RESUMO: O presente estudo abordará a impossibilidade de revogação da filiação socioafetivo. Nesse rumo, explanará acerca dos tipos de filiação, das formas de união conjugal e do instituto da filiação socioafetiva. Além disso, o trabalho tem o objetivo principal de demonstrar que o término conjugal não deve ensejar na desconstituição do vínculo com o filho à luz do ordenamento jurídico vigente e da jurisprudência firmada pelos Tribunais pátrios.
PALAVRAS-CHAVE: Filiação socioafetiva. Família. Término.
ABSTRACT: This study will address the impossibility of revoking the socio-affective affiliation. In this direction, it will explain about the types of affiliation, the forms of conjugal union and the institute of socio-affective affiliation. In addition, the work has the main objective of demonstrating that the marital termination should not lead to the dissolution of the bond with the child in light of the current legal system and the jurisprudence established by the Brazilian Courts.
KEYWORDS: Socio-affective affiliation. Family. Termination.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Filiação. 2.1 Tipos de filiação. 2.1.1 O critério jurídico (presunção legal). 2.1.2 O critério biológico. 2.1.3 O critério afetivo. 2.2 Filiação Socioafetiva. 3. União Conjugal: O casamento e a União Estável. 3.1 Dissolução da União Conjugal. 3.2 A dissolução da união estável. 3.3 A guarda e convivência com os filhos. 4. Legislação Socioafetiva. 4.1 A impossibilidade de revogação da filiação socioafetiva baseada no término conjugal. 4.2 Entendimento Jurisprudencial. 5. Conclusão. 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo preliminar de contribuir com os avanços do instituto da filiação socioafetiva, explanando acerca das modalidades de filiação, a evolução histórica para que chegássemos ao patamar atual e como o término conjugal não pode ensejar na sua revogação.
Nesse diapasão, pretende-se realizar um estudo da relação conjugal no trato com os filhos, indagando-se, por derradeiro, se o término conjugal influencia em uma posterior desconstituição do vínculo afetivo com o filho?
No primeiro capítulo será abordada a filiação, suas modalidades e a filiação socioafetiva, conceituando cada espécie e demonstrando a previsão legal, bem como o entendimento doutrinário sobre cada uma delas.
Adiante, pretende-se apresentar de modo sintético as formas do elo conjugal, explanando acerca do contexto histórico e de suas diferenças, discutindo ainda sobre as formas de desconstituição das referidas na atualidade e quais as consequências geradas para a prole.
Finalmente, no terceiro capítulo será abordada a problemática apresentada e de como a jurisprudência encara tal realidade em voga.
Desse modo, mostra-se importante o presente estudo por tratar de direitos fundamentais e da personalidade, que são basilares nas relações sociais e familiares, eminentemente as de pais e filhos e de como o afastamento da maternidade ou paternidade baseada no afeto, por motivos diversos, poderia ocasionar aos envolvidos.
2. FILIAÇÃO
A relevância dada a filiação é histórica, sendo conceituada por Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2021) como a mais relevante relação de parentesco existente é a que se estabelece entre pai/mãe e filho.
Dito isso, no que se refere à filiação no direito brasileiro, o Código Civil de 1916 separava os filhos entre os legítimos, ilegítimos e legitimados. Tal distinção é abordada por Rolf Madaleno (2020), onde os filhos legítimos originavam das justas núpcias, e os filhos ilegítimos poderiam vir a ser legitimados se seus pais casassem; enquanto todos os filhos cuja origem não vinha do casamento eram considerados ilegítimos e se subdividiam em naturais, caso os pais não fossem casados e espúrios quando existisse algum impedimento ao matrimônio dos genitores.
Os ditames leoninos de 1916, em relação ao reconhecimento da paternidade de filho gerado de relacionamento adúltero ou incestuoso influenciou questões sucessórias, perdurando tal realidade até a edição da Lei n.º 883/49, que permitiu o reconhecimento de filho havido fora do casamento, como ensinam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2021).
