GORETH CAMPOS RUBIM[1]
(orientadora)
RESUMO: O objetivo deste artigo é esclarecer e demonstrar a ineficácia das medidas protetivas diante da Lei Maria da Penha nº 11.340/2006. Abordando sobre questões a respeito da violência contra a mulher, buscando informar os fatores que mais contribuem para a ineficácia das medidas protetivas diante de tal lei. Em oportuno, retratar sobre a ineficiência da fiscalização do Estado perante o cumprimento da medida protetiva, bem como relatar a falta de políticas públicas e a falta de educação básica sobre o assunto perante a sociedade. O estudo é baseado por meio de pesquisa qualiquantitativa, que visa compreender a ineficácia da medida protetiva na Lei Maria da Penha. O método dedutivo irá ser utilizado com o objetivo de avaliar problemáticas ligadas ao tema, para esclarecer questionamentos trazidos. Por fim, utilizou-se a pesquisa descritiva relacionando as variáveis para descrever e detalhar as características e os fenômenos causados às mulheres vítimas da prática violenta cometida pelo agressor; averiguar as lacunas existentes em nosso ordenamento jurídico brasileiro para que esse tipo de descumprimento seja recorrente.
Palavras-chave: Lei Maria da Penha; Fiscalização; Medida protetiva; Homicídio.
ABSTRACT: The purpose of this article is to clarify and demonstrate the ineffectiveness of protective measures in view of the Maria da Penha Law nº 11.340/2006. Addressing issues regarding violence against women, seeking to inform the factors that most contribute to the ineffectiveness of protective measures in the face of such a law. In opportune, to portray the inefficiency of State inspection in view of the fulfillment of the protective measure, as well as to report the lack of public policies, the lack of basic education on the subject before society. The study is based on qualiquantitative research, which gathers information designed to generate an objective on the topic dealt with and, in view of that, build a panorama with the intention of enabling reflection and the emergence of ideas to solve the problem presented. Finally, descriptive research was used to describe the variables to describe and detail the characteristics and phenomena caused to women victims of violent practice committed by the aggressor; to investigate the gaps in our Brazilian legal system so that this type of non-compliance is recurrent.
Keywords: Maria da Penha Law; Oversight; Protective measure; Murder.
RESUMEN: El objetivo de este artículo es aclarar y demostrar la ineficacia de las medidas de protección en virtud de la Ley Maria da Penha nº 11.340/2006. Abordar las cuestiones relacionadas con la violencia contra la mujer, tratando de informar los factores que más contribuyen a la ineficacia de las medidas de protección ante dicha ley. Con el tiempo, retratar sobre la ineficiencia de la vigilancia estatal frente al cumplimiento de la medida de protección, así como denunciar la falta de políticas públicas, la falta de educación básica sobre el tema ante la sociedad. El estudio se basa en la investigación qualiquantitativa, que recoge in formación dirigida a generar discusiones objetivas sobre el tema abordado y, por lo tanto, construir una visión general con la intención de permitir una reflexión y la aparición de ideas para resolver el problema presentado. Finalmente, se utilizó la investigación descriptiva para describir las variables para describir y detallar las características y fenómenos causados a las mujeres víctimas de prácticas violentas cometidas por el agresor; investigar las brechas en nuestro ordenamiento jurídico brasileño para que este tipo de incumplimientos sea recurrente.
Palabras clave: Ley Maria da Penha; Supervisión; Medida de protección; Homicidio.
1 Introdução
A Lei nº 11.340/06 surgiu com a intenção de proteger a mulher vítima de violência doméstica, de modo que o Estado realize a proteção adequada. Do mesmo modo, pode-se afirmar que a medida protetiva tem como objetivo principal, ter a proteção estatal e, em especial, a jurisdicional, para cessar as agressões e realizar a proteção em face da mulher, que corre situação de risco do agressor.
Entretanto, é de suma importância demonstrar que ainda existe grave recorrência de violências cometidas contra as mulheres, e as sérias consequências ainda enfrentadas diante da medida protetiva, incidindo de maneira direta na Lei Maria da Penha.
