RESUMO: O presente artigo tem por finalidade a análise do fornecimento de contratos de empréstimo consignado aos consumidores idosos levando em consideração sua hipervulnerabilidade nas relações de consumo, que conceitua ser uma vulnerabilidade agravada devido às limitações trazidas pela idade avançada, baixo grau de instrução e pelas diferenças sociais e biológicas. A importância do tema é discorrer sobre a população de pessoas idosas e a necessidade de garantir os direitos e proteção deles. Tendo em vista que na sociedade atual muitos fornecedores de produtos e serviços agem de má-fé utilizando-se de propagandas enganosas e reiteradas práticas abusivas levando o consumidor hipervulnerável a sucumbir nesses contratos. Após é trazido o conceito e a proteção do idoso nas relações de consumo, através do Código de Defesa do Consumidor e do Estatuto do Idoso e a Nova Lei de superendividamento. Na conclusão, destacam-se algumas medidas que o Estado, tem adotado para amenizar este problema social.
PALAVRAS-CHAVE: Consumidor Idoso. Hipervulnerabilidade. Superendividamento. Empréstimo Consignado.
ABSTRACT
The purpose of this article is to analyze the provision of payroll-deductible loan contracts to elderly consumers taking into account their hypervulnerability in consumer relations, which conceptualizes to be an aggravated vulnerability due to the limitations brought by old age, low level of education and social differences and biological. The importance of the theme is to talk about the elderly population and the need to guarantee their rights and protection. Considering that in today's society, many suppliers of products and services act in bad faith, using misleading advertisements and repeated abusive practices, leading the hypervulnerable consumer to succumb to these contracts. Afterwards, the concept and protection of the elderly in consumer relations is brought up, through the Consumer Defense Code and the Elderly Statute and the New Over-indebtedness Law. In conclusion, some measures that the State has adopted to alleviate this social problem are highlighted.
KEYWORDS: Elderly Consumer. Hypervulnerability. Over-indebtedness. Payroll loan.
SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Contratos. 3. Consumidor idoso Hipervulnerável 4. Proteção dos idosos hipervulneráveis conforme o código de defesa do consumidor. 5. A proteção do idoso conforme Lei n° 10.741/2003. 6. Conclusão. 7. Referências.
INTRODUÇÃO
Este trabalho mostra a sua importância diante da hipervulnerabilidade do consumidor idoso nas relações de consumo, especificamente frente a instituições financeiras nos contratos de empréstimo consignado, que se revela como causa de superendividamento do idoso e problemas financeiros.
O consumidor idoso que apresenta essa hipervulnerabilidade especialmente em razão da necessidade específica de produtos e serviços diretamente ligados com a sua manutenção da vida, sofre abusos por parte dos fornecedores, que aproveitam da fragilidade para a contratação, justifica a proteção especial dada a estas pessoas que passam de vulneráveis à hipervulneráveis segundo o Código de Defesa do Consumidor.
Assim, o objetivo geral desta análise é identificar a proteção do consumidor idoso nas relações de consumo envolvendo a concessão de empréstimos consignados, partindo de premissas teóricas e normativas, a aplicação pelo Poder Judiciário e pelos órgãos do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor.
Para isso, serão abordados o conceito e desdobramentos da hipervulnerabilidade no direito do consumidor, a proteção do idoso pelo ordenamento brasileiro, a política do crédito consignado e as implicações de sua concessão na realidade do consumidor idoso. O texto foi desenvolvido por pesquisa exploratória, através da seleção de doutrinas, artigos e dissertações sobre o tema. Ainda, o método científico utilizado foi o dedutivo. Também foram consultados a Constituição Federal, o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto do Idoso e a Lei 10.820/2003, que dispõe sobre a autorização para desconto de prestações em folha de pagamento, bem como jurisprudência sobre o tema.