Em uma importante evolução histórica e humanística, a Constituição Federal de 1988 reconheceu a diversidade de famílias, estabelecendo a igualdade entre filhos, introduzindo conceitos até então desconhecidos pela legislação brasileira, como a paternidade responsável, solidariedade familiar, dentre outros.
Por fim, nas lições de Flávio Tartuce e José Fernando Simão (2013), a filiação pode ser conceituada como sendo a relação jurídica decorrente do parentesco por consanguinidade ou outra origem, estabelecida particularmente entre os ascendentes e descendentes de primeiro grau.
2.1 Tipos de Filiação
Ultrapassada a ideia da paternidade presumida, o sistema jurídico brasileiro adotou três tipos de filiação, tão bem diferenciados por Maria Berenice Dias (2020), bem como Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2021) através do critério jurídico, o critério biológico e o socioafetivo.
2.1.1 O critério jurídico (presunção legal)
Primordialmente as presunções de paternidade se fundavam no objetivo de proteger a família matrimonial, a convivência e a segurança familiar, ainda que a verdade biológica sobre a filiação fosse diversa.
Acerca dessas presunções, Conrado Paulino da Rosa (2021) assevera que desde há muito, partimos da premissa de que mater semper certa est, ou seja, a maternidade é sempre certa e, também pater is est quem nuptiae demonstrant, no sentido de que o pai é aquele que as núpcias demonstram.
Seguindo a ideia do diploma normativo civil de 1916, o artigo 1.597 do Código Civil de 2002 relaciona as hipóteses de presunção de paternidade de filho concebido na constância do casamento.
Rolf Madaleno (2020) defende que, pouca importância deveria ser atribuída a essa presunção quando contestada pelos meios científicos de identificação genética, que a referida sequer deveria constar no regramento civil, lecionando ainda, que nenhuma importância deve ser atualmente atribuída a presunção do artigo 1.597 do Código Civil, depois do advento da Lei 13.112/2015, que autorizou todas a mulheres registrarem seus filhos e indicarem no ato do registro o nome do pai. Ainda na visão do referido doutrinador, a lei retro nominada enterra definitivamente a figura jurídica da presunção de paternidade, que representava um tratamento inferior ao das demais relações.
2.1.2 O critério biológico
Entende-se ser direito da personalidade da pessoa natural o conhecimento de sua origem biológica, para estabelecimento de laços afetivos, futuras questões sucessórias e, sobretudo, para resguardo da sua saúde.
Dito isso, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2021) destacam importância do exame de DNA, permitindo, com precisão científica, a determinar a origem biológica e consequentemente a paternidade. Declaram, ainda, que a importância é tão significativa que a jurisprudência firmou entendimento no sentido de presumir prova que se pretendia produzir na hipótese de recusa injustificada da parte em se submeter ao exame de DNA, consoante Súmula 301 do Superior Tribunal de Justiça.
Noutra banda, Luiz Edson Fachin (2008) preconiza que desde há muito tempo a paternidade não se determina simplesmente pela ascendência genética e que, se assim fosse, por exemplo, inviabilizaria a doação de material genético, com a inseminação heteróloga: os pais sempre seriam os doadores dos gametas.
Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2021), em entendimento atual, ensinam que, em determinados casos é possível fixar o estado de filiação pelo critério biológico, como por exemplo de um homem que, após engravidar uma mulher, se recusa a registrar o filho. Após o exame de DNA, comprova-se a ascendência biológica, sendo a consequência seguinte a determinação da filiação pelo critério genético, ainda que inexista laço afetivo.
2.1.3 O critério afetivo
As relações pessoais evoluem constantemente, e o direito tem por dever acompanhá-las. Diante desse panorama, nota-se o aprimoramento de institutos jurídicos, em especial o da filiação baseada no critério afetivo, doravante denominado socioafetivo.
Nessa seara, Luiz Edson Fachin (2008) ensina que essa modalidade de filiação decorre da posse de estado de filho, que se caracteriza pela união de três elementos clássicos (nomen, tractus, fama) que começa a se formar a conjunção suficiente de fatos para indicar a real existência de relações familiais, em especial entre pai e filho, causando o acolhimento da verdade oriunda do afeto e do amor. Assevera, ainda, que o critério socioafetivo é, reconhecidamente, modo de estabelecimento de paternidade, passando a ser um dos elementos de maior relevância para a filiação.