Diante do exposto, questiona-se: porque mesmo com a Lei Maria da Penha 11.340/2006 imposta e medida protetiva assegurada, ainda é elevado o número de mulheres que são vítimas de feminicídio?
Em que pese à ineficácia da Lei Maria da Penha pode ser um fator que contribui para que esse tipo de violência ainda ocorra. Para sanar tal questionamento, foi realizada a pesquisa com o intento de analisar os aspectos que fazem a medida protetiva ser ineficaz; identificar os fatores que fazem com que os agressores descumpram a medida protetiva e a lei; destacar as políticas públicas que existem no Brasil, bem como a falta da educação básica sobre a lei Maria da Penha voltada tanto para a vítima e para a sociedade; informar que Estado falha em não realizar a fiscalização do cumprimento da medida protetiva.
O mérito da presente pesquisa é relatar a inquietação em face de uma lei imposta que, no entanto, há diversas falhas que ocasionam a morte de muitas mulheres que detinham de medida protetiva de caráter assecuratório, bem como o objetivo de demonstrar a falha de atuação do Estado, retratar que a sociedade ainda carece de educação básica sobre o tema. Em que pese, explorar as possibilidades de melhoria e aumentar o conhecimento tanto da sociedade, bem como a comunidade acadêmica. Com o propósito de tentar solucionar a ineficácia da medida protetiva na lei Maria da Penha.
O estudo é baseado por meio de pesquisa qualiquantitativa no sentido de realizar a combinação de abordagens, a fim de coletar informações e compreender o fenômeno da ineficácia da medida protetiva na Lei Maria da Penha, destinando a gerar discussões objetivas acerca do tema tratado e, diante disso, construir um panorama objetivando possibilitar uma reflexão e o surgimento de ideias para solucionar o problema apresentado.
2 Contexto do Feminicídio
Com o passar do tempo, passou-se a entender como feminicídio, sendo o homicídio qualificado contra a mulher, em decorrência da violência doméstica, familiar e/ ou quanto ao menosprezo e discriminação ao gênero.
Devido ao crescimento alarmante no número de mulheres mortas em decorrência de feminicídio no Brasil, houve a necessidade de o Estado intervir legalmente, momento em que foi incluída a Lei nº 13.104, que entrou em vigor em 2015, de modo que alterou o artigo 121 do Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei nº 2.848/1940), tipificando, desde logo, o como circunstância qualificadora do crime de homicídio:
Art. 121. Matar alguém: Pena - reclusão, de seis a vinte anos.
§ 2º -A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: I - violência doméstica e familiar; II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
Em que pese a inclusão do feminicídio no rol dos crimes hediondos, não poderia ser diferente, tal como nas demais hipóteses de homicídio qualificado.
O Mapa da Violência de 2015 ressaltou que, entre as mulheres em situação de violência conjugal, 43,1% são jovens, com idade entre 18 e 39 anos. Para as mulheres idosas, acima de 60 anos, os principais agressores são os filhos, num total de 34,9%. Com relação à cor da pele, a mortalidade das mulheres negras é bem maior do que das brancas, atingindo 66,7%, agravando-se nos estados do Espírito Santo, Acre e Goiás, onde os homicídios estimados são de mais de 10 mulheres negras para cada 100 mulheres. Entretanto, em Rondônia, Paraná e Mato Grosso, a mortalidade maior é de mulheres brancas, com mais de 5 mortes para cada 100 mulheres (WAISELFISZ, 2015).
Diante da prevalência, faz-se necessário destacar sobre o Mapa da Violência, tendo o Brasil ocupando o 5° lugar no ranking de feminicídios no mundo, com taxa de 4,8 homicídios para cada 100 mil mulheres, em que a maioria das vítimas são negras (DE PAIVA CARVALHO).
Em paralelo à situação racial, temos as condições socioeconômicas, de modo que, as vítimas mais atingidas por essa prática delituosa são, em sua maioria, mulheres pobres, com baixa renda e baixo grau de escolaridade.
Há também os crimes que ocorrem por motivo torpe, sendo ele passional caracterizado pelo ciúme, em que, muitas vezes, ocorre pela não aceitação do fim do relacionamento, sendo que o agressor seu ex-cônjuge e/ou companheiro utiliza de sua força física, arma de fogo, arma branca ou qualquer material perfurante ou que seja capaz de ocasionar sofrimento.