1 CONTRATOS
Contrato é um negócio jurídico que envolve a vontade consensual de duas partes (bilateral) ou mais (plurilateral) sobre um mesmo objeto, criando, modificando ou extinguindo direitos e obrigações. É através dos contratos que é definido entre as pessoas os meios para alcançar os fins acordados. Diante da enorme quantidade de direitos que podem ser regulamentados em um contrato, a realização dos contratos, além de formalizar a vontade das partes, também visa alcançar outros objetivos.
O principal objetivo dos contratos, constante em quase todos os documentos, é a criação de direitos e obrigações. O segundo objetivo dos instrumentos contratuais é a possibilidade de modificar direitos e obrigações preexistentes. Os contratos também podem visar a transmissão de direitos e obrigações a pessoas não originalmente envolvidas no contrato.
Assim, denota-se que o contrato é um acordo entre duas ou mais pessoas acerca do mesmo objeto, que cria direitos e obrigações. Nesse sentido, ensinam Gagliano e Pamplona Filho (2006, p. 11):
É o acordo entre duas ou mais pessoas para um fim qualquer. É o trato em que duas ou mais pessoas assumem certos compromissos ou obrigações, ou asseguram entre si algum direito. Contrato é o acordo de vontade entre duas ou mais pessoas com a finalidade de adquirir, resguardar, modificar, transferir ou extinguir direitos.
Além disso, um dos princípios norteadores dos contratos é o princípio da função social dos contratos, assim como o da boa-fé, estes são tidos como preceito de ordem pública, devendo os contratos serem interpretados, analisados e cumpridos de acordo com o contexto social em que se inserem (TARTUCE, 2007, p. 248).
A expressão “função social” deve ser compreendida pelo sentido de um bem coletivo, tendo como efeito do princípio em questão, a mitigação ou relativização da força obrigatória das convenções (pacta sunt servanda).
Tartuce (2017, p. 633-634) traz a seguinte compreensão acerca da Função Social dos Contratos:
Nesse contexto, o contrato não pode ser mais visto como uma bolha, que isola as partes do meio social. Simbolicamente, a função social funciona como uma agulha, que fura a bolha, trazendo uma interpretação social dos pactos. Não se deve mais interpretar os contratos somente de acordo com aquilo que foi assinado pelas partes, mas sim levando-se em conta a realidade social que os circunda.
O interesse coletivo na função social do contrato se consolidou como um princípio que deve ser necessariamente observado nos negócios jurídicos. É de suma importância destacar que o contrato também deve observar e garantir a segurança jurídica entre as partes, como o dever de informação, confidencialidade, assistência e lealdade. Todo esse sistema é abraçado pelo princípio maior de proteção da dignidade da pessoa humana (GAGLIANO, 2009, p.11).
Com o advento do Código Civil de 2002, a função social dos contratos passou a ser prevista de modo expresso no sistema civil brasileiro, estando retratada no artigo 421 do CC, que estabelece que o exercício da liberdade contratual deve se dar “em razão e nos limites da função social do contrato” (BRASIL, 2002).
Assim, tem-se evidenciado, tanto pelo Código Civil, quanto pela Constituição da República (BRASIL, 1988), que sua finalidade é proteger a interesses sociais gerais, relações firmadas pelas partes com terceiros, além da dignidade humana, conciliando a liberdade individual com os interesses coletivos.
A violação do princípio da função social do contrato ocorre nas hipóteses em que o pacto venha a prejudicar os interesses sociais, ou até mesmo o de terceiros que não tenham relação direta com o contrato estabelecido entre as partes.
A esse respeito, Nery Junior (2003, p. 336) aponta algumas situações de inobservância da função social do contrato que “haverá desatendimento da função social, quando: a) a prestação de uma das partes for exagerada ou desproporcional, extrapolando a álea normal do contrato; b) quando houver vantagem exagerada para uma das partes; c) quando quebrar-se a base objetiva ou subjetiva do contrato, etc.”.
