RESUMO: A ação popular é um dos instrumentos democráticos previstos na Constituição Federal que concede ao cidadão o direito de pleitear em juízo a anulação ou invalidação de atos administrativos praticados por pessoas jurídicas de Direito Público. Trata-se de um remédio constitucional que possibilita ao cidadão, em nome próprio, que esteja em pleno gozo de seus direitos políticos tutelar o interesse da coletividade de forma a prevenir ou anular atos lesivos praticados por agente públicos ou a eles equiparados por lei ou delegação, notadamente a proteção do meio ambiente. O presente artigo busca, nesse sentido, analisar a utilização da ação popular na defesa da proteção do meio ambiente nos Municípios.
Palavras-chave: Ação Popular. Meio Ambiente. Municípios.
Sumário: 1. Introdução. 2. Da competência dos Municípios. 3. Ação Popular 4. Ação Popular Ambiental nos Municípios. 5. Considerações Finais. 6. Referências.
INTRoDUÇÃO
O crescimento econômico, a preservação do meio ambiente e a equidade social devem caminhar de forma harmônica, sendo que o período anterior à Revolução Industrial, tal afirmação seria considerada descabida e absurda, eis que a noção de progresso que sustentava a modernização e o crescimento econômico colidiam com as noções básicas de preservação ambiental.
Logo após a Revolução Industrial, um dos maiores problemas do desenvolvimento econômico mundial é o destino dos resíduos sólidos, líquidos e gasosos provenientes da produção industrial e do consumo em massa dos bens produzidos, fazendo do ser humano um grande produtor de lixo em massa.
Considerando que a Constituição Federal impõe ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, é obrigação do cidadão utilizar dos meios constitucionais e legais disponíveis para cumprir a determinação constitucional.
Todavia, o cotidiano já comprovou que o brasileiro “outorga” exclusivamente ao Estado a função de defender e proteger o meio ambiente, sendo que o Poder Público, fazendo com que a cidadania seja exercida de forma deficiente.
Assim, a ação popular ambiental além de ser uma ação constitucional, deve ser entendida como uma forma de exercício da cidadania nos Municípios, sendo uma obrigação moral e social que o bem comum esteja em primeiro lugar e atuar sempre que possível para promovê-lo é dever de todo cidadão responsável.
2. A competência dos municípios
A técnica utilizada pelo legislador constituinte consistiu na enumeração dos poderes da União e dos Municípios, com poderes residuais aos Estados e ao Distrito Federal.
Por não haver hierarquia entre os entes federados, e para garantir-lhes a autonomia, a Constituição procede a uma repartição de competências. De forma sucinta, pode-se afirmar que na repartição de competências legislativas aplica-se o princípio da predominância dos interesses, jamais de exclusividade, de modo que à União caberão as matérias de interesse nacional, aos Estados, as de interesse regional, enquanto aos Municípios restarão as competências legislativas de interesse local.
Como ensina Nathalia Masson:
Vale informar, ainda, que no direito brasileiro a observância deste princípio norteia a repartição de tarefas, mas não a define em absoluto, afinal nossa tradição histórica, nitidamente centralizadora, e a efetiva e real possibilidade de implementação das competências, muitas vezes desloca atividades de marcada importância regional/local para a União. Some-se a isso a circunstância de cercas atribuições necessitarem de grande aporte financeiro para serem cumpridas e também o desejo de termos uniformidade legislativa na federação no cratamenco de certos remas, e está justificada a centralização das competências na União, com claro afastamento do princípio em estudo. (MASSON, 2015, p. 218).
Contudo, previu o legislador constituinte que em algumas matérias, em especial no direito ambiental, questões poderão existir não só de interesse local, mas também regional ou, até mesmo, nacional.
A Constituição Federal impõe a todos os entes políticas a competência para proteger o meio ambiente, sendo esta atribuição administrativa comum, conforme disciplinado de maneira detalhada no artigo 23, III, IV, VI, VII e XI, da Constituição Federal.