Nesse sentido, observou-se por meio das pesquisas que ressaltam que entre 60% a 70% das mortes de mulheres estão relacionadas ao feminicídios, as vítimas vivem em um contexto de vulnerabilidade, caracterizado por mulheres jovens, negras, que vivem em condições de pobreza, migrantes e trabalhadoras sexuais (CAMPBELL, 2007).
Isso mostra o quanto Estado ainda precisa de implementações e rigidez quanto às políticas públicas, o fácil acesso às denúncias de agressões para as vítimas e, principalmente, punição de maneira coercitiva para o autor do delito.
3 A Lei Maria da Penha
A Lei 11.340/2006 foi denominada como Maria da Penha Maia Fernandes, em razão do nome da mulher, que lutou para que seu agressor, na época seu cônjuge, viesse a ser condenado pelos delitos praticados contra ela, uma vez que sofreu agressões físicas e diversos tipos violências irreparáveis, no qual diante de uma tentativa de homicídio ficou paraplégica. No entanto, à época não existia uma lei ou nem políticas públicas de combate à violência contra a mulher. Desse modo, conforme a ausência de medidas cabíveis e o devido acesso à justiça para as vítimas foi criado o Consórcio de ONGs Feministas para a elaboração de uma lei de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. (OLIVEIRA, 2021).
Com o advento da Lei Maria da Penha de nº 11.340/2006, tivemos um avanço de suma importância, houve a implementação de 46 artigos em nosso ordenamento jurídico, em que pese à conquista da justiça em face do crime praticado contra as mulheres, conforme o disposto no artigo 1º da referida lei:
Art. 1º Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar. (BRASIL, 2006).
O artigo supracitado visa coibir e prevenir a proximidade a violência doméstica, bem como preservar a integridade física e psicológica da vítima e a assistência adequada.
Ademais, o artigo 5º da referida lei, traz consigo o conceito de violência contra mulher, a saber:
Art. 5º: Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I- no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II- no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual. (BRASIL, 2006).
De acordo com o artigo acima, entende-se como violência contra a mulher, tanto doméstica quanto familiar, qualquer ato de ação e omissão que cause dano físico, sexual, psicológico, moral e etc. O art. 7º destaca quais são as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, a saber:
Art. 7º: São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; (Redação dada pela Lei nº 13.772, de 2018) III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
Conforme o aludido artigo, de caráter notadamente didático, tira da invisibilidade as diversas formas de violência doméstica. O ato de violência é mostrado sem nenhuma astúcia, totalmente sem disfarces (CALASANS, 2009, p. 24).
3.1 A aplicação das medidas protetivas na Lei Maria da Penha
A medida protetiva de urgência significa uma providência jurisdicional adequada para proteger e assegurar a todas as mulheres seus direitos e garantias fundamentais previstas na Constituição Federal, independentemente de classe, orientação sexual, raça, religião, cultura, escolaridade e idade (PORTELA, 2011, p. 19). Assim, podemos tecer que o objetivo da medida protetiva, intenta coibir o agressor e proibir que o mesmo se aproxime da vítima. Como podemos verificar no Capítulo II da Lei 11.340/2006, em seus artigos:
Art. 18. Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas: I- conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas protetivas de urgência; II - determinar o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência judiciária, quando for o caso; III-determinar o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência judiciária, quando for o caso, inclusive para o ajuizamento da ação de separação judicial, de divórcio, de anulação de casamento ou de dissolução de união estável perante o juízo competente; (Redação dada pela Lei no 13.894, de 2019) III- comunicar ao Ministério Público para que adote as providências cabíveis. IV - determinar a apreensão imediata de arma de fogo sob a posse do agressor. (Incluído pela Lei no 13.880, de 2019). Art. 19. As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida. § 1º As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato, independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público, devendo este ser prontamente comunicado. § 2º As medidas protetivas de urgência serão aplicadas isolada ou cumulativamente, e poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados.§ 3º Poderá o juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida, conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas já concedidas, se entender necessário à proteção da ofendida, de seus familiares e de seu patrimônio, ouvido o Ministério Público.