Além disso, Tartuce (2007, p. 248) afirma que a função social do contrato é uma norma geral de ordem pública, conforme previsão do art. 2.035, parágrafo único, do próprio Código Civil, através da qual o contrato necessariamente deve ser interpretado de acordo com o contexto do todo social, não devendo trazer desproporções entre as partes e muito menos desembocar em injustiças sociais. Os contratos também não podem extrapolar os interesses metaindividuais ou aqueles que se relacionam com a dignidade humana segundo Tartuce.
2 CONSUMIDOR IDOSO HIPERVULNERÁVEL
Envelhecer é um processo natural da vida. A definição do entendimento acerca do termo idoso ainda é diversa doutrinariamente, ocorrendo essa divergência principalmente pelas diferentes condições sociais e biológicas que cada sociedade vive, quando cada um envelhece de uma forma particular, porém, diz-se idoso aquele cuja idade é superior a 60 anos no Brasil.
No Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem hoje 31,981 milhões de idosos (maiores de 60 anos), correspondendo a 15,4% de nossa população, sendo a população com mais de 80 anos já de 2,2%, correspondendo a 4,524 milhões de pessoas. No ano de 2018, o IBGE divulgou uma nova pesquisa sobre a projeção demográfica brasileira, que aponta o rápido e intenso processo de envelhecimento no país. Desde 2012, mais 4,8 milhões de pessoas passaram para a condição de idoso no Brasil e o crescimento deste grupo etário, em cinco anos, foi de 18%.
O idoso, faz parte de um grupo de consumidores que tem sua vulnerabilidade potencializada perante os fornecedores, em decorrência de sua idade e grau de instrução. Assim entende Marques (2002, p. 194):
Tratando-se de consumidor ‘idoso’ (assim considerado indistintamente aquele cuja idade está acima de 60 anos) é, porém, um consumidor de vulnerabilidade potencializada. Potencializada pela vulnerabilidade fática e técnica, pois é um leigo frente a um especialista organizado em cadeia de fornecimento de serviços, um leigo que necessita de forma premente dos serviços, frente à doença ou à morte iminente, um leigo que não entende a complexa técnica atual dos contratos cativos de longa duração.
Nesse sentido, o consumidor idoso, em função da sua condição, possui vulnerabilidade extrema, ou seja, uma hipervulnerabilidade, que o coloca em uma situação especial, visto possuir maiores limitações em razão da idade avançada, que o torna mais suscetível a práticas abusivas nas relações de consumo.
Todo consumidor é reconhecido como vulnerável por lei, por força do Art. 4°, I, do Código de Defesa do Consumidor, que tem origem em discriminação positiva constitucional.
A necessidade de ampliação do conceito de vulnerabilidade do consumidor, é devida ao fato de que existe um grupo ainda mais vulnerável, alvo das relações comerciais. Atribuída algumas condições ao consumidor, tais como idade, capacidade de compreensão, portador de doença, entre outras. Ele se torna ainda mais vulnerável aos produtos ofertados, o alvo do chamado consumismo, desequilibrando o seu orçamento para adquirir um determinado bem ou serviço sem fazer maiores reflexões sobre a utilização ou não do produto.
Por sua vez, o art. 39, inciso IV do CDC, dispõe sobre a hipervulnerabilidade do consumidor, alcançada pela sua fragilidade em virtude da sua idade, saúde ou condição social:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos os serviços, dentre outras práticas abusivas: IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista a sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;
Tal fato se dá em razão do avanço da tecnologia e a variação de técnicas empregadas no mercado de consumo para alcançar de forma mais fácil o perfil do consumidor para venda de determinados produtos e serviços. O ser humano, em regra, é vulnerável em relação ao fornecedor de produtos ou serviços, devido a seu enfraquecimento técnico diante dos produtos ofertados. Já a hipervulnerabilidade é a vulnerabilidade potencializada pela idade, saúde e condição social, e neste caso poderá ser o consumidor criança, idoso ou deficiente metal.