2.2 Filiação Socioafetiva
Antes de adentrar no tema em voga, faz-se necessária a exposição sucinta do princípio basilar desse importante instituto, qual seja, da afetividade.
Rolf Madaleno (2020) conceitua o afeto como a mola propulsora dos laços familiares e das relações interpessoais movidas pelo sentimento e pelo amor, para ao fim e a cabo dar sentido e dignidade à existência humana.
Destarte, o afastamento de uma visão de mundo conservadora, onde a relação parental fundou-se na biologização ou na presunção da paternidade, surge outros modos de se reconhecer alguém como filho, como ocorre na filiação constituída através da posse de estado de filho (socioafetiva).
A construção de tal instituto decorre de um respeito recíproco, inabalável na certeza de que aquelas pessoas são pai e filho, como ensinam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2021).
No tocante à legislação civil atual, é certo que o surgimento da filiação socioafetiva decorre da previsão constante no artigo 1.593 do Código Civil, onde o termo “outra origem” deu margem para a inclusão da paternidade socioafetiva como outro tipo de modalidade civil.
Por fim, é importante destacar que o reconhecimento da paternidade socioafetiva não cria óbice ao reconhecimento do vínculo biológico entre pais e filhos, conforme tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário 898.060, prestigiando os ditames constitucionais da igualdade de filiação.
3. UNIÃO CONJUGAL: O CASAMENTO E A UNIÃO ESTÁVEL
A aceitação do elo conjugal esteve, em grande parte da história, condicionada ao fato das pessoas serem casadas no religioso ou não, marginalizando assim, outros tipos de vínculos amorosos construídos. A realidade cultural brasileira de outrora, pautada na religiosidade, no patriarcado e em uma pseudo tradição, contribuiu com a manutenção de normas que privilegiavam determinados laços familiares em detrimento da maior parte das entidades familiares que se iniciavam a partir de uma união estável.
Não obstante, o casamento não é tão somente uma forma de sociedade conjugal, baseada no afeto, na comunhão sacramental ou não de vidas, na relação com terceiros, mas sim a principal forma que os casais almejam para constituir família, dado o seu modo tradicional e toda a solenidade envolvida, passando pelo processo de habilitação de casamento e, acima de tudo, a celebração.
Flávio Tartuce e José Fernando Simão (2013) conceituam o casamento como a união de duas pessoas, reconhecida e regulamentada pelo Estado, formada no objetivo de constituição de uma família e baseada no vínculo de afeto.
Ademais, em uma visão contemporânea Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2021) ensinam que o casamento é uma entidade familiar estabelecida entre pessoas humanas, merecedora de especial proteção estatal, constituída, formal e solenemente, formando uma comunhão de afetos (comunhão de vida) e produzindo diferentes efeitos no âmbito pessoal, social e patrimonial.
A Constituição da República consagra o matrimônio civil ou religioso como forma de família – tendo essa a proteção estatal –, e determinando que a Lei facilite a conversão de união estável em casamento, nos termos do art. 226, § 1º, § 2º e § 3º da CF.
Cumpre destacar que os laços parentais por afinidade não cessam com o fim do casamento, visto que geram causa de impedimento para o matrimônio, conforme disposto no art. 1521, I do Código Civil.
Quanto à natureza jurídica, entende-se que há três conceitos distintos, a saber: institucionalista, contratualista e misto ou eclético.
Ultrapassadas as questões conceituais e da natureza jurídica do casamento, é de salutar que das relações conjugais desse tipo decorrem efeitos patrimoniais próprios, no que se refere aos diversos regimes de bens, que podem ser objeto de deliberação dos noivos, como aclara Maria Berenice Dias (2021) através de pacto antenupcial, privilegiando a liberdade dos contraentes, salvo quando a lei impuser o regime da separação obrigatória de bens.