Segundo a jurista Maria Berenice Dias “a Lei Maria da Penha traz um rol de medidas para assegurar efetividade ao seu propósito: garantir à mulher o direito a uma vida sem violência. Tentar deter o agressor bem como garantir a segurança pessoal e patrimonial da vítima e sua prole agora não é encargo somente da polícia. (DIAS, 2012, p. 145).
Insta salientar que a lei abrange diversos tipos de agressões, quais sejam: física, psicológica, moral, sexual e/ou patrimonial, as quais podem abalar a vítima de forma significativa em diversos contextos. (BIANCHINNI,2013).
Noutro giro, para que ocorra a descontinuidade da violência contra a mulher, o juiz possui o dever de adotar as medidas cabíveis, conforme encampa a Lei Maria da Penha:
Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003; II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; III - proibição de determinadas condutas, entre as quais: a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida; IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores ouvidas a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.§ 1o As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público.§ 2º Na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o agressor nas condições mencionadas no caput e incisos do art. 6º da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou instituição as medidas protetivas de urgência concedidas e determinará a restrição do porte de armas, ficando o superior imediato do agressor responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou de desobediência, conforme o caso.§ 3º Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial. § 4º Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto no caput e nos §§ 5º e 6º do art. 461 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil). (Lei 11.340/2006- Lei Maria da Penha).
Conforme verificamos acima, segundo a legislação, é garantido à mulher uma vida sem violência. A atualização da Lei 11.340/2006: lei trouxe benefícios para combater à violência doméstica, conforme a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, de acordo com o artigo 14 da referida lei:
Art. 14. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser 29 criados pela União, no Distrito Federal 8 e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher. Parágrafo único. Os atos processuais poderão realizar-se em horário noturno, conforme dispuserem as normas de organização judiciária.
De acordo com os artigos colacionados, conclui-se que há a competência do judiciário, bem como inclusão da Lei 13.827/2019, a autoridade policial e das polícias civil e militar, uma vez que ambos são responsáveis para que medidas emergenciais sejam instauradas.
4 As falhas na aplicabilidade da lei e os fatores que geram o descumprimento da medida protetiva
O medo das mulheres que sofrem atos de violência é legitimo, tendo em vista a influenciado patriarcado, podemos observar o livre poder que o homem tinha sobre sua mulher de castigá-la, mantê-la em cárcere privado pelo tempo que entendesse necessário para a punição e até mesmo o direito de matá-la caso flagrado o adultério (LÔBO, 2018, p. 17).
Um dos fatores que levam a ineficácia da medida protetiva é a falta de políticas públicas e falta de educação básica, do qual as vítimas, muitas vezes, não sabem e não têm informações precisas que garantam sua eficácia da medida instaurada, de acordo com as informações da delegada Eugênia Villa, ao fazer uma análise do perfil das mulheres em situação de violência no estado do Piauí, diz que em sua maioria são pobres, periféricas e sem acesso à internet ou celular, o que reforça a necessidade de articular políticas públicas em harmonia com a sociedade civil (IDP, 2020).
