslocamento da criança ou do adolescente deve ser evitado;
e. No caso de acordada a visita ou permissão para o período de convivência, todas as recomendações de órgãos oficiais devem ser seguidas;
f. O judiciário, a família e o responsáveis devem se atentar, ao tomarem decisões relativas à permissão de visitas ou períodos de convivência, ao melhor interesse da criança e do adolescente, incluindo seu direito à saúde e à vida, e à saúde da coletividade como um todo.
(BRASIL, 2020)
Nota-se pelo texto acima que se recomendara o afastamento de um dos genitores do lar para que se evite qualquer contato ou risco de contágio da Covid-19 à criança. O intuito, como bem esclarece o teor do texto é a proteção máxima de crianças e adolescentes, e para isso, uma das recomendações era de afastamento de um dos genitores do filho.
Essa recomendação gerou diversas interpretações equivocadas por parte dos operadores de direito que fixaram em suas decisões a suspensão da convivência familiar. Salientam Silva et al. (2021, p. 06) que “a recomendação em nenhum momento menciona algo que motive a suspensão da convivência de modo presencial, todavia, recomenda expressamente que não se coloque em risco as crianças e a coletividade”.
Corroborando com os autores acima citados, Vítor (2021, p. 02) afirma que a “nota não implica em uma lei ou regra temporária suspendendo a visita ou a guarda dividida. A nota apenas entrega uma sugestão, responsável, para os tempos que vivemos, mas em momento algum diminui o peso que uma relação pai/filho possui”.
Além disso, como bem aduzem Pase; Parada; Patella (2021, p. 04) “os alienadores se aproveitaram dessa situação para praticarem atos de alienação parental, e impedir o convívio do menor com o outro genitor”.
Em determinados casos, onde a Justiça autorizou a suspensão de convivência familiar em decorrência de possível risco para o filho, o genitor responsável pode se utilizar dessa prerrogativa para aplicar ações que visem o afastamento definitivo do outro genitor.
A título de exemplo, mostra-se a seguinte decisão:
FAMÍLIA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE GUARDA CUMULADA COM REGULAMENTAÇÃO DE CONVIVÊNCIA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. GUARDA PROVISÓRIA DEFERIDA AO GENITOR. SUSPENSÃO DE VISITAS. PANDEMIA DO NOVO CORONAVÍRUS. ALTERAÇÃO DOS ASPECTOS DA GUARDA. PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DO MENOR. ORIENTAÇÕES DAS AUTORIDADES SANITÁRIAS E DO CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. RECURSO IMPROVIDO. [...] 1.2. Já a segunda decisão recorrida deferiu o pedido de suspensão temporária das visitas maternas, realizadas de forma quinzenal, em razão da COVID-19. [...] 5. O artigo 1.586 do Código Civil autoriza ao juiz a alteração de aspectos da guarda em nome do princípio da proteção integral da criança e do adolescente, sendo necessária a ponderação ente a importância do convívio familiar com exposição do menor ao risco de contaminação. 5.1. Apesar de não ser ideal a suspensão da convivência materna, considerando o interesse existencial do menor, é prudente neste momento observar orientações das autoridades sanitárias de distanciamento social exigido pela pandemia do novo Coronavírus. 5.1. Tal entendimento coaduna-se com a recomendação do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA4). 6. Recurso improvido. (TJDFT 07131539220208070000 - (0713153-92.2020.8.07.0000 - Res. 65 CNJ) - Segredo de Justiça. 2ª Turma Cível. Relator: João Egmont. Data de Julgamento: 26/08/2020/ Publicado no PJe: 06/09/2020). (grifo meu)
Por se tratar de um cenário novo, ao qual o Poder Judiciário e nem mesmo o Legislativo poderiam esperar, o que se tem enfatizado é que a pandemia não pode e nem poderá sanar qualquer convivência familiar, uma vez que esse ato é um imperativo constitucional, regulado conforme o texto do art. 227 da Constituição Federal de 1988; a saber:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988).
Silva et al. (2021) entendem que não se deve em hipótese alguma sanar qualquer direito da criança e do adolescente em ter convivência familiar, exceto em casos onde há uma justificativa plausível, como o ocorrido na pandemia. Mas ainda assim, defendem os autores, não há e nunca deverá haver espaço e justificativa para qualquer tipo de alienação parental.
Devido a esse fato, após essas contradições, os Tribunais têm se mostrado mais flexíveis no que tange a convivência familiar em tempos de pandemia, com o objetivo de priorizar o melhor interesse da criança e do adolescente. Algumas decisões têm caminhado no entendimento de que a pandemia não pode sobrepor aos direitos dos pais em ter a convivência familiar com seus filhos. O que se deve ter é uma adaptação temporária, a depender de cada caso concreto.
