PEDRO IWYSON DO MONTE OLIVEIRA[1]
(Coautor)
JULIANO DE OLIVEIRA LEONEL[2]
(Orientador)
RESUMO: O presente estudo visa analisar a constitucionalidade do aumento da pena máxima no direito penal brasileiro, alterado pelo art. 2º da Lei nº 13.964/2020, analisando princípios gerais do direito e a realidade do sistema carcerário. Conforme a metodologia utilizada, tendo em vista o tipo de pesquisa bibliográfica e abordagem dedutiva, foi desenvolvido um estudo em conjunto com doutrina e legislação a fim de averiguar não só a alteração do limite da pena, mas também o todo o contexto social e no âmbito prisional, demonstrando a falta de infraestrutura do sistema carcerário para o recebimento do aumento da pena. Deste modo, ante as vagas justificativas apresentadas para a mudança e o cenário precário das penitenciárias, é possível concluir que esta mudança pelo Pacote Anticrime desvirtua a finalidade educativa da pena, vez que carrega um caráter eminentemente punitivo, além da potencial violação generalizada e sistêmica de princípios constitucionais. Por fim, a atualização da norma deve ser sempre norteada pela irretroatividade de direitos e garantias historicamente conquistados no Estado Democrático de Direito.
Palavras-chave: Limite Penal, Direito Penal, Inconstitucionalidade, Pacote Anticrime.
ABSTRACT: The present study to analyze the constitutionality of increasing the maximum penalty in Brazilian criminal law, amended by art. 2 of Law No. 13.964/2020, analyzing general principles of law and the reality of the prison system. According to the methodology used, in view of the type of bibliographic research and deductive approach, a study was developed in conjunction with doctrine and legislation in order to investigate not only the change in the penalty limit, but also the entire social context and scope prison, demonstrating a lack of infrastructure in the prison system to receive the increased sentence. Thus, given the vague justifications for the change and the precarious scenario of the penitentiaries, it is possible that this change by the Anti-Crime Package distorts the education of the penalty, as it carries an eminently pun character, in addition to the potential widespread and systematic violation of constitutional principles. Finally, the updating of the norm must always be guided by the non-retroactivity of rights and guarantees historically achieved in the Democratic State of Law.
Keywords: Criminal Limit, Criminal Law, Unconstitutionality, Anti-crime Package.
Sumário: 1. Introdução. 2. Finalidade e função social da pena. 3. Aumento do limite da pena e princípios gerais do direito. 4. Pacote Anticrime e seu grande potencial encarcerador. 5. Análise da atualização da norma sem margens de retrocessos. 6. Conclusão. Referências.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo visa investigar a constitucionalidade do aumento da pena máxima frente ao Direito Penal brasileiro. A medida trazida pela Lei nº 13.964 de 2019, popularmente conhecida como Pacote Anticrime, eleva o limite de cumprimento para a pena privativa de liberdade aplicada no Direito Penal de 30 (trinta) anos para 40 (quarenta) anos.
Desta forma, tem-se por delimitação do tema o gradativo e impactante processo de perpetuidade da pena - erradicado pela CF/88, onde são levados em consideração a superlotação carcerária e o grande poder de encarceramento que este tipo penal traz ao atual Estado Democrático de Direito. O desenvolvimento do presente estudo terá como berço e metodologia a revisão bibliográfica doutrinária de obras e normas penais sob ótica de possíveis efeitos advindos do aumento do limite de cumprimento da pena privativa de liberdade, tendo em vista os preceitos fundamentais resguardados pela Constituição Federal de 1988.
Tendo isso, o problema de pesquisa questiona: É constitucional a medida trazida pelo art. 2º da Lei nº 13.964 de 2019, que altera a pena máxima no direito penal brasileiro de 30 anos para 40 anos?
Assim, em seu primeiro tópico, o presente estudo desenvolve-se ao analisar o posicionamento doutrinário a respeito da finalidade e função social da pena, uma vez que, tratam-se de conceitos principiológicos norteadores do Direito Penal brasileiro quando se é questionado os fins punitivos relativos a práticas delituosas. Sendo assim, demonstra ainda que tal mudança, no entanto, levanta um questionamento a respeito da violação do art. 5º, inciso XLVII da Constituição Federal de 1988, que consagra o princípio da humanidade das penas, além de vedar o seu caráter perpétuo. Além disso, é cabível o questionamento quanto à finalidade e função social da pena no Direito Penal brasileiro, visto que a pena deve ter um caráter misto – retributivo e ao mesmo tempo educativo. Assim, em teoria, o apenado estaria perdendo a oportunidade de reeducar-se e posteriormente reinserir-se no meio social, uma vez que quase toda sua vida já teria se passado dentro do ambiente prisional.