Em oportuno, insta informar que o Estado falha em não realizar a fiscalização do cumprimento da medida protetiva, bem como em não fornecer casas de abrigo o suficiente para manter o acolhimento das mulheres vítimas de agressão, bem como demonstra (Souza, 2013, p. 216):
O inc. II trata da denominadas casas abrigo, as quais visam principalmente a propiciar a real efetivação da medida protetivas de urgência (MPU) prevista no art. 23 [...] e diante da omissão em implantá-las em número suficiente, após cinco anos de vigência da norma, o resultado tem sido o comprometi- mento da efetivação do conjunto de ações previstas na totalidade da Lei Maria da Penha, já que garantir um local onde a vítima e os dependentes possam permanecer provisoriamente com segurança e paz de espírito [...] Sem que haja uma política pública séria, em todas as esferas de poder, para garantir a criação e a manutenção de tais casas-abrigos, política de proteção integral à mulher vítima de violência doméstica e familiar têm sofrido sérios percalços […]
Além da falta de abrigos em quantidades ideais, é necessário que ocorra a agilidade do Poder Público, buscando condições e celeridade no cumprimento da lei contra os agressores de mulheres, efetivando, desse modo, uma educação em prol, não só ao agressor, como também, para a sociedade. O doutrinador Rogério Sanches Cunha, sugere algumas medidas para tornar mais eficaz a aplicação da Lei Maria da Penha, qual seja:
Fomentar o conhecimento e a observância do direito da mulher a uma vida livre de violência e o direito da mulher a que se respeitem e protejam seus direitos humanos. Modificar os padrões socioculturais de conduta de homens e mulheres, incluindo a construção de programas de educação formais e não-formais apropriados a todo nível do processo educativo. Fomentar a educação e capacitação do pessoal na administração da justiça, policial e demais funcionários encarregados da aplicação da lei assim como o pessoal encarregado das políticas de prevenção, sanção e eliminação da violência contra a mulher. Aplicar os serviços especializados apropriados para o atendimento necessário à mulher, por meio de entidades dos setores público e privado, inclusive abrigos, serviços de orientação para toda família. Fomentar e apoiar programas de educação [...] oferecer à mulher, acesso a programas eficazes de reabilitação e capacitação que lhe permitam participar plenamente da vida pública, privada e social. (CUNHA, 2008. p.67 – 68)
A maioria das mulheres que sofrem algum tipo de violência tem medo de denunciar o agressor por uma repressão ainda maior do que a sofrida ou por medo de não terem uma proteção superior e assim acabarem sofrendo as consequências de terem denunciado seus agressores (LIRA, 2015).
Além disso, é de extrema valia salientar que o Estado peca em não prevenir a violência contra a mulher por meio da educação no âmbito escolar, de maneira a desconstruir os padrões e construir culturalmente o respeito, menos preconceito e erradicar violência de fato contra a mulher:
Cabe às escolas potencializar a promoção de igualdade e problematizar a desconstrução do sexismo, preconceito e desigualdade, e a figura do professor é fundamental para esse processo [...] sendo assim, é de extrema importância a necessidade de capacitações e treinamentos para o corpo escolar, afim de que as intervenções e práticas se distanciem ao máximo da reprodução de discursos do patriarcado. No mais, as escolas precisam ser os espaços de desconstrução, assim como as famílias, e repensar em estratégias de mudança faz parte e é responsabilidade de todos que são atingidos pelos estilhaços do patriarcado (SILVA et al., 2020, p. 9).
Nesse contexto, mostra-se viável que os professores, além de garantir o aprendizado, podem ser capacitados para asseverar uma sociedade com menos preconceito. Ademais, tanto o ambiente escolar quanto familiar possui papéis importantes para tal desconstrução, pois ambas atuam para o desenvolvimento humano e social.
4.1 As consequências da falta de fiscalização do Estado perante às medidas protetivas
Muitas mulheres que possuem medida protetiva, passam a serem perseguidas pelos agressores, muitas, infelizmente, têm a vida ceifada, tendo em vista que não cabe apenas o afastamento do agressor do lar e da vítima, o que, desse modo, ocasiona a ineficácia da referida Lei.
Nesse sentido, a autora Nádia Gerhard (2014, p. 84) indaga sobre a ineficácia dessas medidas protetivas de urgência previstas na Lei n° 11.340/2006:
As estatísticas comprovam que a simples Medida Protetiva de Urgência não tem alcançado a segurança e a tranquilidade que as mulheres que se encontram em tal situação merecem. Observa-se que, mesmo “amparadas” por tal instrumento, muitas vezes as mulheres voltam a ser agredidas, violentadas e até mesmo assassinadas pelos mais diversos motivos. O fim de um relacionamento, uma desavença conjugal, um sentimento de posse e propriedade sobre a companheira são razões que têm levado muitas mulheres às agressões constantes e, em muitos casos, à morte.