A título de exemplo, mostra-se o seguinte julgado:
[...] em sede de ação revisional, após a genitora suspender a convivência presencial da filha com o genitor ao argumento de que seguia as recomendações Organização Mundial da Saúde – OMS, o Juízo considerou que o genitor trabalhava na área administrativa da penitenciária, não sendo motivo para proibir as visitas. Que era provável a suspensão das férias para recuperar o calendário escolar, prejudicando também a convivência regulamentada para as férias, razões pelas quais, decidiu pela compensação das convivências fixando períodos de 7 (sete) dias corridos e alternados para cada genitor até o retorno das aulas presenciais. (Estado Catarinense, da Vara da Família e Órfãos do Norte da Ilha, Comarca da Capital. Autos n. 5033250-[...], Relator: Juíza Janine Stiehler Martins, data da decisão: 08/05/2020, TJSC. Disponível em: <https://ibdfam.org.br/assets/img/upload/files/convivencia%20liminar%20revisional.pdf>. Acesso em: 24 ago. 2021).
Com base no citado julgado acima, fica evidenciado que a convivência familiar não pode ser prejudicada devido à pandemia. Argumenta Borba (2021, p. 01) que em grande parte dos cenários familiares, o convívio presencial entre pais e filhos, mesmo aqueles que não residem no mesmo espaço, não traz prejuízos à saúde das partes ou da sociedade, uma vez que, “em regra, o direito de convivência familiar deve prevalecer, pois, além de ser fundamental a pessoa em desenvolvimento, não anula ou prejudica o direito à saúde”.
Findado o entendimento de que a convivência familiar deve prevalecer sobre o período de pandemia, algumas ações podem ser realizadas a fim de prevenir a prática de alienação parental, conforme se analisa a seguir.
5.1 PROPOSTAS PARA MANUTENÇÃO DO CONVÍVIO FAMILIAR E PREVENÇÃO DA ALIENAÇÃO PARENTAL
Por se tratar de um período de exceção, ou seja, que foge a normalidade social, algumas ações podem ser feitas para amenizar o distanciamento e evitar que surja a prática de alienação parental.
Na concepção de Girardi (2020) na busca por evitar possível atos alienantes, é recomendado que haja gerenciamento de convivência entre os genitores separados e seus filhos, tendo como base o diálogo e bom senso das partes, o que certamente ajudará a impedir que as consequências da pandemia contaminem também o campo dos afetos, ensinando-se às crianças e aos adolescentes que a solidariedade nasce em casa.
Além disso, o uso de ferramentas tecnológicas podem ser uma importante ferramenta que auxilia na proximidade entre o genitor ausente e o filho. Nesse sentido, cita-se:
Para quem já usa o expediente da alienação parental, parece que o isolamento social obrigatório virou uma desculpa perfeita para retirar completamente da vida do filho a presença de um dos pais. A questão é muito sensível e merece especial atenção. É preciso verificar se esse afastamento específico é realmente necessário para preservar a saúde do menor ou não. Em caso positivo, deve ser utilizada toda a tecnologia disponível para minimizar a distância (internet, smartphones etc.) entre pais e filhos, bem como precisam ser verificadas futuras compensações (PEREIRA, 2020, p. 02).
A compensação citada acima pode ser entendida como uma alternância de períodos com o filho. Como bem explica Pereira (2020, p. 02) para evitar que o filho tenha que se deslocar continuamente, os genitores podem entrar em acordo no sentido de que “cada um possa ficar um tempo estipulado (15 dias por exemplo) com filho, ou estipular um período maior para o filho estar com o outro genitor, após a pandemia”.
De todo modo, o importante em todos os casos é garantir o melhor interesse da criança. Em casos específicos pode-se estipular judicialmente um período de afastamento, desde que comprovado eventual risco para a criança, de um dos genitores, ou em casos mais flexíveis, estipular horários de visitas. Os aparatos tecnológicos nesses casos podem – e devem – ser utilizados de forma contínua, porque ajudam a diminuir a ausência física.
Outra alternativa muito consagrada no Direito brasileiro é a efetivação da Guarda Compartilhada. Atualmente, a guarda compartilhada deixou de ser uma alternativa passando a ser obrigatória. Isso se deu pelo fato de que “a lei busca garantir que mães e pais continuem a ser mães e pais, independentemente de haver ou não relacionamento conjugal. O objetivo é também que o filho saiba que pai e mãe têm o mesmo peso de responsabilidade na vida dele” (COSTA, 2015, p. 01).