Noutra banda, no que concerne à união estável inicia-se por mencionar que o constituinte originário agiu com propriedade ao inserir no Texto Constitucional, no artigo 226, § 3º, a união estável como vínculo conjugal, e determinar que a Lei deveria facilitar a sua conversão em casamento, uma vez os referidos relacionamentos eram orginalmente conhecidos como concubinários. Sobre o tema, Conrado Paulino da Rosa (2021) ensina que as relações concubinárias eram divididas entre puras e impuras. Sendo a primeira caracterizada pela escolha do casal de manter o elo de convivência. Por outro lado, o segundo se referia ao relacionamento que não poderia ser convertido em matrimônio, por impedimento de um dos conviventes.
Noutra banda, Rolf Madaleno (2020) afirma que com a difusão de novos valores ligados à autonomia dos gêneros e ao livre e obrigatório desenvolvimento pessoal, a contado e o afeto se habilitam como precursores dos vínculos familiares, e os laços emocionais aceitam formar ou dissolver as uniões dissociadas de um roteiro cerimonial, para buscar caminhos mais facilitadores e menos traumáticos de formação e dissolução de uma sociedade familiar. Classificado por ele, ainda, como o fim do modelo patriarcal.
A definição de união estável, o art. 1.723 do Código Civil, versa que: “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.
Diante desses requisitos, é notório que a união estável é pautada pela informalidade face ao rigoroso procedimento para o casamento.
Por derradeiro, insta mencionar que quanto ao direito sucessório, o STF no julgamento do Recurso Extraordinário declarou a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil, que diferenciava o recebimento de herança por parte do cônjuge e companheiro, instituindo, portanto, a igualdade da união estável e do matrimônio para fins sucessórios.
3.1 Dissolução da União Conjugal
Inicia-se por mencionar que o Código Civil de 1916 instituía como regra a indissolubilidade do casamento, como ensina Maria Berenice Dias (2021), e que a única forma de rompimento era por meio do desquite, instrumento teratológico que, mais uma vez, marginalizava determinadas pessoas, visto que os desquitados não poderiam casar novamente, porém tinham o dever de mútua assistência. Ora, na prática, acabavam-se tão somente os deveres de fidelidade e de coabitação.
A realidade supramencionada perdurou até 1977, oportunidade da aprovação da Lei do Divórcio (Lei n.º 6.515/1977).
Após avanços legislativos significativos, foi promulgada em 2010 a Emenda Constitucional 66, que alterou o § 6º do artigo 226, permitindo a dissolução do casamento pelo divórcio, não havendo então a separação de fato ou de corpos anterior ou qualquer outra condição especial. No Código Civil, o artigo 1.571, regulamenta as formas de dissolução do casamento.
Registre-se a existência de discussão entre doutrina e jurisprudência sobre a revogação ou não do instituto da separação judicial.
O jurista Flavio Tartuce (2020) argumenta, por exemplo, que não se justifica a manutenção da separação judicial se a Norma Superior traz como conteúdo apenas o divórcio. Não se sustenta mais a exigência de uma primeira etapa de dissolução, se o Texto Maior trata apenas de uma outrora segunda etapa. A tese da manutenção da separação de direito remete a um Direito Civil burocrático, distante da Constituição Federal, muito formal e pouco material; muito teorético e pouco efetivo.
Entretanto o Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.247.098/MS, concluiu que a Emenda Constitucional 66/2010 não revogou os ditames civilistas que versam sobre a separação judicial, entendendo que o divórcio e a separação são institutos diversos com consequências e regramentos jurídicos distintos.
3.2 A dissolução da união estável
Nota-se a simplicidade – comparada ao casamento – que pauta a configuração da união estável não é prestigiada para que haja a sua dissolução.