Nos ensinamentos de Paulo Afonso Leme Machado:
a constituição não quer que o meio ambiente seja administrado de forma separada pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. É razoável entender-se que, na competência comum, os entes devam agir conjuntamente. (MACHADO, 2014, p. 45).
Ciente da necessidade da estrita obediência ao federalismo de cooperação, o legislador pátrio editou a Lei Complementar nº 140, de 8 de dezembro de 2011, que "fixa normas, nos termos dos incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal, para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora; e altera a Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981".
A competência legislativa dos municípios decorre do artigo 30, I e II, da Constituição, cabendo a eles legislar sobre assuntos de interesse local e de forma suplementar à legislação estadual e federal no que couber.
Por sua vez, a competência material comum está preceituada no artigo 23, III, IV, VI, VII e XI, da Constituição Federal. Ressalta-se ainda que a Lei Complementar 140/2011 listou as competências ambientais da União no seu artigo 7.º; as dos Estados no artigo 8.º e as dos Municípios no artigo 9.º, cabendo ao Distrito Federal exercer cumulativamente as competências estaduais e municipais, pois neste ente político inexistem municípios.
Outrossim, excepcionalmente, determinadas competências materiais restaram reservadas exclusivamente à União, por força do artigo 21, IX, XVIII, XIX, XX e XXIII, da Constituição.
A Constituição reservou aos Municípios a competência material de promover, no que couber, o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano, conforme norma do artigo 30, inciso VIII, da Constituição.
3. AÇÃO POPULAR
A defesa do meio ambiente ganhou papel fundamental para a evolução da humanidade, e no caso do Brasil, ganhou status de direito fundamental inerente ao próprio ser humano, sendo elevado a condição de cláusula pétrea. Todo, sem exceção, direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Nesse ponto, a ação popular tem papel fundamental para a defesa e a preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado, pois a própria Constituição Federal prevê que qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao meio ambiente. Tal papel será explorado nos próximos tópicos.
Natália Masson leciona que
Esta ação tem suas origens no direito romano; a expressão que a identifica ("ação popular") deriva do faro de atribuir-se ao povo, ou a parcela dele, legitimidade para pleitear, por qualquer de seus membros, a cutela jurisdicional de interesse que não lhe pertence ut singuli, mas à colecividade. Por meio da actio popularis, era permitido a qualquer um do povo valer-se desse instrumento capaz de defender interesses da coletividade, da coisa pública - res publica. (MASSON, 2015, p. 518).
Dois são os requisitos para o ajuizamento da ação popular, quais sejam, (i) requisito subjetivo: somente tem legitimidade para a propositura da ação popular o cidadão; (ii) requisito objetivo refere-se à natureza do ato ou da omissão do Poder Público a ser impugnado, que deve ser, obrigatoriamente, lesivo ao patrimônio público, seja por ilegalidade, seja por imoralidade. Conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal, a ação popular é destinada a preservar, em função de seu amplo espectro de atuação jurídico-processual, a intangibilidade do patrimônio público e a integridade da moralidade administrativa (CF, art. 5º, LXXIII).
O Ministério Público, enquanto instituição, não possui legitimação para o ingresso de ação popular, porém, como parte pública autônoma, funciona como fiscal da lei (de modo mais abrangente, o art. 179, caput, do CPC/2015, fala em “fiscal da ordem jurídica”), mas, caso o autor popular desistir do prosseguimento da ação popular, poderá (entendendo presentes os requisitos) promover o seu prosseguimento (art. 9.º da lei).
4. A AÇÃO POPULAR NA DEFESA DO MEIO AMBIENTE DOS MUNICÍPIOS
Após a análise do instituto constitucional da ação popular, conclui-se que o legislador constituinte ofereceu um instrumento de participação popular extremamente importante para combater a atual crise ambiental, a qual pode ser entendida como o resultado da nítida falência dos modelos extrativistas do meio ambiente, causando graves consequências ao meio ambiente e ao bem-estar da coletividade.