O reconhecimento desses grupos hipervulneráveis parte da insuficiência do princípio jurídico da vulnerabilidade como presunção jurídica formal. Assim, é preciso tratar de modo desigual não apenas os consumidores em geral nas suas relações com os fornecedores, mas também os consumidores entre si, a partir da identificação das diferenças entre grupos vulneráveis e hipervulneráveis, sendo que estes necessitam de uma proteção qualificada pelas normas do CDC e por outras fontes normativas (NISHIYAMA; DENSA, 2011, p. 431).
Neste contexto, a hipervulnerabilidade consiste na situação social fática e objetiva de agravamento da vulnerabilidade da pessoa física consumidora, por circunstâncias pessoais aparentes ou conhecidas do fornecedor, como sua idade reduzida ou idade alentada ou sua situação de doente.
Assim, é possível concluir que a doutrina classifica como consumidores hipervulneráveis aqueles que possuem uma vulnerabilidade agravada seja em razão da idade, de doenças, entre outros fatores e devido a isso, são facilmente conquistados pela publicidade veiculada em instituições financeiras, pela espiral negativa de consumo de serviços e produtos financeiros, motivo pelo qual merecem um olhar maior da legislação na proteção de seus direitos.
3 EMPRÉSTIMO CONSIGNADO PARA CONSUMIDORES IDOSOS.
O crédito consignado que se encontra regulado pela Lei 10.820/2003, a qual teve recente alteração por meio da Lei 13.172/15. Desde então, a amortização de operações de crédito não poderá exceder a 35% da remuneração disponível, sendo 5% destinados exclusivamente para a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito ou a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito.
Em relação aos aposentados e pensionistas, há ainda uma regulação realizada através de Instrução Normativa, estando vigente a IN INSS/PRES 28/2008, que estabelece critérios e procedimento operacionais relativos à consignação de descontos para pagamento de empréstimos e cartão de crédito contraídos nos benefícios da Previdência Social.
Há a previsão no art. 3º de que os titulares de benefícios de aposentadoria ou pensão poderão autorizar o desconto em seu benefício, desde que presentes os requisitos discriminados nesse artigo.
Além disso, no art. 13, há uma limitação quanto ao número de prestações para a contratação no caso aposentados e pensionistas, fixando 84 parcelas mensais e sucessivas, o que representa uma dívida de sete anos.
Com a recente alteração do Código de Defesa do Consumidor pela lei do superendividamento, atualmente também há previsão de informações que devem ser prestadas a todo e qualquer consumidor no fornecimento de crédito e na venda a prazo nesse diploma legal, ultrapassando as previsões que constavam apenas na IN INSS/PRES. 28/2008. Aduz o CDC no art. 54-B:
Art. 54-B. No fornecimento de crédito e na venda a prazo, além das informações obrigatórias previstas no art. 52 deste Código e na legislação aplicável à matéria, o fornecedor ou o intermediário deverá informar o consumidor, prévia e adequadamente, no momento da oferta, sobre:
I - o custo efetivo total e a descrição dos elementos que o compõem; II - a taxa efetiva mensal de juros, bem como a taxa dos juros de mora e o total de encargos, de qualquer natureza, previstos para o atraso no pagamento; III - o montante das prestações e o prazo de validade da oferta, que deve ser, no mínimo, de 2 (dois) dias; IV - o nome e o endereço, inclusive o eletrônico, do fornecedor; V - o direito do consumidor à liquidação antecipada e não onerosa do débito, nos termos do § 2º do art. 52 deste Código e da regulamentação em vigor.