Ante ao exposto, não resta dúvidas que as medidas protetivas estabelecidas por um juiz são ineficazes se não houver fiscalização de órgãos competentes. Em que pese, a própria Maria da Penha Maia Fernandes, em razão de tantos homicídios divulgados na mídia, ocorridos após a criação da lei que leva seu nome, declarou, numa entrevista ao Jornal O Povo :
Deveria ter uma lei para prender imediatamente em virtude de ameaça. Só assim diminuiriam os ataques contra as mulheres. Diante dessa colocação, ela incita que a lei que leva o seu nome demonstra ineficácia. É lamentável quando a própria inspiradora da Lei faz esse desabafo, uma vez que, a lei dá diretrizes a proteção da vítima e a punição do agressor, observando assim que não há ineficácia na lei e sim na sua aplicabilidade. Mediante a forma de como a Lei está sendo encarada pelo Poder Público, pela sociedade civil e por cada cidadã e cidadã individualmente (BRUNO, 2010, p. 27).
Assim, as violências crescentes no país são ocasionadas precipuamente pela falha do Estado, conforme explana a representante da ONU Mulheres no Brasil, Nadine Gasman:
Feminicídios são assassinatos cruéis e marcados por impossibilidade de defesa da vítima, torturas, mutilações e degradações do corpo e da memória. E, na maioria das vezes, não se encerram com o assassinato. Mantém-se pela impunidade e pela dificuldade do poder público em garantir a justiça às vítimas e a punição aos agressores. (BRASIL, 2016).
Logo, é evidente que a Lei imposta é de extrema importância, no entanto, há problemas que devem ser sanados, haja vista as existências de falhas em sua aplicabilidade e, um dos principais erros a serem corrigidos, é falta fiscalização do Estado diante do cumprimento da medida protetiva.
5 A morte das mulheres em decorrência da ineficácia da medida protetiva
Mesmo com os avanços da lei que asseguram a proteção da mulher, a violência continua sendo uma luta diária. De acordo com o Mapa da Violência 2015, aponta que dos 4.762 assassinatos de mulheres registrados em 2013 no Brasil, 50,3% foram cometidos por familiares, sendo que em 33,2% destes casos, o crime foi praticado pelo parceiro ou ex-companheiro. Essas quase 5 mil mortes representam 13 homicídios femininos diários. (WAISELFISZ, 2015)
Em razão dos homicídios em face das mulheres, nosso ordenamento jurídico em seu artigo 22 da Lei 11.140/2006, elenca todas as medidas, sem interferir as outras, do qual determina a suspensão da posse ou restrição do porte de armas, nos fazendo entender que quem agride causando uma lesão corporal, também pode cometer um homicídio. Dessa forma, Maria Berenice Dias entende:
Sendo legal a posse e o uso da arma de fogo pelo agressor, denunciando a vítima à autoridade policial a violência e justificando a necessidade de desarmá-lo, por temer pela a própria vida, será instalado expediente a ser remetido ao juízo. Deferido o pedido e excluído o direito de o ofensor manter a posse da arma, ou sendo limitado o seu uso, deve-se comunicar a quem procedeu ao registro e concedeu a licença: o Sistema Nacional de Armas (SINARM) e a Polícia Federal. Caso o agressor tenha direito ao uso de arma de fogo, segundo rol legal, o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou instituição que impôs. O superior imediato do agressor fica responsável pelo cumprimento da determinação judicial sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou desobediência. A restrição é válida para evitar tragédia maior. Se o marido agride a esposa, de modo a causar lesão corporal, se possuir arma de fogo, é possível que, no futuro progrida para homicídio. (DIAS, 2008, p. 82).
Igualmente, mesmo diante da restrição do uso de arma de fogo por parte do agressor para tentar evitar uma tragédia, tal limitação ainda é inócua, segundo pesquisa realizada, entre os anos de 2013 e 2018, ao mesmo tempo em que a taxa de homicídio de mulheres fora de casa diminuiu 11,5%, as mortes dentro de casa aumentaram 8,3%, o que é um indicativo do crescimento de feminicídios. Houve aumento de 25% nos homicídios de mulheres por arma de fogo dentro das residências, por sua vez, parece refletir o crescimento na difusão de armas, cuja quantidade aumentou significativamente nos últimos anos, (CERQUEIRA, 2020).