A situação do sistema penitenciário do país pode ser evidenciada em apenas um fato: o reconhecimento do Estado de Coisas Inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Segundo um levantamento realizado pelo portal G1, no início de 2020 o Brasil ocupava a 26ª posição no ranking de países com maior população carcerária, com mais de 710 mil presos. Este é um dado preocupante frente à realidade vindoura, tendo em vista que a tendência é que a população carcerária, que já é uma das maiores do mundo, aumente gradativamente.
Deste modo, objetiva-se no segundo tópico analisar um dos motivos apontados para que o art. 75 fosse alterado, que é o aumento da expectativa de vida da população, visto que o Código Penal foi instituído na década de 40 e naquela época a expectativa de vida da população era menor, justificando assim a necessidade de uma precisa análise desse novo tipo normativo através deste artigo. No entanto, o objetivo do presente estudo trata-se da consideração da realidade carcerária do país, tendo em vista que esta realidade pode afetar diretamente no envelhecimento dos presos. Na verdade, o estado em que vive a população encarcerada tende a decrescer a expectativa de vida destes.
Apesar de ainda ser um tema bastante discutido, alguns estudiosos apontam a idade de 55 anos para que um preso seja considerado idoso, enquanto a população em geral é considerada idosa a partir dos 60 anos de idade. Esta discrepância pode ser uma evidência de que, na realidade, a expectativa de vida da população carcerária não está no mesmo patamar da expectativa de vida em geral, podendo ser um indicador de que tal alteração trazida pelo Pacote Anticrime não devesse ter sido feita, ou ao menos tivesse sido levado em conta este cenário e, consequentemente, alterado de forma menos agressiva.
Já o terceiro tópico aborda o fato de que Pacote Anticrime é uma norma legislativa que aparenta e demonstra um grande caráter prisional, o que difere da realidade social precária, que é relatada nos presídios a todo momento, por emissoras televisivas e veículos comunicativos. Deste modo, a atuação conjunta entre o Judiciário e o Legislativo é essencial para que os atos praticados através do instrumento da lei não agravem o processo da superlotação carcerária enfrentada pela sociedade. Cumpre destacar que o encarceramento em massa em nada contribui ou resolve o problema da segurança pública do país, ao contrário do que se almeja com uma severa alteração trazida como esta. Do contrário, apenas eleva o estado desumano ao qual os apenados são submetidos, ao mesmo tempo que aumenta o custo ao Estado para sustentar as penitenciárias.
Por fim, o trabalho demonstra a realidade precária que os prisioneiros vivem nas penitenciárias brasileiras acarretando o surgimento da violação de Direitos Humanos, uma vez que a superlotação tem levado os encarcerados a situações degradantes, o que não se compactua com os ditames da Constituição Federal de 1988. Sendo assim, neste mesmo sentido, o estudo terá como objetivo fundamental a análise do impacto da mudança do limite da pena privativa de liberdade frente aos direitos fundamentais resguardados na Constituição Cidadã, já que não se pode olvidar que a pena deve restringir apenas a liberdade de locomoção do encarcerado, de modo algum podendo submetê-lo a condições sub-humanas.
2 FINALIDADE E FUNÇÃO SOCIAL DA PENA
O cumprimento das penas privativas de liberdade no Brasil tem a finalidade de “simultaneamente, castigar o condenado pelo mal praticado e evitar a prática de novos crimes, tanto em relação ao criminoso como no tocante à sociedade.” (MASSON, 2020, p. 465), uma vez que o Código Penal segue as diretrizes da teoria mista, levando em consideração a função social da pena. Assim, a pena possui um caráter retributivo, na medida em que impõe um mal justo a quem cometeu um mal injusto, sendo feito, desta forma, a justiça, mas ao mesmo tempo possui um caráter educativo, visto que também tem por objetivo prevenir tanto de forma geral quanto de forma específica a reiteração de uma conduta delitiva.