Além da possibilidade do empréstimo consignado descontado diretamente na folha de pagamento pensionista idoso, há a alternativa dos chamados empréstimos pessoais, nos quais as taxas de juros remuneratórios não têm controle pelo Governo, sendo praticadas entre os percentuais de 18% a 29% ao mês. Nestes, os débitos das parcelas mensais são efetuados diretamente na conta corrente do contratante, na qual ele recebe a aposentadoria ou benefício previdenciário. Esta modalidade de empréstimo o idoso contrata quando já não é mais possível o desconto em folha de pagamento por ausência de margem consignável. Significa dizer, não há nenhuma vedação legal para que o idoso contrate empréstimos pessoais para além dos empréstimos que são consignados, o que pode levar ao comprometimento de toda a sua renda mensal.
Ocorre que em qualquer dessas modalidades de empréstimos, no momento da formação do contrato, ocorrem abusos por parte dos fornecedores. Por exemplo, há vedação de contratação por telefone, mas essa é uma prática que reiteradamente ocorre em todo território nacional, prestam-se atendimentos aos consumidores idosos em que relatam que a contratação foi efetuada por telefone, por iniciativa da financeira, e na quase integralidade das vezes não é entregue ao consumidor a sua via do contrato, retirando o direito que o consumidor tem da sua via do contratual, justamente para ter conhecimento dos termos da contratação.
Veja-se, em que pese o CDC faça uma série de exigências no tange as informações acerca do financiamento que devem constar do contrato, na medida em que não é dado ao consumidor uma via dele, tampouco lhe é informado e explicado os termos da contratação, esse tem sua condição de vulnerabilidade agravada, pois lhe é negado o direito de conhecer as cláusulas contratuais e de avaliar a sua capacidade de pagamento e o grau de endividamento.
Nesse sentido, dá-se a observar que os fornecedores se aproveitam da fragilidade de pessoas idosas para o aumento da margem lucrativa, por meio dos contratos com encargos abusivos, dentre os quais não foram informados ao consumidor na hora da contratação ou esclarecidos evidentemente, em vista disto, a conduta do fornecedor de ofertar de maneira desenfreada, não verificando se possuem realmente condições para custear tais créditos a fim de que sejam adimplidos sem comprometer seu orçamento familiar, acaba colidindo diretamente com as normas dispostas no Código de Defesa do Consumidor e tornando-os consumidores superendividados que tiveram uma maior parte de sua renda comprometida por tais empréstimos.
4 PROTEÇÃO DOS IDOSOS HIPERVULNERÁVEIS CONFORME O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
O CDC (BRASIL, 1990), trouxe precisamente o disposto no art. 52, que exige o dever do fornecedor de informar previamente e com clareza o número de prestações, qual a taxa de juros:
Art. 52. No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre: I - preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional; II - montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros; III - acréscimos legalmente previstos; IV - número e periodicidade das prestações; V - soma total a pagar, com e sem financiamento. § 1° As multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigações no seu termo não poderão ser superiores a dois por cento do valor da prestação. (Redação dada pela Lei nº 9.298, de 1º.8.1996). § 2º É assegurado ao consumidor a liquidação antecipada do débito, total ou parcialmente, mediante redução proporcional dos juros e demais acréscimos.
Assim como o art. 39 que proíbe as práticas abusivas:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994) I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos; II - recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes; III - enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço; IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços; V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva; VI - executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de práticas anteriores entre as partes; VII - repassar informação depreciativa, referente a ato praticado pelo consumidor no exercício de seus direitos;
Demonstra-se que o Código, preocupou-se em discriminar criteriosamente como as agências fornecedoras de empréstimos e financiamentos devem proceder para que haja enfim tal contratação legal.
O princípio da vulnerabilidade e o princípio da dignidade da pessoa humana, que são princípios norteadores do CDC, são princípios norteadores dos conflitos entre consumidores e fornecedores, são os que justificam a necessidade de amparar o consumidor, parte mais fraca na relação consumerista, com a criação de leis próprias, pois, os consumidores em razão da sua vulnerabilidade, necessitam ter sua defesa facilitada nas relações de consumo.