Conrado Paulino da Rosa (2021), preconiza que os integrantes de famílias convivenciais, quando do seu fim, irão necessitar promover o seu reconhecimento e dissolução, sendo judicial a ação em que haja litígio ou a presença de menor de dezoito anos ou incapazes. Em contrapartida, existindo a concordância das partes, não havendo filhos e nem estando a convivente em estado gravídico, a dissolução da união estável, o término do relacionamento poderá ser realizado pelo Tabelião de Notas através de escritura pública, como preceitua o artigo 733 do Código de Processo Civil.
O saudoso jurista e professor Zeno Veloso (2016) tece importantes críticas sobre a dissolução da união estável adotado no Brasil, uma vez que por se tratar de uma situação de fato, a convivência more uxório está constituída automaticamente quando observadas as determinações decorrentes da Lei, tendo o contrato firmado pelas partes o poder de reconhecimento da existência. E a sua dissolução e extinção se daria com a ruptura da vida comum, sem necessidade de nenhum atestado. Logo, segundo o preclaro doutrinador, se a afetividade acabar, a extinção da união estável dá-se pela só extinção da vida comum, pelo término da convivência.
3.3 A guarda e convivência com os filhos
Sob o prisma da relação entre os pais e filhos, é fato incontroverso que os genitores da prole devem ter o senso de responsabilidade para o recebimento e criação dos filhos com todo apoio e integral proteção aos filhos desde a gravidez ante a fragilidade e vulnerabilidade dos infantes, surgindo dessa afirmação o conceito de guarda.
De início, menciona-se que a guarda em voga refere-se àquela regida pelo Código Civil Brasileiro, que decorre do poder familiar, não se confundindo assim, com a instituto de igual nome do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Dito isso, Rolf Madaleno (2020) ensina que, em regra, a guarda decorre do poder familiar, sendo obrigados os pais a manterem seus filhos em sua companhia e custódia, em um ambiente que exista uma relação de afeto e de carinho unindo-os com laços de verdadeira e ilimitada comunhão de fraterno amor. Tão importante é o aludido instituto, que a Lei impõe que é dever dos cônjuges (artigo 1.566, IV, CC) e dos conviventes (artigo 1.724, CC) a guarda dos filhos.
É imperioso destacar que, em se tratando guarda, o divórcio e a dissolução da união estável não podem comprometer a continuidade da convivência dos filhos, como destaca Maria Berenice Dias (2021).
O artigo 1583 do Código Civil define as duas modalidades de guarda, quais sejam: guarda unilateral e compartilhada.
Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2021) lecionam que a primeira modalidade de guarda restringe a convivência com o outro ascendente aos momentos de visitação.
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2021) como a modalidade preferível em nosso ordenamento, onde tanto o pai quanto a mãe são responsáveis pela vida dos filhos.
Noutra banda, o reflexo da guarda unilateral ou compartilhada é o direito e o dever de visitas, conforme disposto no artigo 1.589 do Código Civil.
O uso do termo “visita” demonstra-se inadequado e é duramente criticado pela doutrina, substituindo-o por “convivência familiar, segundo preconiza Conrado Paulino da Rosa (2021). Seguindo essa linha, a doutrina entende que visita é ato de cortesia, solidariedade, esporádico, desvirtuando, assim, o caráter do direito e dever de convivência.
Sobre o direito de convivência, Rolf Madaleno (2020) ensina que o referido guarda um conteúdo voltado ao interesse primeiro do menor, cuja visita tem uma extensão maior, que não se restringe a faculdade de visitar e alojá-la por alguns dias, mas impõe um direito e um dever de fluída comunicação. Nessa toada, destaca o autor que o direito de convivência com os avós tem valor preponderante na constituição da personalidade dos descendentes, com experiência positiva para ambos, congregando os valores elencados no artigo os valores constitucionais elencados no artigo 226 da Constituição Federal.
4. LEGISLAÇÃO SOCIOAFETIVA
Noutra banda, é certo que o a paternidade socioafetiva é fruto da promulgação da Constituição Federal de 1988, reconhece outras entidades familiares e os filhos havidos ou não do casamento, ou com ligação biológica, como dispõe do art. 227, §6º, da CFB.