Entretanto, “a análise da pena criminal não pode se limitar ao estudo das funções atribuídas pelo discurso oficial, definidas como funções declaradas ou manifestas da pena criminal; pelo contrário, esse estudo deve rasgar o véu da aparência das funções declaradas da ideologia jurídica oficial” (SANTOS, 2012, p. 420). De fato, é preciso olhar além das finalidades oficiais e analisar quais são as finalidades no campo da realidade, isto é, na prática.
No campo da realidade, é possível notar que uma das finalidades oficiais há muito tempo foi deixada de lado em detrimento de outra. Temos um cenário em que a pena em nada previne ou ressocializa o infrator, apenas retribui o mal pelo crime cometido, e o resultado não poderia ser outro senão a superlotação do sistema penitenciário. Não bastasse isso, o advento de uma nova lei de caráter eminentemente inquisitorial, que acentua ainda mais a finalidade punitiva da pena e deixa de lado a finalidade ressocializadora, em nada melhora o quadro, mas só tende a piorá-lo.
Brilhantemente afirma Vilarins (2020) que ainda que a teoria adotada pelo ordenamento seja unificadora, a realidade do sistema prisional brasileiro é bem diferente. Na prática, o Estado não consegue prevenir de forma eficaz a reincidência das infrações, dadas as péssimas condições às quais os apenados são submetidos dentro dos estabelecimentos prisionais. Esta realidade vai diretamente de encontro com a Lei de Execução Penal, que assevera o papel do Estado, dispondo em seu art. 10 que “a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.” (BRASIL, 1984)
Deste modo, não há sombra de dúvidas de que, ao menos no campo da teoria, a finalidade da pena jamais pode ser meramente retributiva, devendo o apenado receber toda assistência e orientação possível para que possa ser reeducado e reinserido no meio social após o cumprimento de sua pena, e assim ela cumpra sua finalidade por completo.
3 AUMENTO DO LIMITE DA PENA E PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO
Antes do advento da Lei nº 13.964/2019, aprovada em 24 de dezembro de 2019 e em vigor a partir de 23 de fevereiro de 2020, o limite estabelecido pelo art. 75 do Código Penal para o cumprimento de pena privativa de liberdade era de 30 anos. Entretanto, o texto do Pacote Anticrime dilata este limite estabelecido pelo Código Penal, aumentando de 30 para 40 anos o tempo máximo de cumprimento da pena privativa de liberdade.
Este tempo máximo é imposto como um limite ao Poder Punitivo do Estado, com o objetivo de resguardar o indivíduo de uma possível violência - ou ao menos um excesso de violência, praticado pelo Estado. Tal limitação advém da ideia de garantismo penal defendida pelo brilhante teórico Ferrajoli, que entende que:
o modelo de garantias seria caracterizado por uma cadeia de princípios ou máximas que corresponderiam às restrições necessárias ao poder punitivo nos Estados democráticos de direito. Assim, não seria admissível a imposição de uma pena sem que tenha sido cometido um fato, previsto legalmente como crime, de necessária proibição, gerador de efeitos danosos a terceiros, caracterizado por uma conduta humana exterior provocada por urna pessoa culpável. (FERRAJOLI, Diritto e Ragione, 1989, p. 80 apud CARVALHO, 2013, p. 250)
Desta forma, a Constituição Federal de 1988 dispõe uma série de princípios fundamentais pelos quais o sistema jurídico-penal deve se guiar, quais sejam: princípio da legalidade, amparado pelo art. 5º, XXXIX da Constituição Federal; princípio da pessoalidade, consagrado no inciso XLV do art. 5º; princípio da individualização da pena, materializado no inciso XLVI do art. 5º, e; princípio da humanidade, presente no inciso XLVII do referido artigo constitucional.
Para a adoção de novos tipos normativos ao regulamento interno, legislador e forense do presente sistema, se faz necessário a observância de costumeiros princípios que regem o Direito brasileiro. Alguns princípios norteadores da Constituição Federal e do âmbito penal, como o da proporcionalidade que, segundo Cirino (2012), segue a teoria germânica composta por princípios parciais: o da adequação e o da necessidade.