Há casos no Brasil em que a vítima além de possuir a medida protetiva para afastar o agressor, ainda que carregando consigo, não foi possível evitar tal conduta, é o caso de uma mulher que foi morta por seu ex-companheiro, de acordo com Rodrigo Têlho, delegado-chefe da 33ª Delegacia de Polícia (Santa Maria), o ex-companheiro pulou o portão da casa da vítima por volta das 15h40, logo depois de ela ter chegado. Provavelmente, ele estava à espreita, aguardando a oportunidade de invadir a residência da ex-mulher. Embora válida, a medida protetiva guardada no bolso da calça não lhe serviu de nada. (METRÓPOLES, 2019).
Além disso, é de extrema valia citar o caso da juíza Viviane do Amaral Arronenzi, que foi vítima de feminicídio, sendo assassinada pelo seu ex-marido com 16 (dezesseis) facadas, tendo ocorrido na frente de suas três filhas menores de 18(dezoito) anos, a mesma requereu medida protetiva meses antes do ocorrido, fazia a utilização de proteção da escolta armada, cedida pelo Tribunal a qual exercia sua profissão, no entanto, acabou abrindo mão de tal proteção.
Nesse sentido, Exmo. Ministro do STF, o Dr. Gilmar Mendes, que, no dia 25 de dezembro de 2020, a se manifestou em sua rede social: “O gravíssimo assassinato da juíza Viviane Arronemzi mostra que o feminicídio é endêmico no país, não conhece limites de idade, cor ou classe econômica. O combate a essa forma bárbara de criminalidade quotidiana contra as mulheres deve ser prioritária.” (ABUDE, 2021).
Assim, quando se trata de violência contra a mulher, tal conduta abrange todas as classes sociais, cor, etnia, etc. E em sua maioria, é causada pelo companheiro ou ex-companheiro, mesmo com medida protetiva ativa. Isso evidencia o quanto o Estado precisa estabelecer que as regras sejam efetivas, o que evitaria a ocorrência de diversas tragédias e evitaria que inúmeras crianças não ficassem órfãs.
6 Considerações Finais
Ante o exposto, pode-se concluir que a Lei Maria da Penha é de extrema importância para a proteção em favor da mulher, no entanto, foi possível identificar diversas falhas que contribuem para a ineficácia da medida protetiva que as vinculam.
No Brasil e no mundo, há uma cultura degradada, por conta da existência do patriarcado, onde o homem exerce uma soberania diante da mulher, não só pela força física, mas, também, pelo poder de manipular e tratar a mulher como um objeto de sua posse.
É importante destacar que,o combate à violência contra a mulher seja efetivo, é necessário, além da participação da vítima, a atuação do Estado e da sociedade.
Verificou-se ainda, que as medidas protetivas, para produzirem os efeitos esperados, dependem de o agressor obedecê-las, para não se tornarem ineficazes, devido a lacunas alocadas pelas normas jurídicas.
Além disso, a Lei Maria da Penha necessitada criação de políticas públicas assertivas, pois, faz-se necessário, o exercício eficiente por parte do Estado, adequando o Direito aos casos concretos para que seja alcançada a medida instaurada contra o agressor, proporcionando uma vida saudável a vítima, bem como uma adequação social para a sociedade.
Ademais, fica claro que é de extrema relevância que haja uma educação básica para a instrução da sociedade sobre a temática, um maior número de juizados especializados que julguem casos de violência contra a mulher, a criação de mais abrigos, a fiscalização do Estado para verificar o cumprimento da medida protetiva, bem como avaliações psicossociais, contribuindo para que as medidas protetivas de urgência da Lei Maria da Penha sejam mais eficazes.
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[1] Mestre em Segurança Pública, Cidadania e Direitos Humanos pela Universidade do Estado do Amazonas -UEA, Manaus, Amazonas. Advogada, Orientadora pelo Centro Universitário do Norte -UNINORTE, Manaus, Amazonas.
Graduada em Direito pelo Centro Universitário do Norte - UNINORTE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROCHA, Yana Paiva da. A ineficácia da medida protetiva na Lei Maria da Penha Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 dez 2021, 04:27. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57783/a-ineficcia-da-medida-protetiva-na-lei-maria-da-penha. Acesso em: 23 dez 2024.
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