Portanto, partindo da vulnerabilidade dos consumidores, cabe destacar a ampliação que a doutrina moderna brasileira concedeu a tal princípio, ensejando novas ramificações diante a necessidade de amparar grupos específicos ainda mais vulneráveis, dentre eles os “consumidores hipervulneráveis”, que dependeriam de uma proteção ainda maior da que já é destinada, por se tratar de consumidores mais frágeis que os demais. Neste sentido, para impedir que tais abusos permaneçam a acontecer, foi aprovado no âmbito do poder legislativo em julho de 2021, a Lei nº 14.181, DE 1º de julho de 2021, que visa amparar o atual consumidor brasileiro, alterando o Código de Defesa do Consumidor – CDC (Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990), e a Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso), para aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e dispor sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento.
Além de inserir vários artigos no CDC, essa Lei introduziu no CDC dois capítulos específicos para discorrerem sobre a prevenção e tratamento do superendividamento e sobre a conciliação no superendividamento, estes se encontram no título I, capítulo VI-A a partir do art. 54-A ao 54-G e no título III capítulo V, dos art. 104-A ao 104-C.
Essa proposta, surgiu diante da crescente utilização do crédito no Brasil nas últimas décadas, alavancando o consumo de produtos e serviços. A lei tem em seu corpo artigos que sem dúvida trazem alterações expressivas e totalmente importantes, tendo em vista o número de pessoas que adentram a situação do superendividamento no Brasil. Os números, são alarmantes e chegam à soma de cerca de 60 milhões de brasileiros, além de atingirem o patamar de 64% das famílias brasileiras, segundo informações do CNC. As mudanças são vastas, e visam trazer soluções tanto de prevenção ou mesmo tratamento do superendividamento.
Uma dessas alterações, é a previsão do art. 54-A, §1º que visa trazer pela primeira vez em uma legislação brasileira, o conceito de superendividamento que fará com que seja mais fácil identificar quando uma pessoa se encontra em tal situação:
Art. 54-A. Este Capítulo dispõe sobre a prevenção do superendividamento da pessoa natural, sobre o crédito responsável e sobre a educação financeira do consumidor.
§ 1º Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação.
Além do mais, as modificações trazem em sua redação, a obrigatoriedade do fornecedor de relatar de maneira pormenorizada as informações acerca de valores, taxas, juros, o direito do consumidor à liquidação antecipada e não onerosa do débito, devendo serem transmitidas de forma bastante clara e no próprio contrato da prestação do serviço, de forma a ser fácil a percepção do consumidor, ao que está sendo contratado:
Art. 54-B. No fornecimento de crédito e na venda a prazo, além das informações obrigatórias previstas no art. 52 deste Código e na legislação aplicável à matéria, o fornecedor ou o intermediário deverá informar o consumidor, prévia e adequadamente, no momento da oferta, sobre: I - o custo efetivo total e a descrição dos elementos que o compõem; II - a taxa efetiva mensal de juros, bem como a taxa dos juros de mora e o total de encargos, de qualquer natureza, previstos para o atraso no pagamento; III - o montante das prestações e o prazo de validade da oferta, que deve ser, no mínimo, de 2 (dois) dias; IV - o nome e o endereço, inclusive o eletrônico, do fornecedor; V - o direito do consumidor à liquidação antecipada e não onerosa do débito, nos termos do § 2º do art. 52 deste Código e da regulamentação em vigor.
Prevê a lei que o poder público terá a responsabilidade de promover a instituição de mecanismos de prevenção e tratamento extrajudicial e judicial do superendividamento e de proteção do consumidor pessoa física, visando a garantir o mínimo existencial e a dignidade humana:
Art. 5° Para a execução da Política Nacional das Relações de Consumo, contará o poder público com os seguintes instrumentos, entre outros: VI - instituição de mecanismos de prevenção e tratamento extrajudicial e judicial do superendividamento e de proteção do consumidor pessoa natural; VII - instituição de núcleos de conciliação e mediação de conflitos oriundos de superendividamento.