Diante disso, tais ditames parciais da adequação e da necessidade estão voltados ao aperfeiçoamento esperado das possibilidades da realidade, que buscam meios necessários e adequados para fins de proteção ao determinado bem jurídico, ou seja, o fato da existência de possíveis dispositivos normativos caracterizados por excessiva matéria punitiva e até mesmo proporcionais constituem, segundo ele, o “desvalor da ação ou do resultado” em face do fato infracional.
Com relação à Dignidade da Pessoa Humana, afirma Cirino (2012) que a legislação respeitará e garantirá a integridade física e moral do condenado, vez que observadas a Constituição Federal, lei penal e lei de execução penal com o fim de assegurar tais direitos não abrangidos pela sentença condenatória ou ato normativo, tendo em vista que devido ao encarceramento em massa e o grande potencial prisional da lei nº 13.964/2019, têm suas diretrizes violadas gradativamente.
4 PACOTE ANTICRIME E SEU GRANDE POTENCIAL ENCARCERADOR
A Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019, popularmente chamada de Pacote Anticrime foi uma proposta legislativa apresentada pelo Ministro da Justiça, à época o ex-magistrado Sérgio Moro, que passou a vigorar a partir do dia 23 de fevereiro do ano de 2020. A aprovação do chamado Pacote Anticrime, que previa seu período de vacatio legis de apenas trinta dias, fez diversas alterações no Código Penal e também no Código de Processo Penal. Uma de suas alterações foi no art. 75 do Código Penal, que alterou o tempo máximo de cumprimento de pena privativa de liberdade de trinta para quarenta anos.
As justificativas para essa significativa mudança foram:
a) Em 1940, a expectativa de vida dos brasileiros era, em média, de 45,5 anos. Em 2018, de acordo com o IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, tal média saltou para 76,3 anos; e
b) No passado, as penas dos crimes eram menores, e raramente alguém praticava mais de um delito de elevada gravidade. Atualmente, contudo, diversos crimes têm penas máximas altas, e são repetidamente cometidos por algumas pessoas. Exemplificativamente, ao estupro qualificado pela morte (CP, art. 213, § 2°) é cominada a pena máxima de 30 anos de reclusão. Se o sujeito praticasse diversas infrações desta natureza, com o limite de 30 anos indiscutivelmente faria pouca diferença se ele estuprasse duas, três ou mais pessoas, daí resultando a morte das vítimas. Em qualquer caso, somente poderia cumprir 30 anos de privação da liberdade. (MASSON, 2020, p. 672)
Por se tratar de uma situação de novatio legis in pejus, não é possível a retroação da alteração, ou seja, só se aplica a delitos praticados após a vigência da medida.
Além disso, houve a alteração do § 1º do art. 75, que agora prevê que em caso de o agente seja condenado a mais de uma pena privativa de liberdade e a soma for superior ao limite de quarenta anos, elas devem ser unificadas para atender o limite penal.
É de grande saber que o aumento do limite de cumprimento da pena previsto na Lei n. 13.964/2019 tem levantado muitos questionamentos a respeito do seu considerável potencial carcerário. De acordo com Mendes, Martínez (2020), a precariedade existente no sistema prisional brasileiro, levou o Supremo Tribunal Federal a reconhecer em face dos apenados a existência do Estado de Coisas Inconstitucional no sistema prisional, com o objetivo essencial de diminuir o alarmante índice da população carcerária nos presídios.
Afirmam ainda Mendes, Martínez (2020), que o Pacote Anticrime nasce sob orientação política com anseio da efetividade propagada pelo encarceramento puro e simples, situação essa que diverge dos parâmetros da razoabilidade existente nos tratados internacionais de Direitos Humanos vigentes. Partindo disso, os impactos estruturais/financeiros e humanos causados em face da pena, promovem uma imposição desproporcional de dor aos encarcerados que vai além das finalidades que compactuam com esse instituto.
Seguindo a lógica das palavras de Rui Barbosa, a extensão da pena limite de trinta para quarenta anos significa nada mais do que um eufemismo da pena perpétua ou da pena de morte, visto que o encarcerado é submetido a maior parte de sua vida à privação de sua liberdade, em um ambiente de baixíssima qualidade de vida.