Nesse sentido, a Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), em consonância com o princípio de igualdade de filiação, dispõe no art. 26, caput: “Que os filhos havidos fora do casamento poderão ser reconhecidos pelos pais, conjunta ou separadamente, no próprio termo de nascimento, por testamento, mediante escritura ou outro documento público, qualquer que seja a origem da filiação”.
Além disso, o advento do Código Civil de 2002, como doutrinam Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald (2021), reconheceu a possibilidade de parentesco e filiação decorrente de outros critérios, acobertando a possibilidade de uma origem socioafetiva. Ainda nesses ensinamentos, o Enunciado 108 das Jornadas de Direito Civil reconheceu que “no fato jurídico do nascimento, mencionado do art. 1.603, compreende-se, à luz do disposto no at. 1593, a filiação consanguínea e também a socioafetiva”.
Em sede extrajudicial, o Provimento 63/2017 do CNJ, com redação alterada pelo Provimento 83/2019, versa sobre o procedimento de reconhecimento da filiação socioafetiva perante o Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais, independente de autorização judicial.
4.1 A impossibilidade de revogação da filiação socioafetiva baseada no término conjugal
O reconhecimento da paternidade socioafetiva gera efeitos jurídicos, emocionais e sociais, manifesta para a sociedade que aquela pessoa com quem se manteve relação paterno-filial, baseada no amor, carinho, cuidado, juridicamente é seu filho.
Marcos Salomão (2017) afirma que é um ato de afeto e que ser reconhecido como filho, é sentir-se amado, individualizado e integrado em uma entidade familiar, pertencente a um todo maior, que envolve outras pessoas ligadas aos círculos de relações do pai.
Flávio Tartuce (2020) nos ensina que o ato de reconhecimento de filhos é incondicional, não podendo ser submetido à condição (evento futuro e incerto) ou a termo (evento futuro e certo), exemplificando através da seguinte hipótese: “reconheço você como filho meu filho quando sua mãe morrer”. Expõe-se através do pensamento, que o reconhecimento deve acontecer de uma maneira natural, sendo esse independente de relação conjugal.
Por outro lado, havendo rompimento do elo conjugal, entende-se que se rompe o vínculo, mas não a filiação socioafetiva, pois são institutos jurídicos diferentes, devendo ser mantidas todas as obrigações provenientes do reconhecimento, não vislumbrando-se a possibilidade de revogação da filiação seja ela socioafetiva ou não.
Dessa maneira, Leonardo Cavalcanti de Aquino (2016) aduz que é inegável que uma vez reconhecida a filiação socioafetiva, esta não poderá ser desfeita pela vontade dos agentes envolvidos, tendo em vista que a partir do reconhecimento da socioafetividade, surgiram-se direitos fundamentais e da personalidade, baseados no carinho, cuidado e amor, que por via de consequência se referem ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.
Rolf Madaleno (2020) leciona que o legislador constituinte conferiu prioridade aos direitos da criança e do adolescente, ressaltando aos seus direitos em primeira linha de interesse, por se tratar de pessoas indefesas, sendo inconcebível admitir qualquer decisão que não privilegie os melhores interesses dos menores, e, entendendo como inconstitucional a aplicação de norma ou decisão judicial que desrespeite os interesses prevalentes da criança e do adolescente.
Noutra banda, o artigo 1º, § 1º do Provimento 63/19 do Conselho Nacional de Justiça versa sobre a possibilidade de revogação da filiação socioafetiva em casos de vícios de vontade, fraude ou simulação, através de processo judicial, com a participação do Ministério Público como fiscal da ordem jurídica. Contudo, entende-se que ainda que exista tais requisitos, deve-se primar pela manutenção da paternidade ora reconhecida, uma vez que a mácula da relação que antecedeu à socioafetividade em nada interfere naquele elo de amor e carinho paterno-filial, por consequência privilegiando o melhor interesse do menor.