Todavia, ainda que a guarda compartilhada seja a regra geral, é preciso que o Magistrado diante do contexto de cada caso concreto, deva observar as circunstâncias fáticas de cada família, ao ponto de decidir qual melhor guarda para o filho (a). Marques (2015) aduz que em casos onde se verifica que a guarda compartilhada agravaria o litígio entre os genitores, prejudicando assim os interesses dos filhos, deve-se aplicar outras medidas.
No caso de pandemia, a guarda compartilhada tem sido amplamente utilizada como forma de diminuir a distância física, afetiva e social dos pais com seus filhos. Ao dividir as responsabilidades em todos os aspectos, tem-se uma convivência familiar implantada de forma efetiva, gerando assim uma maior segurança ao filho.
Ademais, defende-se nesse estudo o entendimento de que no período de pandemia, deve-se aplicar a guarda compartilhada como forma de evitar a alienação parental, principalmente em períodos de pandemia. Conforme opina Oliveira (2015, p. 332) e pelo qual essa pesquisa corrobora, a guarda compartilhada mostra-se “adequada nos casos de alienação, pois obriga ambos os genitores a exercer a autoridade parental que lhes pertence, sem prejuízo do direito potestativo da criança à convivência familiar, privilegiando, assim, o seu melhor interesse”.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pandemia ocorrida em razão da expansão de contaminação da Covid-19 trouxe significativas mudanças ao redor do mundo. Sejam elas estruturais, sociais, econômicas, jurídicas, ambientais, o fato é que a pandemia causou e ainda está causando um impacto enorme, que repercutirá por décadas. Dentre as áreas mais afetadas encontra-se a família.
Devido às imposições de medidas preventivas ao contágio da Covid-19, as famílias tiveram que se isolar, ou no melhor termo, ficar em casa. Nesse período, que é novo e imprevisível, a convivência familiar trouxe para o Direito diversas situações as quais não se pode ausentar. Entre todas as que ainda estão sendo analisadas e julgadas, encontra-se o aumento da prática da alienação parental.
Conforme explicitado no decorrer desse estudo, a alienação parental se caracteriza como sendo a ação de um dos genitores em prejudicar o outro, colocando o filho (s) como ponte de intercâmbio entre as ações. Os reflexos que essas atitudes possuem aos filhos, já é conhecido pela ciência como prejudicial em todas as fases do desenvolvimento.
A par desse fato, o que se analisou aqui foi que a pandemia fez com que muitos genitores, aproveitando as recomendações de isolamento social e consequentemente o afastamento do outro genitor, iniciasse os atos alienantes. Essa realidade se tornou corriqueira na maioria dos lares brasileiros.
Buscando encontrar meios de prevenção a essa prática, a justiça tem flexibilizado o entendimento de que se deva haver total isolamento social, e vem permitindo – desde que observado o melhor interesse da criança e menor risco possível a sua saúde – que o genitor afastado possa continuar a conviver com o filho de modo presencial.
Esse posicionamento jurisprudencial também pode ser correlacionado à outras medidas preventivas, tais como o uso de aparelhos eletrônicos (celulares, notebooks, laptops, etc.) como forma de diminuir a ausência do outro genitor na convivência com o filho.
Há também a alternância de dias a serem divididos entre os genitores, como a aplicação de regulamentação das férias, com a criança ficando períodos mais longos, geralmente 15 dias com cada um dos genitores, de modo a reduzir o deslocamento. Essa solução serve inclusive nos casos onde os ex-genitores residem em cidades diferentes.
Também se menciona a aplicação da guarda compartilhada. Entendida como uma forma de dar aos genitores a responsabilidade por igual na criação e educação de seus filhos, ainda que não solucione totalmente o problema, a guarda compartilhada é a mais indicada, pois ao trazer os genitores a responsabilidade equilibrada perante aos filhos fazem com que os mesmos não cometem práticas alienantes.
De todo modo, qual seja a solução a ser utilizada o que deve ser prioridade é sempre o bem estar do filho. Em todo o contexto causado pela pandemia, o melhor interesse da criança deve sempre prevalecer.
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Graduanda do curso de Direito da Universidade de Gurupi – UnirG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DORNELES, Hillary Cristina Melo. Alienação parental em tempos de pandemia Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 dez 2021, 04:05. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57744/alienao-parental-em-tempos-de-pandemia. Acesso em: 23 dez 2024.
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