Ademais, a alteração do tempo máximo de cumprimento efetivo da pena privativa de liberdade afeta diretamente a situação do sistema prisional brasileiro. Segundo dados do último levantamento do DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional), a população carcerária no ano de 2020 chega a mais de 700 mil pessoas privadas de liberdade, o que coloca o país entre os primeiros no ranking dos que mais encarceram no mundo. A estrutura dos presídios, no entanto, nitidamente não comporta a quantidade de presos, visto que a grande maioria dos presídios apresenta superlotação da capacidade de presos.
Esse é um problema que vem se arrastando há um bom tempo, fazendo com que o Supremo Tribunal Federal declarasse o sistema carcerário como um “Estado de Coisas Inconstitucional” por meio da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 347/15, levando em conta a violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais, além da inércia ou incapacidade das autoridades públicas diante da situação.
O reconhecimento do Estado de Coisas Inconstitucional por parte da Suprema Corte permite a adoção de medidas que visam auxiliar os demais poderes de forma a contribuir para a melhora da situação carcerária nacional. Algumas medidas adotadas foram a proibição do Poder Executivo contingenciar os valores do Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN), e a determinação de que juízes e tribunais passem a realizar audiências de custódia em um prazo de até 24 (vinte e quatro) horas do momento da prisão.
Ainda assim, o aumento da pena máxima no Direito Penal diante de um sistema penitenciário totalmente despreparado para essa mudança tende a piorar ainda mais a dura realidade dos presídios. Desta forma, entendem os juristas Aury Lopes Jr. e Alexandre Morais da Rosa (2021) que é desnecessário fazer qualquer análise sob a ótica da criminologia para concluir que aumento do tempo de cumprimento das penas não é sinônimo de menos crime ou menos violência, mas sim o contrário, apenas sinônimo de mais barbárie as quais os encarcerados são submetidos dentro dos presídios brasileiros.
5 ANÁLISE DA ATUALIZAÇÃO DA NORMA SEM MARGENS DE RETROCESSOS
Muito se fala em “retrocesso das normas do Direito Penal” em face da atuação no âmbito forense e regulamentar das leis, partindo da falsa visão de que “punir mais significa punir melhor”, na qual só faria sentido se o sistema penitenciário tivesse a infraestrutura necessária para receber os apenados de forma minimamente humana, sem superlotação, com a devida assistência em todos os âmbitos, para que de fato a pena cumpra seu objetivo, finalidade e função ressocializadora da pena. Aduz ainda Saraiva (2020, p. 184) que por certo que quarenta anos no cárcere é uma experiência de morte em vida uma vez que, a reclusão dentro de tais aspectos repassam efeitos de perpetuidade do cárcere privado.
De acordo com a análise de Bitencourt (2018) a respeito das atualizações das leis penais em vista da contemporaneidade da nova sociedade, não se debate a essencialidade as inovações concebidas pelo Direito Penal através dos anos, desde que não retroceda a costumes repudiados pela vigente Constituição Federal, Tratados Internacionais de Direitos Humanos e leis federais. Não se pode abrir mão dos direitos e garantias fundamentais adquiridas historicamente, no qual foram conquistados através da luta da democracia e atualmente são representadas e expressadas por estes meios normativos.
Neste sentido, levando em consideração a possível violação aos princípios norteadores do Direito e a instabilidade do sistema prisional brasileiro, os legisladores não devem se atentar somente ao crescimento da expectativa de vida populacional da comunidade brasileira, mas também em resguardar todos os direitos e garantias fundamentais conquistados por brasileiros através de vários movimentos populares, adquiridos desde o período colonial até a atual forma de Estado democrático de Direito.
Por certo, a justificativa apresentada pelo legislador para uma alteração tão significativa quanto o aumento do limite de cumprimento da pena privativa de liberdade de 30 para 40 anos não pode, em hipótese alguma, ser tão vaga e generalista. Devem ser analisados diversos outros fatores além do aumento da expectativa de vida da população em geral e a mudança na natureza dos crimes, como o cenário em que se encontram os apenados dentro das penitenciárias, e, consequentemente, a reduzida expectativa de vida desta parcela da específica da população, que é a parte diretamente afetada por esta mudança.