Portanto, ante as ponderações supracitadas, entende-se não ser possível a desconstituição da filiação socioafetiva a partir do término conjugal, tendo em vista que o elo paterno-filial é bilateral e autônomo, fundamentado no carinho, cuidado, afeto, não havendo, ainda, hipótese legal que fundamente tal revogação, bem como devendo prevalecer o melhor interesse da criança e seu respectivo direito face aos interesses particulares dos pais. Ademais, registra-se que, para Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2021) eventual dissolução do casamento, ou da união estável não afeta o exercício do poder familiar, sendo dever dos pais conservar o convívio com os filhos menores.
4.2 Entendimento Jurisprudencial
Consoante o tema em voga, conforme julgado da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça 16/02/2012, sob a relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, foi negado provimento ao Recurso Especial que pedia a anulação do registro de nascimento das infantes, firmando entendimento que o laço socioafetivo existente entre os pais e a prole deve preponderar em face das alegações de falsidade ou erro aventadas em um processo.
Ademais, repisa-se que o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente prevalece sobre a vontade das partes (como ocorre na problemática deste estudo), sendo esse tema pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme pode-se extrair do REsp: 1713123 MS, julgado em 06/03/2018, sendo o relator o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.
Por fim, especificamente sobre a revogação da filiação socioafetiva fundada no término conjugal, no julgado de 06/12/2017, a Primeira Turma Cível do TJDFT, cujo relator foi o Desembargador Roberto Freitas, negou provimento ao pedido de revogação da paternidade socioafetiva, uma vez que mesmo sabendo que não era pai biológico da menor, decidiu cria-la como filha, e após o término da união estável que mantinha com a genitora da criança pleiteou a exclusão do vínculo paterno-filial com a infante, sob o fundamento de que decisão contrária violaria o direito fundamental da criança à convivência familiar.
5. CONCLUSÃO
As relações familiares são caracterizadas por sentimentos por vezes incompreendidos, que estão alheios à racionalidade habitual, mas que tornam tal instituto tão relevante para o Direito e para a sociedade.
O conceito de família mudou com o passar dos anos, atendendo aos anseios de uma sociedade plural, que não estava atrelada ao modelo matrimonial de família, mas sim aos laços decorrentes da união estável e que atualmente se constitui através de laços afetivos.
Noutra banda, a filiação socioafetiva, está cada vez mais presente no âmbito das famílias em decorrência dos elos criados. Contudo, como demonstrou-se, reconhecer como filho é de extrema importância, não se tratando apenas de algo repentino, que não gera responsabilidades, de fácil desconstituição, muito pelo contrário, com o reconhecimento geram-se direitos e obrigações que afetarão a vida do menor.
Portanto, diante de todo o exposto, vislumbra-se não existir a possibilidade de revogação da filiação socioafetiva, partindo da premissa do término conjugal, tendo em vista que a relação conjugal não deve influenciar o elo paterno-filial por tratar-se de vínculo autônomo e bilateral que surgiu do amor, do carinho, do cuidado e do afeto. Ademais, repisa-se que acerca do tema em voga, havendo os requisitos autorizadores da revogação da filiação socioafetiva, deve-se decidir pela conservação da paternidade, uma vez que dela – como dito anteriormente – surgiram direitos fundamentais inerentes à pessoa do menor.
Ademais, finda-se por propor que, ante as repetidas decisões, o Superior Tribunal de Justiça deveria editar súmula vedando a revogação da paternidade socioafetiva em qualquer hipótese, no sentido de privilegiar o melhor interesse do menor e seus respectivos direitos, ainda que haja vícios de vontade, fraude ou simulação. Em médio prazo, poder-se-ia trabalhar na ideia de propositura de alteração legislativa, com o objetivo de positivar o entendimento dos tribunais pátrios sobre a impossibilidade da paternidade socioafetiva, visando, assim, a proteção dos direitos do menor.
6. REFERÊNCIAS
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Graduando do Curso de Direito do Centro Universitário Fametro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RAIMUNDO JOSÉ PINHEIRO GUIMARÃES, . A impossibilidade de revogação da filiação socioafetiva Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 dez 2021, 04:35. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57772/a-impossibilidade-de-revogao-da-filiao-socioafetiva. Acesso em: 23 dez 2024.
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