Da mesma maneira, o art.54-C, inciso IV traz a vedação de utilização de meios de pressão ou assédio como forma de fazer com que o consumidor possa contratar os serviços oferecidos pelas instituições:
Art. 54-C. É vedado, expressa ou implicitamente, na oferta de crédito ao consumidor, publicitária ou não: IV - Assediar ou pressionar o consumidor para contratar o fornecimento de produto, serviço ou crédito, principalmente se se tratar de consumidor idoso, analfabeto, doente ou em estado de vulnerabilidade agravada ou se a contratação envolver prêmio;
Essa vedação, protege principalmente o idoso, o analfabeto, os doentes, ou aqueles que se encontram em estado de vulnerabilidade agravada. Importante alteração, é a inclusão do § 3° do art. 96 do Estatuto do Idoso, que não considera como crime a negativa de crédito motivada pelo superendividamento do idoso:
Art. 96. Discriminar pessoa idosa, impedindo ou dificultando seu acesso a operações bancárias, aos meios de transporte, ao direito de contratar ou por qualquer outro meio ou instrumento necessário ao exercício da cidadania, por motivo de idade: Pena – reclusão de 6 (seis) meses a 1 (um) ano e multa. 3º Não constitui crime a negativa de crédito motivada por superendividamento do idoso.
Essa alteração, torna-se bastante útil, vez que a ideia das modificações trazidas na modernização do CDC, é renovar a proteção máxima ao consumidor dos dias atuais, procurando afastar ao máximo as táticas e muitas vezes mascaradas propostas que visam tirar a verdade dos fatos aos contratantes dos serviços.
5 A PROTEÇÃO DO IDOSO CONFORME LEI N° 10.741/2003 QUE DISPÕE SOBRE O ESTATUTO DO IDOSO
O grande marco de proteção dos interesses dos idosos no Brasil, foi a promulgação do Estatuto do Idoso - com a Lei nº 10.741/2003, que define como idoso(a) toda pessoa com 60 (sessenta) anos ou mais (BRASIL, 2003). O Estatuto do Idoso, após sua criação, quebrou a barreira de proteção exclusivamente patrimonial, pois nele a proteção ao idoso é integral, acolhendo a todos os aspectos da vida em sociedade, inclusive no campo econômico.
Desta forma, Morsch refere que em 2025 serão 35 milhões e em 2050, um em cada três habitantes”, ocupando o sexto lugar no ranking dos países com maior número de idosos e demonstrando que o envelhecimento da população brasileira ocorre a taxas aceleradas. Os idosos considerados hipervulneráveis são o grupo demográfico que mais cresce no Brasil e no mundo e representa uma mina de oportunidades à espera daquelas empresas que souberem satisfazer as necessidades e os desejos específicos dessas pessoas. A adoção do critério de hipervulnerabilidade do consumidor idoso é amplamente acolhida pela doutrina e pela jurisprudência. A doutrina brasileira ao enquadrar o consumidor idoso no grupo abrangido aos hipervulneráveis, estritamente visou a sua proteção no princípio da dignidade da pessoa humana, resguardando os aspectos patrimoniais e existenciais (ROSA; BERNARDES; FÉLIX, 2017, p. 533-558).
Com o passar do tempo a capacidade de discernimento do idoso é diminuída, inclusive no que tange ao seu raciocínio, devido a debilidade em que o corpo e o cérebro sofrem, sendo a falta de discernimento lúcido para a tomada de decisões o principal fator que o torna vulnerável. Essa fragilidade diante dos demais grupos da sociedade leva este grupo à busca pelo tratamento com igualdade, havendo a necessidade de normas jurídicas que não sejam iguais para todos. É de suma importância o ordenamento jurídico definir quem é o idoso para fins de sua tutela e, ao Estatuto do Idoso regular os direitos assegurados a esse cidadão, impondo assim, o reconhecimento de uma hipervulnerabilidade do consumidor idoso frente às relações de consumo (PINTO, 2017, p. 30).