O atual condicionamento da crise carcerária que assola o Brasil repassa um contraste semelhante às imparcialidades historicamente registradas, relatadas e presenciadas pela humanidade, como é o caso do surgimento da lei de talião com a legalização do “olho por olho, dente por dente”, estancou de uma certa forma as exterminações tribais causadas pela vingança sem limites ou proporcionalidade desses meios de sanção, que no próprio período medieval, a Inquisição e a própria Igreja Católica sentenciavam a penas desumanas os condenados. Partindo disso, a atual lei nº 13.964/2019 tem o nascimento concretizado através do clamor público e orientação política, satisfazendo uma falsa sensação de justiça com empenho em prerrogativas de inquisição, bem como vários fatores que se demonstram favoráveis para determinadas pessoas e classes sociais, desigualdades essas que nos assolam desde épocas medievais devido aos processos da revolução industrial e globalização.
6 CONCLUSÃO
Conforme referido durante o presente estudo, a alteração do limite de cumprimento da pena privativa de liberdade pelo art. 2º da Lei nº 13.964/2019 possui um grande potencial de ferir direitos fundamentais resguardados pela Constituição Federal de 1988, tal como demonstrado por uma série de razões apontadas.
A priori, é possível identificar que o aumento do limite da pena privativa de liberdade pelo art. 2º do Pacote Anticrime vai de encontro à teoria mista, que rege a finalidade da pena no direito penal brasileiro. Ao dilatar o tempo máximo de cumprimento da pena, a referida legislação abre mão da função educativa/ressocializadora da pena em detrimento da função exclusivamente punitiva, o que viola sistematicamente direitos fundamentais dos apenados.
Sob a ótica constitucional, este aumento do limite de cumprimento da pena privativa de liberdade, advindo de uma legislação de caráter eminentemente punitivo, é potencialmente inconstitucional, vez que as justificativas apresentadas são vagas, sendo necessário a análise de diversos outros fatores para realizar uma alteração tão significativa quanto o referido aumento do limite da pena, como a realidade em que se encontra os presídios brasileiros, ferindo princípios fundamentais, conforme reconhecido pela ADPF n. 347/15.
Ademais, não se pode olvidar da importância de manter a legislação atualizada ao contexto social e o surgimento de novas necessidades. Entretanto, esta atualização jamais se justificaria ao ferir preceitos resguardados pela Carta Magna, visto que tamanho seria o retrocesso, vislumbrando períodos sombrios da história humana. Deste modo, é essencial que, ao realizar atualizações na norma penal, o legislador cuide de analisar detalhadamente todo o contexto e os impactos a serem causados por tal mudança, seja a curto, médio ou longo prazo.
Isto posto, ante o reconhecimento do Estado de Coisas Inconstitucional pela ADPF nº 347/15, este estudo entende que a alteração do limite de cumprimento da pena privativa de liberdade é inconstitucional, porquanto fere a diversos incisos do art. 5º da CF/88, principalmente o inciso XLVII, que veda a aplicação de penas de caráter perpétuo e cruéis, e o princípio da humanidade, presente no inciso XLVII, tendo em vista que o cumprimento de 40 anos de pena na realidade sub-humana das penitenciárias do país, que viola de forma sistêmica e generalizada os direitos fundamentais dos apenados, acaba por submeter o apenado à morte em vida.
Por fim, cumpre destacar que o presente artigo não possui a pretensão de esgotar e findar a discussão acerca do tema abordado, vez que ainda é um assunto pouco abordado devido ao pouco tempo de alteração. Assim, ainda são necessários mais estudos, enriquecendo o debate acerca desta significativa mudança na pena privativa de liberdade.
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[1] Acadêmico do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho - UNIFSA. E-mail: [email protected].
[2] Professor do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA, Mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília – UFC. E-mail: [email protected].
Graduando em Direito pelo Centro Universitário Santo Agostinho - UNIFSA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JUNIOR, Oseilson Matos Moreno. Pacote anticrime: análise da constitucionalidade do aumento da pena máxima no Direito Penal brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 dez 2021, 04:10. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57819/pacote-anticrime-anlise-da-constitucionalidade-do-aumento-da-pena-mxima-no-direito-penal-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: LUIZ ANTONIO DE SOUZA SARAIVA
Por: Thiago Filipe Consolação
Por: Michel Lima Sleiman Amud
Por: Helena Vaz de Figueiredo
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