Na defesa do meio ambiente por meio da ação popular a lesividade é sempre presumida, dispensando-se, sua comprovação. A alegada lesividade é decorrência do direito material tutelado (meio ambiente) e, portanto, deve-se operar automaticamente. Todavia, ressalva-se que ação popular sempre restringir-se-á à esfera de atuação administrativa direta ou indireta (dos poderes do Estado – União, Estado, Distrito Federal e Municípios), abrangendo apenas os atos, os contratos administrativos e os fatos administrativos, bem como as resoluções ou portarias que violem o meio ambiente.
De forma sintética, pode-se concluir que ato lesivo é todo ato ou omissão do agente público que de alguma forma prejudica a administração e consequentemente toda a sociedade, podendo essa lesão, segundo Hely Lopes Meirelles, ser:
tanto pode ser efetiva quanto legalmente presumida, visto que a lei regulamentar estabelece casos de presunção de lesividade (art.4º), para os quais basta a prova da prática do ato a naquelas circunstâncias para considerar-se lesivo e nulo de pleno direito. (MEIRELLES, 1999, p. 177)
Assim, a ação popular ambiental além de ser uma ação constitucional, deve ser entendida como uma forma de exercício da cidadania nos Municípios, sendo uma obrigação moral e social que o bem comum esteja em primeiro lugar e atuar sempre que possível para promovê-lo é dever de todo cidadão responsável.
7. CONCLUSÃO
Como vimos, a ação popular é uma das mais importantes ações constitucionais, uma vez que permite ao cidadão buscar a invalidação de atos ou contratos administrativos que causem lesão ao patrimônio público ou ainda à moralidade administrativa, ao patrimônio histórico e cultural e ao meio ambiente.
Todavia, com o vertiginoso aumento da quantidade de resíduos e também com o aumento da complexidade de sua qualidade, chegamos à situação atual, na qual toneladas de resíduos gerados diariamente representam uma grande ameaça para a natureza e até mesmo para a vida no planeta, sendo a ação popular subutilizada na defesa do meio ambiente.
Como demonstrado neste trabalho, o exercício da ação popular ambiental visa proporcionar ao autor-cidadão o direito de impugnar junto ao Poder Judiciário, preventiva ou repressivamente os atos da Administração que resultem em lesão ao meio ambiente.
O conceito de cidadania, por si só, é muito amplo, sendo que de forma sucinta pode ser definida como um conjunto de direitos e de deveres que permite aos cidadãos e cidadãs o direito de participar da vida política e da vida pública, podendo votar e serem votados, participando ativamente na elaboração das leis e do exercício de funções públicas.
Contudo, a realidade demonstra que os cidadãos brasileiros pouco ou quase nada fazem para inverter ou evitar as lesões ao meio ambiente, uma vez que todos são prejudicados devido ao desequilíbrio ambiental causado, sendo que tal quadro de inanição da cidadania deve ser motivo de estudo em outra oportunidade.
Outrossim, é imprescindível que a defesa do meio ambiente seja adotada de forma ampla e irrestrita e que se exija de todos a sua observância, transferindo-se para o cidadão uma parcela de responsabilidade pela defesa do meio ambiente, pois a ação popular, juntamente com o direito de sufrágio, direito de voto em eleições, plebiscitos e referendos, e ainda a iniciativa popular de lei e o direito de organização e participação de partidos políticos, constituem formas de exercício da soberania popular, uma vez que todo o poder emana do povo.
8. REFERÊNCIAS
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Pós Graduada em Direitos Humanos pelo Círculo de Estudos na Internet (CEI). Graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2016). Advogada na cidade de São Paulo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAVICHIOLI, Mirela. Ação popular na defesa do meio ambiente dos municípios Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 dez 2021, 04:05. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/57836/ao-popular-na-defesa-do-meio-ambiente-dos-municpios. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Medge Naeli Ribeiro Schonholzer
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