Assim, a figura do CDC e do Estatuto do idoso firmam uma proteção para que este possa gozar de uma terceira idade com dignidade, pois, ambas legislações visam reprimir e punir as condutas dos fornecedores que atentam à condição de hipervulnerável do idoso.
CONCLUSÃO
Após o estudo sobre os direitos e garantias fundamentais e a principiologia do direito do consumidor, bem como a origem e aspectos da vulnerabilidade e da hipervulnerabilidade, passou-se a entender o conceito de idoso no ordenamento jurídico brasileiro e as dificuldades biológicas e sociais sofridas por esse grupo.
Analisando a população idosa e seu contexto no mercado de consumo, especialmente no de crédito consignado, nota-se sua importante inclusão a partir da promulgação a Lei 10.820/2003, que possibilitou aos idosos a consignação em seu benefício previdenciário para pagamento de créditos concedidos.
No entanto, apesar da inclusão no mercado, as concessões dos créditos se deram de forma desregrada, insegura e sem a efetiva análise da situação financeira do contratante, resultando em um alto número de endividados e superendividados, que cresceu gradativamente nos últimos anos.
A partir disso, buscou-se entender os aspectos gerais da concessão de crédito por pagamento consignado e sua consolidação pela Lei 10.820/2003, movimentando o mercado do crédito e o consumo. Porém, também se verificou que são recorrentes os problemas advindos da contratação do crédito consignado por idosos, sem as devidas informações e atendendo as formalidades legais, ocorrendo a operacionalização de contratos de forma irresponsável por instituições financeiras.
Não se sustenta deixar para o Poder Judiciário equalizar todas as relações consumeristas, especialmente por não ser todos os consumidores que alcançaram esse feito, mas exigir um comportamento preventivo e seguro pelos fornecedores, adotando práticas cuidadosas e a aplicação de punições diante do descumprimento.
Com a Lei 14.181/2021 e seus impactos na proteção do consumidor do crédito consignado, houve um avanço na tentativa de se garantir os direitos fundamentais, o mínimo existencial e o consumo financeiramente saudável, tratando e prevenindo o superendividamento.
No entanto, para se atingir a igualdade e equilíbrio contratual do idoso e o fornecedor de crédito, é necessária uma interpretação rigorosa dos princípios e normas constitucionais, oferecendo crédito responsável e de acordo com a real possibilidade do consumidor, orientando-se sempre pela dignidade da pessoa humana e adotando medidas educacionais.
A concessão do crédito ao idoso é importante e deve ser preservada, sendo necessário o oferecimento das informações relevantes sobre o contrato, as limitações mensais causadas e a oferta de acordo com a regulamentação legal, punindo rigorosamente irregularidades, possibilitando uma vida digna e o envelhecimento saudável da população.
REFERÊNCIAS
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CNC - Confederação Nacional do Comercio de Bens, Serviços e Turismo. “Endividamento dos brasileiros é tema de audiência na Câmara dos Deputados”. Disponível em:<http://www.cnc.org.br/editorias/sistema-comercio/noticias/endividamento-dos brasileiros- e-tema-de-audiencia-na-camara-dos>. Acesso: 01 de Nov. 2021.
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Finalista do curso de bacharelado em Direito da Faculdade Metropolitana de Manaus, Ceuni-Fametro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RODRIGUES, Júlia Feitosa da Costa. Empréstimo consignado: a hipervulnerabilidade do consumidor idoso frente os contratos de empréstimo consignado Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 dez 2021, 04:11. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57760/emprstimo-consignado-a-hipervulnerabilidade-do-consumidor-idoso-frente-os-contratos-de-emprstimo-consignado. Acesso em: 23 dez 2024.
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